Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz, António Alberto Franco e Nuno de Oliveira Garcia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…, SA, NIPC…, com sede na …, n.º…, …-… Lisboa, em representação do B…, NIPC … (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 28-07-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2015, com os nºs. 2016…, 2016… e 2016…, com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-07-2016.
3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 03-10-2016 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 19-10-2016.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) No âmbito da sua atividade, é proprietário de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção.
b) As liquidações em análise respeitam ao prédio urbano com artigo matricial…, da freguesia de…, concelho do Porto, o qual, como resulta da respetiva caderneta predial estava inscrito na matriz como «terreno para construção».
c) As liquidações de Imposto do Selo em apreço, todas referentes ao ano 2015, resultam (alegadamente) da aplicação do artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, conjugada com a verba 28.1 da TGIS e com o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, a qual prevê a tributação da «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI - por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI» (cit.) – com a nova redação conferida à verba.
d) A Lei n.º 55-A/2012, de 29-10-2012, entre outras alterações, aditou à TGIS a respetiva verba 28, nos termos da qual o Imposto do Selo passou a incidir sobre:
- «propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000:
28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %;
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%».
e) Através da verba 28 da TGIS, o Governo pretendeu instituir assim uma tributação especial que incide apenas sobre prédios urbanos de valor superior a um milhão de euros.
f) Do ponto de vista teleológico, a referida verba visou assim tributar a riqueza e a capacidade económica dos contribuintes.
g) A verba 28.1 da TGIS, na sua atual redação, prevê a tributação de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o que resultou das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014.
h) O facto tributário gerador do Imposto do Selo é constituído por três pressupostos cumulativos, em concreto:
i. A titularidade do direito real sobre o prédio;
ii. O valor patrimonial tributário do prédio; e,
iii. Uma «edificação autorizada ou prevista» para «habitação».
i) A tributação em análise apenas será aplicável nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a efetiva edificação do terreno no caso concreto e que tal edificação se destine a habitação, pelo que, e ao contrário do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, a mera inscrição matricial do prédio como «terreno para construção», não legitima a aplicação da verba 28 da TGIS.
j) De facto, e ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha vindo a aplicar esta tributação – de forma cega – a todo e qualquer prédio inscrito como «terreno para construção», será sempre necessária uma análise prévia que permita concluir, caso a caso, se existe face a cada terreno uma efetiva edificação autorizada ou prevista para habitação.
k) O facto de um «terreno para construção» estar inserido numa área em que – de acordo com o respetivo Plano Diretor Municipal – é possível construir e que tais construções (permitidas) podem ser destinadas a habitação, não pode gerar, só por si, a aplicação da verba 28 da TGIS, pois, como diz José Manuel Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e Selo, Coimbra, Almedina, 3.ª Edição, págs. 110-111:
«O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza» (cit.)
l) No que respeita ao prédio em causa no presente pedido, o mesmo não tinha em 2015 – e não tem atualmente – uma «edificação, autorizada ou prevista» para habitação, conforme exigido pela verba 28.1 da TGIS, nem qualquer licença/autorização de construção (válidas) ou qualquer projeto (aprovado) a que acresce a circunstância de o Requerente ter qualquer intenção de afetar este prédio a qualquer tipo de construção ou projeto urbanístico.
m) Nestes termos, atenta a situação do prédio em análise, não poderia ter sido aplicada in casu a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS, dado não estarem verificados os respetivos pressupostos de aplicação.
n) Conforme decisões proferidos em Tribunal Arbitral, «a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da ‘afetação efetiva’».
o) Sem prescindir do exposto, alega que o Requerente, atenta a atividade que desenvolve, é proprietário de múltiplos imóveis, os quais são por si utilizados no âmbito da sua atividade, destinando-se apenas a ser (re)vendidos nos exatos termos em que foram adquiridos.
p) A titularidade do direito de propriedade sobre estes imóveis – nomeadamente, terrenos para construção –, não poderá jamais representar uma capacidade contributiva superior do Requerente, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira.
q) Invoca, a título subsidiário, que a tributação especial prevista na verba 28.1 da TGIS, quando aplicada a terrenos para construção, é contrária ao princípio basilar da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, em paralelo, contrária ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.
r) Em matéria de igualdade fiscal, a capacidade contributiva assume-se como um elemento essencial a ponderar, porquanto a efetiva igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes dependerá da existência de uma tributação idêntica para capacidades contributivas idênticas.
s) Está constitucionalmente vedada ao legislador ordinário a criação de normas de modo arbitrário, devendo as mesmas ser submetidas aos ditames de igualação e de discriminação positiva, conforme os casos.
t) Nos termos que se expuseram, a verba 28 da TGIS e a tributação especial resultante da mesma promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.
u) Salienta, entre a vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional, que:
«só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem» (cit.).
v) A propriedade de ‘prédios de elevado valor’ afetos/destinados à habitação não revela, por si só, uma maior capacidade contributiva do que a propriedade de ‘prédios de elevado valor’ afetos/destinados a outros fins, além de que esta tributação especial, nos moldes em que foi implementada – ao incidir sobre prédios urbanos, isoladamente considerados – não logra penalizar ou agravar de forma efetiva todos os proprietários que têm um património imobiliário de elevado valor e que, como tal, demonstram uma capacidade contributiva superior.
w) Acresce que a verba 28 TGIS em análise colide ainda com o princípio constitucional da igualdade tributária ao determinar uma manifesta situação de dupla tributação, por determinar a dupla tributação de um mesmo facto tributário: a titularidade de um direito real (a tributação em IMI e em Imposto do Selo).
x) Ao fazer depender apenas do valor patrimonial do terreno em si, não prevendo qualquer limitação à sua aplicação em função do valor das habitações autorizadas ou previstas, a verba 28.1 da TGIS deve ser julgada materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, por se pretender aplicar a «terrenos para construção» com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer imóvel (fracção autónoma ou outros) com valor patrimonial tributário igual ou superior àquele.
y) A jurisprudência do Tribunal Constitucional que se pronunciou já sobre a conformidade da verba 28.1 da TGIS com a CRP, não pode ser atendida nos presentes autos, conquanto a mesma respeita à apreciação da (in)constitucionalidade da norma quando aplicada a prédios habitacionais – e não quando aplicada a «terrenos para construção», como os prédios aqui em análise.
z) Conclui, por isso, o Requerente pela ilegalidade das liquidações objecto do pedido arbitral.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:
a) O imposto do selo define-se como um imposto indireto que incide sobre a formalização de atos jurídicos ou sobre factos tributários, previstos na TGIS e praticados no território nacional, pelo que se afirma hoje como um «imposto sobre operações que, independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza» (cit.).
b) No que tange à verba 28.1 da TGIS é um facto incontornável que a sua nova redação, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alargou expressamente o seu campo de incidência aos terrenos para construção, o que não tinha sucedido com a Lei n.º 55-A/2012, de 29 Outubro.
c) A esta nova redação, previsivelmente por razões de certeza e segurança jurídicas, não foi atribuída natureza interpretativa, o que obsta à sua aplicação aos factos tributários ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor (o que não sucede no caso vertente).
d) O que a Lei n.º 55-A/2012 visou tributar foi a riqueza advinda da propriedade imobiliária sujeitando a imposto do selo a propriedade e outros direitos reais sobre prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 € e não propriamente o luxo, isto porque a riqueza e o luxo são conceitos que não se sobrepõem forçosamente.
e) Através do artigo 192.º da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2014, o legislador alterou a verba 28 da TGIS, no sentido de alargar o seu campo de incidência objetiva, aí ficando expressamente determinado que o imposto do selo de 1% sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, com o valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, passasse igualmente a incidir sobre terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação.
f) A liquidação em apreço foi promovida já no âmbito do novo enquadramento legal, ou seja, a expressão terrenos para construção que não constava da Lei n.º 55-A/2012 passou a constar expressamente da Lei 83-C/2013, não advindo desta alteração quaisquer dificuldades interpretativas quanto à sujeição dos mesmos a tributação.
g) Sendo que, à luz do art. 9º do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
h) Além de que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
i) Acresce que não só a AT está vinculada ao princípio da legalidade, como também os sujeitos passivos devem conformar-se com a existência dos pressupostos de facto descritos na lei e com o reconhecimento dos efeitos jurídicos que deles, segundo ela, derivam.
j) Quanto à questão da alegada falta de coerência do sistema fiscal decorrente da tributação simultânea – na pessoa do mesmo sujeito passivo – dos direitos reais em sede de IMI e em sede do imposto do selo e consequente inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, devem as alegações do requerente improceder.
k) Estamos perante situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objeto de incidência de mais do que um tributo, o que só não é ilegal, como pode ser desejado pelo legislador.
l) A nova redação da verba 28 da TGIS pretendeu ser uma medida de redistribuição de riqueza pelo não obstante o objeto de tributação ser o mesmo – o prédio urbano – a verdade é que os impostos em questão têm fundamentos e objetivos distintos, sendo certo que existem outras realidades sujeitas a impostos diversos.
m) Não se pode, por isso, falar em incoerência do sistema porque o que a coerência sistémica exige é que os impostos possam estar organizados e ter uma lógica interna no sistema fiscal e, no caso, não se antevê como essa mesma lógica fica prejudicada.
n) Por outro lado, a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica.
o) A verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os mesmos pressupostos de facto e de direito que se aplica indistintamente a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a 1.000.000,00 € que incide, portanto, sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.
p) O princípio da igualdade, interpretado em termos materiais, não é violado, antes pelo contrário, é densificado em todos os casos em que a ordem jurídica dê tratamento igual àqueles que, como se diz no art. 161º do CPTA, se encontram na mesma situação jurídica.
q) Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação de imposto do selo contestados pelo Requerente que deverão, assim, ser mantidos.
6. Por despacho de 12-12-2016, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT.
7. Foi fixado o dia 31 de Março como data limite para a prolação da decisão arbitral.
8. As Partes não produziram alegações.
II – Saneamento
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. Não foram suscitadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO
III.1. Matéria de facto
9. Matéria de facto
9.1. Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção;
b) As liquidações de Imposto do Selo em análise respeitam ao prédio urbano com artigo matricial…, da freguesia de…, concelho do Porto;
c) Prédio que no ano de 2015 estava inscrito na matriz como terreno para construção, constando da caderneta predial: «Tipo de coeficiente de localização: Habitação»;
d) Não tendo o mesmo, nesse ano, nenhuma edificação, autorizada ou prevista para habitação, nem qualquer licença ou autorização de construção ou qualquer projeto aprovado;
e) A Requerente procedeu, em 24-05-2016 e 03-07-2016, ao pagamento das duas primeiras prestações do imposto liquidado, não tendo pago a 3ª prestação, cujo prazo de pagamento terminava em 30-11-2016;
9.2. Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.
9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
Conforme resulta do requerimento inicial – em especial p. 11 e ss. –, a Requerente manifestou a sua inconformidade com os actos impugnados, por a verba 28 da TGIS sofrer, no segmento que ao caso importa, de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, e da proibição da dupla tributação, sendo para tal relevante que esteja em causa nos presentes autos arbitrais um fundo de investimento imobiliário, pelo que o bem sobre que incidiu a tributação é um bem de investimento, afectos a operações imobiliárias, destinando-se à realização do objecto social, e não representando uma capacidade contributiva superior à média.
Vejamos então:
Como é sabido, os prédios com afectação habitacional passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo por força da verba 28 da TGIS, acrescentada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, deste teor:
-
«28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%» (cit.).
Sucede que, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014 e, portanto, aplicável aos presentes autos, alterou a redacção da verba 28.1, que passou a referir:
-
«Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI» (cit.).
Ficou assim resolvida a controvérsia sobre se cabiam ou não na dita verba os terrenos para construção com afectação habitacional. Ou seja, a partir de 2014, é seguro que os terrenos para construção são considerados prédios com afectação habitacional, sujeitos, nos termos da Lei Ordinária, a Imposto do Selo.
Mas tal não significa que se resolveu a dúvida sobre a constitucionalidade da norma.
Na verdade, precisamente um tribunal arbitral, constituído no âmbito do CAAD, já decidiu, no processo n.º 507/2015-T, que:
-
«a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que sujeita a tributação em Imposto do Selo a propriedade de terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000, relativamente aos quais a edificação, autorizada ou prevista, não inclua qualquer habitação individual de valor igual ou superior a esse, bem como na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda» (cit.).
Outros tribunais arbitrais, também no seio do CAAD, pronunciaram-se em sentido oposto – entre outros e por todos, vejam-se os acórdãos tirados nos processos 495, 515 e 516/2015-T.
A questão continua, portanto, debaixo de controvérsia, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, nestes casos, não pode deixar de servir como arrimo principal, não tem sido decisiva. É que esse Venerando Tribunal, tendo já ajuizado sobre a constitucionalidade da verba da TGIS em causa, ainda não se pronunciou todavia, pelo menos que este Tribunal Arbitral tenha conhecimento, sobre o específico caso dos terrenos para construção com afectação habitacional…
Em todo o caso, não deixa de ser útil lembrar aqui extractos do que disse o Tribunal Constitucional em 11 de Novembro de 2015 no processo nº 542/14:
-
«[…) da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de factor de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cfr., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos nº 353/2010 e 324/2013)» (...) «Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional» (cit.).
E:
-
«Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido princípio da equidade social na austeridade» (cit.).
E ainda:
-
«Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão. Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador» (cit.).
Atente-se, por último, no que se escreveu no acórdão do CAAD proferido em 17 de Março de 2016 no processo nº 507/2015-T, que se arrimou na mesma jurisprudência constitucional:
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«[…] as situações de dupla tributação, traduzida na aplicação de dois impostos a um mesmo facto tributário, são frequentes nos casos em que as entidades públicas que deles beneficiam são distintas, como sucede no caso em apreço, pois o IMI é receita municipal e o Imposto do Selo é receita estadual. Uma situação paralela verifica-se com a derrama municipal que, atualmente, incide, como o IRC, sobre a matéria tributável deste imposto (artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro)» (cit.).
Como se sabe, o princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva - no qual a Requerente alicerça o essencial da sua argumentação – não é um princípio absoluto, antes estando obrigado a conviver com outros princípios e interesses que merecem também ponderação.
A liberdade de que goza o legislador, a quem incumbem tarefas para além das atinentes à fiscalidade, exige que o princípio da capacidade contributiva disponha de alguma flexibilidade e possa ceder, até certo limite, perante outros propósitos do Estado.
Por outro lado, o falado princípio também se respeita quando se tratam desigualmente as coisas, o que aliás se impõe quando elas são desiguais. E a verdade é que situações absolutamente iguais, de modo a exigirem um tratamento rigorosamente igual, não são muito frequentes. Sobretudo em casos como o que nos ocupa, em que se não trata de tributar rendimentos iguais, nem consumos iguais, mas meros sinais, manifestações de fortuna que não são rigorosamente mensuráveis, e que podem até induzir em erro sobre a real capacidade contributiva. Pense-se no proprietário e habitante de um palácio ou de um solar seiscentista de valor superior a um milhão de euros que se vê em grandes dificuldades para o manter com os seus rendimentos – substituindo-se, até, ao Estado, a quem cumpre zelar pelo património histórico…
Tudo para concluir que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma algo diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez.
Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, tratar desigualmente porque sim, mas não já quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.
A falada liberdade do legislador permite, desde logo, que ele tenha feito incidir este imposto apenas sobre o imobiliário, deixando de fora outras manifestações de capacidade contributiva, tais como a propriedade de colecções de arte, antiguidades, automóveis antigos... Aqui podem pesar razões de praticabilidade também compreensíveis e atendíveis.
Essa mesma liberdade de conformação do legislador permite também que ele tenha fixado o valor matricial dos imóveis sujeitos em um milhão ou mais de euros. E que não tenha atendido à soma do património imobiliário, até porque a soma dos valores, eventualmente não muito elevados, de vários imóveis não revela, necessariamente, a mesma capacidade contributiva. E o que vale para uma pessoa singular não deixa de valer para uma pessoa colectiva.
Ainda aqui se pode dizer que o legislador usou da sua liberdade sem ofender a igualdade fiscal, pois tratou igualmente o que era igual e desigualmente o que era desigual.
De resto, nada obrigava o legislador a instituir um imposto geral sobre o património, como não instituiu, podendo a sua escolha limitar-se a alguns, mas não necessariamente a todos, os imóveis de um mesmo proprietário.
E, se é certo que para a barreira do milhão de euros não se antolha uma justificação óbvia, ainda desta vez se não trata de pura arbitrariedade, pois em algum ponto havia necessariamente de ser colocada a fasquia, e o legislador pô-la aonde entendeu razoável, de acordo com o que considerou constituir manifestação de fortuna superior à média e adequada a atingir a receita pretendida.
Também quando o legislador tributou só os imóveis habitacionais, abstendo-se de fazer incidir imposto de selo sobre os afectos à agricultura, à pesca, à indústria, ao comércio, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.
Acresce que os edificados destinados à habitação constituem bens de fruição, deles se podendo dizer, quando de valor igual ou maior do que um milhão de euros, que revelam um alto padrão de vida e maior capacidade contributiva.
Ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados – embora o que aqui se afirma não valha, necessariamente, para os terrenos para construção destinada à habitação.
Outro fundamento a que se pode considerar dada a resposta é o que se refere à dupla tributação.
Contra o que pretende a Requerente, a dupla tributação não está constitucionalmente vedada, conforme se diz no excerto do acórdão do CAAD que aqui novamente se reproduz:
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«[…] as situações de dupla tributação, traduzida na aplicação de dois impostos a um mesmo facto tributário, são frequentes nos casos em que as entidades públicas que deles beneficiam são distintas, como sucede no caso em apreço, pois o IMI é receita municipal e o Imposto do Selo é receita estadual. Uma situação paralela verifica-se com a derrama municipal que, atualmente, incide, como o IRC, sobre a matéria tributável deste imposto (artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro)» (cit.).
Resta, pois, apreciar o fundamento retirado das várias referências, nem todas conclusivas, referentes à propriedade do imóvel e à «‘consequência’ inevitável da atividade da Requerente» (cit., p. 11 do requerimento inicial).
Refere a Requerente que no âmbito da sua atividade são utilizados imóveis, destinando-se estes «apenas a ser (re)vendidos nos exactos termos em que foram adquiridos» (cit., p. 11), mais acrescentando que, nessa medida, «a titularidade do direito de propriedade sobre [os] imóveis […] não poderá jamais representar uma capacidade contributiva superior» (ci.t, p. 12 do requerimento inicial).
Neste ponto considera-se que lhe assiste razão,
Fazendo nossas as palavras que se podem ler no já citado acórdão do tribunal arbitral proferido em 17 de Março de 2016 no processo nº 507/2015-T.
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«É inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas.
Por outro lado, não se vislumbra também qualquer razão para distinguir entre as empresas que comercializam terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que comercializam terrenos para outras finalidades.
Por isso, também desta perspectiva, a verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa do princípio da igualdade» (cit.)
Ora, esta doutrina é aplicável, também, aos fundos de investimento imobiliário, patrimónios autónomos que gerem esse património adquirindo, arrendando, renovando e vendendo imóveis.
De resto, foi este o entendimento que foi subscrito na decisão arbitral n.º 2/2016 – T, decisão esta, como é perceptível ao longo do presente texto, que se segue de forma militante, por a ela aderirmos sem reserva.
Acrescente-se que, tal como igualmente se refere na decisão arbitral n.º 2/2016 – T, se tivermos razão quanto aos motivos justificativos da não tributação de terrenos para construção de imóveis não destinados à habitação, o legislador terá incorrido, aqui, em alguma incoerência, pois deixa de proteger o investimento e as actividades económicas, ao contrário do que, de resto, faz também quanto ao Imposto Municipal sobre Imóveis, em cujo artigo 9.º, nº 1, alíneas d) e e) do respectivo Código consagrou regimes especiais favoráveis às empresas que construam para venda ou que adquiram para revenda – actividades próximas das desenvolvidas pelos fundos de investimento imobiliário.
É quanto basta, entende este Tribunal, para o êxito da pretensão principal da Requerente, e em face do exposto, concluir pela anulação dos atos de liquidação objeto da presente ação arbitral.
Já quanto ao pedido de juros indemnizatórios soçobra o pedido da Requerente.
É verdade que, sem culpa sua, foram praticados actos que o tribunal agora decide serem ilegais. Mas, para que a Administração possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que «se determine […] que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» – nº 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal do artigo 1º do Código do Imposto do Selo e do nº 28.1 da respectiva Tabela Geral. E não podia agir de outro modo, considerando a sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de inconstitucionalidade da lei ordinária que lhe não cabe fazer. Em súmula, não incorreu em erro de que tenha resultado o pagamento de imposto indevido, e não pode, na falta desse erro, ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os atos de liquidação de Imposto do Selo, efetuados ao abrigo do artigo 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2015 e ao prédio urbano com o artigo matricial…, da freguesia de…, concelho do Porto, com o consequente reembolso do valor pago pela Requerente.
b) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo na percentagem de 95%, e a Requerente, na percentagem de 5%, considerando o respectivo decaimento.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 170.485,70 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3.672,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Março de 2017.
O Árbitro Presidente
(José Baeta de Queiroz)
O Árbitro Vogal
(António Alberto Franco)
O Árbitro Vogal
(Nuno de Oliveira Garcia)