DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A - Geral
1.1. A…, contribuinte fiscal n.º…, residente em Lisboa, na Av. …, …-…, …;B…, contribuinte fiscal n.º…, residente em Lisboa na Rua …, n.º…, … e C…, contribuinte fiscal n.º…, residente em Lisboa, na Av. …, …, …(de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram, no dia 25.07.2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade de actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédio de que são comproprietários, como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Por despacho de 24.08.2016, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. D… e Dra. E… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 19.10.2016.
1.5. No mesmo dia 19.10.2016 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
1.6. No dia 16.11.2016 a Requerida apresentou a sua resposta.
B – Posição dos Requerentes
1.7. Os Requerentes são comproprietários do prédio urbano em regime de propriedade vertical sito no Largo …, n.º … a n.º…, Travessa …, n.º … e n.º…, Travessa …, n.º … a n.º…, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º…, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia, sob o artigo…, a que se refere a certidão do registo predial e a caderneta predial juntas ao pedido de pronúncia arbitral como documentos 1 e 2, cujos teores se têm por reproduzidos (de ora em diante, o “Prédio”).
1.8. O Prédio tem 92 (noventa e duas) divisões susceptíveis de utilização independente, nem todos afectos a habitação.
1.9. Nenhum do andares e divisões susceptíveis de utilização independente afectos a habitação do Prédio tem um valor patrimonial tributário (de ora em dianta “VPT”) igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
1.10. Os Requerentes foram notificados das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) mencionados nos artigos 10.º a 12.º do pedido de pronúncia arbitral e a que se referem os documentos a ele anexos com os n.ºs 3 a 218, cujos teores se têm por reproduzidos, relativos ao Prédio, as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da TGIS, cujas datas limite de pagamento se reportam ao final do mês de Abril, Julho e Novembro de 2016, no valor global de € 29.168,35 (vinte e nove mil cento e sessenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
1.11. Os Requerentes procederam ao pagamento das notas de cobrança de que haviam sido notificados até à formulação do pedido de pronúncia arbitral, no valor global de € 24.873,24 (vinte e quatro mil oitocentos e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos), pelo que igualmente pedem lhes seja reconhecido o direito a perceberem juros indemnizatórios.
1.12. Sustentam os Requerentes que se impunha a autonomização dos andares ou fracções susceptíveis de utilização independente para efeitos de liquidação de IS, não resultando da lei a correspondência do VPT de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.
1.13. No entender dos Requerentes, o Prédio é materialmente idêntico a um prédio em regime de propriedade horizontal, não havendo justificação legal para um tratamento diferenciado, que, a haver, estará ferido de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, da justiça, da legalidade e da proporcionalidade fiscal.
1.14. Pretendendo a lei tributar imóveis de elevado valor (de luxo), não se compreende as razões que levam a Requerida a aplicar a verba 28.1 da TGIS a fracções avaliadas em muito menos do que € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
C – Posição da Requerida
1.15. A Requerida expressa o entendimento de que a interpretação que fazem os Requerentes da verba 28.1. da TGIS não tem correspondência com a respectiva letra, resultando as liquidações impugnadas da aplicação directa da norma legal em causa, assentando em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.
1.16. Defende a Requerida que nos prédios em regime de propriedade total não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio.
1.17. A sujeição ao IS da verba 28.1. da TGIS resulta apenas da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), o que se verifica relativamente ao Prédio.
1.18. A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados a que correspondem regimes jurídico-civilísticos diferentes, respeito a lei fiscal essa mesma diferença.
D – Saneamento e Conclusão do Relatório
1.19. Por despacho de 21.02.2017, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (de ora em diante, “RJAT”), uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 27.03.2017.
1.20. Pelo mesmo despacho de 21.02.2017, o tribunal arbitral deferiu a pretensão dos Requerentes de serem juntos aos autos os documentos a que se refere o do Requerimento por eles apresentado no dia 25.11.2016, que são os documentos de cobrança referentes às segundas e terceiras prestações de Imposto do Selo respeitantes a algumas unidades susceptíveis de utilização independente de que, à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, ainda não haviam sido notificados.
1.21. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.22. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
1.23. A coligação de autores é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 3.º do RJAT.
1.24. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito, sendo igualmente de aceitar, em tese, o pedido de indemnização formulado porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.
1.25. O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas Partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Dão-se por provados os seguintes factos:
2.1.1. Os Requerentes são comproprietários do Prédio (docs. n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
2.1.2. O Prédio tem um VPT total superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) – (docs. n.ºs 2 a 218, juntos com o pedido de pronúncia arbitral e docs. apresentados com o Requerimento dos Requerentes de 25.11.2016);
2.1.3. Nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente afectos a habitação tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (docs. n.ºs 3 a 218, juntos com o pedido de pronúncia arbitral e docs. apresentados com o Requerimento dos Requerentes de 25.11.2016);
2.1.4. A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS ao Prédio, procedeu à soma aritmética dos valores patrimoniais de cada um dos andares ou divisões com afectação habitacional, excepcionando, pois, os andares ou divisões sem essa afectação habitacional, fixando, relativamente ao Prédio um “Valor Patrimonial do Prédio – total sujeito a imposto: € 2.916.825,00 (dois milhões novecentos e dezasseis mil oitocentos e vinte cinco euros) – (docs. n.ºs 3 a 218, juntos com o pedido de pronúncia arbitral e docs. apresentados com o Requerimento dos Requerentes de 25.11.2016);
2.1.5. Os Requerentes foram notificados das liquidações de IS a que se referem os docs. n.ºs 3 a 218, juntos com o pedido de pronúncia arbitral e dos docs. apresentados com o Requerimento dos Requerentes de 25.11.2016; e
2.1.6. Os Requerentes procederam ao pagamento de todas as prestações tributárias que lhes foram exigidas, no valor global de € 29.168,35 (vinte e nove mil cento e sessenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos) (docs. n.ºs 3 a 218, juntos com o pedido de pronúncia arbitral e dos docs. apresentados com o Requerimento dos Requerentes de 25.11.2016).
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.
3. Matéria de direito
3.1. Questões a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas:
a) A de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro; e
b) A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, os Requerentes, no âmbito do presente processo arbitral poderão obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação do imposto por esta ilegalmente exigido.
3.2. A verba 28.1 da TGIS
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que, depois da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, conta hoje com a seguinte redacção:
«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%;
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças- 7,5 %.»
Como se constata, a verba 28.1 refere-se hoje a “prédio habitacional” e, antes da alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, referia-se a “prédio com afectação habitacional”.
Ora, nenhum destes conceitos surge definido em qualquer disposição do CIS, importando, pois, interpretar a dita verba da TGIS à luz do que dispõe o CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.
O n.º 1 do art.º 6.º do CIS divide os prédios urbanos em: i) habitacionais; ii) comerciais, industriais ou para serviços; iii) terrenos para construção e, por fim, iv) outros. Já o n.º 2 esclarece que habitacionais são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino esse fim.
Importa, portanto, apreciar se um edifício em propriedade vertical se pode ter como “prédio habitacional” para efeitos do disposto na verba 28.1. da TGIS.
3.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS
Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio habitacional”, forçoso é dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício e dados como estando afectos a habitação, como fez a Requerida relativamente ao Prédio (excepcionando as partes afectas a fim diverso, que não habitacional).
a) A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis
Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 3 do art.º 12.º do CIMI. Também o IMI, nos prédios sujeitos ao regime da propriedade total, dá relevo típico a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).
Ou seja, resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.
Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda como impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.
b) A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes
Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.
Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios habitacionais e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
Não se vê razão, nesta sede, para a desconsideração funcional, instrumental, da autonomia de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente de um prédio, nem se pode concluir que, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, se impõe uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.
Pensamos que esta constatação resulta do necessário esforço interpretativo da verba 28.1 da TGIS. Manda o n.º 1 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam se observem as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
Ora, o n.º 1 do art.º 9.º do Código Civil refere expressamente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei. Deve o intérprete, partindo da fonte, procurar surpreender a norma, ou seja, a manifestação de um pretendido dever ser. Já se vê que a expressão literal releva. Contudo, pode bem o intérprete sentir a necessidade de colher outros elementos hermenêuticos para identificar a norma. Por isso, o legislador abre a porta à possibilidade de se reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Esta abertura legal não autoriza uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal mas visa, claro está, libertar o intérprete-aplicador de uma leitura manifestamente desajustada e, por isso, injusta, até porque, como esclarece o n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil, o “intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas”.
Salvo melhor opinião, atento o espírito da lei (que a nosso ver não é contrariado pela sua letra) não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT igual ou superior ao da bitola legal.
Sabemos que o regime dos prédios em propriedade horizontal não é o mesmo dos que se acham em propriedade vertical. Contudo, do que se cuida não é de constatar essa diferença, que é evidente em termos de direitos reais. O que importa aqui, parece-nos, é determinar se nessa diferença pode assentar um diverso tratamento fiscal, ou seja, apurar se a essa dissemelhança se deve atribuir uma disparidade tributária que corresponda a um interesse defensável e atendível. Se não vislumbrarmos um critério admissível que permita identificar a razão de ser da diferença de regime tributário entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical só a poderemos explicar na base da arbitrariedade do legislador o que, à luz das regras por que se deve pautar a interpretação normativa, nos parece de rejeitar liminarmente.
c) A ratio legis da verba 28.1 da TGIS
O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração legislativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a inequívoca intenção originária do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa. Nem parece que a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro procurou contrariar este entendimento.
Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[1]:
“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Ora, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou esta proposta de lei referindo, sem tibiezas, a expressão “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, note-se.
Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS, mesmo depois da alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT igual ou superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” do Prédio a que vimos fazendo referência, apresenta, de per se, VPT igual ou superior a 1 milhão de euros.
d) Conclusão
Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.
3.4. Dos juros indemnizatórios
A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.
Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim, tendo os Requerente pago o tributo que pelas liquidações reclamadas lhes era exigido, têm eles direito a juros indemnizatórios contados desde a data do respectivo pagamento até ao seu integral reembolso.
4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso aos Requerentes de todos os montantes por eles pagos, relativamente às liquidações ora anuladas;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento aos Requerentes de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do respectivo pagamento até ao seu integral reembolso.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º- A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 29.168,35 (vinte e nove mil cento e sessenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
6. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 13 de Março de 2017
O Árbitro
_______________________________
(Nuno Pombo)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, obedecendo à ortografia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.
[1] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.