Decisão Arbitral
I – Relatório
1. No dia 25 de Julho de 2016, A…, S.A., com o número de identificação fiscal … e com sede na …, …, …, Lisboa, veio na qualidade de sociedade gestora e em representação do B… (doravante "B…"), com o número de identificação fiscal … e igualmente com sede na …, …, …, Lisboa, vem, ao abrigo do artigo 2.º, nº 1, alínea a), e 10º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou "RJAMT") e dos artigos 1º e 2.º da Portaria n.º 112- A/ 2011, de 22 Março, requerer para se pronunciar sobre a ilegalidade dos despachos de indeferimento emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente às reclamações graciosas deduzidas pela Requerente e dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo emitidos, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS"), com referência aos prédios urbanos com artigos matriciais … e…, da freguesia de…, concelho de Lisboa, e ao ano de 2014.
2. No Pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, tendo sido, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
3. Notificadas as partes dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar tendo o tribunal arbitral ficado constituído em 19 de Outubro de 2016.
4. Em 15 de Novembro de 2016, a Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) veio apresentar Resposta, requerendo dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e de produção de alegações.
5. Obtido o acordo da Requerente, o tribunal decidiu dispensar a realização da reunião do artigo 18º do RJAT e de apresentação de alegações escritas, indicando que a decisão arbitral seria proferida até 31 de Março de 2017.
6. O Pedido de Pronúncia
A Requerente sustenta, em síntese (da nossa responsabilidade):
- O Fundo representado pela Requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano 2014, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, com referência aos prédios urbanos com artigo matricial … e artigo matricial…, da freguesia de …, Lisboa, no montante total de € 14.933,60 e € 14.771,00, respectivamente.
- Trata-se de prédios em propriedade total, o primeiro (matriz …) compreende um total de 15 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, das quais 10 são afectas a habitação e o segundo (matriz…), tem 13 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, todas afectas a habitação, sendo que em qualquer dos prédios cada um dos "andares e divisões com utilização independente" tem um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do IMI, todos eles, inferiores a € 1.000.000,00.
- Os referidos prédios têm um valor patrimonial tributário total, resultante da soma dos valores patrimoniais tributários de “cada um dos seus andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, nos montantes de € 1.867.810,00, no caso do prédio com artigo matricial…, e de € 1.477.100,00 no caso do prédio com artigo matricial … .
- Pede-se a declaração de ilegalidade do dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas e dos actos de liquidação de Imposto do Selo que aplicaram a verba 28 da TGIS aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro de 2012, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, com que o Governo pretendeu criar uma "tributação especial" que incide apenas sobre prédios urbanos de valor superior a um milhão de euros, visando promover um “sistema fiscal mais equitativo”, em que os contribuintes “são chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva”..
- O entendimento que levou às liquidações de Imposto do Selo relativas aos prédios em causa nos autos tendo em consideração o resultado da soma do valor patrimonial tributário dos 10 "andares e divisões com utilização independente" afectos à habitação, no caso do primeiro no valor total de € 1.493.360,00 e, no caso do segundo, de € 1.477. 100,00., não pode ser aceite face às regras consagradas no Código do IMI, por remissão do artigo 67.º, nº 2 do CIS.
- O artigo 6º do CIMI apenas distingue os "prédios urbanos" em função da respectiva afectação ou dos fins a que os mesmos se destinam (habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros), não assumindo relevância a respectiva situação formal (se constituídos ou não em propriedade horizontal) mas apenas a efectiva "utilização"
- Assim se decidiu por exemplo nos processos nºs 50/2013-T e 132/2013-T do CAAD, ou seja, se, para efeito de tributação dos prédios urbanos em propriedade horizontal, ao abrigo da verba 28.1, também nos prédios urbanos em propriedade vertical deve ser considerado o valor patrimonial tributário individual de cada um dos seus "andares ou divisões susceptível de utilização independente".
- E também é o que resulta dos artigos 7.ºnº 2, al. b) e 12.º, nº 3, do CIMI.
- A tributação, na situação concreta, de todos os “andares ou divisões susceptíveis de utilização independente” dos prédios afectos a habitação nos prédios com artigos matriciais … e …, constituiria um total desvirtuamento do conteúdo da verba 28 (que é a tributação das "casas" em si - moradias, as fracções, os andares ou as partes destinadas a habitação - que pelo seu elevado valor patrimonial devem ser objecto de uma tributação especial) tornando as liquidações ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito.
- Esta matéria tem sido objecto de jurisprudência reiterada dos tribunais arbitrais e dos administrativos, designadamente a nível do STA, devendo ser anuladas as liquidações, com reembolso do valor do imposto e extintos os processos de execução fiscal instaurados
- A título subsidiário, invoca-se a inconstitucionalidade da tributação prevista na verba 28 da TGIS por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13º e 104º da CRP).
- E requer-se a condenação no pagamento dos devidos juros indemnizatórios relativamente ao pagamento parcial (no montante de € 9.593,87) efectuado, acrescido dos juros de mora, despesas e taxas associados aos respectivos processos, no valor de € 1.473,16.
- O valor da utilidade económica do pedido é o valor correspondente ao Imposto do Selo liquidado através dos actos que aqui se impugnam - bem como dos juros de mora, despesas e taxas associados aos respectivos processos de execução, no montante total de € 31.177,76.
7. A Resposta
A Requerida respondeu, em síntese (da nossa responsabilidade):
- De acordo com a noção de prédio contida no artigo 2.º do CIMI só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios (n.º 4 do artigo 2.º).
- Os prédios de que Fundo representado pela Requerente é proprietário encontram-se em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, ou seja, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietário de 13+15 fracções autónomas, mas sim de dois prédios, segundo as suas cadernetas prediais.
- A propriedade horizontal é um regime jurídico específico de propriedade previsto nos artigos 1414.º e seguintes do Código Civil, que regulam a constituição e regras sobre direitos e encargos dos condóminos, consagrando um regime mais evoluído de propriedade, pelo que, para efeitos de liquidação do imposto do selo o intérprete e aplicador da lei fiscal não pode aplicar, por analogia, o mesmo regime da propriedade horizontal à propriedade total.
- Nem existe qualquer lacuna a colmatar por analogia, havendo que aplicar os artigos 11º da LGT e 10º do Código Civil;
- O CIMI, para o qual a verba 28º da TGIS remete, prevê que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios; não estando o prédio submetido ao regime da propriedade horizontal as fracções são, juridicamente, partes susceptíveis de utilização independente sem que haja partes comuns.
- Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., pelo que cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas incluído na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.
- Os andares ou divisões independentes, avaliados nos termos do artigo 12.º, nº 3, do CIMI, são considerados separadamente na inscrição matricial, contendo o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI, tal como acontecia no corpo do art. 232º, regra 1ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (C.C.P.I.I.A.), que dispunha que cada habitação ou parte de prédio era tomada automaticamente para efeitos de determinação do rendimento colectável sobre o qual deva incidir a liquidação, mas, segundo o mesmo Código, o rendimento colectável tinha necessariamente de corresponder à soma da renda ou valor locativo de cada uma das componentes do prédio com autonomia económica.
- A inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos artigos 37º e seguintes do CIMI, sem que a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões seja afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente;
- O prédio não deixa de ser apenas um, não sendo as suas partes distintas juridicamente equiparáveis às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal e, sem prejuízo do regime de compropriedade quando for o caso, a sua titularidade não pode ser atribuída a mais de um proprietário;
- O facto de o IMI ser apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta a aplicação da verba 28º, nº 1, da TGIS porque o facto determinante da aplicação dessa verba é o valor patrimonial total do prédio e não o de cada uma das suas parcelas separadamente;
- A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados e, apesar da constituição da propriedade horizontal implicar uma mera alteração jurídica do prédio sem nova avaliação, o legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que tal discriminação seja necessariamente considerada arbitrária, podendo até ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal;
- Segundo a verba 28.1. o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto será, necessariamente, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o compõem, ainda quando susceptíveis de utilização independente;
- Em conclusão, os actos tributários impugnados, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica.
8. Questão decidenda
A questão jurídica fundamental a decidir consiste em saber se o âmbito da incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS inclui os prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal mas integrados por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, quando o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas partes distintas é inferior ao valor de € 1.000.000,00, embora o conjunto das unidades independentes afectas a habitação atinja um total de VPT igual ou superior a esse montante.
9. Saneamento
O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
II Fundamentação
10. Factos provados
Considera-se provado que:
10.1. O Fundo representado pela Requerente é proprietário do prédio urbano sito na …, nº … a…, bordejando com a Rua …, nºs … a …, e do prédio urbano sito na … nº…, ambos com o Código Postal …-…, Lisboa, que têm os artigos matriciais U-… e…, da freguesia de … (cf. Cadernetas Prediais, documentos nºs 71 e 72, juntos com o Pedido).
10. 2. O prédio com o artigo matricial U-… é composto por seis pisos, 15 andares ou divisões independentes, sendo destinados a habitação as dez (10) seguintes: 1º D (VPT € 142.360,00), 1ºE (VPT 153.890,00; 2º D (VPT 142.360,00), 2º E (153.890,00), 3º D (VPT € 143.820,00); 3º E (VPT € 155.460,00), 4ºD (VPT € 143.820,00,00), 4º E (VPT € 155.460,00); 5º D (VPT € 145.270,00, 5ºE (VPT € 157.030,00) (Docs. Nºs 3 a 32 e 71 juntos com o Pedido).
10.3. O prédio referido no número anterior tem um VPT total de 1.867.810,00 e a soma das divisões independentes afectas a habitação atinge o montante de € 1.493.360, determinando um valor de Imposto do Selo (verba 28 da TGIS) a pagar no montante de € 14.933,60, (artigo 12º do Pedido e notas de cobrança, documentos 3 a 31 juntos com o Pedido).
10.4. A Requerente foi notificada para pagar as liquidações, emitidas com data de 20 de Março de 2016, de Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2014, relativamente a cada uma das divisões afectas à habitação referidas nos pontos anteriores, a pagar em três prestações, segundo o art. 120º do CIMI, sendo cada uma das prestações referentes a cada uma das divisões dos seguintes montantes: 1º D (€ 1.423,60), 1ºE (€1.538.90); 2º D (€ 1.423,60), 2º E (€ 153.890,00), 3º D (€1.438.20); 3º E (€1.554.60), 4ºD (€ 1.438.20), 4º E (€ 1.554.60); 5º D (€1.452.70), 5ºE (€ 1.570.30) (Documentos de cobrança constantes dos Documentos nºs 2 a 32, juntos com o Pedido).
10.5. O prédio com o artigo matricial U-… é composto por sete pisos, 13 andares ou divisões independentes, todos destinados a habitação: cave (VPT € 48.410,00), r/ch D (VPT € 116.520,00), r/ch E (VPT € 116.520,00) 1º D (VPT € 116.520,00), 1ºE (VPT €122.610,00); 2º D (VPT € 116.520,00), 2º E (VPT €122.610,00), 3º D (VPT € 116.520,00); 3º E (VPT €122.610,00), 4ºD (VPT € 116.520,00), 4ºE (VPT €122.610,00); 5º D (VPT €122.610,00), 5ºE (VPT €122.610,00) (documentos nºs 33 a 70 e 72 juntos com o Pedido).
10.6. O prédio referido no número anterior tem um VPT total de € 1.477.100,00, sendo o valor de imposto a pagar no montante de € 14.771,00 (Artigo 13º do Pedido e Documentos 33 a 70, juntos com o Pedido).
10. 7. A Requerente foi notificada para pagar as liquidações, emitidas com data de 20 de Março de 2015, de Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2014, relativamente a cada uma das divisões afectas à habitação referidas nos pontos anteriores, a pagar em prestações, segundo o art. 120º do CIMI, sendo cada uma das prestações referentes a cada uma das divisões dos seguintes montantes: cave (€ 242,05), r/ch D (€ 388,40), r/ch E (€ 388,40) 1º D (€ 388,40), 1ºE (€408,70); 2º D (€388,40), 2º E (€408,70), 3º D (€388,40); 3º E (€408,70), 4ºD (T € 388,40), 4º E (€408,70); 5º D (€388,40), 5ºE (€408,70) (Documentos de cobrança constantes dos Documentos nºs 33 a 70, juntos com o Pedido).
10.8 Os documentos de cobrança indicam os valores patrimoniais sujeitos a Imposto do Selo correspondentes a cada uma das divisões independentes, afectas a habitação, em cada um dos prédios/edifícios nos números supra identificados como que a liquidação do Imposto do Selo, efectuada em 20 de Março de 2015, teve como fundamento a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aplicando-se a taxa de 1% ao valor do VPT de cada uma das referidas divisões independentes (Documentos de cobrança juntos com o Pedido).
10.9. A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas nos números anteriores, que deram origem aos processos …2015… (prédio U…) e …2015… (prédio U…) vindo estas a ser inferidas por despachos de 28 de Abril de 2016, notificados por ofícios nºs … e…, respectivamente (Documentos 1 e 2 juntos com o Pedido).
10.10. Em 25 de Julho de 2016 a Requerente apresentou o presente Pedido de apreciação arbitral.
10.11. A Requerente prestou garantia (através de hipoteca voluntária) no âmbito dos processos de execução entretanto instaurados face às liquidações relativas à 1ª e 2.ªprestações de Imposto do Selo (Documentos 73 e 74 juntos com o Pedido).
10.12. A Requerente pagou o montante correspondente às terceiras prestações, no âmbito dos correspondentes processos de execução fiscal, no montante de € 9.593,87 (acrescido dos juros de mora, despesas e taxas associados aos respectivos processos, no valor de € 1.473,16) (Documento 75 junto com o Pedido).
11. Apreciação de direito
11.1. A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)
11.1. 1.Regime aprovado pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro
A questão fundamental de direito controvertida nos presentes autos consiste em saber se no caso de prédios em propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente mas não constituídos em regime de propriedade horizontal, o VPT a considerar para efeitos de incidência de Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS deve corresponder ao VPT de cada andar ou divisão com e afectação habitacional e utilização independente ou à soma dos VPT correspondentes aos andares ou divisões de utilização independente com afectação habitacional.
Ou seja, há que decidir se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais ou correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das diferentes partes ou andares (VPT global).
Esta questão já foi apreciada em muitos processos no âmbito da Arbitragem Tributária[1], não se identificando, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada quanto à conclusão das decisões proferidas.
A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
Segundo resulta das alterações ao Código do Imposto do Selo introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o Imposto do Selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do artigo 1º e nº 4 do artigo 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do art. 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS).
O CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), em conjugação com o art. 1º do CIMI, considera o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação) desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo, independentemente do número de sujeitos passivos, possuidores (enquanto proprietários, usufrutuários ou superficiários) dos bens em causa.
A redacção da verba 28.1 da TGIS foi alterada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, passando a dizer: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Ou seja, o conceito relevante num caso como o dos autos - liquidação referente a 2015 - passou de “prédio com afectação habitacional” a “prédio habitacional”, afigurando-se-nos que essa alteração não é susceptível de alterar a interpretação que temos vindo a defender em situações referentes a anos anteriores a 2014.
11.1.2. O conceito de prédio utilizado na verba 28 da TGIS
Quer o conceito de “prédios com afectação habitacional” na redacção original da verba 28.1 quer o de “prédio habitacional”, na redacção posterior, não se encontram expressamente definidos em qualquer disposição do CIS nem no CIMI, diploma para que remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS.
No caso dos autos, os prédios em propriedade total têm a seguinte composição e valor (supra 10.2. a 10.7.):
- O prédio sito na …, nº… a…, artigo matricial U-…, tem dez divisões independentes afectas a habitação, com valores patrimoniais tributários oscilando entre € 142.360,00 e € 157.030,00
- O prédio na … nº…, artigo matricial U-…, é composto por 13 andares ou divisões independentes destinados a habitação, com valores patrimoniais tributários que variam entre € 48.410,0 e € 122.610,00.
Está em causa o exacto sentido do segmento da norma de incidência do imposto do selo no corpo da verba 28 da TGIS que remete para o valor patrimonial tributário nos termos do CIMI: no caso de prédios em propriedade total mas com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, o VPT relevante corresponde à soma do VPT das diversas divisões/andares com afectação habitacional, sendo o conjunto considerado um único prédio, como pretende a AT, ou o que há que ter em conta é o VPT de cada um dos respectivos andares ou divisões autónomas com a referida afectação habitacional, como defende a Requerente?
Ora o referido segmento (valor patrimonial considerado para efeitos de IMI) está integrado num texto que define como objecto de incidência do imposto do selo a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - (...)” (bold nosso).
Como tem sido repetidamente invocado e admitido, o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente [2].
Assim, a cada prédio (edifício) corresponde um único artigo na matriz (nº 2 do artigo 82º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (registo do prédio, sua caracterização, localização, VPT e titularidade), "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário”, não se tomando como referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às partes autónomas de um mesmo prédio mas o valor atribuído a cada uma delas individualmente considerado.
Quanto à liquidação do IMI - aplicação da taxa à base tributável - o art. 119.º, n.º1, do CIMT dispõe que “o competente documento de cobrança” contém a “discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta (…)”.
Ou seja, para efeitos tributários a regra é a autonomização, a qualificação também como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente [3], de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fracção (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica (apresentação e sublinhado nossos). [4]
Assim, quando o nº 4 do artigo 2º dispõe que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, não consagra propriamente um regime excepcional ou especial para os prédios em propriedade horizontal.
Afinal, cada edifício em propriedade horizontal (artigo 92º) tem apenas uma só inscrição matricial (nº 1), descrevendo-se genericamente o edifício e mencionando-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal (nº 2) e a autonomia matricial concretiza-se na atribuição a cada uma das fracções autónomas, pormenorizadamente descrita e individualizada, de uma letra maiúscula, segundo a ordem alfabética (nº 3). Esta parece ser a especificidade dos edifícios em propriedade horizontal.
Mas nos outros casos, de prédios em propriedade vertical ou total, as divisões ou andares com utilização independente autonomia mas sem o estatuto de propriedade horizontal, a matriz também consagra a autonomia tributária evidenciando as diferentes unidades com indicação do tipo de piso/andar.
Assim, não são convincentes os argumentos da Requerida no sentido de justificar a diversidade de tratamento em sede de Imposto de Selo (verba 28) de dois tipos de realidades – prédios com fracções independentes em regime de propriedade total (ou vertical) e prédios com fracções independentes sob regime de propriedade horizontal – considerando a primeira situação como constituindo uma unidade, com irrelevância da autonomia económica e fiscal consagrada no mesmo CIMI. Contra a tese de que esses prédios são apenas um para efeitos da verba 28 da TGIS temos a quase unanimidade de decisões arbitrais e administrativas, neste caso confirmadas ao mais alto nível, pelo STA.
A defesa de uma interpretação baseada numa diferença institucional entre as duas situações de propriedades – e em que a AT tem frequentemente vislumbrado na verba 28 da TGIS um intuito do legislador em desenvolver a figura da propriedade horizontal – não nos parece resultar nem da letra do preceito nem do seu confronto com outras normas do sistema jurídico, das quais não resulta justificação para, em matéria de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, dar às fracções de prédios em “propriedade vertical”, dotadas de autonomia, tratamento diferente do concedido aos prédios em propriedade horizontal, quando em qualquer dessas situações o IMI é aplicado ao valor patrimonial evidenciado na matriz para cada uma das unidades autónomas.
E não existe no processo legislativo que levou à aprovação da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, qualquer elemento que permita identificar e legitimar uma finalidade (extra-fiscal ou fiscal) no sentido da diferença sustentada pela Requerida entre as duas situações: titularidade de um edifício em propriedade total ou sua divisão em unidades com estatuto de propriedade horizontal.
11.2. A ratio legis da verba 28 e 28.1 da TGIS
A interpretação acima sustentada, decorrente da análise da letra da lei e sua inserção no conjunto de outras normas tributárias aplicáveis, é ainda a mais consonante com o espírito das alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Como já foi evidenciado em outras decisões arbitrais, “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00” (...). “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal." [5]
Atenta a finalidade legislativa, conclui-se ainda que a detenção de fracções em propriedade total ou vertical não revela uma maior capacidade contributiva do que se se encontrassem constituídas sob a forma de propriedade horizontal. Pelo contrário, na maioria dos casos, como evidenciado pela Decisão Arbitral nº 50/2013, “muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, fatores que necessariamente devem ser tidos em conta.”
Também a análise por este prisma confirma a correcção da interpretação de que a verba 28 da TGIS não abrange cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do somatório dos respectivos valores patrimoniais tributários resulta um VPT superior ao previsto na referida verba.
O legislador não pretendeu tratar de forma diversa os prédios habitacionais distinguindo entre os que se encontram ou não sob regime de propriedade horizontal, mas dar relevância a divisões ou fracções prediais afecta a fins de habitação e consideradas para efeitos de IMI como unidades autónomas, identificando aquelas cujo VPT é superior a um milhão, entendendo que tal valor as configura como luxuosas e justifica uma tributação específica, a título de Imposto do Selo.
Assim, e mesmo sem se entender que a verba 28 estaria ferida de inconstitucionalidade por diferente tratamento de situações tributariamente idênticas[6], considera-se que “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assentou na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal."[7]
Ou seja, a verba 28 terá pretendido atingir os prédios que, em si, individualmente tenham valor superior a um milhão por se entender que esse valor seria o limiar de expressão de “habitação de luxo”, não pretendendo, nessa óptica atingir prédios que apenas conjugados com outros do mesmo titular (independentemente de terem ou não forma jurídica de propriedade horizontal) atingem aquele valor.
Esta opção legislativa pode ou não merecer concordância, sendo inclusivamente confrontada com a alternativa (e respectivas vantagens e possibilidades reais) de tributação global de património ou, ao menos, do conjunto de todos os imóveis de um mesmo titular. Mas não pode ser desconhecido que aquela foi a opção afirmada pelo legislador que na letra da lei não deixou indícios em sentido diferente[8].
Assim, o presente tribunal arbitral conclui que as liquidações de Imposto do Selo, efectuadas com base na verba 28/28.1 da TGIS, relativas a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, propriedade da Requerente, objecto dos presentes autos, estão feridas de ilegalidade, porque os referidos dispositivos legais não podem ser interpretados no sentido da sua aplicação a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade vertical quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não atingindo o VPT de cada um dos ditos andares ou partes esse montante.
Assim foi decidido já em diversos casos pelo STA. Por todos, cita-se o Acórdão 0166/16, de 4 de Maio de 2016, que concluiu: «I - A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros. II - Não tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência. III - Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI. IV - Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de selo».
E como evidenciado em situação idêntica, pelo Acórdão proferido pelo STA em 24 de Maio de 2016, no processo 01344/15, não se coloca a necessidade de apreciação da verba 28 da TGIS, “à luz de princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional”.[9]
No caso dos autos, resulta da factualidade fixada que nenhum dos andares destinados a habitação nos dois prédios em propriedade total tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, pelo que se conclui pela não verificação do pressuposto legal de incidência de Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS, com consequente ilegalidade dos actos tributários em apreciação.
12. Outros Pedidos – condenação em pagamento de juros indemnizatórios, juros de mora e reembolso de custas e taxas pagas em processos de execução fiscal
A Requerente pede condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao montante de imposto entretanto pago referente às terceiras prestações das colectas de todas as divisões independentes em causa.
Como vem sendo pacificamente entendido quando está em causa uma errada interpretação e aplicação pela Requerida de norma de incidência tributária, o tribunal tributário tem, por aplicação do artigo 24º, nº 5 do RJAT, competência para condenar no pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o artigo 100º da LGT. Assim, dá-se provimento ao pedido no que respeita a juros indemnizatórios a calcular relativamente a importância de colectas entretanto pagas, nos termos dos artigos 43º e 100º da LGT e 61º do CPPT.
Quanto ao pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros de mora a acrescer ao montante indevidamente pago, a reembolsar, verifica-se que não se encontram reunidos os pressupostos previstos na lei.
É que os juros de mora visam compensar o credor pelo atraso (mora) do devedor e não se verifica no caso qualquer mora na medida em que o prazo para que a Requerida dê cumprimento ao julgado apenas se iniciará com o trânsito em julgado da presente decisão arbitral (artigos 43º, nº 5, da LGT e 146.º, n.º 2, do CPPT). Assim, improcede o pedido da Requerente quanto a esta parte do pedido.
Quanto às importâncias expendidas pela Requerente devido à instauração dos processos executivos de que foi alvo para pagamento de prestações não pagas voluntariamente, socorremo-nos das doutas considerações constantes do Acórdão do STA de 1 de Julho de 2009 (proc. 0374/09), onde analisando questão semelhante e tendo em conta os efeitos previstos no artigo 100.º da LGT, 103º do CPPT e 173º, nº 1 do CPTA) quanto à procedência da impugnação, incluindo a “anulação de todos os actos consequentes que hajam sido praticados tendo por base ou pressuposto jurídico-prático o acto tributário anulado”, se concluiu: «Ora, por acto consequente deve entender-se acto cuja prática e conteúdo depende da existência de um acto anterior (acto pressuposto) que lhe serve de causa ou base e que, assim, é dele raiz e fundamento (vide acórdão de 13/05/09, no recurso n.º 483/08, da secção administrativa deste Supremo Tribunal). Como assim, é patente que o acto de pagamento de taxa de justiça por parte do executado em processo de execução fiscal não pode definir-se como acto consequente do acto tributário objecto de anulação num processo de impugnação judicial, desde logo porque reveste natureza distinta, assumindo o primeiro uma natureza de custas judiciais e, como tal, em todo estranha à essência de acto tributário, para mais praticado num distinto e autónomo procedimento jurisdicionalizado (artigo 103.º, n.º 1 da LGT), dessa forma exorbitando do “objecto do litígio” (artigo 100.º atrás citado)».
13. Decisão
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo (verba 28 e 28.1 da Tabela Geral de Imposto Selo) datados de 20 de Março de 2015 e incidentes sobre os prédios com os artigos matriciais … e …, da freguesia de …, concelho de Lisboa, conforme expresso nos documentos de cobrança identificados, nos montantes, respectivamente, de € 14.933,60 (catorze mil, novecentos e trinta e três euros e sessenta cêntimos) e de € 14.771,00 (catorze mil setecentos e setenta e um euros), portanto num total de € 29.704,60 (vinte e nove mil setecentos e quatro euros e sessenta cêntimos), ordenando-se a anulação das liquidações relativamente ao ano em questão com todas as legais consequências, designadamente o direito da Requerente ao reembolso do montante de imposto entretanto pago assim como aos juros indemnizatórios correspondentes.
b) Julgar improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros de mora;
c) Não condenar a Requerida nas custas e taxas associadas aos processos executivos instaurados pela AT para cobrança dos impostos cuja liquidação foi objecto da presente decisão;
d) Condenar a Requerida em custas.
14. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 29.704,60 (vinte e nove mil setecentos e quatro euros e sessenta cêntimos).
15. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 16 de Março de 2017.
A Árbitro
Manuela Roseiro
[1] Sobre a aplicação da verba 28 da TGIS no caso de prédios em propriedade total/vertical, encontra-se já publicitado um elevadíssimo número (centenas) de decisões no site de jurisprudência tributária do CAAD.
[2] “Um outro aspecto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes. Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer referência a cada uma das partes como deve fazer referência expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas” (Silvério Mateus e Freitas Corvelo, Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto do Selo, Comentados e Anotados", Engifisco, Lisboa 2005, pags.159 e 160). E diziam ainda os mesmos autores (ibidem, p.160): “Esta autonomização das partes autónomas de um prédio, aplicável sobretudo aos prédios urbanos, justificava-se no âmbito da antiga Contribuição Predial em que o rendimento colectável correspondia à renda ou valor locativo de cada uma dessas componentes, continuou a justificar-se no caso da Contribuição Autárquica em que o valor patrimonial tinha subjacente a renda efectiva ou potencial e continua a ser pertinente em sede do IMI, dado que os factores de valorização previstos nos artigos 38º e seguintes podem não ser os mesmos para todas essas componentes (...) o facto de um prédio estar ou não arrendado continua a ter relevância para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário quer para efeitos de IMI quer para IMT (vd. Artigo 17º do DL 287/2003)” (referiam-se à redacção original “regime transitório para prédios urbanos arrendados”, norma a rever, segundo o seu nº 5, quando se procedesse a revisão da lei do arrendamento urbano, o que aconteceu com a Lei nº 6/2006, de 27/02).
[3] Sobre este aspecto, e na linha do comentário citado na nota anterior, veja-se a fundamentação contida na decisão do processo nº248/2013-T: “A autonomização na matriz das partes funcional e economicamente independentes de um prédio em propriedade total prende-se com razões de índole fiscal e extrafiscal. No plano fiscal, essa autonomização tem a ver com a própria determinação do valor patrimonial tributário, que constitui a base tributável do IMI, dado que a fórmula de determinação desse valor, prevista no art. 38.º do mesmo Código, comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessas partes. No plano extrafiscal, essa autonomização continua a encontrar justificação na relevância atribuída ao valor patrimonial tributário de prédios e suas partes autónomas na legislação do arrendamento urbano.” Aí se menciona também o n.º 1 do art. 15.º- O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11 (prevendo que a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objecto da referida avaliação) como confirmando a individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas dos prédios urbanos.
[4] Como observado na decisão do processo arbitral nº132/2013-T: “As normas (...) elencadas consagram o princípio da autonomização das partes independentes de um prédio urbano, mesmo quando não esteja constituído em propriedade horizontal. Ou seja, cada parte susceptível de utilização independente deve ser, para efeitos de IMI, valorizada em face das suas especificidades e afectação, resultando num VPT autónomo, individualizável e correspondente a cada parte susceptível de utilização independente.”
[5] Excertos da Decisão no processo nº 50/2014-T, referindo também a Decisão Arbitral no processo nº 48/2013-T, quanto à análise da discussão da proposta legislativa na Assembleia da República.
[6] Diversas decisões do Tribunal Constitucional têm considerado improcedente a invocação, com esse fundamento, da inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS.
[7] Excertos da Decisão no processo nº 50/2014-T, referindo também a Decisão Arbitral no processo nº 48/2013-T, quanto à análise da Discussão da proposta legislativa na Assembleia da República.
[8] Sobre essa questão deixámos algumas considerações na decisão arbitral de 4 de Maio de 2014, no processo nº 219/2013-T, onde, por se tratar de um único prédio não dividido em propriedade horizontal nem em unidades independentes, o Pedido foi considerado improcedente quanto à legalidade da liquidação, não se aceitando a tese da inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS.
[9]Refere expressamente a pronúncia do Tribunal Constitucional (é citado o acórdão 247/2016, de 04.05.2016) sobre a dimensão constitucional da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, em que se concluiu que a norma constante da referida verba na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não é inconstitucional.