Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, L.da, com sede na Rua …, nº…, …-… Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva…, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou, em 28/07/2016, pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de imposto do selo (IS) n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, referentes ao ano de 2015, no montante global de € 50.271,30, bem como a condenação da AT no reembolso à Requerente do valor do imposto do selo pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) A Requerente é dona e legítima proprietária do prédio urbano correspondente a um terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União das Freguesias de … e …, concelho e distrito do Porto;
b) Relativamente ao indicado prédio, a Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2015, com os seguintes n.ºs e valores:
i) liquidação n.º 2016…, no valor de € 16.757,10, referente à primeira prestação de imposto do selo;
ii) liquidação n.º 2016…, no valor de € 16.757,10, referente à segunda prestação de imposto do selo; e
iii) liquidação n.º 2016…, no valor de € 16.757,10, referente à terceira prestação de imposto do selo;
c) Tais liquidações foram efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS);
d) As liquidações em crise carecem de fundamento legal já que a norma de incidência invocada não se aplica ao prédio em apreço, porquanto o mesmo não constitui um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”;
e) A norma da verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido em que o faz a Autoridade Tributária e Aduaneira, viola os princípios constitucionais da igualdade, designadamente da igualdade fiscal, e da capacidade contributiva.
A Requerente juntou cinco documentos, não tendo arrolado nenhuma testemunha.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 19 de Outubro de 2016.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:
Por exceção, invocou a incompetência do tribunal arbitral para apreciação do pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba nº 28 da TGIS.
Por impugnação, invocou, em síntese, o seguinte:
a) o prédio em causa nos presentes autos tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que deve ser tributado, como foi, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS;
b) na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional em sede de IS, há que recorrer aos conceitos previstos no CIMI;
c) o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção;
d) não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios, por não se verificar qualquer erro imputável aos serviços;
e) no caso de se entender haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, sempre seriam estes devidos apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43º nº 3 c) da LGT.
A Requerida informou não existir qualquer processo administrativo e não arrolou nenhuma testemunha.
Devidamente notificada para se pronunciar, querendo, sobre a exceção invocada, a Requerente nada disse.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, orais ou escritas.
II. SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
III. QUESTÕES A DECIDIR:
Nos presentes autos as questões a decidir são:
a) Conhecer da exceção de incompetência material do tribunal arbitral;
b) Determinar se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção em vigor à data dos factos, um terreno para construção é considerado como um prédio com afectação habitacional.
IV. MATÉRIA DE FACTO:
a. Factos provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
1. Encontra-se inscrito a favor da Requerente o prédio urbano correspondente a um terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União das Freguesias de … e …, concelho e distrito do Porto;
2. O referido prédio foi sujeito a avaliação nos termos do CIMI, tendo sido avaliado no valor patrimonial tributário de € 5.027.130,00;
3. Em 05/04/2016, a AT liquidou, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, imposto do selo sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, relativamente ao ano de 2015, no valor total de € 50.271,30;
4. A Requerente foi notificada das primeira, segunda e terceira prestações a pagar do IS liquidado pela AT, relativamente ao prédio supra identificado, correspondentes aos documentos de cobrança n.ºs 2016 …, 2016 … e 2016 …, no valor, cada um, de € 16.757,10;
5. Em 12/04/2016 e 26/07/2016, a Requerente procedeu ao pagamento, respetivamente, da 1ª e 2ª prestações de imposto do selo, referentes ao ano de 2015, que incidiram sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;
6. A data limite de pagamento da 3ª prestação de imposto do selo, referente ao ano de 2015, que incidiu sobre o prédio urbano supra identificado, era de 30/11/2016;
7. O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 28/07/2016.
b. Factos não provados:
Com interesse para os autos, não resultou provado que, relativamente ao prédio a que se alude no ponto 1. dos factos provados, existisse, à data do facto tribuário, qualquer alvará de loteamento, alvará de licença de construção, projeto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva do qual resultasse como edificação prevista ou autorizada a habitação.
c. Fundamentação da matéria de facto:
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, cuja autenticidade e adesão à realidade não foi questionada pela Requerida.
A matéria dada como não provada resultou da ausência de qualquer prova nesse sentido.
V. DO DIREITO:
a. Da matéria de exceção:
Invoca a AT que a competência dos tribunais arbitrais, definida no artigo 2º nº 1 do RJAT, não compreende a apreciação da conformidade constitucional de atos legislativos ou das suas normas.
Concluindo, assim, ser o tribunal arbitral incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material “«da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º n.º 3 da CRP» (cfr. artigos 34.º e 35.º da petição inicial).”
Notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção, a Requerente nada disse.
Apreciemos, pois, esta matéria.
A competência do tribunal arbitral encontra-se elencada no artigo 2º nº 1 do RJAT, limitando-se a sua competência à apreciação das matérias aí previstas.
Quanto à vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o nº 1 do artigo 4º do citado regime que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.
A competência da instância arbitral encontra-se, assim, delimitada, pela portaria de vinculação da Administração Tributária à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Nos termos do disposto no artigo 2.º da indicada Portaria, a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Não oferece, assim, quaisquer dúvidas que a apreciação da “conformidade constitucional de atos legislativos ou das suas normas” não se inclui na competência do tribunal arbitral.
E, acaso a Requerente houvesse suscitado a intervenção do tribunal arbitral para apreciação da conformidade constitucional da verba 28.1 da TGIS, dúvidas não restariam de que o tribunal arbitral seria incompetente em razão da matéria.
No entanto, analisado o pedido formulado pela Requerente, facilmente se verifica não ter esta formulado qualquer pedido de apreciação da constitucionalidade desta verba.
De facto, quanto a esta matéria, é o seguinte o pedido formulado pela Requerente, a título subsidiário:
“seja desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade (cf. artigo 204.º da CRP) e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais”.
Por onde se verifica que a Requerente não formula qualquer pedido de declaração de inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS mas apenas e só a sua desaplicação ao caso vertente, o que é bem diferente.
Note-se que o pedido constitui o concreto meio de tutela jurisdicional pretendido pela Requerente, não podendo o tribunal substituir-se à parte, condenando em objeto diverso do que se pedir – cfr. artigo 609º do CPC.
Assim, tendo a Requerente formulado apenas o pedido, subsidiário, de desaplicação da verba 28 da TGIS por inconstitucionalidade, não pode o tribunal ou a parte contrária substituir-se à Requerente, defendendo que o pedido formulado foi outro, designadamente o de declaração de inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, para assim concluir pela incompetência material do tribunal arbitral para conhecimento desse pedido.
Note-se que, ainda que a Requerente houvesse formulado pedido de declaração de inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, o que, como vimos, não sucedeu, ainda assim tal pedido teria sido formulado apenas a título subsidiário, pelo que nenhum impedimento existia a que o tribunal conhecesse dos demais pedidos.
Pelo que, ainda assim, impunha-se ao tribunal apreciar o pedido principal e, apenas no caso de este não proceder, poderia declarar-se incompetente para apreciar o pedido subsidiário formulado.
Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral.
Improcede, assim, a exceção de incompetência material do tribunal arbitral.
b. Do mérito:
Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.
Em causa nos presentes autos está a delimitação do âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro e a sua aplicação ao prédio da Requerente.
Quanto à incidência objetiva, dispõe o número 1 do artigo 1.º do CIS que o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral.
O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou à TGIS, anexa ao CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redacção:
“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%;
A redação desta verba 28.1 veio a ser alterada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sendo a seguinte a sua atual redação:
“28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%.”
Se no âmbito da redação da verba 28.1 dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro se discutia se os terrenos para construção poderiam ser qualificados como prédios com afetação habitacional, para efeito da sua sujeição à verba 28.1 da TGIS, no âmbito da atual redação da indicada verba, dúvidas não restam de que esta verba se aplica aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
Note-se que a norma não se aplica a todos e quaisquer terrenos para construção mas apenas àqueles cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
Antes de mais, vejamos o que se deve entender por edificação autorizada e prevista para habitação.
Nos termos do disposto no artigo 6º nº 3 do CIMI, “consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.
Nos termos do artigo 41º do mesmo código, os terrenos para construção poderão ter como afetação a habitação, a qual será determinada com base nos elementos a que alude o artigo 37º do CIMI, prescrevendo o número 3 deste artigo que “em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projeto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva”.
Conforme tem vindo a ser defendido pela mais recente jurisprudência arbitral “no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” – cfr- ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS, in “Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo Anotados e Comentados”, Coimbra, Almedina, 2015, página 44[1].
O mesmo entendimento é propugnado na já citada decisão proferida no processo arbitral nº 142/2016-T, de acordo com a qual “não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 3, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva".
Por onde se conclui, como na jurisprudência citada, com a qual se concorda na íntegra, que a verba 28.1 da TGIS se aplica aos terrenos em que o edifício a construir se destine a habitação, assim definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projeto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.
Nos presentes autos, conforme resulta da matéria de facto não provada, não resultou provado que no terreno em causa existisse qualquer alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projeto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva que previsse que o edifício a construir se destina a habitação.
A este propósito, alegou a Requerente que, relativamente ao prédio em causa, não existia, à data a que se reporta a liquidação impugnada, qualquer licença ou autorização de construção ou qualquer projeto aprovado, sendo que a Requerente “nunca deverá submeter qualquer pedido de licenciamento/autorização ou qualquer projecto para qualquer tipo de construção naquele “terreno”, devendo o mesmo permanecer intacto”, não tendo qualquer intenção “de afectar este prédio a qualquer tipo de construção ou projecto urbanístico” – cfr. artigos 35º a 37º do requerimento inicial.
A AT nada alegou com vista a infirmar as citadas alegações da Requerente, nem juntou qualquer documento apto a demonstrar que, ao contrário do alegado pela Requerente, o terreno em causa tinha uma edificação, autorizada ou prevista, para habitação.
Ora, constituindo esta possibilidade de construção de uma edificação destinada a habitação o fundamento do ato de liquidação de IS impugnado, seria sobre a AT que impenderia o ónus da prova de tal facto – cfr. artigo 74º nº 1 da LGT.
Não o tendo feito, a dúvida sobre a existência ou não da possibilidade de construção de uma edificação destinada a habitação no terreno em causa nos presentes autos terá de ser resolvida contra a AT, a favor da Requerente.
Em face de tudo quanto ficou exposto, verifica-se não ter resultado demonstrado que o prédio em causa nos presentes autos constitua um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, pelo que não pode este prédio ser objeto de tributação ao abrigo da verba 28.1 da TGIS.
Verifica-se, assim, que a liquidação em causa nos presentes autos é claramente ilegal, por não ter qualquer fundamento ou sustentação legal.
Pelo que, não havendo fundamento legal para o ato de liquidação efetuado, impõe-se a sua anulação tout court.
No que diz respeito ao pedido de pagamento dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso ora em apreciação, o erro que afeta a liquidação impugnada é imputável à AT, que liquidou o imposto sem qualquer suporte factual ou legal, pelo que dúvidas não existem de que tem a Requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios, calculados à taxa legal supletiva e contados desde a data de cada um dos pagamentos efetuados até efetivo e integral reembolso das quantias pagas.
Nem se diga, como faz a AT, que in casu seria de aplicar o disposto no artigo 43º 3 c) da LGT, apenas devendo os juros ser contados após o decurso do prazo de um ano após a apresentação do pedido de revisão, já que, como conforme resulta expressamente desta norma, esta apenas será aplicável nas hipóteses de “revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte”.
Ora, in casu, não estamos perante qualquer pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte mas apenas e só de uma anulação do ato de liquidação, na sequência da procedência da impugnação deduzida pelo contribuinte.
Quanto ao pedido subsidiário formulado, fica prejudicado o seu conhecimento, já que este apenas é tomado em consideração no caso de não proceder o pedido anterior, o que não sucedeu in casu – cfr. artigo 554º nº 1 do CPC..
VI. DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material deste tribunal arbitral;
b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de imposto do selo no valor global de € 50.271,30 e em consequência:
i) Anular os atos tributários de liquidação de imposto do selo nºs 2016…, 2016… e 2016… e as guias de pagamento emitidas;
ii) Condenar a Requerida a reembolsar à Requerente o imposto indevidamente pago;
iii) Condenar a Requerida no pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios, calculados à taxa legal supletiva, desde a data de cada pagamento e até efetivo e integral reembolso.
***
Fixa-se o valor do processo em € 50.271,30, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
***
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 3 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida por ser a parte vencida.
***
Registe e notifique.
Lisboa, 01 de Março de 2017.
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.
[1] Cfr., entre outras, decisões proferidas nos processos arbitrais nºs 156/2016-T e 142/2016-T, in www.caad.org.pt