Requerente: A…, SA
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, SA, pessoa coletiva n.º…, com sede na …, nº…, freguesia de …, …-… Porto, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, nº1, alínea a), artigo 3º, nº1, artigo 6º, nº1 e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante designado por “RJAT”, para impugnação da liquidação adicional de IMT, nº …, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “AT”. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade da liquidação e do despacho que indeferiu a Reclamação graciosa deduzida pela requerente e sua anulação com as consequências legais.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 25-08-2016, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 26-08-2016 e, de imediato, foi notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira da sua apresentação. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a ora signatária, em 03-11-2016, como árbitro a integrar o tribunal arbitral singular. De imediato, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros indicados, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 18-11-2016 e, na mesma data, foi proferido despacho arbitral, nos termos do disposto no artigo 17º do RJAT, e notificada a AT para apresentar a sua contestação no prazo legal.
3. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu em 21-12-2016, e juntou aos autos o respetivo processo administrativo (PA). Na sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida, a AT pugna pela legalidade dos atos impugnados e pela improcedência do pedido. Requer que seja dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por inútil, bem assim como a apresentação de alegações, dado que a prova documental junta aos autos é suficiente para proferir a decisão, a qual versa, exclusivamente, matéria de direito.
4. Não foram invocadas exceções nem requerida prova testemunhal, sendo as questões a decidir pelo tribunal exclusivamente de direito. Assim, em 16-11-2016, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião do artigo 18º e fixando prazo para alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo igual e sucessivo de 15 dias para cada uma das partes e foi fixada data para prolação da decisão arbitral até ao dia 28-02-2017. O Requerente veio aos autos, no prazo fixado para alegações escritas, com requerimento de 03.01.2017, renovar tudo o que alegara na PI. A Requerida não juntou alegações.
B) PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:
5. O tribunal arbitral foi regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo, não enferma de nulidades que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
6. Cumpre apreciar a matéria de facto relevante e decidir do mérito do pedido.
II. Matéria de facto
A) Factos provados
7. Com base nos elementos que constam do processo, junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a apreciação do mérito da causa:
a) O Requerente A… SA, adquiriu a fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na …, nº…, Freguesia …, Município da Amadora, descrito na … Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número … e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo …;
b) O Requerente adquiriu na mesma data a fração autónoma designada pelas letras “AA”, destinada a habitação, em regime de propriedade horizontal, sito em …, freguesia de …, Município de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo…;
c) A aquisição das frações supra descritas em a) e b) foram adquiridas pelo Requerente no âmbito do processo de insolvência singular de B… e C…, que correu termos no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste, Sintra, Juízo de Comércio, sob o nº .../12.7T2SNT;
d) Os prédios em causa foram arrolados e apreendidos para a massa insolvente, e o Requerente adquiriu-os pelo preço de €142.000,00;
e) O Requerente apresentou a competente declaração de aquisição, no Serviço de Finanças competente, previamente à adjudicação dos prédios, para efeitos de liquidação do IMT e IS devidos, na qual fez constar a menção relativa à aquisição no âmbito de processo de insolvência, isenta por força do art. 270º, nº2 do CIRE;
f) Por força desta modalidade de aquisição, foi automaticamente reconhecida à Requerente a isenção de IMT prevista no artigo 270.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”), não tendo assim liquidado imposto com referência àquela operação;
g) A Requerente foi notificada em 01-10-2015, do ofício junto aos autos em anexo ao pedido arbitral como documento nº 1, o qual determina o pagamento do IMT em falta;
h) Esta notificação esclarece que, no entendimento dos serviços, houve uma incorreta aplicação da isenção em IMT no âmbito daquela operação, porquanto, está em causa a aquisição do imóvel no âmbito de um processo de insolvência de pessoa singular, e não estariam verificados os pressupostos necessários para a aplicação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que refere ao conceito de “empresa insolvente”;
i) Em 19-02-2016 o Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado;
j) Em 19-05-2016 o Requerente apresentou Reclamação graciosa, a qual foi indeferida com o fundamento já referido em h), tendo sido notificado do despacho de indeferimento definitivo em 04-08-2016, após prévia notificação em sede de direito de audição.
k) Em 25-08-2016 a Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual impugna a liquidação de IMT referente à fração “AA”, alvo de apreciação em sede de reclamação graciosa, sob a qual incidiu despacho de indeferimento.
B) Factos não provados
8. Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que se considerem por não provados.
C) Fundamentação da fixação da matéria de facto
9. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos pelo Requerente, não impugnados pela Requerida e confirmados pelo processo administrativo (PA) junto pela AT, pelo que não subsistem factos controvertidos. Não há divergência entre as partes quanto aos factos mencionados nos autos, mas sim, exclusivamente, quanto à questão de direito subjacente à liquidação impugnada. Deve assinalar-se que a matéria de facto sobre a qual o Tribunal tem o dever de pronúncia não é toda a que foi alegada e provada, mas tão só e apenas a considerada relevante ou com interesse ou relevância para a decisão (Cfr artigos 591º, 592º, 596º e 607º, do CPC e 123º-2, do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29º, do RJAT).
III - Matéria de direito
10. Em síntese, resulta da posição das partes assumida nos autos e da síntese da matéria de facto enunciada, que a questão a decidir, é a de saber se a compra de um ou de alguns bens imóveis, no âmbito de um processo de liquidação da massa insolvente de pessoa singular, está (ou não) isenta de IMT, nos termos previstos no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
Na fundamentação do seu pedido o Requerente invoca, em defesa do seu direito à isenção de IMT na aquisição dos imóveis supra identificados, que este benefício resulta do disposto no n.º 2, do artigo 270º do CIRE. Entende que este normativo isenta de IMT, não apenas na aquisição da universalidade de bens da insolvente (na qual se incluam um ou mais bens imóveis), mas também nas transmissões onerosas de imóveis, por venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, quer se trate de uma insolvência de empresa ou de pessoa singular.
11. Por sua vez, a AT procedeu à liquidação do IMT impugnada nos presentes autos, após procedimento de fiscalização a posteriori para confirmação dos requisitos da norma contida no artigo 270º, nº 2 do CIRE, por ter constatado que os imóveis em causa, destinados a habitação, foram adquiridos no âmbito de um processo de insolvência de pessoa singular, considerando que esta hipótese não cabe na previsão daquele normativo. Em conformidade com este entendimento veio a AT pugnar pela legalidade do ato de liquidação, nos termos constantes da resposta junta aos autos que aqui se dá por reproduzida.
12. A transmissão em causa é, sem margem para dúvidas, uma transmissão efetuada no âmbito do processo de insolvência pessoal. Analisado o pedido arbitral é certo que grande parte da argumentação aduzida pelo Requerente respeita à questão de saber se o regime de isenção previsto no nº 2, do art. 270º do CIRE, se aplica no caso de aquisição da universalidade de bens da massa insolvente, viola a letra e o espirito da lei, restringindo de forma ilegal o direito à isenção nela consagrado, sobre a qual se tem pronunciado afirmativamente, quer a jurisprudência arbitral quer dos nossos tribunais superiores. Porém, não é esta a questão relevante para decisão dos presentes autos.
Com referência à aplicação do regime de isenção de IMT previsto no artigo 270º, nº2, têm sido colocadas duas questões distintas, ambas já recorrentes na jurisprudência dos nossos tribunais administrativos e fiscais, bem assim como arbitrais. Assim, têm sido amplamente discutidas duas questões:
- a questão de saber se a isenção prevista no artigo 270º, nº2 do CIRE, opera apenas e só no caso de aquisição da universalidade dos bens da empresa ou estabelecimento, relativamente à qual a jurisprudência arbitral, bem assim como a dos nossos Tribunais superiores tem sido no sentido de reconhecer a isenção em qualquer destas situações;
- e a questão de saber se a isenção opera, indistintamente, quer se trate de insolvência de empresa ou de pessoa singular.
Para decisão dos presentes autos, face à fundamentação da liquidação do imposto e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, releva, exclusivamente, esta segunda questão já que o fundamento da liquidação é precisamente, o das aquisições terem ocorrido no âmbito de uma insolvência pessoal e os prédios adquiridos se destinarem a uso pessoal, “habitação”, dos insolventes e não a qualquer fim empresarial.
13. No pedido arbitral o Requerente alude à controvérsia em torno da primeira questão e convoca argumentos que têm tido acolhimento na jurisprudência arbitral e superior, nos termos já referidos. Porém, o fundamento invocado para a liquidação adicional do imposto processada após fiscalização dos elementos declarados pelo Requerente, é o referente à segunda questão enunciada.
Assim, a AT alega em defesa da sua posição, que o artigo 270º, nº 2 do CIRE, refere expressamente o conceito de empresa, pelo que não se aplica às aquisições de imóveis ocorridas no âmbito de processo de insolvência de pessoa singular.
Dito de outro modo, a forma como o Requerente coloca a questão assenta desde logo num equívoco quanto ao fundamento invocado pela AT para proceder à liquidação do imposto. Esta, sim, é a única questão de direito a decidir para aferir se a liquidação impugnada é ou não ilegal.
14. A este propósito, importa referir que ficou provado nos autos que ambos os imóveis adquiridos são habitacionais, sendo que não foi alegado nem demonstrado que os insolventes exercessem uma qualquer atividade de caráter empresarial ou comercial que nos obrigue a conhecer do conceito de empresa com maior detalhe. É sabido, contudo, que o conceito de empresa comporta a tipologia de empresa constituída sob forma de pessoa coletiva bem assim como, nos termos previstos no direito comercial, os casos em que essa atividade comercial e/ou industrial venha a seja exercida por pessoa singular e possa enquadrar o conceito de empresa previsto no art. 230º do Código Comercial.
No caso dos presentes autos, contudo, os factos provados não deixam dúvida sobre a natureza do processo de insolvência em causa e o fim estritamente pessoal (habitação) dos imóveis adjudicados.
POSTO ISTO,
15. Dispõe o artigo 270.º deste Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece o seguinte:
Artigo 270.º
Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis
1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.
2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.” (sublinhado nosso)
Como resulta expressamente da letra da lei, a isenção pressupõe que as transações ocorram no âmbito de um processo de insolvência e incidam sobre os imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta (empresa).
16. Sobre a questão de saber se a aquisição de imóvel para habitação, no âmbito de processo de insolvência de pessoa singular, pode enquadrar-se no âmbito da isenção prevista no artigo 270, nº2 do CIRE, já se pronunciaram, por diversas vezes, os nossos tribunais superiores. A propósito desta questão veja-se a jurisprudência do STA vertida, entre outros, nos Acórdãos de 03-07-2013, no âmbito do processo nº 0765/13 e de 25-09-2013, no processo nº 68366.[1]
Também no âmbito do CAAD, esta questão já foi suscitada e foi apreciada entre outros nos processos arbitrais nºs 95/2015, 649/2015 e 136/2015. Em todas estas decisões o entendimento foi no sentido de considerar que a referida isenção “não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa”.[2]
17. Ora, a liquidação adicional teve como motivação a constatação, em sede de fiscalização, que os imóveis em causa, integravam a massa insolvente de pessoa singular e não de uma empresa. Também o indeferimento da Reclamação Graciosa, que precedeu a apresentação do presente pedido arbitral teve esse fundamento, como resulta do documento nº 7 junto em anexo ao pedido arbitral. A AT sustenta que só podem beneficiar da referida isenção as aquisições de bens que, efetuadas em processo de insolvência, tenham por objeto a venda de ativos da empresa, ou seja, no caso dos autos a aquisição do imóvel só poderia beneficiar de isenção do IS caso integrasse o património de uma empresa insolvente. E, salvo melhor opinião, a requerida tem razão no entendimento que extrai da norma legal à qual está estritamente vinculada.
18. Neste mesmo sentido se pronunciou o STA no referido acórdão de 3 de julho de 2013, proferido no processo n.º 0765/13, no qual estava em causa averiguar a isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (IMT) prevista no artigo 270.º n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) na aquisição, em fase de liquidação de ativos em processo de insolvência, de um bem imóvel que integra o património da empresa insolvente. E, para responder à questão, o Tribunal ponderou que: “em causa nos presentes autos está a interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, havendo que decidir se a norma deve ser interpretada no sentido em que quer a venda, quer a permuta, quer a cessão, ainda que integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, para que isentas de IMT terão de ter por objecto necessário a empresa ou estabelecimento desta, ou se, como decidido, a referência à empresa ou estabelecimentos desta se refere apenas à cessão, estando compreendidos no âmbito da isenção de IMT também as vendas e permutas de imóveis integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Como é sabido, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio – pelo menos mínimo – na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vício de inconstitucionalidade. (…)”. Em suma, enquanto que a Fazenda Pública defende uma interpretação restritiva no sentido de o nº 2 do art. 270.º do CIRE apenas abranger as transmissões onerosas de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutado ou cedido no âmbito do plano de insolvência, o acórdão atrás transcrito concluiu que o mais adequado ao sentido e alcance da lei de autorização legislativa para aprovação do CIRE será admitir uma interpretação mais ampla de modo a incluir também os bens imóveis que integram o património da empresa insolvente. De qualquer modo, para o que nos interessa no caso dos autos, o ponto é que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência».
19. A nosso ver, os considerandos expendidos no acórdão do STA citado são integralmente transponíveis para a situação dos presentes autos. Na verdade, a interpretação sufragada pelo Requerente não tem o mínimo apoio no teor literal do preceito nem tão pouco na jurisprudência que invoca no seu pedido, a qual diz respeito à interpretação restritiva que a AT vem fazendo do normativo contido no nº2 do art. 270º do CIRE, ao reconhecer a isenção do IMT apenas nos casos de transmissão da universalidade dos bens da empresa insolvente, em total desacordo com o entendimento jurisprudencial maioritário.
Sucede que não é essa a questão que cumpre decidir nos autos.
No caso dos presentes autos está em causa saber se a venda de um bem imóvel, que não pertence a uma empresa, nem estava destinado ao exercício de qualquer atividade empresarial, mas que era propriedade de uma pessoa singular e com destino a habitação, não ficando provado qualquer afetação a atividade empresarial, pode beneficiar de isenção de IMT em razão de ter sido efetuada num processo de insolvência.
A resposta não pode ser senão negativa, já que esta hipótese não é subsumível à previsão da norma do art. 270º, nº2 do CIRE, que se refere exclusivamente à venda de elementos do ativo da empresa.
20. Alega ainda o Requerente que a interpretação restritiva da norma levada a cabo pela AT, consubstancia uma inconstitucionalidade. Ora, mais uma vez não lhe assiste razão e, desde logo, os argumentos que invoca reportam-se à primeira questão interpretativa da norma e não à segunda, sendo que só esta releva para a decisão do caso sub judice.
Não se trata de saber se a isenção só deve ser reconhecida no caso da transmissão da universalidade dos bens da empresa ou isoladamente[3] mas sim de saber se poderá a abranger a transmissão de imóvel não afeto a qualquer atividade empresarial no âmbito de um processo de insolvência de pessoa singular. E, a resposta a esta questão é negativa face à letra da lei e a tudo o que serve de suporte racional ao regime instituído pela norma legal.
A resolução da questão a decidir nos presentes autos é, pois, possível no plano infraconstitucional. Do texto da lei (artigo 270º, nºs 1 e 2 do CIRE) é possível extrair, sem dificuldade, um sentido compatível com a imposição decorrente da lei de autorização legislativa e os objetivos da lei expressos no seu preâmbulo. Cabe, aliás, ao aplicador do direito, em caso de dúvida, encontrar a interpretação compatível com o texto e as imposições constitucionais. Não devemos perder de vista o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, o qual consiste em impulsionar e incentivar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente da empresa, para mais rápida e eficaz satisfação do interesse dos credores, do mercado e do interesse público em geral, não esquecendo a satisfação dos créditos do próprio Estado (créditos fiscais e da segurança Social, predominantemente). São estas razões que levaram o legislador a conceder o benefício fiscal de isenção de pagamento do IMT na aquisição destes bens ou da universalidade dos bens da empresa ou dos estabelecimentos da empresa insolvente.
É evidente que, do ponto de vista do legislador, não se verificam idênticas razões no que toca à adjudicação de bens imóveis não afetos a qualquer atividade empresarial no âmbito de processo de insolvência pessoal.
21. Assim, a interpretação do texto legal vertido do nº 2, do artigo 270º do CIRE, pode ser interpretado, de forma clara e sem dificuldade, tendo em conta a letra da lei e a sua «ratio legis».
Como decidido pelo Acórdão do STA proferido em 25-09-2013, no proc. nº 866/13, referente à isenção do Imposto do Selo mas que se aplica integralmente ao caso dos presentes autos, pois a questão subjacente é a mesma:
“I - De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do activo da empresa». II - Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa.”
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência arbitral. Assim se decidiu no processo nº 13/2016-T, onde se concluiu que a alínea e) do artigo 269º do CIRE confere isenção de IS às vendas de elementos do ativo de empresas, não se podendo aqui entender incluídas as vendas de bens de pessoas singulares, não empresários ou titulares de empresas, uma vez que tal não está previsto na norma em análise. E, mais recentemente, nas decisões arbitrais nº 649/2015 T, 95/2015 T ou 106/2016 T, onde se decidiu, neste mesmo sentido, em questão idêntica à dos presentes autos.
22. Por tudo o que se deixa exposto, diga-se que também não procedem os argumentos tecidos pelo Requerente a propósito da alegada nulidade do ato tributário por não ter um mínimo de correspondência na lei” ou à alegada criação de um verdadeiro imposto ou contribuição não permitido por lei. Como vimos a interpretação reclamada pelo Requerente, essa sim, não encontra correspondência na lei.
23. E, por último, também o que vem alegado a propósito da violação do disposto nos artigos 140º e 141º do CPA, não merece acolhimento. O procedimento tributário obedece a princípios e regras específicas, entre elas relevando a circunstância de muitos tributos se efetivarem num primeiro momento por declaração do próprio contribuinte e só posteriormente, os serviços fiscalizarem (como é seu dever funcional) a veracidade dos factos e a sua verificação nos termos e pressupostos legalmente estabelecidos. Dito de outro modo, cabe à AT apurar se os factos declarados e que serviram de base à não liquidação prévia do IMT se verificaram nos termos e com o alcance previstos na lei. Foi o que sucedeu no presente caso. Para o efeito encontra-se a AT vinculada aos prazos e às regras previstas para o procedimento tributário, nomeadamente ao respeito pelo prazo de caducidade da liquidação do imposto, o qual foi observado.
Assim, sendo não se vislumbra qualquer nulidade do ato ou anulabilidade por violação de qualquer princípio procedimental à luz das regras aplicáveis ao procedimento tributário, não se aplicando ao caso o disposto nos artigos 140º e 141º do CPA.
24. Pelo que, face a tudo o que vem exposto, resulta que a liquidação impugnada não enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação do artigo 270.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou de qualquer outro vício gerador de ilegalidade que imponha a sua anulação.
IV. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se a liquidação impugnada, no valor de €1405,27;
C) Condenar o Requerente nas custas do presente processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €1.405,27 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 28 de fevereiro de 2017
Notifique.
O Tribunal Arbitral singular,
___________________________
(Maria do Rosário Anjos)
[3] Quanto a esta questão (transmissão da universalidade dos bens da empresa versus transmissão isolada), a própria AT já mudou de posição, como resulta da recente Circular nº 4/2017 da DSIMT, ancorada no Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 14/2017 – XXI de 26 de janeiro de 2017.