Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 395/2016-T
Data da decisão: 2017-03-09  Selo  
Valor do pedido: € 22.556,80
Tema: IS - Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro); Lote de terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 14-07-2016, a Requerente, A…, Lda, contribuinte fiscal número…, com sede na Rua …, n.º …,  …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  da liquidação do imposto de selo prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativo ao ano de 2015 e com referência ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U-…, da extinta freguesia de…, atualmente União de Freguesias de…, …, …, …, … e …, concelho do Porto, no valor de 22.556, 80 euros.

A Requerente, alegando que pagou as primeira e segunda prestações do imposto liquidado peticiona, ainda, a restituição das mesmas, acrescido de juros moratórios que se mostrarem devidos, à taxa legal.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 04-10-2016.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. A sociedade contribuinte é legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua…, da União das Freguesias de …, …, …, …, … e …, e inscrito na competente matriz predial urbana com o artigo… .
  2. O referido prédio urbano foi objeto de um pedido de informação prévia apresentado junto da Câmara Municipal do Porto relativamente a “(…) obras de construção de um edifício destinado a Hotel, ou habitação, ou comércio/serviços.”
  3. Na sequência do referido pedido de informação foi prestada a seguinte informação pelo Departamento Municipal de Gestão Urbanística – Direção Municipal de Urbanismo, da Câmara Municipal do Porto:

“ Em face de tudo o exposto, propõe-se: que, ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º26/2010, de 30 de Março, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), o Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo e Mobilidade homologue a proposta de emissão de parecer favorável relativo ao pedido de informação prévia referente a operação de obras de construção cujas características se encontram supra descritas, nas condições constantes da presente informação (…)”.

  1. De acordo com a Verba 28.1 da TGIS com a redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro [artigo 194.º] ut Orçamento de Estado para 2014:
  2. “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI------------------------------------------------------------------------------------------------------1%”
  3. Sucede que, da análise do Pedido de Informação Prévia in casu resulta claro que as edificações aprovadas não visam apenas a habitação mas também a construção de um Hotel, comércio ou serviços.
  4. Nesta medida será forçoso concluir que ocorreu um erro quanto aos pressupostos da liquidação, quando é certo que a norma de incidência real tipifica como facto gerador, no caso do mesmo terreno para construção, a edificação autorizada ou prevista unicamente para habitação, nos termos do Código do IMI.
  5. O legislador com a Lei 55-A/2012 e com a alteração à TGIS pretendeu, num quadro de emergência nacional, tributar os contribuintes titulares de capacidade contributiva acrescida, no caso concreto através da tributação de imóveis de luxo.
  6. Seguindo este mesmo raciocínio e considerando que com o Orçamento de Estado para 2015 o legislador alargou, com o mesmo animus, a incidência objetiva do Imposto do Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção.
  7. Na opção do legislador são assim imóveis de luxo aqueles que, tendo afetação habitacional ou que a edificação autorizada ou prevista seja para habitação nos termos do Código do IMI [e não qualquer tipo de imóvel] – ou seja uma CASA –, o seu VPT seja superior a 1.000.000 Euros.
  8. Ocorre, todavia, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI não são considerados bens de luxo, porquanto os mesmos constituem meras expectativas jurídicas.
  9. Por outro lado, enquanto o a titularidade de imóveis habitacionais de valor fiscal superior a 1.000.000 Euros evidencia uma capacidade contributiva superior, legitimando um “imposto solidário”, tal não decorre da titularidade de imóveis por uma sociedade imobiliária que detém na sua esfera jurídica terrenos para construção que se destinam a realizar o seu objeto social e desenvolver atividade de promoção imobiliária,
  10. Na medida em que não representa um património de “luxo”, e muito menos uma capacidade contributiva adicional ou excecional.
  11. Pelo que a liquidação do imposto em causa, que tem por base terreno para construção, para além de literalmente não observar o cumprimento das normas de incidência real, afeta claramente a ratio legis representada no aditamento introduzido à Tabela Geral também com a redação conferida pelo Orçamento de Estado de 2014.

o.      Não é semelhante tributar um imóvel destinado à habitação com o valor de 1.000.000 Euros, porque a sua configuração é definitiva e representa para o seu titular uma capacidade contributiva acrescida, e um terreno para construção, apesar de a edificação, autorizada ou prevista, se destinar também para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, dado que o seu destino natural será a construção de frações cujo VPT será fracionado ou repartido, pelo número de frações que resultem do processo construtivo, mas de valor seguramente inferior a 1.000.000 Euros.

p.     O facto de agora a AT pretender liquidar o Imposto de Selo nos termos da Verba 28.1 da TGIS relativamente a bens de investimento revela uma clara violação do principio da igualdade e da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrados.

q.      Para além de ilegal por erro quanto aos pressupostos, a liquidação impugnada é igualmente ilegal por vício de fundamentação.

  1. Assim, para sustentar a liquidação em causa, a AT teria de invocar que estamos perante um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.
  2. A fundamentação deve, pois, incluir de forma clara e suficiente e concreta, as razões de facto e de direito que presidiram à decisão de liquidação que ora se impugna.
  3. Deve incluir, não só a lei que serve de fundamento à tributação, mas também a interpretação que a Administração dela fez, a descrição da realidade fáctica e o processo valorativo que presidiu à decisão de submeter estas àquelas.
  4. Analisando a nota de liquidação de Imposto de Selo em causa, conclui-se que a fundamentação nela contida é inexistente, não permitindo ao contribuinte ou a um destinatário normal, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT.
  5. Não incorpora quaisquer elementos que permitam aferir qual foi o percurso valorativo percorrido pela AT que culminou com a decisão de tributar o prédio de que a Contribuinte é proprietária.
  6. Não considerou a realidade fáctica do prédio objeto da liquidação que ora se impugna, ou, em alternativa, não identificou corretamente a incidência do imposto determinada pela lei alargando-a a realidades que  nela não são incluídas.
  7. Ou seja, a AT não explica nem fundamenta a liquidação de um imposto que na letra da norma de incidência recai sobre prédios habitacional ou terrenos para construção cuja edificação prevista ou aprovada para habitação nos termos do Código do IMI, mas que no caso em apreço está a ser exigido em função da titularidade de “terreno para construção”, sem esclarecer nem fundamentar a sua afetação e a razão pela qual as mesmas se encontram sujeitas ao referido imposto.
  8. A AT [mesmo não correspondendo totalmente à realidade material dos artigos urbanos em análise] deveria ter dito e não disse que os terrenos para construção têm edificação prevista ou autorizada para habitação.
  9. Cabendo, consequentemente, à AT explicar porque razão liquidou Imposto do Selo sobre terreno para construção com os diversos tipos de afetação autorizadas, quando é certo que a norma habilitante encerra a tributação no domínio dos terrenos para construção cuja edificação autorizada é apenas para habitação nos termos do Código do IMI.
  10. Assim, também por esta razão a liquidação em apreço é ilegal por vício de fundamentação.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEPÇÃO

Da incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba n.º 28 da TGIS

  1. De acordo com a vontade expressa do legislador, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT «fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral» – conforme Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro;
  2. É manifesto que a competência do foro jurisdicional arbitral não compreende a apreciação da conformidade constitucional de atos legislativos ou das suas normas, ex vi artigo 2.º, n.º 1 do RJAT;
  3. Pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade.
  4. A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.

 

POR IMPUGNAÇÃO

  1. É entendimento da AT que o prédio em apreço tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar uma correta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.
  2. A Lei nº 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28 e com esta alteração legislativa, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a €1.000.000,00.
  3. Pese embora sempre tenha sido este o entendimento da AT, nenhuma dúvida poderá subsistir para o ano ora em crise, i.e., 2015, porquanto, com a Lei n.º 83-C/2013 de 31-12-2013, foi alterada a letra daquele dispositivo passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objetivo de incidência da norma, pelo que falece necessariamente qualquer tentativa de chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da Lei.

 

 

  1. Inexiste, deste modo, qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que a Requerente pretende imputar à liquidação sub judice, tendo a Entidade Requerida atuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa.
  2. Por outro lado, o ato tributário não enferma do vício de falta de fundamentação, pois considera-se terem sido atingidas as finalidades pretendidas com tal fundamentação, a saber: a compreensão do conteúdo do ato pelos seus destinatários e a possibilidade de contra ele reagirem.
  3. A Requerente ficou a conhecer a origem e o motivo das liquidações, o que foi liquidado, como e quais os motivos porque foram operadas as liquidações nos precisos modos em que o foram.
  4. Para os atos de liquidação em causa nos autos, a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do art. 77.º da LGT e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual deste imposto.
  5. No caso dos autos, o procedimento culminou no ato de liquidação impugnado e cujo resultado final, em termos de apuramento de imposto a pagar, nele se espelha de forma “padronizada”, dessa forma cumprindo os requisitos de fundamentação impostos pelo n.º 2 do art. 77.º da LGT.
  6. Não obstante o conhecido “tecnicismo” das questões fiscais e a sua, por vezes, “inacessibilidade” para o “declaratário normal”, tais circunstâncias não impediram a Requerente de fazer valer as suas razões pelas vias que consideraram adequadas.
  7. Não pode, pois, dizer-se, que da fundamentação da liquidação impugnada tenha resultado prejuízo para a sua defesa, cumprindo-se assim uma das finalidades primaciais do dever de fundamentação.
  8. Não deixou a Requerente de apreender a totalidade das circunstâncias do ato de liquidação, como se pode ver da matéria articulada na petição arbitral.
  9. A fundamentação do ato de liquidação é suficiente, é clara, é precisa e é objetiva.
  10. Não obstante, mesmo que a fundamentação utilizada se tivesse revelado insuficiente face aos seus pressupostos legais – o que não admitimos –, a Requerente exerceu plenamente a sua defesa.
  11. Assim, tal hipotética insuficiência não poderia nunca equivaler à falta de fundamentação do ato, por o fim legal que com ela se visa atingir, ter sido, não obstante, eficaz e perfeitamente alcançado pelos seus destinatários.

 

5. Por despacho de 23.01.2017, foi julgada improcedente a exceção suscitada pela Requerida.

 Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada  a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e  ainda nos princípios da celeridade, da simplificação e informalidade processuais.

Determinou-se ainda a realização de alegações escritas  pelo prazo de 7 dias sucessivos para Requerente e Requerida.

As partes apresentaram alegações nas quais, no essencial, mantiveram as posições já manifestadas na petição inicial e na resposta.

 

6. Cumpre solucionar as seguintes questões:

  1. Se  existe vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
  2. Se ocorre vício de falta de fundamentação.
  3. Se deve ser a Requerida condenada a restituir à requerente os montantes alegadamente pagos com juros indemnizatórios à taxa legal.

 

II. Saneamento

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III – A matéria de facto relevante

 

8.  Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A sociedade Requerente consta da matriz predial como proprietária dum lote de terreno para construção sito na Rua …, da União das Freguesias de …, …, …, …, … e …, e inscrito na competente matriz predial urbana com o artigo …, com o valor patrimonial tributário de € 2.255.680,00.
  2. O referido imóvel foi objeto de um pedido de informação prévia apresentado junto da Câmara Municipal do Porto relativamente a “(…) obras de construção de um edifício destinado a Hotel, ou habitação, ou comércio/serviços.”, que foi objeto de decisão de emissão de parecer favorável, em 6.07.2012.
  3. Do referido parecer consta, relativamente a características da obra o seguinte:

Área de implantação: 1395,2 m2

Área bruta de construção: 7922 m2

Área total de construção: 10.678,00 m2

  1. Do parecer consta, relativamente a usos, o seguinte:

Usos: Não definido (Unidade Hoteleira, ou habitação, ou comércio/serviços.)

  1. Da caderneta predial do prédio consta, designadamente, o seguinte:

Área total do terreno: 2.756 m2

Área de implantação do edifício: 1395,2 m2

Área bruta de construção: 10.678,00 m2

“tipo de coeficiente de localização: habitação” e Ca: 1,00.

            modelo 1 de IMI, entregue em 22.10.2012.

  1. Em 5.04.2016, a Requerida efetuou a liquidação impugnada, respeitante  ao ano de 2015, no valor de € 22.556,80 e  referente ao imóvel acima identificado, tendo como sujeito passivo a Requerente.
  2. Da notificação desta liquidação consta a identificação fiscal da Requerente, o ano do imposto, a identificação do documento, a data da liquidação, a identificação do prédio, a verba da TGIS em causa, o valor patrimonial do imóvel, a taxa do imposto, o valor da coleta e o valor da 1ª prestação, e a menção de que o pagamento deve ser efetuado no mês de Abril de 2016, não havendo menção à afetação da edificação autorizada ou prevista.
  3. A requerente pagou a primeira prestação do imposto,  no valor de 7.518,94 Euros, em 27.04.2016 e a segunda, no valor de 7.518,93 Euros, em 6.07.2016.

 

 

Com interesse para a decisão da causa, relativamente a factos alegados pelas partes, inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação pela Requerida, especificamente, a notificação da liquidação e os comprovativos  dos pagamentos (documentos um, dois e três juntos com petição inicial), caderneta predial (documento número quatro junto com petição inicial) e notificação da decisão sobre pedido da informação prévia efetuada à Requerente pela Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal do Porto  (documento número cinco junto com petição inicial), sendo de referir não resultar dos  articulados apresentados desacordo relativamente à matéria de facto.

 

-IV- O Direito aplicável

 

10.Estabelece a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei de  Orçamento de Estado para 2014) que fica sujeita a imposto de selo a:

 

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio  habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI: 1%.

(…)

 

A  redação originária da norma em causa, nesta  parte, era a seguinte:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

(…)

 

11. Segundo a nova redação da norma em causa ficam também sujeitos a tributação o “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI”.

 

O  novo segmento  da norma, na sua  aparente simplicidade,  levanta interrogações várias, designadamente à luz da reconhecida intenção legislativa vertida na verba 28.1 da TGIS de tributar “imóveis de luxo”.

Desde logo, ao nível do seu elemento literal, ao prever a tributação de terrenos para construção “cuja edificação”, autorizada ou prevista, seja para habitação, legitima a interrogação sobre se a previsão se refere apenas a terreno onde esteja autorizada ou prevista a edificação de uma habitação, ou também a lotes de terreno relativamente aos quais estejam autorizadas ou previstas a edificação de várias habitações.

Ainda no âmbito do elemento literal da norma, admitindo-se que o mesmo se possa referir à edificação de mais do que uma habitação, se a previsão se refere a terrenos onde esteja apenas autorizada ou prevista a edificação  de habitações ou, também,  prevista ou autorizada   a construção de prédios destinados a outros fins, como no caso dos autos em que se prevê a construção de edifício destinado a Hotel, ou habitação, ou comércio/serviços.”

 

12. É pacifico na jurisprudência nacional que, na redação originária, a ratio legis da verba 28 da TGIS é a tributação de imóveis de luxo edificados que estejam  afetos  a  habitação.

Com a alteração de redação estabelecida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, estabelece-se, ainda, a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e tenham um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros à semelhança do que sucede no caso dos edifício habitacionais.

 

O legislador ao fazer incidir a tributação da verba 28.1 em lotes de terreno para construção está a antecipar a tributação do “luxo”, que constitui o pressuposto da tributação, na medida em que, embora não ocorrendo, ainda, a possibilidade do imóvel de elevado valor patrimonial ser objeto de utilização habitacional, o mero facto de se ser proprietário dum terreno destinado à edificação dum imóvel com tais características e, também ele, desde logo, detentor de valor patrimonial tributário de elevado valor, faz supor a capacidade contributiva acrescida,  pressuposto e  critério desta tributação.

 

Mas esta capacidade contributiva acrescida, este “luxo”, só se verifica caso a construção autorizada ou prevista o seja para habitação de “luxo”, ou seja, para unidade habitacionais com valor superior a um milhão de euros.

A “ratio legis” do preceito não é, de modo algum, a tributação de lotes de terreno destinados a habitações  de valor médio ou de habitação social aparentemente decorrente do elemento literal da norma, pois um lote de terreno para construção destinado a construção de habitações  de valor médio ou inferior pode atingir um valor superior a um milhão de euros, o  que poder depender, designadamente,  do números de fogos a edificar.

Impõe-se, pois, uma interpretação restritiva do preceito, no sentido de se considerar que estão sujeito a tributação os lotes de terreno para construção mas, apenas e tão só, no caso  da construção autorizada ou prevista ser para habitações de elevado valor ou seja, para unidades habitacionais  de valor superior a um milhão de euros (“cessante ratione legis cessat eius dispositivo”).

Acresce que a interpretação da norma que aqui se perfilha, para além de se encontrar em  sintonia com o elemento teleológico  e de ter  na letra da lei um mínimo de correspondência verbal   é a que melhor de coaduna com a unidade do sistema jurídico e, designadamente, com o princípio da interpretação conforme à constituição. Na verdade, caso se entendesse que a tributação dos lotes de terreno prevista na verba 28.1 da TGIS  não se circunscreve a lotes destinados à edificação de habitações de elevado valor, tal implicaria a  tributação de terrenos destinados a habitações de valor médio ou, até, de habitação social, o que, além de violar  claramente o princípio da capacidade contributiva, afrontaria, ainda, manifestamente, o art. 65º da Constituição da República Portuguesa.[1]  [2]

 

No caso dos autos, da  matéria de facto provada não emerge a verificação do pressuposto legal, na interpretação acolhida, para além de  resultar até  incerteza quanto ao tipo de construção a edificar (unidade hoteleira ou habitação ou comércio serviços), conforme resulta da decisão de aprovação do pedido de informação prévia, cujos elementos referentes à capacidade edificativa coincidem no essencial com os transpostos para a caderneta predial,   quanto às áreas a edificar  (Área de implantação constante de ambos os documentos: 1395,2 m2; Área bruta de construção constante da caderneta e Área total de construção  constante da decisão de aprovação do pedido de informação prévia: 10.678,00 m2) sendo, por isso, de presumir que a inscrição matricial se tenha baseado na decisão de aprovação do pedido de informação prévia, de resto, em linha com o que resulta do art. 37º, nº 3, do CIMI, e não sendo, por isso, de conferir particular relevância ao tipo de afetação constante da caderneta predial, pois que, face à aprovação  alternativa de diversos fins para a construção, algum deles teria necessariamente de ser inserido, atenta a impossibilidade legal de os considerar a todos para efeitos de avaliação e, em consequência, de inserção  matricial conjunta.

 

Nesta medida, e sem necessidade de mais considerações, entende-se que o imóvel em causa, de que a Requerente é proprietária inscrita na matriz, não se subsume na norma constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que não pode a liquidação sub judice deixar de ser anulada ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento vício de falta de fundamentação do ato tributário também alegado pela Requerente.

 

13. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os  respetivos juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[3]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira  do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

14. No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem à liquidação  ora anulada, imputável à Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente à liquidação anulada, com juros indemnizatórios, à   taxa legal.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral:

a)         Decretar a anulação da liquidação objeto do presente processo.

b)         Condenar a Requerida a   restituir à requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento pelo requerente até à do processamento da nota de crédito.

 

 

 

Valor da ação: 22.556,80 € ( vinte e dois mil quinhentos e cinquenta e seis euros e oitenta cêntimos)  nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de 1 224.00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 9.03.2017

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       



[1] Neste sentido a decisão arbitral de 5.02.2016, proferida no processo 482/2015-T. (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/)

[2] Na decisão arbitral de 17-03-2016,  proferida no processo 507/2015-T, considerou-se que “que a norma da verba 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fracção susceptível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.

As mesmas razões para distinguir valerão relativamente aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, pois a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa»: isto é, se o terreno, só por si, tem valor igual ou superior a € 1.000.000,00 e se destina construção de habitações individuais de valor também igual ou superior a este está-se perante situações em que a mera titularidade de direitos sobre o terreno revela riqueza correspondente «aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa». (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/)[destaque nosso].

[3] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária,  in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).