Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 158/2013-T
Data da decisão: 2014-02-10  Selo  
Valor do pedido: € 11.813,75
Tema: Terreno para construção – verba 28.1 da TGIS
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Pronúncia Arbitral

 

Requerente: A…, com sede na Avenida …, com o número de matrícula e de pessoa coletiva ….

Requerida: AT - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

I - RELATÓRIO

  1. A..., sociedade com o NIPC n.º …, com sede na Avenida …, doravante designada por Requerente, apresentou, em 04.07.2013, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada como Autoridade Tributária ou AT), na qualidade de sucessora da Direcção-Geral dos Impostos, com vista a:
  • A anulação da liquidação com base em erro na qualificação do facto tributário, ou, caso o Tribunal entenda que não existe tal erro,
  • A anulação da mesma liquidação com base em as normas da subalínea i) da al. f) do n.º 1 do artigo 6º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e a verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), com a redação que lhe foi dada pelo mesmo diploma, serem inconstitucionais, se forem interpretadas no sentido de que o Imposto do Selo (IS) aí previsto incide sobre terrenos para construção, quando nos mesmos não exista qualquer construção suscetível de efetiva utilização habitacional, por violação dos números 2 e 3 do art.º 103º e do n.º 2 do art.º 104º da CRP.
  1. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite em 04.07.2013 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”), tendo a Autoridade Tributária sido notificada da apresentação do aludido pedido em 05.07.2013.
  2. O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 10.09.2013 e o facto comunicado às partes na mesma data.
  3. Em 13.9.2013 a Administração Tributária foi notificada para, querendo, apresentar resposta à petição da Requerente e remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo referente ao pedido de pronúncia.
  4. A Administração Tributária apresentou resposta ao pedido da Requerente em 14.10.2013, tendo a Requerente sido notificada desse facto na mesma data.
  5. No dia 29.10.2013, teve lugar no Centro de Arbitragem Administrativa a reunião prevista no art.º 18º, n.º 1 do RJAT, reunião da qual foi lavrada ata que se encontra junta aos autos.
  6. Em 26.11.2013, a convite do Tribunal dirigido à Requerente na reunião realizada nos termos do art.º 18º, n.º1 do RJAT, a Requerente reformulou o pedido, acrescentado ao pedido inicial que o Tribunal determine a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação em causa, despacho emitido em 31.5.2013 e notificado à Requerente em 25.6.2013;
  7. Nessa reformulação, a Requerente acrescentou ainda ao pedido que o Tribunal condene a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 24º, n.º 1 do RJAT, a emitir o ato tributário legalmente devido, no sentido do deferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação impugnada, com o consequente restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário reclamado não tivesse sido praticado.
  8. Não foram apresentadas alegações por qualquer das partes.
  9. A Requerente alegou, no essencial, o seguinte quadro factual:
  • A Sociedade sujeito passivo foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º …, de 07.11.2012, declarando-a devedora de Imposto do Selo no montante de 11 813, 75 Euros relativo ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da Freguesia da …, sob o artigo ....
  • Dos fundamentos da liquidação consta que a mesma foi efetuada com base no art.º 6º, n,º 1, al. f) da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.
  • O prazo de pagamento voluntário do imposto liquidado foi fixado com término em 20.12.2012.
  • Não se conformando, a Requerente apresentou em 28.02.2013, no Serviço de Finanças do …, reclamação graciosa contra a referida liquidação.
  • Esta reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 31.5.2013 da Direção de Finanças do ..., notificado à Requerente pelo Ofício n.º …, datado de 19.6.2013, e recebido pela Requerente em 25.06.2013.
  1. A Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes fundamentos:
  • A liquidação impugnada teve como fundamento o enquadramento do prédio supra identificado na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a qual se aplica a prédios “com afetação habitacional”.
  • O enquadramento do imóvel nesta norma de incidência é errada e injustificada, porque o imóvel não tem a afetação habitacional que é prevista na norma aplicada.
  • O imóvel em causa é, sim, um terreno para construção, no qual poderão ser construídos prédios habitacionais como de qualquer outro tipo.
  • No debate parlamentar da Proposta de Lei n.º 96/XII (2ª), que deu origem ao diploma legal que fundamenta a imposição tributária impugnada (debate que se encontra publicado no Diário da Assembleia da República n.º 31, I Série, nº 009, 11.10.2012, pp. 31 a 46), o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que nesse momento representava o Governo, afirmou que “o Governo propõe uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas a habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.
  • Deste elemento se retira que não foi intenção do legislador sujeitar à tributação em causa prédios de que sejam titulares sociedades de construção, como é o caso da Requerente, que os utilizam como matérias-primas e não como património de elevado valor destinado a habitação.
  • A interpretação que a Autoridade Tributária realiza da norma de incidência tributária é, além do mais, inconstitucional, por violação do princípio da legalidade e da tipicidade das normas de incidência tributária, estatuídos nos números 2 e 3 do art.º 103º da CRP.
  • Além disso, essa interpretação seria ainda violadora do princípio da tributação das empresas segundo o seu rendimento real, consagrado no n.º 2 do artigo 104º da CRP.

 

  1. Na sua Resposta, a Requerida AT - Autoridade Tributária e Aduaneira contesta a procedência da impugnação argumentando, em síntese:
  • A Lei n.º 55-A/2012, de 29.12 alterou o art.º 1º do Código do Imposto do Selo (CIS) e aditou à respetiva Tabela Geral a rubrica 28. Através desta alteração, o IS passou a incidir, a par de outros factos, sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000,00 Euros.
  • De acordo com o art.º 67º, n.º 2 do CIS, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28, aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.
  • O art.º 6º, n.º 1 do CIMI integra na categoria de prédios urbanos os terrenos para construção, os quais são definidos (n.º 1 do mesmo preceito) como os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações …”.
  • Já a noção de “afetação do prédio urbano” encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação (sic) do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.
  • Do art.º 45º n.º 2 do CIMI retira-se que o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art.º 41º do CIMI.
  • O conceito de “prédios com afetação habitacional” previsto na verba 28 da TGIS compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.
  • Quanto à alegada violação do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real, consagrado no n.º 2 do art.º 104º da CRP, esta também não se verifica, em primeiro lugar porque o preceito constitucional diz respeito apenas ao rendimento, não se aplicando ao património, e em segundo lugar porque se estabelece aí que as empresas devem ser tributadas fundamentalmente pelo rendimento real, deixando ao legislador liberdade para estabelecer exceções ou atenuantes.

 

II – QUESTÕES A DECIDIR

  1. A primeira questão a decidir é a de saber se um terreno para construção deve ser considerado um “prédio com afetação habitacional”, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
  2. A segunda questão que é colocada ao Tribunal, a decidir apenas se a resposta à primeira questão for contrária à pretensão da Requerente, é a da inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, em conjugação com o art.º 1º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, se nesta se incluírem os terrenos para construção.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

A - DE FACTO

  1. Os factos provados considerados relevantes são os seguintes:
  • A Sociedade sujeito passivo foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º ..., de 07.11.2012, declarando-a devedora de Imposto do Selo no montante de 11 813, 75 Euros relativo ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da Freguesia da …, sob o artigo ....
  • Não se conformando, a Requerente apresentou em 28.02.2013, no Serviço de Finanças do ..., reclamação graciosa contra a referida liquidação.
  • Esta reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 31.5.2013 da Direção de Finanças do ..., notificado à Requerente pelo Ofício n.º ..., datado de 19.6.2013, e recebido pela Requerente em 25.06.2013.

 

B - DE DIREITO

  1. De acordo com o n.º 1 do art.º 1º do Código do Imposto do Selo (CIS), este imposto incide “sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral”. Portanto, a incidência do Imposto do Selo (IS) é determinada pela conjugação do preceito citado com as várias verbas ou rubricas da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), as quais especificam os atos, contratos, documentos, papéis e outros factos ou situações jurídicas sobre os quais incide o imposto.
  2. A verba 28 da TGIS, aditada pelo art.º 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, define como facto tributário a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 de Euros e determina que o imposto incidirá sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
  3. O imposto não incide porém sobre qualquer prédio urbano com o valor patrimonial referido, mas apenas sobre duas categorias de prédios urbanos, previstas nas sub-rubricas 28.1 e 28.2. Quanto à primeira – a única que releva para o caso dos autos– aí se determina que ficam sujeitos ao imposto os prédios urbanos com afetação habitacional.
  4. Assim, entre outras situações, o IS incidirá sobre (a propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre) prédios que, cumulativamente, sejam urbanos, tenham afetação habitacional e cujo valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000 de Euros
  5. O CIS não define “prédio urbano” nem “prédio urbano com afetação habitacional”. Mas, o n.º 6 do seu art.º 1º determina que, para efeitos de aplicação do CIS, o conceito de prédio é o definido no CIMI. O nº 2 do art.º 67º do mesmo Código, por seu turno, determina que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.
  6. A qualificação do imóvel em causa como prédio não é controvertida. Essa qualificação está de acordo com o n.º1 do art.º 2º do CIMI.
  7. Quanto à qualificação do imóvel em causa como prédio urbano:
  • Nos termos do n.º 1 do art.º 6º do CIMI, a categoria “prédios urbanos” integra várias espécies.
  • Uma dessas espécies, prevista na al. c) do mesmo art.º 6º, é a dos “terrenos para construção”, os quais são definidos (n.º 3 do mesmo preceito) como “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo (…)”.
  • O prédio em causa é um prédio para construção, conforme alegado pela Requerente (par. 12 do Pedido de Pronúncia) e corroborado pela Requerida (parágrafo 5º da Resposta), no qual não existem edificações ou construções (parágrafo 5º da Resposta).
  • Sendo um prédio para construção, o prédio em causa deve ser considerado um prédio urbano para efeitos da aplicação do Código do Imposto do Selo.
  1. Quanto à qualificação do imóvel como “prédio urbano com afetação habitacional”:
  • Como é afirmado no Acórdão do Tribunal Arbitral proferido no Processo 53/2013-T (http://www.caad.org.pt), o conceito de “prédio com afetação habitacional” não se encontra no Código do IMI nem em qualquer outra legislação tributária.
  • O conceito também não se encontra em nenhum outro setor ou ramo do ordenamento jurídico português, pelo que não tem aqui aplicação a norma de interpretação do n.º 2 do art.º 11º da Lei Geral Tributária (LGT).
  • O conceito terá pois de ser interpretado com recurso ao sentido que o mesmo tem na linguagem comum, com observância das normas gerais de interpretação do Direito, constantes do art.º 9º do Código Civil, e concretamente a norma contida no n.º 1 deste preceito, segundo a qual a interpretação deve “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
  • De acordo com a linguagem comum, o termo “afetação” significa a ação de destinar alguma coisa a determinado uso» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, citado no Acórdão do Tribunal Arbitral acima referenciado).
  • Não pode haver dúvida de que, ao referir-se a “prédio com afetação habitacional”, o legislador pretende aludir à utilização ou uso do prédio urbano.
  •  Poderá questionar-se, apenas, se a “afetação” ou “utilização” habitacional tem de ser atual e efetiva, no sentido de que o prédio deve ter uma utilização habitacional efetiva no momento da incidência do imposto, ou se essa “afetação” ou “utilização” habitacional pode referir-se a uma “afetação” ou “utilização” não atual ou efetiva.
  • É útil socorrermo-nos aqui de um conceito próximo, o de “prédio habitacional”, contido no n.º 2 do art.º 6º do CIMI, o qual define prédio habitacional como o prédio que tenha como destino normal “fins habitacionais”. Para ter como destino normal “fins habitacionais”, o prédio deve ter as características físicas apropriadas à habitação e específicas desta utilização. Assim, um prédio urbano comercial pode ter características que tornem possível a sua utilização habitacional mas, como resulta do preceito citado, não será esse o seu destino normal. Para que um prédio tenha como destino normal uma utilização habitacional, há de possuir características físicas que o tornam especificamente apropriado para ser utilizado como habitação e que o diferenciam das restantes espécies de prédios urbanos.
  • Para os efeitos do preceito citado anteriormente, o qual é uma norma de incidência tributária, não interessa se o prédio tem efetiva e atualmente uma utilização habitacional, mas apenas se é esse o seu destino normal, aferido em função das suas características físicas atuais.
  • Ora, o significado da expressão “prédio com afetação habitacional”, se devesse ser distinto do da expressão “prédio habitacional” – questão à qual não se tratará de responder neste momento - só poderia ser mais restrito do que este, na medida em que, segundo o significado que tem na linguagem comum, a expressão “com afetação habitacional” significa “com utilização habitacional” (ver neste sentido o Acórdão do Tribunal Arbitral no Processo 53/2013-T, já citado), e nunca um significado mais abrangente.
  • Quer a expressão “prédio com afetação habitacional” deva ser interpretada com o sentido de prédio cujas características físicas atuais permitem concluir que o mesmo tem como destino normal a utilização habitacional, quer deva a mesma expressão ser interpretada com o sentido de prédio com uma utilização habitacional atual e efetiva, em nenhum caso cabem nela os terrenos para construção, pois os terrenos para construção não são suscetíveis de ser afetados a uma utilização habitacional, em nenhum dos sentidos descritos.
  • Não deve perder-se de vista, a este propósito, o princípio da capacidade contributiva, estruturante da incidência de todo e qualquer imposto (por imperativo do princípio da igualdade tributária). A capacidade contributiva pode revelar-se através do rendimento, da sua utilização ou do património (art.º 4º, n.º 1 da LGT). No caso da verba 28 da TGIS, que define como facto tributável a “propriedade, o usufruto ou o direito de superfície de prédios”, o que se pretende tributar é o património.
  • Porém, os elementos, carreados ao processo pela Requerente, respeitantes aos trabalhos preparatórios da Lei que introduziu a verba 28 na TGIS, indicam com segurança que não se pretende tributar qualquer património, mas apenas propriedades habitacionais que revelem uma capacidade contributiva particularmente elevada. As afirmações do Autor do Projeto de Lei - representado, no debate parlamentar de que o mesmo foi objeto, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais - de que “o Governo propõe uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” e que “é a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas a habitação”, conduzem também a concluir que não pode caber na norma de incidência um terreno para construção só por ter um valor superior a 1 000 000 de Euros. Designadamente porque, se esse terreno estiver integrado no património de uma empresa que se dedica à construção imobiliária, não se poderá dizer desse prédio que é uma propriedade de “elevado valor”. “Elevado valor”, do ponto de vista da capacidade contributiva, apenas poderão ter as habitações individuais que nele vierem a ser edificadas.
  • Se, desatendendo o elemento histórico da interpretação referido, se interpretasse a norma no sentido de nela caberem os terrenos para construção, então estar-se-ia perante uma violação do princípio da igualdade tributária, pois o facto de uma sociedade imobiliária ser proprietária de um terreno para construção de valor superior a 1 000 000 de Euros não revela maior nem menor capacidade tributária do que a propriedade, por outra sociedade imobiliária, de um terreno para construção de valor inferior a 1 000 000 de Euros.
  • A Requerida AT constrói a sua fundamentação para o enquadramento dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS partindo da asserção de que, não existindo no Código do Imposto do Selo uma definição de “prédio com afetação habitacional”, a definição do que seja a afetação dos prédios urbanos encontra assento na parte (do CIMI) relativa à avaliação dos imóveis”, porquanto a [afetação] incorpora valor ao imóvel.
  • Seguindo esta linha de argumentação, a AT socorre-se do artigo 45º, n.º 2 do CIMI, o qual determina a incorporação do valor das edificações autorizadas ou previstas no valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
  • A AT conclui do anterior que o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral aos terrenos para construção, o que torna aplicável, a tais imóveis, o coeficiente de afetação previsto no artigo 41º do CIMI.
  • A tese da AT não pode ser aceite.
  • É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar.
  • Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos.
  • Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais.
  • Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões:
  • A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar;
  • E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda.
  • Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.
  • O conceito de afetação habitacional dos terrenos para construção não tem, pois, qualquer apoio legal, nem mesmo nas normas de avaliação do CIMI.
  1. Assim sendo, o terreno para construção sobre cuja propriedade incidiu o IS liquidado à Requerente não cabe na previsão da verba 28.1 da TGIS, de acordo, aliás, com o entendimento que tem vindo a ser reiteradamente afirmado pelos tribunais arbitrais (ver a este respeito as pronúncias arbitrais proferidas nos processos n.º 53/2013-T, n.º 42/2013-T, n.º 48/2013-T e n.º 49/2013-T).
  2. Consequentemente, a liquidação impugnada pela Requerente através de reclamação graciosa indeferida é ilegal na medida em que viola a norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, configurando erro sobre os pressupostos de direito, o que a torna anulável nos termos do art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo.
  3. A liquidação referida é julgada ilegal por este Tribunal pelos mesmos fundamentos invocados pela Requerente na reclamação graciosa deduzida contra a mesma, o que implica julgar igualmente ilegal o ato secundário, aqui impugnado, de indeferimento da reclamação graciosa.
  4. Nesta conformidade, fica prejudicada a segunda questão colocada ao Tribunal, relativa à alegada inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS, uma vez que esta norma não comporta a interpretação que dela fez, no caso, a Autoridade Tributária.

 

IV – DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito expostos e nos termos do artigo 2º do RJAT, o Tribunal decide:

  • Declarar a ilegalidade do ato de indeferimento (notificado à Requerente pelo Ofício n.º ..., datado de 19.6.2013) da reclamação graciosa deduzida pela Requerente contra a liquidação de Imposto do Selo n.º ..., de 07.11.2012, em vista da procedência dos vícios imputados a esta liquidação na referida reclamação graciosa;
  •  Declarar a ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito, da liquidação de Imposto do Selo n.º ..., de 07.11.2012, objeto da reclamação cujo indeferimento é impugnado nos presentes autos;
  • Declarar a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira vinculada, nos termos do artigo 24º, n.º 1, al. a) do RJAT, a:
  • Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato de indeferimento objeto imediato da presente decisão arbitral;
  • Restabelecer a situação que existiria se o ato de liquidação objeto mediato da presente decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e as operações necessárias para o efeito.

 

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em 11 813,75 Euros.

 

 

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918 Euros, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 10 de fevereiro de 2014.

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)