Decisão Arbitral
Requerente: “A…”, Lda.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I. RELATÓRIO
A sociedade A…, Lda., NIPC n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… Leiria (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 27/06/2016, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, (doravante designado P.I.) nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
A Requerente pede a declaração de ilegalidade dos seguintes atos de liquidação de Imposto do Selo, com referência à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS):
a) Documento de cobrança n.º 2012…, ano de imposto 2012 – art.º 6.º n.º 1 al. F) i da Lei n.º 55-A/2012, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de…, no concelho de Leiria, no montante de € 4.879,43; (doc. 1 da p.i.);
b) Documento de cobrança n.º 2013…, 2013…, 2013…, ano de imposto 2012, das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro de 2013), relativo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, no concelho de Leiria, nos montantes de € 3.252,96, € 3.252,95 e € 3.252,95 (doc.s n.ºs 2 a 4 da p.i.);
c) Documento de cobrança n.º 2014…, 2014…, 2014…, ano de imposto 2013, das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro de 2014), relativo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da união de freguesias de … e …, concelho de Leiria, (antes artigo … da freguesia de …, no concelho de Leiria), nos montantes de € 3.423,74, € 3.423,73 e € 3.423,73 (doc.s n.ºs 5 a 7 da p.i.).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 14/07/2016 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 22-08-2014 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 13-09-2016.
Por despacho de 14/11/2016 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em face da reduzida complexidade do processo, da não invocação de exceções e da falta de junção de prova testemunhal, e foi a Requerente notificada para juntar cópia legível dos documentos 1 a 7 do pedido de pronúncia arbitral, o que veio a fazer por requerimento de 16/11/2016.
Notificadas as partes do despacho arbitral de 06/12/2016 para apresentação de alegações, não foram apresentadas alegações, tendo a Requerente declarado prescindir da sua apresentação por requerimento de 07/12/2016.
A Requerente alega, sucintamente, que os atos de liquidação do imposto do selo nos termos do artigo 28.º.1da TGIS subjacentes às notas de cobrança referentes aos exercícios de 2012 e 2013 não foram notificados o que configura uma ilegalidade, com a correspondente falta de fundamentação de facto e de direito destes actos. Invoca ainda a ora Requerente que, não obstante a falta de notificação da referida fundamentação, as mesmas foram efetuadas ao abrigo do artigo 28.1 da TGIS, o que consubstancia uma ilegalidade uma vez que respeitam a um terreno para construção sobre o qual não existe qualquer afetação habitacional conforme impõe o referido artigo, na medida em que não existe qualquer projeto nem foi requerida qualquer licença junto das entidades camarárias que lhe atribua essa finalidade. Segundo a Requerente, as referidas liquidações ao abrigo do artigo 28.1 da TGIS são de igual modo ilegais pois configuram uma situação de dupla tributação na medida em que tributam o mesmo facto ou situação jurídica já tributada em sede de IMI. Por fim, invoca ainda a ora Requerente que as referidas liquidações estão feridas de inconstitucionalidade quanto à sua retroatividade e ainda por violação do princípio da igualdade fiscal na medida em que se dirigem apenas a prédios para fins habitacionais.
Em resposta, a Requerida sustenta, sucintamente, que apesar de a verba 28.1 da TGIS com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro apenas referir expressamente prédios com afetação habitacional, apela a uma qualificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, devendo ser entendida de uma forma ampla, “abrangendo quer os prédios habitacionais edificados, quer os terrenos para construção”, e cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.º 6.º, n.º 1 do CIMI.” Defende por isso a Requerida que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, ao alargar expressamente o âmbito de aplicação da referida verba, fê-lo apenas para dissipar dúvidas interpretativas suscitadas pela referida Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro. De acordo com a Requerida, o legislador ao reconhecer a necessidade de se expressar com uma maior precisão, acabou por demonstrar justamente ter sido sempre seu intento tributar em sede de imposto de selo verba 28.1 os terrenos para construção, enquanto prédios urbanos afetos a habitação com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00. Deste modo, segundo a Requerida, o artigo 192.º da proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2014, alterou a verba 28 da TGIS, no sentido de aí ficar expressamente determinado que o imposto de selo de 1% sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, passasse igualmente a incidir sobre terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação. Não obstante considerar que o artigo 106.º, n.º 2 da CRP impõe que as normas de incidência devem ser pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado. Por fim, considera que não existe uma situação de dupla tributação, uma vez que estes impostos têm fundamentos e objetivos distintos e ainda que não existe qualquer violação do principio da igualdade nem tão pouco do principio da capacidade contributiva (artigo 104.º da CRP) uma vez que o legislador fundamentou a sua criação como veículo para reforçar o princípio da equidade social na austeridade e uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. Para concluir que os atos de liquidação ora controvertidos não estão feridos de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade que comprometam a sua existência jurídica.
II. SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não há questões prévias ou exceções a decidir, pelo que cumpre apreciar o mérito dos pedidos.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. Dos Factos provados
Não há matéria fatual alegada controvertida estando designadamente provados os seguintes factos essenciais:
1. A Requerente é proprietária de 7/10 do prédio urbano inicialmente inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, no concelho de Leiria, (o “Prédio”), e atualmente inscrito na matriz sob o artigo … da União de Freguesias de … e … .
2. O Prédio está descrito como terreno para construção (entendimento de ambas as Partes).
3. Ao Prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 1.394.122,80 (entendimento de ambas as partes).
4. O identificado prédio urbano não tem qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo.
5. A Requerente foi notificada dos:
a) Documentos de cobrança n.º 2012…, ano de imposto 2012 – art.º 6.º n.º 1 al. F) i da Lei n.º 55-A/2012 - relativo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de…, no concelho de Leiria, no montante de € 4.879,43; (doc. 1 da p.i.);
b) Documento de cobrança n.º 2013…, 2013…, 2013…, ano de imposto 2012, das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro de 2013), relativo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, no concelho de Leiria, nos montantes de € 3.252,96, € 3.252,95 e € 3.252,95 (doc.s n.ºs 2 a 4 da p.i.);
c) Documento de cobrança n.º 2014…, 2014…, 2014…, ano de imposto 2013, das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro de 2014), relativo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da união de freguesias de … e …, concelho de Leiria, (antes artigo … da freguesia de …, no concelho de Leiria), nos montantes de € 3.423,74, € 3.423,73 e € 3.423,73 (doc.s n.ºs 5 a 7 da p.i.).
6. Os referidos documentos de cobrança de imposto de selo respeitantes aos exercícios de 2012 e 2013 têm um valor global de € 24.909,49.
7. Os atos tributários ora controvertidos resultaram da aplicação da taxa de 1% prevista na tabela geral do Imposto de Selo, verba 28.1 ao VPT, com a redação dada pelo regime transitório do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro.
8. A Requerente apresentou recurso hierárquico dos referidos documentos de cobrança que correu os seus termos sob o n.º …2013… e culminou com uma decisão de indeferimento que ora se contesta.
9. O documento de cobrança n.º 2012…, ano de imposto 2012 – art.º 6.º n.º 1 al. F) i da Lei n.º 55-A/2012, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de…, no concelho de Leiria, no montante de € 4.879,43, foi objeto de pagamento em 19/12/2012 (doc. 1 da p.i.);
B. Dos Factos essenciais não provados
Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão e não provados.
C. Da Motivação
Para a convicção do Tribunal Arbitral relativamente aos factos provados, relevaram os elementos documentais a que se faz alusão supra nas diversas alíneas e, em geral, todos os demais documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com os articulados em que se surpreende a inexistência de controvérsia quanto aos factos alegados pela Requerente.
D. Do Direito
Questões a decidir.
São, em síntese e se bem entendemos, as seguintes as questões a apreciar e decidir:
1ª Se enfermam de ilegalidade por falta de notificação dos atos de liquidação do Imposto de Selo;
2ª Se enfermam de ilegalidade por falta de fundamentação de facto e de direito e por violação de lei;
3ª Se enfermam de ilegalidade por dupla tributação;
4ª Se enfermam de inconstitucionalidade por violação do principio da igualdade.
Apreciar-se-ão tais questões e/ou vícios à luz do disposto no artigo 124º do CPPT. Vejamos então:
Da alegada ilegalidade por falta de fundamentação de facto e de direito e por violação de lei.
Do conjunto de factos dados como provados resulta ter sido liquidado I.S. relativo aos anos de 2012 e 2013 relativo a prédio urbano inscrito na matriz como terreno para construção, com um valor patrimonial tributário de € 1.394.122,80.
Ficou demonstrado que estas liquidações foram realizadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pelo regime transitório do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro.
Portanto, a questão que se coloca no presente processo é a de saber qual o âmbito de incidência da verba nº 28.l. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redação dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, particularmente se ela inclui terrenos para construção, ou, mais precisamente, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a € 1.000.000 podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afetação habitacional” a que alude a referida verba.
De acordo com a referida verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, “O imposto de selo é aplicável aos casos de «28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %. (…)”
O conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador da Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem o Código do Imposto do Selo, pelo que, de acordo com o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete-se a título subsidiário para o CIMI. Aliás, o ponto de partida para a correta interpretação daquela expressão (prédio com afetação habitacional) há-de buscar-se, não só na letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, mas também na sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem descurar a intenção ou espírito do legislador. Será este o caminho a percorrer, máxime por força do disposto nas regras sobre interpretação de normas, constantes do art. 9.º do Código Civil, ex vi do art. 11.º da LGT.
Assim, no n.º 1 do artigo 2.° do CIMI estabelece-se que “[p]ara efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”
O artigo 3.º refere-se aos prédios rústicos, e o artigo 4.º aos prédios urbanos, classificando como tal todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo da sua possível classificação como prédios mistos, sempre que nenhuma das partes (rústica ou urbana) puder ser classificada como principal - cfr. o artigo 5°, também do CIMI.
Seguidamente, o artigo 6.º, que aqui releva especialmente, sob a epígrafe “Espécies de prédios urbanos”, dispõe que: 1 - Os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros. 2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins. 3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos. (Redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12) 4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.° 2 do artigo 3.° e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”
Por sua vez são terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdades, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
Por seu turno, o VPT dos prédios urbanos habitacionais é calculado nos termos do disposto no artigo 38.º do CIMI, ao passo que o VPT dos terrenos para construção é calculado nos termos do estatuído no artigo 45.º do mesmo CIMI.
Assim, e apesar do ponto de partida da interpretação da expressão prédios com afetação habitacional dever ser o texto da lei importa, a partir dele, reconstituir o pensamento legislativo.
O conceito para efeitos tributários, mais próximo do teor literal da expressão utilizada na verba 28 da TGIS é, manifestamente, o de prédios habitacionais, definido no n.º 2 do artigo 6.° do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se, pois, que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.
Aliás, o confronto da verba n.º 28.1 da TGTS com n.º 2 do artigo 6.° do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afetação efetiva. Com efeito, tal também resulta da ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios com afetação habitacional, no contexto das «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», que o artigo 9°, n.º 1, do Código Civil também erige em elementos interpretativos.
Desde logo, a limitação da tributação em Imposto do Selo aos «prédios com afetação habitacional» deixa perceber que não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, o que se compreende num contexto em que, como é notório, a economia encontra-se em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis máximos históricos, com avalanche de encerramento de empresas derivado de insustentabilidade económica.
Tendo em mente esta situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.
Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba nº 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas.
A demonstrar que o legislador, na Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, não previu no âmbito objetivo de incidência da verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, está a Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31.12), - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha - em cujo artigo 194.º, com a epígrafe “Alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo”, se prevê que [a] verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passa a ter a seguinte redação: «28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%».
Com efeito, o legislador vem, de modo expresso (na LOE/2014), diferenciar entre prédio habitacional e terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, donde resulta evidente que uma e outra realidade são diferentes e que, na redação vigente à data da liquidação, apenas os prédios habitacionais, e não, também, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontravam abrangidos pelo âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da IGIS.
Aliás, esta alteração da verba 28.1 introduzida pela Lei do OE para 2014 - a que, repita-se, o legislador não atribuiu carácter interpretativo –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como as que estão em causa nos presentes autos.
Na verdade, este tem sido o entendimento unanimemente perfilhado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo nas suas decisões de 28/05/2014 que julgou o processo n.º 0396/14, de 9 de Abril 2014, nos processos nºs 1870/13 e 48/14, e de 23 de Abril de 2014, nos processos nº 270/14, 271/14 e 272/14, e que no presente caso se corrobora e adere.
Volvendo ao caso sub judice, o prédio objeto dos presentes autos não tem qualquer edifício construído, embora tenha a potencialidade de virem a ser construídas edificações para habitação.
Deste modo, mostrando-se provado que o prédio objeto de tributação é um terreno para construção e não um prédio urbano habitacional, então não se subsume à verba 28.1 da TGIS, pelo que as liquidações sob escrutínio enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, como se referiu supra, o conhecimento dos vícios relativos à falta de notificação da fundamentação dos atos de liquidação, à dupla tributação e à inconstitucionalidade das normas de incidência, que lhe vêm imputados pela Requerente - cfr. o artigo 608º, n.º 2 do CPC, ex vi do art. 2.°, al. e) do CPPT.
IV. DECISÃO
Destarte, julga-se totalmente procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação do imposto do selo para os exercícios de 2012 e 2013 formulado pela Requerente, com a consequente devolução do montante de imposto pago pela Requerente.
Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 24.909,49 (vinte quatro mil novecentos e nove euros e quarenta e nove cêntimos).
Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em
€ 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 13 março de 2017,
Susana Soutelinho
(Árbitra)