Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Alberto Franco e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-11-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, S.A., contribuinte fiscal n.º…, com sede na … nº. …/…, ao Km…, …, … - … …(doravante "Requerente"), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a anulação da demonstração de liquidação de IRC e juros compensatórios e acerto de contas, referente ao exercício de 2014, com as demais consequências legais, designadamente reembolso de quantias que pagou, juros indemnizatórios e indemnização pelos custos incorridos ou a incorrer para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, nomeadamente com a prestação de garantia.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-08-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 25-10-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10-11-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Em 18-01-2017, foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente exerce a actividade de “Comércio de veículos automóveis ligeiros” – CAE 45110;
b) Em 25-09-2014, a Requerente, celebrou, mediante escritura pública, um contrato de dação em pagamento, com vista à regularização parcial de uma dívida constituída perante o Banco B… (B…);
c) Nesse contexto, procedeu à dação de um acervo de imóveis para a esfera jurídica do B…, entre os quais um prédio urbano, composto por lote de terreno, destinado a indústria, na …, sito na freguesia de …, Concelho de Setúbal, inscrito na matriz sob o artigo … e descrição predial nº…, ao qual foi atribuído o preço de € 898.600,00;
d) Em avaliação efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi atribuído ao imóvel referido o valor patrimonial tributário € 2.369.460,00;
e) Em 28-01-2015, a Requerente apresentou requerimento para prova do preço efectivamente praticado na transmissão, nos termos do procedimento de revisão previsto no n.º 1 do artigo 139.º do CIRC (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) Em 16-06-2015, ocorreu uma reunião no referido procedimento de revisão, em que foi decidido solicitar à Requerente alguns documentos (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
g) Em 07-07-2015, foi realizada uma nova reunião no procedimento de revisão, não tendo havido acordo dos peritos (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
h) Em 10-07-2015, os peritos designados pelo contribuinte e pela Administração Tributária apresentaram os laudos que constam do documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
i) No laudo do Perito designado pelo contribuinte refere-se, além do mais, o seguinte:
B) Das tentativas de comercialização do edifício
11. Pese embora tudo o que se encontra demonstrado, cumpre esclarecer que, previamente à operação de dação em pagamento ocorrida, em diversas ocasiões, a A… realizou tentativas de comercialização do imóvel em apreço.
12. Importando, nesta sede, relevar os contactos encetados com a sociedade C… com vista à alienação do imóvel, os quais se revelariam totalmente infrutíferos face às condições do mercado imobiliário.
13. Por conseguinte, na sequência da inexistência de outras propostas apresentadas por demais entidades, o imóvel foi designado como objecto da operação de dação em pagamento, com vista à regularização parcial da divida perante o B… .
14. Nesta sede, cumpre tecer alguns comentários, uma vez que importa não descurar que, na sequência da crise económico-financeira existente à data da operação, o sector do mercado imobiliário registou uma substancial desvalorização do valor dos imóveis, promovida por uma quebra gradual da confiança dos consumidores e dos investidores internacionais.
15. Nesta sequência, verificou-se um aumento significativo do crédito incobrável, o qual, no caso específico do crédito imobiliário, implicou um acréscimo de imóveis entregues em dação em pagamento, por arrematação em processo judicial de execução ou em execução fiscal.
16. Perante o cenário que antecede, à semelhança de diversas empresas, o Grupo D… enfrentava uma situação de falta de liquidez, a qual, consequentemente, sustentou a solução encontrada pela A… ao assinalar o imóvel em apreço como objecto da dação em pagamento, uma vez que o mesmo se constituía como o único activo detido pela sociedade que, de facto, comportava alguma liquidez para fazer face aos passivos acumulados pela empresa.
17. Neste âmbito, importa salientar que, ainda assim, em face da conjuntura económica vivenciada à época, a avaliação efectuada ao imóvel pelo B… cifrou-se num valor razoável e de mercado.
18. Pelo que, consequentemente, a operação de dação em pagamento do mesmo se tenha configurado como a alternativa mais adequada para efeitos de regularização da divida da A… perante o B…, implicando um importante desagravamento dos juros devidos àquela instituição financeira.
19. Face ao exposto, efectuada a prova do preço efectivo, deverá o valor de € 898.600 ser considerado para efeitos do apuramento do IRC.
j) No laudo do Perito designado pela Autoridade Tributária e Aduaneira refere-se, além do mais, o seguinte:
3. Da análise efetuada e do debate contraditório
Este procedimento tem por objetivo avaliar a realidade do preço praticado nas transmissões onerosas dos bens imóveis através do preceituado nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, aplicável por força da remissão legal operada pela norma do atual artigo 139º, nº 5 do CIRC, competindo à empresa apresentar provas que permitam obter essa conclusão.
Analisados os elementos apresentados pela reclamante, em três momentos distintos:
> EG 2015…, em 28 de janeiro de 2015, requerimento prova do preço, art. 139.º CIRC;
> EG 2015…, em 5 de março de 2015, resposta ao ofício…, de 23 fevereiro de 2015;
E a
> EG 2015…, em 24 junho de 2015, resposta à notificação em ata n.º …/15, de 16 junho de 2015;
> Foram disponibilizados os seguintes documentos:
– Fotocópia da escritura pública do contrato de dação em pagamento, celebrada em 25 de setembro de 2014, e caderneta predial do imóvel com o artigo…, acima identificado;
– Fotocópia dos extratos contabilísticos das contas 431 - Terrenos e Recursos Naturais e mapa de apuramento da menos valia fiscal;
– Fotocópia de correspondência estabelecida entre A… e o B…;
– Autorização para acesso a informação bancária da A… e dos respectivos administradores, exigida pelo n.º 6 do artigo 139.º do CIRC.
– Contrato de empréstimo n.º …, de 26 de junho de 2013, celebrado entre a A… e o B…, SA;
– O mesmo contrato com as alterações da "Dação em pagamento”, de 25 de setembro de 2014;
– Balancetes analíticos dos meses de junho/2013, setembro/2014 e dezembro 2014;
– Extrato contabilístico da conta empréstimos B…, dos mesmos períodos;
– Explicação/documentação da contabilização dos contratos de empréstimo.
Cumpre informar que do cadastro da AT - Administração Tributária e de toda a documentação apresentada foram verificados/analisados os seguintes factos:
– A A…, SA, A…, exerce a atividade de comércio de veículos automóveis, CAE 045110, desde 1 janeiro de 1986.
– A dação em pagamento para regularização parcial do empréstimo…, de 26 junho 2013, celebrado entre a A… e o B…, foi constituída por vários imóveis, conforme escritura de dação em cumprimento, de que se elaborou o seguinte quadro:
(...)
– Os ativos fixos tangíveis integram os ativos da empresa que se espera sejam usados mais do que um período para a produção ou fornecimento de bens e serviços, arrendamento a terceiros ou para fins administrativos, com o intuito de obtenção de benefícios económicos futuros.
– E enquanto no âmbito do POC o reconhecimento dos ativos incorpóreos, atuais ativos fixos tangíveis, era efetuado normalmente pelo custo de aquisição ou de produção, na vigência do SNC o reconhecimento é a do justo valor.
– O imóvel em apreço, "…", em 30 de setembro de 2014, encontrava-se contabilizado como ativo fixo tangível, conta 431- Terrenos e recursos naturais (mensuração), pelo montante de €4.540.000,00 (reconhecimento).
– A A… não procedeu à avaliação do imóvel por perito independente. Aliás, a avaliação junto a este processo foi requerida pelo B… .
– A A… não promoveu comercialmente a venda do imóvel, a fim avaliar o valor normal de mercado.
– Em 25 de setembro de 2014, a reclamante, com vista à regularização parcial de uma divida constituída perante o B…, B…, no valor de €5.004.652,33, procedeu à dação de um conjunto de imóveis a que o B… atribuiu o preço de €2.074.833,60.
– Face ao procedimento da dação em pagamento o contrato entre a A… e o B… n.º … foi aditado e alterado para o montante em divida de €3.209.517,14, que se conseguiu reconstituir, com os elementos disponíveis, no quadro seguinte:
– A presente alienação de imóveis prende-se com a efetivação de dação em pagamento de parte do empréstimo…, contraído junto do B… em 26 de junho de 2013, e respetivos encargos financeiros.
– Nos termos do art.º 23.º n.ºs 1 e 2 alínea a) do CIRC são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nomeadamente os encargos financeiros.
Verifica-se pela análise dos balancetes/2013, da lES/2013 n.º…e do quadro resumo elaborado a partir destes que...
...que a A… contraiu empréstimos cujos fundos cedeu, no todo ou em parte, a terceiros, ainda que exista relação de dominio entre estes e a A… .
– Sem que tenha relevado como rendimento nas demonstrações financeiras o "preço" desta cedência de financiamento, nos termos do art.º 63.º do CIRC, como forma de anular o gasto que não concorreu para a obtenção do lucro da sua atividade operacional e como garantia do princípio basilar do art.º 23.º do CIRC (gastos financeiros - €322.780,48 e os proveitos financeiros - €279,36, foi o relatado na IES/2013)
– Do mesmo modo a dação em pagamento deste(s) imóvel(eis) para amortização/renegociação do supra referido empréstimo, em que o preço é inferior ao VTP, não pode ser aceite em virtude do anteriormente exposto.
– Ou seja, este “preço”/gasto incorrido em encargos financeiros não é aceite como gasto do exercício, porque na perspetiva da atividade da empesa, não existiam necessidade de recursos a empréstimos de financiamento. Apenas a A… recorreu a este financiamento para o ceder a terceiros. E, não haveria necessidade desta dação, e acima de tudo de aceitar o “preço” fixado pela empresa financiadora, B…, sendo o “justo valor” do imóvel reconhecido pela A… no montante de €4.540.000,00.
4 Conclusão
Foram concedidos empréstimos obtidos a entidades relacionadas, sem que tenham sido cobrados encargos financeiros nos termos do art.º 63.º do CIRC e da Portaria n.º 1446- C/2001, de 21 dezembro.
Sendo que a dação deste imóvel está relacionado com o acima descrito e porque não foram apresentadas provas inequívocas do preço declarado, da mesma forma não é aceite, o diferencial entre o preço e o VPT.
Motivo pelo qual, no que respeita ao imóvel em causa, se considera que deve ser aplicada a 64º do CIRC, havendo alteração do resultado fiscal declarado pela regra prevista no artigo o reclamante na parte que respeita à alienação do imóvel antes descrito, para efeitos de liquidação do IRC do exercício de 2014.
k) Em 30-07-2015, a Senhora Chefe de Divisão, em substituição da Directora de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Lisboa, proferiu decisão no procedimento de revisão referido, cuja cópia consta do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
B. Decisão
Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, pedido de revisão e as posições dos peritos intervenientes no debate contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra, compete-nos decidir:
O artigo 64.º do CIRC estabelece que:
“1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável (...), valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) (...).
2- Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável (...).
Não obstante o estabelecido neste normativo, o legislador não restringe, de todo, a possibilidade do alienante, caso pretenda, fazer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do IMT, tal como determina o vertido no nº 1 do artigo 139º do mesmo diploma.
Tal prova, deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao Diretor de finanças competente e rege-se pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária (L.G.T.) (n.ºs 3 e 5 do artigo 139º do CIRC).
Pretende o sujeito passivo alienante, fazer a prova de que o preço efetivamente praticado na transmissão correspondente ao prédio urbano, composto por lote de terreno, destinado a indústria, denominado …, inscrito na matriz predial urbana, na freguesia do …, sob o artigo…, foi inferior ao valor patrimonial fixado de acordo com as regras estabelecidas no Código do imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
Alega a reclamante que, por escritura pública lavrada em 25.09.2014 celebrou um contrato de dação em pagamento, cujo preço atribuído ao imóvel transmitido correspondeu ao montante de € 898.600,00, valor este inferior ao seu Valor Patrimonial Tributário de € 2.369.460,00.
A remissão efetuada no nº 5 do artigo 139º do CIRC para o meio procedimental dos artigos 91º e 92º da L.G.T., abrange a necessidade de promoção de uma reunião de peritos, com o propósito de obter um acordo sobre o preço efetivamente pago pelo adquirente dos bens imóveis, baseado, não só, nos elementos resultantes do acesso ao segredo bancário, mas também do exame das condições especiais ou normais de mercado que rodearam a transmissão.
O ónus da prova, de que o preço efetivamente praticado na transmissão do imóvel foi inferior ao VPT cabe ao sujeito passivo.
A prova de que o preço efetivo corresponde ao valor constante do contrato depende, pois, da justificação das condições anormais de mercado em que se realizou a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao VPT definitivo do bem imóvel.
Tendo em consideração todos os argumentos apresentados e os documentos exibidos, verifica-se que não foi demonstrado pelo sujeito passivo, nem pelo seu perito, que o preço efetivamente praticado na transmissão em causa, foi inferior ao VPT fixado, tal como determina o disposto no nº 1 do artigo 139º do CIRC.
Esta posição também e defendida pelo Perito da Fazenda Pública, constando do seu laudo que: "(...) não foram apresentadas provas inequívocas do preço declarado (...) motivo pelo qual, no que respeita ao imóvel em causa, se considera que deve ser aplicada a regra prevista no artigo 64.º do CIRC (...)”.
Em face do exposto, no âmbito do CIRC, para efeitos de determinação da matéria coletável do exercício de 2014, mantenho o valor patrimonial tributário definitivo que serviu de base à liquidação do imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do nº 1 do artigo 64º do CIRC, devendo cessar a suspensão da liquidação na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no nº 2 do artigo 64º do CIRC - Campo 416 do Quadro 11 da Declaração Mod. 22 do exercício de 2014- nos termos do vertido no nº 4 do mesmo artigo.
l) Em 10-09-2015, foi emitida a Ordem de Serviço n.º OI2015…, para inspecção à Requerente;
m) Na inspecção referida foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III.1 - Descrição dos factos e fundamentos
1 - Em 25 de setembro de 2014 o sujeito passivo celebrou uma escritura de dação em pagamento com o B…, NIF: …, através da qual deram os imoveis a seguir descritos:
2 - Em resultado da avaliação geral efetuada nos termos do artigo 15-A (artigo aditado pela Lei n.º 60-A/2011 de 30/11) e avaliação efetuada na sequência da mudança de afetação do prédio comunicada pelo sujeito passivo, foram atribuídos os seguintes valores patrimoniais (Anexo ll):
Através dos referidos ofícios, foi o sujeito passivo informado que podia requerer segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do CIMI, no prazo de 30 dias a contar das notificações (caso não concordasse com o valor referido). Direito que o sujeito passivo não exerceu.
III.2 - Correções meramente aritméticas
1 - Pelo exposto no ponto anterior, podemos verificar que, após a avaliação, existe diferença positiva entre o valor constante do contrato e o valor patrimonial tributário de um dos imóveis objeto de transmissão, como se demonstra:
2 - Assim sendo, por força do artigo 64.º do Código do imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) a diferença positiva de valor no montante de €1.470.860,00 concorre para a determinação do lucro tributável da sociedade no exercício de 2014, a menos que o sujeito passivo faça prova de que o preço efetivamente praticado na transmissão do imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as transmissões Onerosas de Imóveis (n.º 1 do artigo 139.º do CIRC).
3 - Neste sentido, o sujeito passivo apresentou em 28-01-2015 o Pedido de Revisão nos termos do nº 1 do artigo 139.º do CIRC, no qual suscita a apreciação do valor patrimonial tributário do imóvel (Anexo iv).
Do procedimento de revisão - Pedido de Prova de Preço Efetivo na Transmissão de imóveis, resultou que:
> “...Não foi demonstrado pelo sujeito passivo, nem pelo seu perito, que o preço efetivamente praticado na transmissão em causa, foi inferior ao VPT fixado, tal como determina o disposto no n.º 1 do artigo 139.º do CIRC ...";
4 - Não tendo existido acordo entre o perito do sujeito passivo e o perito da Fazenda Pública, foi decidido pelo Órgão competente da Administração Tributária que, para efeitos de determinação da matéria coletável do exercício de 2014, manter o valor patrimonial tributário definitivo que serviu de base à liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC, devendo cessar a suspensão da liquidação na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, conforme decisão comunicada ao sujeito passivo em 03-08-2015 (Anexo v).
5 - Assim, conforme exposto vamos proceder à correção meramente aritmética da matéria tributável no montante de €1.470.860,00, pelo que o lucro tributável apresentado pelo sujeito passivo de €2.406.620,42 vai ser alterado para €3.877.480,42, determinado nos termos do artigo 17º e n.ºs 2 e 3 da alínea a) do artigo 64.º, ambos do CIRC.
n) Na sequência da inspecção, foi emitida a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2014 com n.º 2016…, no valor de € 403.193,94, que engloba as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016…, com os valores de € 94,28 € 8.306,87, respectivamente, bem como a Demonstração de acerto de contas com o n.º de documento 2016… (documentos n.ºs 1, 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
o) Nos anos de 2013 e 2014 houve importante crise económica no sector automóvel e imobiliário que agravou as dificuldades financeiras da Requerente (depoimento da testemunha F…);
p) A Requerente comunicou ao B… que não estava em condições de pagar a dívida e propôs a sua reestruturação, em que incluiu a dação em pagamento de vários imóveis, que já haviam sido objecto de hipotecas conexionadas com empréstimos efectuados pelo banco ao grupo de que a Requerente fazia parte (depoimento da testemunha F…);
q) Na sequência de instruções do Banco de Portugal para separação das secções de crédito e de rating, o B… obtém avaliação de entidades externas independentes para os imóveis que recebe através de dação em pagamento, dispondo de um painel de avaliadores para esse efeito, aceitando os valores que resultam dessas avaliações (depoimentos da testemunha F… e da testemunha G…);
r) Nas avaliações de imóveis são sempre determinados dois valores, sendo um deles o valor de venda imediata e outro o valor comercial normal, sendo o primeiro inferior a este (depoimento da testemunha G…);
s) A primeira avaliação externa obtida pelo B… para o imóvel referido foi no valor de € 883.700;
t) Posteriormente, o B… obteve uma avaliação externa ao imóvel, a qual foi realizada por uma empresa independente, a empresa H…, Lda, em que foi atribuído ao imóvel o valor de venda imediata (VVI) de € 898.600,00 (documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
u) A H…, é entidade acreditada junto da CMVM com a identificação dos seus peritos habilitados, entre os quais o signatário da mesma, I… e também, J…, conforme registo na CMVM, que consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
v) O valor foi determinado pela empresa referida, através de dois métodos, tendo em conta os valores de mercado dos prédios similares nas proximidades do imóvel referido e o valor residual do solo e potencial construtivo, sendo os valores encontrados semelhantes (depoimento da testemunha J…);
w) O valor patrimonial tributário determinado através da fórmula prevista no IMI muitas vezes não determina o valor de mercado, pois este tem maior elasticidade, dependendo das vontades do comprador e do vendedor e, nos casos dos terrenos para construção, a fórmula referida não leva em conta se existem ou não infra-estruturas e elas não existem no caso do terreno em causa, o que desvaloriza o terreno (depoimento da testemunha J…);
x) Na zona em que está situado o terreno referido, quase não tem havido construções nos anos a partir de 2010 (depoimento da testemunha J…);
y) Foi por este valor de € 898.600,00 que B… aceitou receber o imóvel em contrapartida do saneamento de dívida (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha F…);
z) O B… destina a venda imediata os imóveis que recebe em dação em pagamento, procurando aliená-los o mais rapidamente possível, pois não se dedica à comercialização de imóveis como negócio e, por isso, considera sempre para efeitos de dação em pagamento o valor de venda imediata que foi determinado pela unidade avaliadora externa (depoimento da testemunha F…);
aa) A Requerente, em 2013, tinha entabulado contactos e diligências com uma imobiliária «C…», entidade avaliadora externa, a qual avaliou o imóvel em € 1.500.000,00 (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
bb) Essa entidade especializada independente, C..., referiu o seguinte: «Existem diversos terrenos e loteamentos disponíveis para implantação de unidades industriais, sendo alguns de iniciativa municipal. Considera-se por isso que o terreno tem pouca liquidez» (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
cc) O imóvel está à venda desde Janeiro de 2015 pelo valor de € 900.000,00, foi objecto de acções de promoção de venda por esse valor e não encontrou comprador, embora esteja à venda numa agência por € 1.200.000,00 como preço para negociar (depoimentos da testemunha F… e da testemunha …);
dd) Em 21-07-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que a Requerente tivesse pago a quantia liquidada, nem que tivesse prestado garantia para suspender alguma execução fiscal conexionada com as liquidações de IRC e juros compensatórios impugnadas.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, para além da prova testemunhal.
As testemunhas inquiridas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.
3. Matéria de direito
O artigo 64.º do CIRC estabelece que «os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto» (n.º 1) e que «sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável» (n.º 2).
O artigo 139.º, n.º 1, do CIRC estabelece que «o disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis».
Neste mesmo artigo prevê-se um procedimento especial para o sujeito passivo fazer a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, estabelecendo-se, além do mais, o seguinte:
3 – A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 – O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 – O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 – Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
No caso em apreço, a Requerente utilizou este procedimento, apresentando provas tendo em vista demonstrar que o valor pelo qual o imóvel foi transmitido, através de dação em pagamento, foi inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel, sendo, designadamente, o de € 896.600,00.
A prova documental apresentada corrobora a tese da Requerente e foi dada explicação convincente, para ter sido aceite um preço muito inferior ao valor patrimonial tributário, determinado através da fórmula prevista no CIMI.
Designadamente, a difícil situação financeira em que a Requerente se encontrava e com necessidade de regularizar a sua situação com o B… e o facto de este só adquirir imóveis pelo preço que seja praticável em venda imediata, explicam, em termos de razoabilidade, por que foi aceite pela Requerente um preço consideravelmente inferior ao valor patrimonial tributário.
Por outro lado, a avaliação efectuada por uma entidade independente, tendo em conta os factores concretos relevantes para determinação do preço de mercado, afigura-se ser mais idónea para determinar o preço real de mercado do que a fórmula abstracta prevista no CIMI, como explicou convincentemente a testemunha J… .
Por fim, o facto de o B… não ter conseguido vender o terreno por € 900.000,00 desde há cerca de 2 anos, apesar de ter efectuado acções de promoção, aponta manifestamente no sentido de o valor de € 896.600,00, determinado na avaliação, não ser inferior ao valor real de mercado.
Assim, é de concluir que a Requerente fez prova documental no procedimento de revisão, que foi corroborada pela prova testemunhal, de que o preço efectivamente praticado na transmissão do terreno referido nos autos foi o de € 896.600,00.
Por isso, a decisão do procedimento de revisão, a correcção efectuada no procedimento de inspecção e a liquidação de IRC impugnada enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, além de violação dos artigos 64.º e 139.º, do CIRC.
Estes vícios justificam a anulação da liquidação, de harmonia com o preceituado no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
As liquidações de juros compensatórios, tendo como pressuposto a liquidação de IRC, enfermam do mesmo vício, pelo que se justifica também a sua anulação.
3.1. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento no vício de erro sobre os pressupostos de facto fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões atinentes à legalidade das liquidações de IRC e juros compensatórios.
4. Indemnização por garantia indevida e reembolso de IRC e juros compensatórios, com juros indemnizatórios
Não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias liquidadas de IRC e juros compensatórios nem que tivesse prestado garantia para suspender alguma execução fiscal que tenha por objecto a sua cobrança coerciva.
Por isso, improcedem os pedidos de reembolso de quantias de IRC e juros compensatórios, de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação de IRC n.º 2016 … e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016 …;
c) Julgar improcedentes os pedidos de reembolso de quantias de IRC e juros compensatórios, de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 403.193,94.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.732,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 23-02-2017
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(António Alberto Franco)
(A. Sérgio de Matos)