DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A…, S.A.
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
I – RELATÓRIO
1. Em 09 de Junho de 2016 a sociedade comercial “A…, S.A.”, com sede na …, n.º…, … Piso, …-… Lisboa, com o número de identificação de pessoa colectiva …, (doravante designada por a “Requerente”), submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), na sequência dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2015, datados de 5 de Abril de 2016, de cada um dos andares com utilização independente que integram o prédio urbano inscrito sob o artigo…, na matriz predial urbana da freguesia de …, do concelho de Lisboa, no valor global de € 13.845,90 (treze mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos).
2. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro único o signatário, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 01 de Setembro de 2016.
5. Em 03 de Outubro de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta.
6. Acontece que, em 10 de Outubro de 2016, a Requerida requereu a aceitação de nova Resposta, uma vez que na primeira tinha deduzido inexistentemente defesa por excepção com fundamento na extemporaneidade do pedido de pronuncia arbitral, tendo-se deferido o requerido, aceitando-se a nova Resposta apresentada.
7. Por razões de economia e celeridade processual, entendeu o Tribunal dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, assim como a apresentação de alegações, ao que as partes não se opuseram.
8. A posição da Requerente, expressa no pedido de pronúncia arbitral, é, em resumo, a seguinte:
8.1. Os actos de liquidação objecto da presente pronúncia arbitral estão feridos de vício de erro sobre os pressupostos de direito, erro sobre os pressupostos de facto e vício de violação da lei.
8.2. A Requerente não se conforma com o entendimento da AT segundo o qual o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de aplicação da norma de incidência constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) é a soma das 17 unidades autónomas com afectação habitacional inscritas matricialmente, em flagrante violação da lei.
8.3. Decorre da lei que está sujeito a Imposto do Selo (IS) a propriedade de prédios urbanos habitacionais cujo valor patrimonial tributário (VPT) constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000, servindo de base para a respectiva liquidação, à taxa de 1%, o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
8.4. Ora, inexistindo uma definição de prédio urbano habitacional na Lei n.º 55-A/2012, que aditou a Verba 28 à TGIS, é necessário recorrer ao CIMI, de acordo com o artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS.
8.5. Resulta da leitura dos artigos 2.º, 4.º e 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do CIMI, que o conceito de prédio habitacional corresponde ao de edifício ou construção licenciado para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenha como destino normal aquele fim.
8.6. Acresce ainda que, de acordo com o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
8.7. A este propósito, no processo n.º 132/2013-T, o Tribunal Arbitral já referiu que não faz qualquer sentido a distinção entre “fracção autónoma” e “parte/unidade autónoma” para efeitos de incidência da norma fiscal em apreço, quer porque não encontra qualquer suporte legal, quer porque do disposto no n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, reculta claramente o contrário.
8.8. Aliás, não fossem as unidades independentes em causa nos presentes autos individualmente classificadas como um prédio e não teria qualquer sentido a elaboração de 17 notas de liquidação do IS, respeitantes, isoladamente, a cada unidade independente.
8.9. Por outro lado, a posição da Requerida ao não considerar o VPT individual de cada andar ou divisão de utilização independente, mas atender à respectiva afectação habitacional para fazer incidir o IS, é totalmente incoerente e sem fundamento legal.
8.10. Pelo que, o valor a considerar para efeitos de aplicação da Verba 28.1 da TGIS, sempre terá de ser o que consta na matriz de cada uma das unidades independentes que compõem o prédio e não o valor global deste, resultante do somatório daqueles valores tidos como parcelares.
8.11. Com efeito, a Requerente sublinha ainda que este entendimento vem sendo amplamente seguido pelas decisões do CAAD (cfr. processos n.ºs 48/2013-T, 50/2013-T, 181/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/2013-T, 451/2014-T, 478/2015-T e 681/2015-T) e pelo Supremo Tribunal Administrativo, através dos acórdãos de 09/09/2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15 e de 04/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01504/15.
8.12. Acresce que, foram instaurados processos executivos fiscais para cobrança coerciva das liquidações do IS de 2015 em referência, tendo sido constituído hipoteca voluntária a favor da Requerida, como garantia idónea, a fim de suspender os processos de execução fiscal mencionados, nos termos dos artigos 52.º, n.º 2 da LGT e dos artigos 169.º, n.º 2 e 199.º, n.º 2, ambos do CPPT.
8.13. Assim, fundadas as liquidações do IS em erro imputável aos serviços, ao abrigo do artigo 53.º da LGT e 171.º, n.º 1 do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a Requerida, necessariamente, tem que ser condenada no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que resultaram da prestação de garantia com vista à suspensão dos processos de execução fiscal para cobrança coerciva do IS de 2015, em montante correspondente aos custos da garantia já prestada e que vieram a ser suportadas.
8.14. Por todo o exposto, as liquidações de IS, referentes ao ano de 2015, no valor total de € 13.845,90, correspondentes ao prédio em referência, devem ser anuladas, com todas as consequências legais.
9. A posição da Requerida expressa na resposta, é, em síntese abreviada, a seguinte:
9.1. A Verba 28 da Tabela Geral dispõe recair Imposto do Selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
9.2. O prédio urbano não estava constituído em regime de propriedade horizontal à data do facto tributário do Imposto do Selo, caso em que cada uma das fracções autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao Imposto do Selo da Verba 28.1 da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical.
9.3. Nos termos do artigo 12.º, n.º 3 do CIMI, cada andar ou prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo VPT sobre o qual é liquidado IMI. Para efeitos da inscrição na matriz predial, tal norma revela, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.
9.4. Assim, a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.
9.5. Entende a Requerida que tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal.
9.6. Pelo que, o VPT de que depende a incidência do Imposto do Selo da Verba 28.1 da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.
9.7. As normas de procedimentos de avaliação, sobre inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime de propriedade vertical, sob pena de se incorrer nos vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade.
9.8. Aliás, outra interpretação violaria o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado.
9.9. Por fim, refere a Requerida que o pedido da Requerente quanto ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia prestada não pode proceder, uma vez que a indemnização por prestação de garantia indevida obedece às regras estabelecidas no artigo 53.º da LGT e aquelas, no caso concreto, não estão respeitadas. Por isso, sob pena de violação do princípio da legalidade, a Requerida não pode ser responsabilizada por qualquer indemnização.
9.10. Nesta cadência, a Requerida conclui pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral formulado, sendo evidente a conformidade legal do acto objecto dos presentes autos.
II – QUESTÃO DECIDENDA
10. Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:
− Os actos tributários das liquidações de Imposto do Selo da Verba 28.1 da Tabela Geral, Anexa ao Código de IS, referentes ao ano de 2015, datados de 05 de Abril de 2016, sobre cada um dos andares com utilização independente que integram o prédio urbano inscrito sob o artigo…, na matriz predial urbana da freguesias do…, do concelho de Lisboa, no valor global de € 13.845,90 (treze mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos), da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira, padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e ainda, de vício de violação da lei?
III – SANEAMENTO
11. O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Tudo visto, cumpre proferir.
IV – FUNDAMENTOS DE FACTO
12. Tendo em conta o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
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A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem por objecto social a “Realização de investimentos imobiliários. A sociedade na prossecução dos investimentos imobiliários procederá à construção, compra, venda, revenda e alugueres de propriedades rusticas e urbanas.” (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 1 anexo à Petição Arbitral).
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A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano inscrito sob o artigo…, na matriz predial urbana da freguesia do…, no concelho de Lisboa, constituído em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 2 e 3 anexo à Petição Arbitral).
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A AT atribuiu ao prédio em referência, para efeitos de aplicação da Verba 28.1 da TGIS, o “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” de € 1.384.590,00 (um milhão, setecentos e cinquenta e quatro mil, duzentos e oitenta euros) – (cfr. actos juntos ao formulário de apresentação da Petição Arbitral com o registo #...).
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Em conformidade com o valor patrimonial tributável atribuído ao prédio em causa, a AT procedeu às respectivas liquidações de IS com base na Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo, datadas de 05 de Abril de 2016, notificadas à Requerente, no valor global de € 13.845,90 (treze mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos) – (cfr. liquidações de Imposto do Selo incorporadas no próprio formulário de apresentação da Petição Arbitral, que inclui notificações para pagamento da 1ª. prestação).
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Não tendo sido pagas as verbas referentes à 1ª. prestação, no montante de € 4.697,83, foram instaurados contra a Requerente os respectivos processos de execução fiscal para cobrança coerciva (cfr. documentos juntos aos presentes autos como docs. n.ºs 4 a 20 anexos à Petição Arbitral).
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A fim de suspender os processos de execução fiscal acima mencionados, a Requerente constituiu, como garantia idónea, hipoteca voluntária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 21 anexo à Petição Arbitral).
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A Requerente com vista à suspensão dos processos de execução fiscal para cobrança coerciva das liquidações de Imposto do Selo de 2015, correspondentes à primeira prestação, despendeu um total de € 312,25 correspondentes aos custos inerentes à hipoteca voluntária mencionada (cfr. documentos juntos aos presentes autos como docs. n.ºs 22 a 24 anexos à Petição Arbitral).
13. Os factos enunciados no número anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
14. Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
15. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 10).
16. Assim, a questão que se suscita consiste em saber da legalidade do entendimento segundo o qual a Verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada (ou não) como prevendo, no seu âmbito, os prédios em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, que se caracterizam pelo facto de a nenhuma dessas partes ou divisões ter sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.
17. A sujeição a Imposto do Selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da Verba 28 da TGIS, efectuada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários, de acordo com a redacção actual:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI (Aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro):
28-1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (Redação da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro) – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças (Aditada pelo artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro) – 7,5%.”.
Esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012.
18. Contudo, a Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional” constante na Verba 28.1.
19. Neste sentido, há que determinar o seu verdadeiro sentido, de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina, de acordo com o artigo 9.º, do Código Civil e artigo 11.º da Lei Geral Tributária.
20. A este respeito, deverá atender-se ao conceito de prédio que resulta do disposto no artigo 2.º do Código do IMI – “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” –, por remissão do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, aditado pela referida Lei, que dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à Verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”, obedecendo, desta forma, a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do mesmo código.
21. No Código do IMI, há ainda que fazer referência ao artigo 6.º, que indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais na alínea a) do seu n.º 1, esclarecendo no seu n.º 2 que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”.
22. Numa primeira análise, podemos já concluir que o legislador se preocupou com a utilização normal do prédio, o fim a que se destina, e não com o rigor do conceito propriamente dito.
23. Podemos acrescentar ainda que “(…) para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.”. Entendimento expresso, ao qual aderimos, na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T.
24. Assim sendo, o legislador, na regra da incidência da Verba 28.1 da TGIS, não entendeu relevante distinguir entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade vertical. Pelo que, adiantamos já, que não colhe o argumento expendido pela Requerida relatado no artigo 24º da sua Resposta, quando afirma que “O prédio urbano não estava constituído em regime de propriedade horizontal à data do facto tributário do imposto do selo – 31 de Dezembro de 2013 -, caso em que cada uma das fracções autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao imposto do selo da Verba 28.1. da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical.”.
25. Importa atender ainda ao artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, que dispõe que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”.
26. E também ao disposto no artigo 119.º n.º 1 do Código do IMI, que determina que “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”.
27. Ora, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do Código do IMI, utilizando o critério já referido no artigo 67.º, nº 2 do Código do Imposto do Selo – “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à Verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.” – obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o IS da Verba 28.1, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, resulta claro que se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, o mesmo terá que ser observado para a definição da regra de incidência do Imposto do Selo da Verba 28.1.
28. Considerando o exposto nos pontos anteriores, só tem lugar a incidência do imposto do selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente, apresentar um VPT superior a € 1.000.000,00, o que no caso concreto não acontece, conforme consta da caderneta predial urbana do prédio em referência (vd. ponto B do n.º 12).
29. Pelo que, a AT nunca pode considerar como valor de referência para a incidência do imposto do selo o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de Código de IMI. Como referido, nos termos daquele código, não existe qualquer diferença entre um edifício em propriedade horizontal e um edifício em propriedade vertical ou total constituído por partes ou divisões susceptíveis de utilização independente – sendo este o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba 28 da TGIS (cfr. artigo 67.º, n.º 2 da Lei 55-A/2012, de 29/10).
30. Este tratamento igualitário que o legislador não entendeu incluir na regra de incidência constante da Verba 28.1 da TGIS, também o fez no artigo 119.º do Código do IMI, quando estabelece que o imposto deverá ser liquidado individualmente sobre cada parte ou divisão susceptível de utilização independente, tendo em consideração o VPT de cada uma dessas partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, individualmente consideradas. De onde resulta que o VPT que deve ser considerado na aplicação da Verba 28.1 da TGIS, é o que decorre da letra e ratio dos artigos 2.º, 6.º n.º 1 alínea a), 12.º e 119.º, todos do Código do IMI.
31. Deixemos claro que a ora conclusão se encontra na linha da esmagadora maioria da Jurisprudência conhecida do CAAD (cfr. entre muitas, procs. 544/2015-T, 552/2015-T, 554/2015-T, 560/2015-T, 562/2015-T, 573/2015-T, 576/2015-T, 581/2015-T, 589/2015-T, 597/2015-T, 606/2015-T, 632/2015-T, 643/2015-T, 644/2015-T, 651/2015-T,659/2015-T, 681/2015-T, 718/2015-T, 755/2015-T, 768/2015-T, 777/2015-T, 10-2016-T, 20/2016-T.).
32. Atento ao que acabamos de expor, não podemos acompanhar, salvo o devido respeito, a posição da Requerida, porquanto não é aceitável que o critério pretendido, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de Código de IMI e, por remissão, em sede de IS.
33. No caso em apreço, o prédio em causa encontra-se em propriedade total e contém 19 andares e/ou divisões com utilização independente (17 afectas a habitação e 2 afectas a comércio), como ficou provado pelo documento n.º 2 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral e, nenhum desses andares tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, pelo que conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28.1 da TGIS.
34. Por fim, para além da anulação das liquidações, a Requerente peticiona ainda o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que resultaram da prestação de garantia, com vista à suspensão dos processos de execução fiscal para cobrança coerciva do Imposto do Selo de 2015.
35. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões anulatórias e condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências (cfr. autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).
36. De acordo com o artigo 171.º do CPPT “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” (n.º 1) e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência” (n.º 2).
37. Com efeito, o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida.
38. Refletindo o pedido de constituição do tribunal discussão da “legalidade da dívida exequenda”, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida (cfr. n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT).
39. O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, sob a epígrafe “Garantia em caso de prestação indevida”, que determina que “1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”.
40. No caso em apreço, os actos de liquidação de IS têm subjacentes um erro comum que os afecta a todos que é ter-se entendido que tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente. Pelo que, as liquidações foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que elas fossem efectuadas.
41. Assim, a Requerente tem direito a ser indemnizada das despesas suportadas e ainda das posteriores que se vieram a comprovar, devendo a condenação ser efectuada com referência à quantia que se provou ter sido despendida acrescida do que vier a ser liquidada em execução do presente decisão.
VI – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Pela procedência do pedido da Requerente, considerando-se ilegais os actos de liquidação de IS em referência, por erro sobre os pressupostos de facto e direito e violação do artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da Verba 28.1 da TGIS, devendo os referidos actos ser anulados, atento o facto de que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, objecto dos actos de liquidação alvos de pronúncia arbitral, têm um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, como ficou demonstrado nos presentes autos.
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente uma indemnização pelos custos suportados com a garantia prestada para suspender os processos de execução fiscal identificados no ponto E dos factos assentes e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente decisão.
Fixa-se o valor do processo em € 13.845,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2017.
O Árbitro
(Jorge Carita)