DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros José Poças Falcão (Presidente), Francisco Nicolau Domingos e Maria Isabel Guerreiro (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Coletivo, em cumprimento do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – abreviadamente “TCAS” – proferido em 23-6-2023 no processo nº 51/17.6BCLSB, que decidiu anular a decisão arbitral proferida anteriormente, - acordam no seguinte:
I. Relatório
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A... SGPS, S.A, contribuinte n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 21/04/2016 pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita que seja declarado ilegal e anulado o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) com o n.º 2015..., praticado pela Excelentíssima Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária (AT), por referência ao ano de 2011, no valor de € 188 910,76 com as necessárias consequências legais, designadamente, o reembolso do imposto pago indevidamente pela Requerente, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios à taxa legal.
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O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou em 14/06/2016 como árbitro-presidente o Senhor Juiz José Poças Falcão e como co-árbitros o Prof. Francisco Nicolau Domingos e a Dra. Maria Isabel Guerreiro, que declararam aceitar o encargo, nos termos legalmente previstos.
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No dia 01/07/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
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Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), foi a Requerida em 06/07/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
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Em 26/09/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende que deve ser julgado improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação em crise e que não existiu qualquer erro imputável aos serviços, condição necessária para o pagamento de juros indemnizatórios.
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O tribunal em 23/12/2016 dispensou a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, concedeu prazo para que as partes apresentassem alegações finais escritas, prorrogou o prazo para proferir decisão e fixou a data limite para a prolação da mesma.
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As partes apresentaram alegações finais escritas reiterando os argumentos já invocados nos outros articulados.
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O tribunal em 27/02/2017 prorrogou novamente por 2 meses o prazo para proferir decisão arbitral.
POSIÇÕES DAS PARTES
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A Requerente começa previamente por referir que o procedimento de inspecção que sustenta o acto de liquidação de IRC com o n.º 2015..., apesar de ter sido qualificado como interno pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a verdade é que teve por base os elementos recolhidos por esta junto da Requerente e que assim não estavam em seu poder, circunstância que justifica, no seu juízo, a classificação de tal procedimento como externo. E, se assim o é, será ilegal, na medida em que foi omitida a notificação prévia a que alude o art. 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), art. 59.º, n.º 3, al. l) e o art. 69.º, n.º 2, ambos da Lei Geral Tributária (LGT). Por isso, observa que se não recebeu essa notificação com a descrição de todos os direitos, deveres e garantias do contribuinte, a consequente liquidação de IRC tem de ser declarada ilegal, atento o vício gerador de anulabilidade.
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Em segundo lugar, acrescenta que o procedimento de inspecção e a consequente liquidação de IRC não se encontram fundamentados de facto e de direito, como expressa e concretamente exige o art. 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o art. 153.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por isso, a sua falta determina, necessariamente, a ilegalidade do acto de liquidação praticado e consequente anulação.
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Em terceiro lugar, alega que é destituído de fundamento promover a correcção ao lucro tributável da Requerente com origem na circunstância da subscrição das acções do Banco B..., no quadro de um aumento de capital por incorporação de reservas, constituir um dividendo de um ponto de vista societário, contabilístico e fiscal.
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Deste modo, a Requerente sustenta, com base no art. 21.º, n.º 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que todos os sócios têm direito a quinhoar nos lucros, sendo distribuíveis os lucros do exercício e ainda as reservas livres, isto é, constituídas com base em lucros transitados de anos anteriores. Bem como, a entrega de recursos aos sócios ou accionistas não tem de ser feita em numerário, podendo ser realizada em espécie.
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Por outro lado, refere igualmente que o aumento de capital por incorporação de reservas é, antes de mais, uma subespécie de aumento de capital que opera em contrapartida da incorporação de reservas disponíveis – art. 91.º, n.º 1 do CSC. Assim, no aumento de capital por incorporação de reservas não há qualquer entrega de bens por parte dos sócios à sociedade – como sucede na hipótese de um aumento de capital por novas entradas – ou da sociedade aos sócios, até porque é possível que não exista sequer a emissão de novas acções.
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Conclui igualmente neste âmbito que a distribuição de dividendos e o aumento de capital por incorporação de reservas constituem duas operações autónomas, cujos efeitos não se confundem e, como tal, não podem ser tratadas como uma e a mesma coisa para efeitos contabilísticos e fiscais.
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No plano contabilístico, observa que o aumento de capital por incorporação de reservas não pode ser considerado um dividendo, não só porque não consubstancia a distribuição de um lucro ou um exfluxo de fundos, como igualmente lhe faltam as características de probabilidade na verificação e certeza na quantificação, típicas de um dividendo.
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Assim, no momento em que são atribuídas novas acções em resultado do aumento do valor nominal do capital social por incorporação de reservas, porque não existe qualquer incremento do valor da participação correspondente, não há lugar ao registo de qualquer rendimento. Defende que assim é, mesmo que, em simultâneo e até por influência do aumento de capital, se registem aumentos no valor de mercado das participações sociais.
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Sucede que, em tal hipótese só se essas participações estiverem reconhecidas a justo valor por contrapartida de resultados e no momento em que foram feitos os testes de justo valor se apurará um rendimento. Contudo, se esse reconhecimento é realizado por contrapartida de reservas, o que acontece no caso sub judice, então esse ganho ou rendimento latente só se contabiliza no momento em que se realiza, por meio da transmissão onerosa das participações sociais.
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De um ponto de vista da lei fiscal, advoga que se adopta uma natureza correctiva do resultado contabilístico, parte de tal resultado, prevendo seguidamente várias alterações ou correcções, de forma a adequá-lo à sua função, isto é, servir de base de incidência do imposto.
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Por isso, se a AT pretende desconsiderar ou corrigir o resultado contabilístico da Requerente para efeitos fiscais, sempre teria de recorrer a uma norma «correctiva» prevista no CIRC, o que, no seu juízo, não sucedeu, porque o resultado contabilístico reflecte as operações ocorridas durante o exercício.
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Para alicerçar a conclusão supra referenciada refere que: i) o art. 20.º, n.º 1, al. c) do CIRC não estabelece quanto ao conceito de dividendos, qualquer norma de natureza «correctiva», limitando-se a contemplá-los no rol de exemplos de rendimento tributável a título elucidativo; ii) a lei fiscal não plasma qualquer conceito de dividendo, por isso, deve a AT aceitar a definição que resulta do normativo contabilístico aplicável e do disposto no Direito Societário – art. 11.º, n.º 2 da LGT e iii) ainda assim – o art. 46.º, n.º 1, al. b) do CIRC - incorpora um conceito de mais-valia suficientemente completo para enquadrar os resultados efectivamente apurados pela Requerente.
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Deste modo sustenta que, se adquiriu a título oneroso 11 920 000 acções do Banco B... pelo valor € 112 597 738, em Fevereiro de 2011, por ocasião de um aumento de capital por incorporação de reservas, subscreveu outras 183 438 acções, no período de Fevereiro e Março do mesmo ano, transmitiu onerosamente a totalidade de tais acções, pelo valor de € 99 297 428,60, resultando uma menos valia de € 13 300 309,40, estamos perante uma «perda» sofrida mediante «transmissão onerosa de um instrumento financeiro (que, porque não estava reconhecido a justo valor por contrapartida de resultados, não fica abrangido pela excepção prevista na parte final do art. 46.º, n.º 1, al. b) do CIRC)». Esta perda é dada pela diferença entre o montante da soma dos valores de realização das transmissões de € 99 297 428,60 e o valor de aquisição de € 112 597 738,00 – art. 46.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CIRC.
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Mais, a conclusão em nada se altera pelo facto de estarmos na presença de acções subscritas num aumento de capital por incorporação de reservas. A única especialidade que daí decorre é a de que as mesmas foram subscritas sem a realização de qualquer contraprestação.
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Se o aumento de capital por incorporação de reservas e por distribuição de dividendos conduzem a dois factos tributários distintos – dividendos e mais-valias – e, nos autos, a factualidade relevante se subsume ao segundo, não pode a AT proceder à sua unificação, sob pena de violação do art. 8.º da LGT.
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Refere igualmente que os conceitos de dividendo e mais/menos valia encontram-se hoje plenamente autonomizados, porquanto, à medida que o legislador apurou o conceito de mais-valia, abandonou a tributação autonomizada dos aumentos de capital por incorporação de reservas - cuja tributação não se manteve no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), nem no CIRC.
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Para além do mais conclui, sustentando que o legislador teve, não só a preocupação de autonomizar o conceito de mais/menos-valia, como foi igualmente claro quanto ao momento da tributação da mais-valia, o da sua realização.
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Resulta do disposto no art. 20.º, n.º 1, al. h) do CIRC que só se consideram rendimentos tributáveis as «mais-valias realizadas». Em bom rigor, a mais-valia, ao contrário do dividendo, até à alienação, consubstancia uma mera expectativa ou um ganho latente, sem qualquer tutela jurídica e que só em casos excepcionais tem relevo contabilístico.
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Em resumo, o legislador preocupou-se em efectivar a tributação apenas no momento em que ela se realiza, excluindo a tributação de qualquer ganho latente, porque eventual – art. 20.º, n.º 1, al. h) do CIRC e previu a exclusão dos ajustamentos de justo valor ou como circunstância relevante para a retenção na fonte, mesmo no caso dos dividendos, o momento da sua colocação à disposição. Deste modo, um aumento de capital por incorporação de reservas não constitui qualquer distribuição de dividendos, mas a realização de uma mais ou menos-valia, no momento em que as acções subscritas na operação de aumento forem transmitidas onerosamente, pelo que, interpretação diversa violaria o princípio da legalidade – art. 3.º, n.º 1, al. a) e 2, art. 17.º, n,º 1, art. 20.º, n.º 1, al. c) e h) e art. 46.º, todos do CIRC.
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Termina, requerendo o reembolso da quantia de imposto indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.
Resposta da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira)
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A Requerida, na sua resposta, defende-se invocando:
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A inexistência da inspecção externa.
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Sustenta que procedeu à correcta qualificação da acção inspectiva, cumprindo o disposto no art. 13.º do RCPIT, o qual prevê a possibilidade dos procedimentos inspectivos serem de dois tipos (interno e externo) e que, no caso concreto, é inquestionável estarmos perante uma acção inspectiva de natureza interna, visto que os actos de inspecção se realizaram exclusivamente nos serviços da AT. Acrescenta ainda que nada obsta a que se solicite esclarecimentos ao sujeito passivo quando a inspecção se realize integralmente nos serviços da AT.
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Termina, neste âmbito, referindo que, ainda que se qualifique a inspecção como externa, sempre a falta de notificação prévia descrita no art. 49.º do RCPIT não gerará a anulabilidade da decisão do procedimento, mas consubstancia uma irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.
(ii) O recebimento de dividendos em espécie.
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No âmbito da sua defesa sustenta que o recebimento por parte da Requerente de 183 384 novas acções em resultado de um aumento do capital social do Banco B... no quadro do «Programa de retribuição acionista» denominado «C... » deve ser tratado como o recebimento de dividendos em espécie, até porque outra forma de interpretação iria transformar a natureza efectiva do ganho.
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Em abono da sua posição advoga que o Banco B..., a par do instrumento tradicional de remuneração dos accionistas, através da distribuição de dividendos em numerário, adoptou para os dividendos de Outubro/Novembro de 2010 e de Janeiro/Fevereiro de 2011, a chamada «opção alternativa». Esta consistia na emissão de direitos de incorporação atribuídos a todos os accionistas - um por acção – e na oferta de opções aos accionistas sobre o destino dos direitos de incorporação, mais concretamente: a) a recepção em numerário mediante a venda dos direitos de incorporação à entidade emitente, recebendo como contrapartida o valor correspondente ao preço previamente fixado; b) a sua transacção em bolsa de valores no decurso de um curto período de tempo e c) a conversão em acções emitidas no âmbito de um aumento do capital social por incorporação de reservas/lucros não distribuídos.
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Por isso, tendo a Requerente optado por converter os direitos de incorporação em novas acções que contabilizou, à data do recebimento como dividendos, valorizando as 183 384 acções em € 1 676 863,30 (cotação de € 9,14) não deveria ter efectuado o estorno do lançamento em 31/12/2011, porquanto, aquele movimento contabilístico não enfermava de qualquer erro, já que as operações em causa não podiam ser reconduzidas a um simples aumento de capital por incorporação de reservas. Em suma, a opção da Requerente em receber as 183 384 acções, em vez de auferir a sua quota parte de dividendos em numerário, não desqualifica a operação como remuneração a título de dividendos, porquanto as novas acções recebidas por contrapartida dos dividendos a que tinha direito tiveram como efeito um incremento patrimonial, porque, não só aumentou o número de acções detidas, como igualmente se registou um reforço da percentagem detida no capital social da entidade emitente.
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Termina afirmando que se o acto tributário em crise não é ilegal, não há erro imputável aos serviços e, assim, não se encontram preenchidos os requisitos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
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Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:
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Se o procedimento de inspecção/acto de liquidação padece do vício de falta de fundamentação por ausência absoluta de quaisquer elementos de facto e de direito;
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Se o procedimento de inspecção/acto de liquidação padece do vício de omissão de formalidade essencial – notificação prévia descrita no art. 49.º do RCPIT;
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Se, de harmonia com o decidido no anteriormente citado Acórdão do TCAS de 23-6-2023, proferido no Proc nº 51/17.6BCLSB, enferma o ato de liquidação de inconstitucionalidade decorrente da interpretação, pela AT, do artigo 20º-1/c), do CIRC de 2011
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Se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
SANEAMENTO
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O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
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A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS).
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Em 31/12/2010 era titular de 11 920 000 acções do Banco B..., S.A. (B...) representativas de 0,14% do capital social que adquiriu em 2004, pelo valor de € 112 597 738,00.
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As acções do B... êm um preço formado em mercado regulamentado - cotação em bolsa
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As acções do B... detidas pela Requerente foram adquiridas pelo valor global de € 112 597 738,00 (€ 9,45 por acção) e estavam reconhecidas no seu activo em 31/12/2010.
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Tais acções estavam reconhecidas no seu activo em 31/12/2010 com um justo valor de € 94 501 760,00, por contrapartida de um valor negativo em reservas de € 18 095 978,00.
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Em Junho de 2010 o B... deliberou um aumento de capital por incorporação de reservas livres à luz do «Texto Refundido de la Ley de Sociedades Anónimas» de Espanha.
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A deliberação tem nomeadamente o seguinte teor: i) «Delibera-se aumentar o capital social pelo valor que resulte da multiplicação (a) do valor nominal de meio (0,5) euro por acção do Banco B..., S.A (…) por (b) o número determinável de novas acções do Banco B... que resulte da fórmula que se indica no ponto 2 em baixo (as acções novas)»; ii) «O aumento será realizado mediante a emissão e colocação em circulação das acções novas, que serão acções ordinárias, com um valor nominal de meio (0,5) euro, da mesma classe e série das que estão actualmente em circulação» e iii) «…o aumento de capital será integralmente realizado por incorporação da reserva livre, denominada reservas voluntárias, resultante de resultados não distribuídos».
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O aumento de capital realizou-se por incorporação das reservas livres.
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No conteúdo da operação divulgada aos accionistas e ao mercado constava que se decidiu «…aumentar o capital social do Banco B... por incorporação de reservas voluntárias procedentes de resultados não distribuídos por um montante determinável nos termos previstos na referida deliberação».
4.1.10. O aumento de capital foi deliberado no quadro do programa de retribuição accionista denominado – «C... ».
4.1.11. Cada acionista, no âmbito de tal aumento de capital social, recebeu um direito de subscrição gratuita por cada acção detida.
4.1.12. Tais direitos de subscrição estiveram disponíveis para negociação nas Bolsas de Valores em Espanha e no Euronext entre os dias 17/01/2011 a 26/01/2011.
4.1.13. Após o decurso de tal período houve uma conversão automática dos direitos de subscrição em acções emitidas por contrapartida de uma incorporação das reservas livres do B...
4.1.14. Os accionistas do B... tiveram à sua disposição três alternativas: i) vender os direitos de subscrição ao Banco B..., que os adquiriria a um preço previamente acordado; ii) vender esses direitos no mercado, durante o período de negociação e iii) manter os direitos e receber acções do Banco B..., atribuídas em função do número de direitos de subscrição que detivessem nesse momento.
4.1.15. No âmbito da operação descrita em 4.1.6. e 4.1.7. o B... registou um aumento de capital no valor de € 55 576,453 por contrapartida da incorporação de reservas do mesmo valor e emitiu 111 152 906 acções, cada uma com um valor nominal de € 0,5, subscritas pelos accionistas que optaram por esta alternativa.
4.1.16. A Requerente optou por receber acções do B..., tendo-lhe sido atribuídas, em Fevereiro de 2011, 183 384 novas acções que à data tinham um preço formado em mercado regulamentado de € 9,14 cada uma, o que perfaz um valor de mercado conjunto de € 1 676 863,30.
4.1.17. A Requerente procedeu ao registo contabilístico n.º B3-2000002, no valor de € 1 676 863,30, por débito da conta 41411.1 – B... ... e crédito na conta 79 – Dividendos.
4.1.18. Em resultado do aumento de capital social por incorporação de reservas, a Requerente passou a deter um total de 12 103 384 acções (11 920 000 compradas e 183 384 atribuídas).
4.1.19. A Requerente no dia 08/02/2011 alienou em bolsa 183 384 de tais acções, pelo preço de € 1 648 788,60, tendo sido apuradas menos-valias contabilísticas de € 82 639,03.
4.1.20. Em 31/03/2011 a Requerente transferiu a titularidade das restantes acções que ainda detinha (11 920 000) para o capital social da sociedade D..., SARL, pelo valor de mercado de tais acções de € 8,19 cada uma, a que corresponde um valor total de realização de € 97 648 640,00.
4.1.21. No exercício de 2011 a Requerente apurou um resultado fiscal negativo de € 470 083,10.
4.1.22. Em 05/02/2015 foi emitida a Ordem de Serviço n.º 2015..., iniciado um procedimento de inspeção à Requerente que teve por objecto o IRC do exercício de 2011 e que a AT qualificou como interno.
4.1.23. Em 24/06/2015 a AT enviou à Requerente um «pedido de elementos fiscalmente relevantes» no qual solicitou: «1. Relativamente a todas as Mais-Valias operadas no exercício em resultado da alienação de partes de capital ou de quaisquer investimentos financeiros, apresentar para cada uma e no que se aplicar: 1.1. Identificação do activo alienado; 1.2. Indicação da data, do valor e da forma da alienação; 1.3. Identificação da contra-parte na operação de alienação; 1.4. Declaração sobre a existência ou não de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC, com a contra-parte identificada no subponto anterior e, em caso afirmativo, indicação da natureza da relação; 1.5 Indicação da data, do valor e da forma da aquisição do activo alienado; 1.6 Identificação da contra-parte na aquisição; 1.7 Declaração sobre a existência ou não de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC, com a contra-parte identificada no subponto anterior e, em caso afirmativo, indicação da natureza da relação; 1.8 Enviar cópia do mapa mais-valias e menos-valias; 1.9 Enviar cópia do extracto da conta 79.21 – B... e cópia dos documentos de apoio aos lançamentos contabilísticos efectuados; 1.10. Enviar cópia do extracto da conta 68.62 – Alienações, e cópia dos documentos de apoio aos lançamentos contabilísticos (…) 3. Relativamente à parte de capital C..., informar a forma e como foi alienada e os cálculos efectuados na determinação do resultado apurado. Informar ainda se as acções detidas estavam cotadas na bolsa, mercado regulamentar, e qual o procedimento adoptado e tratamento fiscal dado ao ajustamento de transição, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho».
4.1.24. A Requerente respondeu a tal pedido por carta datada de 02/07/2015.
4.1.25. A AT em 10/07/2015 enviou novo e-mail à Requerente com o seguinte teor: «…2. No mês de Fevereiro, através do lançamento contabilístico n.º B3-2000005, foi registado a crédito da conta 786232 – B..., o valor € 1 676 863,30 a título de dividendos. No mês de Dezembro, através do lançamento contabilístico n.º 12000052, a conta 786232 – B..., o valor de € 1 676 863,30 foi movimentado a débito, por crédito da conta 6862 – Alienações. Este lançamento afigura-se incorrecto. O valor recebido a título de dividendos devia ter concorrido positivamente para a determinação da matéria colectável do exercício 2011, o que e pelo lançamento contabilístico, e pela verificação dos valores no quadro 07 da declaração de rendimentos mod. 22 não aconteceu. Na realidade, tal lançamento contabilístico, motivou uma diminuição no valor apurado na conta 6862 – Alienações, ou seja o valor final seria € 14 977 172,69, e não o que foi determinado € 13 300 309,39. O quadro que se segue exemplifica o efeito causado pela contabilização indevida do lançamento de regularização efectuado no mês de Dezembro de 2011:
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Como declarado
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Proposto
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1
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Dividendos –
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0,00
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1 676 863,30
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2
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Alienação – conta 6862
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13 300 309,39
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14 977 172,69
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3 = (1-2)
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Resultado líquido
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-13 300 309,39
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-13 300 309,39
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4
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Acréscimo quadro 07 da mod. 22
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13 300 309,39
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14 977 172,69
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5 = (3+4)
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Lucro tributável
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0,0
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1 676 863,30
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Agradece-se informação relativamente ao assunto descrito».
4.1.26. A Requerente respondeu ao pedido por e-mail datado de 17/07/2015.
4.1.27. A AT em 20/08/2015 enviou novo e-mail à Requerente na qual informou que pretendia efectuar as seguintes correcções ao lucro tributável de 2011: «…- De dividendos, € 1 676 863,30; - De perdas relativas a partes de capital, € 20 011,96…».
4.1.28. A Requerente em 03/09/2015 respondeu por e-mail à comunicação descrita no número anterior.
4.1.29. No dia 15/10/2015 foi a Requerente notificada da proposta de decisão administrativa na qual se propunha uma correcção ao lucro tributável do exercício de 2011 no valor de € 1 676 863,30, visto que o valor das acções subscritas, aquando do aumento de capital por incorporação de reservas do Banco B... consistiu num dividendo.
4.1.30. No teor do relatório de inspecção consta a seguinte fundamentação: «…a A... era accionista do Banco B..., teve direito a dividendos distribuídos, que recebeu em novas acções. De facto, para contabilizar as novas acções, tendo em conta a forma como adquiriu o direito às mesmas, no seu activo tinha forçosamente de ter considerado como contrapartida o rédito correspondente. Não poderia ter efectuado o lançamento de regularização realizado no final do ano, através do qual alocou o valor do rédito dos dividendos, ao valor apurado e respeitante a menos-valias de acções que já detinha no ano anterior» e «…o sujeito passivo teve direito a dividendos que recebeu através de novas acções do B..., com o justo valor garantido pelo B..., que valorizaram a participação no B..., houve por isso um incremento patrimonial. E assim sendo, o incremento devia ter sido relevado e reconhecido como proveitos do exercício, como dividendos que efectivamente recebeu em espécie, através de novas acções».
4.1.31. Consequentemente, no dia 25/11/2015 a Directora-Geral da AT procedeu à liquidação n.º 2015..., no montante de € 188 910,76.
4.1.32. A Requerente efectou em 19/01/2016 o pagamento do valor apurado na liquidação n.º 2015... .
4.1.33. A Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que conduziu ao presente processo em 21/04/2016.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA
A matéria de facto dada como provada tem fonte nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. DO DIREITO
5.1. Falta de fundamentação
Alega a Requerente que a liquidação não se encontra fundamentada, pois, no seu juízo, não é possível perceber as razões da decisão, até porque não contém qualquer motivação de facto e de direito.
Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que: «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual»[1]. Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da AT.
Na hipótese sub judice, é possível vislumbrar no relatório inspectivo, em III, factos e normas jurídicas que enquadram as correcções ao lucro tributável. Razão pela qual, entende o tribunal que o acto se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizadas pela AT para a sua prática. Até porque, a falta de fundamentação imputada ao mesmo, não constituiu qualquer obstáculo para a Requerente defender a sua ilegalidade e consequente anulação em articulado em que imputa à liquidação um rol de vícios. Em suma, o acto não padece do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhe imputa.
5.2. Procedimento de inspecção
A Requerente defende, a este propósito que, os actos praticados denotam a existência de um procedimento distinto do interno e, como tal, a omissão da notificação prévia prevista no art. 49.º, n.º 1 e 2 do RCPIT deve conduzir à anulação da liquidação praticada.
Por isso, em primeiro lugar, é necessário determinar no caso sub judice qual a verdadeira natureza do procedimento utilizado pela AT.
Para concretizar tal tarefa devemos mobilizar o enquadramento jurídico pertinente.
Assim, o art. 13.º do RCPIT prevê que: «Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
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Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
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Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso».
Doutro modo, o art. 49.º do RCPIT dispõe que: «1 – O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.
2. A notificação prevista no número anterior efectua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;
b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.
3. A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção».
Antes de mais, poder-se-á, questionar: a qualificação acerca da natureza do procedimento efectuada pela AT é vinculativa para o tribunal?
À questão responde a jurisprudência[2] que assim não o é. Ou, dito de outro modo, quando se apure que o conteúdo dos actos concretamente praticados é contrário à qualificação atribuída, o tribunal não fica impedido de a alterar. Assim, ainda que um procedimento seja classificado pela AT como interno, caso se venha a verificar - que os actos praticados ultrapassam a mera análise da correcção formal de documentos e a sua compatibilidade com as declarações entregues - é imperativo concluir que se está perante um procedimento de natureza externa.
Neste âmbito, o procedimento de inspecção, quanto ao lugar da realização, pode qualificar-se como interno ou externo. O primeiro, quando os actos de natureza inspectiva se praticam única e exclusivamente nos serviços da AT, através da análise formal e de coerência de documentos. Já no segundo, estamos perante uma verdadeira «actividade investigatória»[3] através da qual se procura aferir o acerto dos valores declarados à luz das normas de Direito Tributário substantivo ou se há uma omissão declarativa de tais valores.
No caso concreto, analisando as correcções efectuadas verifica-se que o procedimento não visou somente a recolha de informação, pelo contrário, pode-se afirmar que foi além disso, na medida em que o acesso à informação prestada pela Requerente alicerçou as correcções efectuadas ao lucro tributável e conduziram à liquidação em crise. Isto é, estamos perante uma inspecção materialmente externa.
Deste modo, se assim o é, qual o efeito jurídico emergente da falta de notificação prévia a que alude o art. 49.º do RCPIT?
A este propósito sustenta a mais recente jurisprudência[4] que: «I - Ainda que o procedimento de inspecção tenha sido erradamente qualificado como interno, quando o deveria ter sido como externo, esse erro irreleva para a decisão a proferir se não puder concluir-se ter sido preterida qualquer formalidade essencial imposta por esta última modalidade de inspecção. II - A falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo».
Nesta linha também a doutrina[5] conclui que: «A falta de comunicação do início de procedimento só deverá no entanto gerar invalidade se se demonstrar que o interessado não teve conhecimento do procedimento e do respectivo objecto, e que por força dessa ausência de conhecimento não pode nele intervir tempestivamente (nosso sublinhado). Assim, se o contribuinte inspecionado foi notificado da ordem de serviço/despacho que marca o início do procedimento, se foi notificado do projecto de conclusões do relatório de inspecção, a eventual falta de notificação da carta-aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes».
Revertendo tal interpretação para o caso concreto é imperativo concluir que a falta de notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento de inspecção/liquidação, porquanto foi dado conhecimento à Requerente do procedimento e objecto, tendo esta participado neste em 02/07/2015, 17/07/2015 e 03/09/2015, bem como no âmbito do exercício do direito de audição. Ora, se assim o é, a falta da notificação da carta-aviso é geradora de mera irregularidade e, como tal, não pode a liquidação de IRC objecto destes autos ser anulada.
5.3. Concorrência do valor da alienação das acções após aumento do capital social por incorporação de reservas livres para a determinação do lucro tributável
O problema que neste âmbito se coloca consiste em apurar se o montante de € 1 676 863,30 respeitante ao preço das acções entregues pelo Banco B... España ao seu accionista A... SGPS, SA., após um aumento de capital por incorporação de reservas livres realizado em 2011, deve concorrer para o apuramento do lucro tributável de tal ano ou se deverá ser reconhecida uma menos-valia contabilística como pugna a Requerente.
O ponto de partida para dar resposta à questão obriga à descrição do conceito societário de reservas e da sua modalidade reservas livres. A este respeito, sustenta a doutrina quanto ao primeiro conceito que: «As reservas são valores (em princípio, gerados pela própria sociedade) que os sócios não podem - por imposição legal ou contratual – ou não querem distribuir[6]». Sendo certo que na delimitação da modalidade de reservas livres refere que: «Estas são as reservas que os sócios podem, em cada ano, deliberar constituir através da não distribuição dos correspondentes lucros. (…) Os sócios, assim como podem livremente constituir estas reservas, podem, do mesmo modo, livremente dar-lhes o destino que bem entenderem»[7].
Ora, um desses destinos consiste no aumento de capital social por incorporação de reservas livres.
Por isso a jurisprudência[8] sustenta que: «… provou-se que as reservas que serviram para que se efectuassem aumentos de capitais, resultaram da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para dividir pelos sócios que, em vez de serem divididos, foram convertidos em aumentos de capital. Isto é, os lucros da sociedade (e dividendos), ao invés de serem repartidos pelos sócios foram convertidos em aumento do capital social». Ou, dito de outro modo, de um ponto de vista societário, os lucros (dividendos) podem ser convertidos em aumentos do capital social.
O art. 20.º, n.º 1, al. c) do CIRC (na redacção em vigor à data) previa que: «Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (…) c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; (…).
A doutrina[9] defende que: «A noção de rendimento-acréscimo, que subjaz à quantificação do lucro tributável, leva à consagração legal de um conceito amplo de proveitos ou ganhos, capaz de abarcar quaisquer variações patrimoniais positivas do património líquido da empresa...». Deste modo, os proveitos ou ganhos podem resultar, não só do normal funcionamento da actividade social, como também de uma acção ocasional ou meramente acessória, como são disso exemplo os «dividendos». Ou seja, no conceito de proveitos ou ganhos em IRC cabem todos aqueles não exceptuados por lei.
No caso concreto, com a atribuição de acções à Requerente e subsequente venda existiu um incremento patrimonial da sua esfera jurídica e assim o rendimento de € 1 676 863,30 deve concorrer para a determinação do lucro tributável.
Nessa linha, no Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património[10] da OCDE refere-se que: «São considerados dividendos não apenas as distribuições de lucros definidas anualmente pela assembleia-geral de accionistas, mas também outros benefícios, em dinheiro ou seu equivalente, tais como acções gratuitas (sublinhado nosso), bónus, lucros de liquidação e distribuições ocultas de lucros».
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As questões de (in)constitucionalidade
Invoca a Requerente, ainda que ao de leve e sem adequada e consistente fundamentação ou argumentação, a inobservância pela AT, no ato tributário sub juditio, dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, previstos no artigo 103º-1, da CRP e, em última instância, do princípio da igualdade.
Assim, é à luz destes princípios, que considera inconstitucional o entendimento que suporta o acto tributário no sentido de que houve incremento patrimonial na subscrição de acções por incorporação de reservas porquanto, em seu entender, o tratamento fiscal adequado do eventual rendimento obtido seria através da tributação das mais-valias se e quando ocorresse a alienação onerosa das acções, desde que devida, nos termos legais, a sua tributação, sendo esta a “(...)única orientação que garante a observância dos princípios constitucionais da capacidade tributária e da tributação pelo lucro real, previstos no artigo 103º-1, da CRP e, em última instância, do princípio da igualdade previsto no artigo 13º, da CRP (...)”.
Vejamos:
O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.
Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A Justiça na Tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar” de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício).
A actual Constituição da República não consagra expressamente este princípio com longa tradição no direito constitucional português - a Carta Constitucional de 1826 expressa-o na fórmula de tributação “conforme os haveres” dos cidadãos e, na Constituição de 33, o artigo 28º consigna-o na obrigação imposta a todos os cidadãos de contribuir para os encargos públicos “conforme os seus haveres”).
Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição Fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs., onde, no entanto, se defende que, embora o princípio não careça – para ter suporte constitucional – de preceito específico e directo, não é de todo inútil ou indiferente a sua consagração expressa).
Autores há, porém, que contestam a operatividade jurídica prática ao princípio da capacidade contributiva, em razão, nomeadamente, da sua acentuada e indiscutível indeterminabilidade, não se estando aí senão perante uma “fórmula passe-partout” imprestável para um teste jurídico-constitucional dos impostos, quer porque se limitaria a “estabelecer que “deve pagar-se o que se pode pagar” sem definir o “poder pagar”, quer porque “não forneceria nenhum critério concreto para a repartição justa dos encargos fiscais por todos os contribuintes”, quer ainda porque “diria muito pouco sobre as taxas a considerar correctas dos impostos ou sobre a sua exacta progressão, caso esta, em alguma medida possa resultar de um tal princípio” (cfr. Casalta Nabais ob. cit. págs. 459 e 461).
Diferentemente, outros autores, como é o caso do próprio Casalta Nabais, reconhecem ainda “importantes préstimos” ao princípio, o qual “afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto” e tem “especial densidade no concernente ao(s) imposto(s) sobre o rendimento” exigindo “um conceito de rendimento mais amplo do que o rendimento-produto” e implicando “quer o princípio do rendimento líquido (...) quer o princípio do rendimento disponível (...)” (“Direito Fiscal”, págs. 157/168).
De todo o modo, deve reconhecer-se não ser fácil retirar consequências jurídicas muito líquidas e seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal.
Certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (“O dever fundamental...”, págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto” e, mais adiante, aludindo ao “rendimento normal”, quando sustenta que ele “apenas poderá ser contestado nos casos em que a tributação conduza a situações de intolerável iniquidade”.
Mas, se nos ativermos ao que aquele autor escreve na obra citada [...], não pode deixar de se concluir que a solução em causa se compatibiliza com o princípio da capacidade contributiva. É que, a admitir-se que na hipótese em apreço se está perante uma “presunção”, ela admite prova em contrário e, a considerar-se que se trata de uma tributação pelo “rendimento normal”, não pode dizer-se que ela necessariamente conduza a “situações de intolerável iniquidade”.
Não se desconhece que, em escrito posterior, o mesmo autor veio sustentar a desconformidade constitucional da norma ínsita na alínea c) do artigo 87º da LGT (“O quadro constitucional da tributação das empresas”, in Nos 25 anos da Constituição da República Portuguesa de 1976, ed. AAFDL, 2001).
O princípio da capacidade contributiva (taxable capacity, também frequentemente designada por capacidade de pagar – ability to pay – ou capacidade económica – wirtschaftliche Leistungsfähigkeit) como “critério básico da nossa ‘Constituição fiscal’” – concretizando o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério, - a capacidade contributiva é o critério unitário da tributação.
Por outro lado, é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal.
Tem igualmente o Tribunal Constitucional reconhecido que “o princípio da tributação do rendimento real exprime uma exigência constitucional mais vasta que se alarga a toda a tributação do rendimento”, e não apenas à tributação do rendimento das empresas, para o qual está consagrado expressamente no artigo 104º, n.º 2, da Constituição (“A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real). Isto, sendo certo, porém, que tal pode assumir diversa intensidade de sentidos consoante o plano da tributação em que se esteja (das empresas ou pessoas singulares).
Relativamente ao princípio da igualdade, com consagração expressa no artigo 13º, da CRP, traduz uma diretiva essencial dirigida ao legislador: tratar por igual aquilo que é essencialmente igual e desigualmente aquilo que é essencialmente desigual, sem que tal signifique a eliminação da liberdade de conformação do legislador na determinação dos elementos de comparação que considera decisivos para operar a diferenciação.
Importa acentuar, em sede de aplicação da Lei pelas autoridades administrativas e Tribunais, a necessidade de apurar se os atos respetivos estabelecem diferenciações proibidas por Lei ou pela Constituição, ou seja, se foi posta em causa a igualdade de. tratamento ou de autovinculação da administração.
Neste enquadramento muito sumário dos princípios e normas constitucionais não se antevê de que forma ou com que fundamentos pode a Requerente trazer à colação a violação ou inobservância dos sobreditos princípios e normas constitucionais na interpretação pela AT do disposto no artigo 20º-1/c), do CIRC de 2011 e apurou o conceito de dividendo, interpretação que, como se viu supra, este Tribunal Arbitral sufragou (cfr supra, 5.3).
Consequentemente e em conclusão: o pedido de pronúncia não pode proceder.
6. DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC n.º 2015..., com todas as consequências legais.
7. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se ao processo o valor em € 188 910,76.
8. CUSTAS
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 672,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.
Lisboa, 13-12-2023
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Francisco Nicolau Domingos
(Árbitro Adjunto)
Maria Isabel Guerreiro
(Árbitra Adjunta)
Com declaração de voto de vencida que segue.
Voto de vencida
Nesta ação arbitral está em causa saber se o valor de €1.676.863,30, correspondente ao preço em mercado regulamentado, das 183.384 ações entregues pelo Banco B... España ao seu acionista A... SGPS, SA ( a Requerente), na sequência do aumento de capital do Banco por incorporação de reservas, efetuado em 2011, deve ser considerado um rédito proveniente de dividendos (em espécie) e concorrer para o apuramento do lucro tributável deste exercício, como entende a Autoridade Tributária ou se, contabilisticamente, deverá ser reconhecida a realização de uma menos valia contabilística, pela alienação das referidas ações, no mesmo exercício de 2011, assim como as ações que lhes deram origem, pelo valor global de €13.300.309,40, tendo em conta os valores de aquisição e de realização efetivos, da globalidade das ações detidas, ou seja, as ações originariamente adquiridas (11.920.000 ações) pelo valor de 112.597.738€ e as ações atribuídas (183.384 ações), gratuitamente, na sequência do aumento de capital do Banco por incorporação de reservas, tendo em conta o valor de realização da globalidade das ações pelo valor total de € 99.297.428,60, como entende a Requerente.
Vejamos.
No fecho do exercício de 2011, os registos contabilísticos efetuados pela Requerente, relacionados com a alienação das ações do Banco B..., refletiam, corretamente, o reconhecimento de uma menos valia contabilística, no montante global de €13.300.309,40, já que a operação relevante realizada no exercício com as referidas ações suscetível de reconhecimento em resultados foi a sua alienação.
Ora, não tendo havido qualquer distribuição de dividendos pelo Banco B... enquanto a Requerente deteve as ações, no exercício de 2011, não havia lugar ao reconhecimento de qualquer rédito, proveniente de dividendos neste exercício, quer do ponto de vista contabilístico quer do ponto de vista fiscal.
De facto, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 20 – Rédito, (esta Norma Contabilística, do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de Julho, deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transações e acontecimentos, entre os quais, o uso por outros de ativos da entidade que produzam dividendos), estabelece no seu parágrafo 5, que o rédito na forma de dividendos resulta de distribuições de lucros a detentores de investimentos em capital próprio na proporção das suas detenções de capital e, no parágrafo 30, que os rendimentos provenientes de ações, os dividendos apenas devem ser reconhecidos ou contabilizados quando for estabelecido o direito do acionista de receber o pagamento.
Do ponto de vista fiscal, o artigo 20º - Rendimentos e ganhos, do Código do IRC, não estabelecendo uma definição para os rendimentos na forma de dividendos e também não contendo uma regra especifica para o respetivo reconhecimento, deve considerar-se a definição que consta no artº 5º do Código do IRS, para além das regras constantes na referida Norma Contabilística.
Razão pela qual a Requerente corrigiu o registo inicialmente efetuado na conta 786232- Dividendos, no montante de €1.676.863,30, que correspondia ao preço em mercado regulamentado das referidas ações, anulando-o por transferência do respetivo valor para a conta 6862-Alienações, na qual foi apurada a menos valia contabilística realizada com a alienação da totalidade das ações, no valor global de €13.300.309,40.
Ou seja: o valor inicialmente contabilizado na conta 786232- Dividendos, de €1.676.863,30 correspondia apenas à mensuração, ao justo valor, das 183.384 ações, pelo valor da respetiva cotação no mercado regulamentado e não um valor recebido, ou colocado à sua disposição, a título de distribuição de lucros. Não estamos, perante uma realidade que possa ser subsumida no conceito contabilístico e fiscal de dividendo, ou lucro, conforme o artº 5º do Código do IRS, aplicável por força do artº 3º, nº 1, alínea b) do Código do IRC.
Concluindo, considero assim que não estamos perante o recebimento de dividendos mas perante uma realidade distinta do ponto de vista da legislação comercial e fiscal a saber: a utilização de direitos de subscrição para aumentar o número de ações do Banco B... na sequência do aumento de capital deliberado e executado por aquela entidade bancária, tendo a Requerente, em consequência, recebido, em fevereiro de 2011, gratuitamente (sem qualquer contraprestação e em resultado desse aumento de capital por incorporação de reservas), 183.384 ações.
Daí que considere assistir razão à Requerente quando conclui não ter ocorrido o rédito alegado pela AT proveniente de dividendos pagos ou distribuídos no exercício de 2011.
(Maria Isabel Guerreiro)
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 237/2016-T
Tema: IRC - Falta de fundamentação; Qualificação da ação inspetiva; Aumento do capital social por incorporação de reservas livres; Distribuição de dividendos.
*Substituída pela decisão arbitral de 13 de dezembro de 2023.
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DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Senhor Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Prof. Francisco Nicolau Domingos e Dra. Maria Isabel Guerreiro (co-árbitros) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01/07/2016, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
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A… SGPS, S.A, contribuinte n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-…, Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 21/04/2016 pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita que seja declarado ilegal e anulado o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) com o n.º 2015…, praticado pela Excelentíssima Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária (AT), por referência ao ano de 2011, no valor de € 188 910,76 com as necessárias consequências legais, designadamente, o reembolso do imposto pago indevidamente pela Requerente, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios à taxa legal.
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O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou em 14/06/2016 como árbitro-presidente o Senhor Juiz José Poças Falcão e como co-árbitros o Prof. Francisco Nicolau Domingos e a Dra. Maria Isabel Guerreiro, que declararam aceitar o encargo, nos termos legalmente previstos.
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No dia 01/07/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
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Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), foi a Requerida em 06/07/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
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Em 26/09/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende que deve ser julgado improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação em crise e que não existiu qualquer erro imputável aos serviços, condição necessária para o pagamento de juros indemnizatórios.
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O tribunal em 23/12/2016 dispensou a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, concedeu prazo para que as partes apresentassem alegações finais escritas, prorrogou o prazo para proferir decisão e fixou a data limite para a prolação da mesma.
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As partes apresentaram alegações finais escritas reiterando os argumentos já invocados nos outros articulados.
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O tribunal em 27/02/2017 prorrogou novamente por 2 meses o prazo para proferir decisão arbitral.
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POSIÇÕES DAS PARTES
A Requerente começa previamente por referir que o procedimento de inspecção que sustenta o acto de liquidação de IRC com o n.º 2015…, apesar de ter sido qualificado como interno pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a verdade é que teve por base os elementos recolhidos por esta junto da Requerente e que assim não estavam em seu poder, circunstância que justifica, no seu juízo, a classificação de tal procedimento como externo. E, se assim o é, será ilegal, na medida em que foi omitida a notificação prévia a que alude o art. 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), art. 59.º, n.º 3, al. l) e o art. 69.º, n.º 2, ambos da Lei Geral Tributária (LGT). Por isso, observa que se não recebeu essa notificação com a descrição de todos os direitos, deveres e garantias do contribuinte, a consequente liquidação de IRC tem de ser declarada ilegal, atento o vício gerador de anulabilidade.
Em segundo lugar, acrescenta que o procedimento de inspecção e a consequente liquidação de IRC não se encontram fundamentados de facto e de direito, como expressa e concretamente exige o art. 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o art. 153.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por isso, a sua falta determina, necessariamente, a ilegalidade do acto de liquidação praticado e consequente anulação.
Em terceiro lugar, alega que é destituído de fundamento promover a correcção ao lucro tributável da Requerente com origem na circunstância da subscrição das acções do Banco B…, no quadro de um aumento de capital por incorporação de reservas, constituir um dividendo de um ponto de vista societário, contabilístico e fiscal.
Deste modo, a Requerente sustenta, com base no art. 21.º, n.º 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que todos os sócios têm direito a quinhoar nos lucros, sendo distribuíveis os lucros do exercício e ainda as reservas livres, isto é, constituídas com base em lucros transitados de anos anteriores. Bem como, a entrega de recursos aos sócios ou accionistas não tem de ser feita em numerário, podendo ser realizada em espécie.
Por outro lado, refere igualmente que o aumento de capital por incorporação de reservas é, antes de mais, uma subespécie de aumento de capital que opera em contrapartida da incorporação de reservas disponíveis – art. 91.º, n.º 1 do CSC. Assim, no aumento de capital por incorporação de reservas não há qualquer entrega de bens por parte dos sócios à sociedade – como sucede na hipótese de um aumento de capital por novas entradas – ou da sociedade aos sócios, até porque é possível que não exista sequer a emissão de novas acções.
Conclui igualmente neste âmbito que a distribuição de dividendos e o aumento de capital por incorporação de reservas constituem duas operações autónomas, cujos efeitos não se confundem e, como tal, não podem ser tratadas como uma e a mesma coisa para efeitos contabilísticos e fiscais.
No plano contabilístico, observa que o aumento de capital por incorporação de reservas não pode ser considerado um dividendo, não só porque não consubstancia a distribuição de um lucro ou um exfluxo de fundos, como igualmente lhe faltam as características de probabilidade na verificação e certeza na quantificação, típicas de um dividendo.
Assim, no momento em que são atribuídas novas acções em resultado do aumento do valor nominal do capital social por incorporação de reservas, porque não existe qualquer incremento do valor da participação correspondente, não há lugar ao registo de qualquer rendimento. Defende que assim é, mesmo que, em simultâneo e até por influência do aumento de capital, se registem aumentos no valor de mercado das participações sociais.
Sucede que, em tal hipótese só se essas participações estiverem reconhecidas a justo valor por contrapartida de resultados e no momento em que foram feitos os testes de justo valor se apurará um rendimento. Contudo, se esse reconhecimento é realizado por contrapartida de reservas, o que acontece no caso sub judice, então esse ganho ou rendimento latente só se contabiliza no momento em que se realiza, por meio da transmissão onerosa das participações sociais.
De um ponto de vista da lei fiscal, advoga que se adopta uma natureza correctiva do resultado contabilístico, parte de tal resultado, prevendo seguidamente várias alterações ou correcções, de forma a adequá-lo à sua função, isto é, servir de base de incidência do imposto.
Por isso, se a AT pretende desconsiderar ou corrigir o resultado contabilístico da Requerente para efeitos fiscais, sempre teria de recorrer a uma norma «correctiva» prevista no CIRC, o que, no seu juízo, não sucedeu, porque o resultado contabilístico reflecte as operações ocorridas durante o exercício.
Para alicerçar a conclusão supra referenciada refere que: i) o art. 20.º, n.º 1, al. c) do CIRC não estabelece quanto ao conceito de dividendos, qualquer norma de natureza «correctiva», limitando-se a comtemplá-los no rol de exemplos de rendimento tributável a título elucidativo; ii) a lei fiscal não plasma qualquer conceito de dividendo, por isso, deve a AT aceitar a definição que resulta do normativo contabilístico aplicável e do disposto no Direito Societário – art. 11.º, n.º 2 da LGT e iii) ainda assim – o art. 46.º, n.º 1, al. b) do CIRC - incorpora um conceito de mais-valia suficientemente completo para enquadrar os resultados efectivamente apurados pela Requerente.
Deste modo sustenta que, se adquiriu a título oneroso 11 920 000 acções do Banco B… pelo valor € 112 597 738, em Fevereiro de 2011, por ocasião de um aumento de capital por incorporação de reservas, subscreveu outras 183 438 acções, no período de Fevereiro e Março do mesmo ano, transmitiu onerosamente a totalidade de tais acções, pelo valor de € 99 297 428,60, resultando uma menos valia de € 13 300 309,40, estamos perante uma «perda» sofrida mediante «transmissão onerosa de um instrumento financeiro (que, porque não estava reconhecido a justo valor por contrapartida de resultados, não fica abrangido pela excepção prevista na parte final do art. 46.º, n.º 1, al. b) do CIRC)». Esta perda é dada pela diferença entre o montante da soma dos valores de realização das transmissões de € 99 297 428,60 e o valor de aquisição de € 112 597 738,00 – art. 46.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CIRC.
Mais, a conclusão em nada se altera pelo facto de estarmos na presença de acções subscritas num aumento de capital por incorporação de reservas. A única especialidade que daí decorre é a de que as mesmas foram subscritas sem a realização de qualquer contraprestação.
Se o aumento de capital por incorporação de reservas e por distribuição de dividendos conduzem a dois factos tributários distintos – dividendos e mais-valias – e, nos autos, a factualidade relevante se subsume ao segundo, não pode a AT proceder à sua unificação, sob pena de violação do art. 8.º da LGT.
Refere igualmente que os conceitos de dividendo e mais/menos valia encontram-se hoje plenamente autonomizados, porquanto, à medida que o legislador apurou o conceito de mais-valia, abandonou a tributação autonomizada dos aumentos de capital por incorporação de reservas - cuja tributação não se manteve no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), nem no CIRC.
Para além do mais conclui, sustentando que o legislador teve, não só a preocupação de autonomizar o conceito de mais/menos-valia, como foi igualmente claro quanto ao momento da tributação da mais-valia, o da sua realização. Resulta do disposto no art. 20.º, n.º 1, al. h) do CIRC que só se consideram rendimentos tributáveis as «mais-valias realizadas». Em bom rigor, a mais-valia, ao contrário do dividendo, até à alienação, consubstancia uma mera expectativa ou um ganho latente, sem qualquer tutela jurídica e que só em casos excepcionais tem relevo contabilístico.
Em resumo, o legislador preocupou-se em efectivar a tributação apenas no momento em que ela se realiza, excluindo a tributação de qualquer ganho latente, porque eventual – art. 20.º, n.º 1, al. h) do CIRC e previu a exclusão dos ajustamentos de justo valor ou como circunstância relevante para a retenção na fonte, mesmo no caso dos dividendos, o momento da sua colocação à disposição. Deste modo, um aumento de capital por incorporação de reservas não constitui qualquer distribuição de dividendos, mas a realização de uma mais ou menos-valia, no momento em que as acções subscritas na operação de aumento forem transmitidas onerosamente, pelo que, interpretação diversa violaria o princípio da legalidade – art. 3.º, n.º 1, al. a) e 2, art. 17.º, n,º 1, art. 20.º, n.º 1, al. c) e h) e art. 46.º, todos do CIRC.
Termina, requerendo o reembolso da quantia de imposto indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.
A Requerida, na sua resposta, defende-se invocando:
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A inexistência da inspecção externa.
Com efeito, sustenta que procedeu à correcta qualificação da acção inspectiva, cumprindo o disposto no art. 13.º do RCPIT, o qual prevê a possibilidade dos procedimentos inspectivos serem de dois tipos (interno e externo) e que, no caso concreto, é inquestionável estarmos perante uma acção inspectiva de natureza interna, visto que os actos de inspecção se realizaram exclusivamente nos serviços da AT. Acrescenta ainda que nada obsta a que se solicite esclarecimentos ao sujeito passivo quando a inspecção se realize integralmente nos serviços da AT.
Termina, neste âmbito, referindo que, ainda que se qualifique a inspecção como externa, sempre a falta de notificação prévia descrita no art. 49.º do RCPIT não gerará a anulabilidade da decisão do procedimento, mas consubstancia uma irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.
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O recebimento de dividendos em espécie.
No âmbito da sua defesa sustenta que o recebimento por parte da Requerente de 183 384 novas acções em resultado de um aumento do capital social do Banco B… no quadro do «Plano de retribuição acionista» denominado «… » deve ser tratado como o recebimento de dividendos em espécie, até porque outra forma de interpretação iria transformar a natureza efectiva do ganho.
Em abono da sua posição advoga que o Banco B…, a par do instrumento tradicional de remuneração dos accionistas, através da distribuição de dividendos em numerário, adoptou para os dividendos de Outubro/Novembro de 2010 e de Janeiro/Fevereiro de 2011, a chamada «opção alternativa». Esta consistia na emissão de direitos de incorporação atribuídos a todos os accionistas - um por acção – e na oferta de opções aos accionistas sobre o destino dos direitos de incorporação, mais concretamente: a) a recepção em numerário mediante a venda dos direitos de incorporação à entidade emitente, recebendo como contrapartida o valor correspondente ao preço previamente fixado; b) a sua transacção em bolsa de valores no decurso de um curto período de tempo e c) a conversão em acções emitidas no âmbito de um aumento do capital social por incorporação de reservas/lucros não distribuídos.
Por isso, tendo a Requerente optado por converter os direitos de incorporação em novas acções que contabilizou, à data do recebimento como dividendos, valorizando as 183 384 acções em € 1 676 863,30 (cotação de € 9,14) não deveria ter efectuado o estorno do lançamento em 31/12/2011, porquanto, aquele movimento contabilístico não enfermava de qualquer erro, já que as operações em causa não podiam ser reconduzidas a um simples aumento de capital por incorporação de reservas. Em suma, a opção da Requerente em receber as 183 384 acções, em vez de auferir a sua quota parte de dividendos em numerário, não desqualifica a operação como remuneração a título de dividendos, porquanto as novas acções recebidas por contrapartida dos dividendos a que tinha direito tiveram como efeito um incremento patrimonial, porque, não só aumentou o número de acções detidas, como igualmente se registou um reforço da percentagem detida no capital social da entidade emitente.
Termina afirmando que se o acto tributário em crise não é ilegal, não há erro imputável aos serviços e, assim, não se encontram preenchidos os requisitos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:
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Se o procedimento de inspecção/acto de liquidação padece do vício de falta de fundamentação por ausência absoluta de quaisquer elementos de facto e de direito;
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Se o procedimento de inspecção/acto de liquidação padece do vício de omissão de formalidade essencial – notificação prévia descrita no art. 49.º do RCPIT;
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Se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
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SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
4.1.1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS).
4.1.2. Em 31/12/2010 era titular de 11 920 000 acções do Banco B…, S.A. (B…) representativas de 0,14% do capital social que adquiriu em 2004, pelo valor de € 112 597 738,00.
4.1.3. As acções do B… têm um preço formado em mercado regulamentado - cotação em bolsa.
4.1.4. As acções do B… detidas pela Requerente foram adquiridas pelo valor global de € 112 597 738,00 (€ 9,45 por acção) e estavam reconhecidas no seu activo em 31/12/2010.
4.1.5. Tais acções estavam reconhecidas no seu activo em 31/12/2010 com um justo valor de € 94 501 760,00, por contrapartida de um valor negativo em reservas de € 18 095 978,00.
4.1.6. Em Junho de 2010 o B… deliberou um aumento de capital por incorporação de reservas livres à luz do «Texto Refundido de la Ley de Sociedades Anónimas» de Espanha.
4.1.7. A deliberação tem nomeadamente o seguinte teor: i) «Delibera-se aumentar o capital social pelo valor que resulte da multiplicação (a) do valor nominal de meio (0,5) euro por acção do Banco B…, S.A (…) por (b) o número determinável de novas acções do Banco B… que resulte da fórmula que se indica no ponto 2 em baixo (as acções novas)»; ii) «O aumento será realizado mediante a emissão e colocação em circulação das acções novas, que serão acções ordinárias, com um valor nominal de meio (0,5) euro, da mesma classe e série das que estão actualmente em circulação» e iii) «…o aumento de capital será integralmente realizado por incorporação da reserva livre, denominada reservas voluntárias, resultante de resultados não distribuídos».
4.1.8. O aumento de capital realizou-se por incorporação das reservas livres.
4.1.9. No conteúdo da operação divulgada aos accionistas e ao mercado constava que se decidiu «…aumentar o capital social do Banco B… por incorporação de reservas voluntárias procedentes de resultados não distribuídos por um montante determinável nos termos previstos na referida deliberação».
4.1.10. O aumento de capital foi deliberado no quadro do programa de retribuição accionista denominado – «… ».
4.1.11. Cada acionista, no âmbito de tal aumento de capital social, recebeu um direito de subscrição gratuita por cada acção detida.
4.1.12. Tais direitos de subscrição estiveram disponíveis para negociação nas Bolsas de Valores em Espanha e no Euronext entre os dias 17/01/2011 a 26/01/2011.
4.1.13. Após o decurso de tal período houve uma conversão automática dos direitos de subscrição em acções emitidas por contrapartida de uma incorporação das reservas livres do B… .
4.1.14. Os accionistas do B… tiveram à sua disposição três alternativas: i) vender os direitos de subscrição ao Banco B…, que os adquiriria a um preço previamente acordado; ii) vender esses direitos no mercado, durante o período de negociação e iii) manter os direitos e receber acções do Banco B…, atribuídas em função do número de direitos de subscrição que detivessem nesse momento.
4.1.15. No âmbito da operação descrita em 4.1.6. e 4.1.7. o B… registou um aumento de capital no valor de € 55 576,453 por contrapartida da incorporação de reservas do mesmo valor e emitiu 111 152 906 acções, cada uma com um valor nominal de € 0,5, subscritas pelos accionistas que optaram por esta alternativa.
4.1.16. A Requerente optou por receber acções do B…, tendo-lhe sido atribuídas, em Fevereiro de 2011, 183 384 novas acções que à data tinham um preço formado em mercado regulamentado de € 9,14 cada uma, o que perfaz um valor de mercado conjunto de € 1 676 863,30.
4.1.17. A Requerente procedeu ao registo contabilístico n.º…, no valor de € 1 676 863,30, por débito da conta 41411.1 – C… na conta 79 – Dividendos.
4.1.18. Em resultado do aumento de capital social por incorporação de reservas, a Requerente passou a deter um total de 12 103 384 acções (11 920 000 compradas e 183 384 atribuídas).
4.1.19. A Requerente no dia 08/02/2011 alienou em bolsa 183 384 de tais acções, pelo preço de € 1 648 788,60, tendo sido apuradas menos-valias contabilísticas de € 82 639,03.
4.1.20. Em 31/03/2011 a Requerente transferiu a titularidade das restantes acções que ainda detinha (11 920 000) para o capital social da sociedade D…, pelo valor de mercado de tais acções de € 8,19 cada uma, a que corresponde um valor total de realização de € 97 648 640,00.
4.1.21. No exercício de 2011 a Requerente apurou um resultado fiscal negativo de € 470 083,10.
4.1.22. Em 05/02/2015 foi emitida a Ordem de Serviço n.º 2015…, iniciado um procedimento de inspeção à Requerente que teve por objecto o IRC do exercício de 2011 e que a AT qualificou como interno.
4.1.23. Em 24/06/2015 a AT enviou à Requerente um «pedido de elementos fiscalmente relevantes» no qual solicitou: «1. Relativamente a todas as Mais-Valias operadas no exercício em resultado da alienação de partes de capital ou de quaisquer investimentos financeiros, apresentar para cada uma e no que se aplicar: 1.1. Identificação do activo alienado; 1.2. Indicação da data, do valor e da forma da alienação; 1.3. Identificação da contra-parte na operação de alienação; 1.4. Declaração sobre a existência ou não de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC, com a contra-parte identificada no subponto anterior e, em caso afirmativo, indicação da natureza da relação; 1.5 Indicação da data, do valor e da forma da aquisição do activo alienado; 1.6 Identificação da contra-parte na aquisição; 1.7 Declaração sobre a existência ou não de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC, com a contra-parte identificada no subponto anterior e, em caso afirmativo, indicação da natureza da relação; 1.8 Enviar cópia do mapa mais-valias e menos-valias; 1.9 Enviar cópia do extracto da conta 79.21 – B… e cópia dos documentos de apoio aos lançamentos contabilísticos efectuados; 1.10. Enviar cópia do extracto da conta 68.62 – Alienações, e cópia dos documentos de apoio aos lançamentos contabilísticos (…) 3. Relativamente à parte de capital C…, informar a forma e como foi alienada e os cálculos efectuados na determinação do resultado apurado. Informar ainda se as acções detidas estavam cotadas na bolsa, mercado regulamentar, e qual o procedimento adoptado e tratamento fiscal dado ao ajustamento de transição, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho».
4.1.24. A Requerente respondeu a tal pedido por carta datada de 02/07/2015.
4.1.25. A AT em 10/07/2015 enviou novo e-mail à Requerente com o seguinte teor: «…2. No mês de Fevereiro, através do lançamento contabilístico n.º…, foi registado a crédito da conta…–B…, o valor € 1 676 863,30 a título de dividendos. No mês de Dezembro, através do lançamento contabilístico n.º…, a conta…–B…, o valor de € 1 676 863,30 foi movimentado a débito, por crédito da conta 6862 – Alienações. Este lançamento afigura-se incorrecto. O valor recebido a título de dividendos devia ter concorrido positivamente para a determinação da matéria colectável do exercício 2011, o que e pelo lançamento contabilístico, e pela verificação dos valores no quadro 07 da declaração de rendimentos mod. 22 não aconteceu. Na realidade, tal lançamento contabilístico, motivou uma diminuição no valor apurado na conta 6862 – Alienações, ou seja o valor final seria € 14 977 172,69, e não o que foi determinado € 13 300 309,39. O quadro que se segue exemplifica o efeito causado pela contabilização indevida do lançamento de regularização efectuado no mês de Dezembro de 2011:
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Como declarado
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Proposto
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1
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Dividendos –
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0,00
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1 676 863,30
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2
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Alienação – conta 6862
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13 300 309,39
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14 977 172,69
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3 = (1-2)
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Resultado líquido
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-13 300 309,39
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-13 300 309,39
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4
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Acréscimo quadro 07 da mod. 22
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13 300 309,39
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14 977 172,69
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5 = (3+4)
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Lucro tributável
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0,0
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1 676 863,30
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Agradece-se informação relativamente ao assunto descrito».
4.1.26. A Requerente respondeu ao pedido por e-mail datado de 17/07/2015.
4.1.27. A AT em 20/08/2015 enviou novo e-mail à Requerente na qual informou que pretendia efectuar as seguintes correcções ao lucro tributável de 2011: «…- De dividendos, € 1 676 863,30; - De perdas relativas a partes de capital, € 20 011,96…».
4.1.28. A Requerente em 03/09/2015 respondeu por e-mail à comunicação descrita no número anterior.
4.1.29. No dia 15/10/2015 foi a Requerente notificada da proposta de decisão administrativa na qual se propunha uma correcção ao lucro tributável do exercício de 2011 no valor de € 1 676 863,30, visto que o valor das acções subscritas, aquando do aumento de capital por incorporação de reservas do Banco B… consistiu num dividendo.
4.1.30. No teor do relatório de inspecção consta a seguinte fundamentação: «…a A… era accionista do Banco B…, teve direito a dividendos distribuídos, que recebeu em novas acções. De facto, para contabilizar as novas acções, tendo em conta a forma como adquiriu o direito às mesmas, no seu activo tinha forçosamente de ter considerado como contrapartida o rédito correspondente. Não poderia ter efectuado o lançamento de regularização realizado no final do ano, através do qual alocou o valor do rédito dos dividendos, ao valor apurado e respeitante a menos-valias de acções que já detinha no ano anterior» e «…o sujeito passivo teve direito a dividendos que recebeu através de novas acções do B…, com o justo valor garantido pelo B…, que valorizaram a participação no B…, houve por isso um incremento patrimonial. E assim sendo, o incremento devia ter sido relevado e reconhecido como proveitos do exercício, como dividendos que efectivamente recebeu em espécie, através de novas acções».
4.1.31. Consequentemente, no dia 25/11/2015 a Directora-Geral da AT procedeu à liquidação n.º 2015…, no montante de € 188 910,76.
4.1.32. A Requerente efectou em 19/01/2016 o pagamento do valor apurado na liquidação n.º 2015… .
4.1.33. A Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que conduziu ao presente processo em 21/04/2016.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA
A matéria de facto dada como provada tem fonte nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. DO DIREITO
5.1. Falta de fundamentação
Alega a Requerente que a liquidação não se encontra fundamentada, pois, no seu juízo, não é possível perceber as razões da decisão, até porque não contém qualquer motivação de facto e de direito.
Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que: «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual»[11]. Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da AT.
Na hipótese sub judice, é possível vislumbrar no relatório inspectivo, em III, factos e normas jurídicas que enquadram as correcções ao lucro tributável. Razão pela qual, entende o tribunal que o acto se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizadas pela AT para a sua prática. Até porque, a falta de fundamentação imputada ao mesmo, não constituiu qualquer obstáculo para a Requerente defender a sua ilegalidade e consequente anulação em articulado em que imputa à liquidação um rol de vícios. Em suma, o acto não padece do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhe imputa.
5.2. Procedimento de inspecção
A Requerente defende, a este propósito que, os actos praticados denotam a existência de um procedimento distinto do interno e, como tal, a omissão da notificação prévia prevista no art. 49.º, n.º 1 e 2 do RCPIT deve conduzir à anulação da liquidação praticada.
Por isso, em primeiro lugar, é necessário determinar no caso sub judice qual a verdadeira natureza do procedimento utilizado pela AT.
Para concretizar tal tarefa devemos mobilizar o enquadramento jurídico pertinente.
Assim, o art. 13.º do RCPIT prevê que: «Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
-
Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
-
Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso».
Doutro modo, o art. 49.º do RCPIT dispõe que: «1 – O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.
2. A notificação prevista no número anterior efectua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;
b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.
3. A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção».
Antes de mais, poder-se-á, questionar: a qualificação acerca da natureza do procedimento efectuada pela AT é vinculativa para o tribunal?
À questão responde a jurisprudência[12] que assim não o é. Ou, dito de outro modo, quando se apure que o conteúdo dos actos concretamente praticados é contrário à qualificação atribuída, o tribunal não fica impedido de a alterar. Assim, ainda que um procedimento seja classificado pela AT como interno, caso se venha a verificar - que os actos praticados ultrapassam a mera análise da correcção formal de documentos e a sua compatibilidade com as declarações entregues - é imperativo concluir que se está perante um procedimento de natureza externa.
Neste âmbito, o procedimento de inspecção, quanto ao lugar da realização, pode qualificar-se como interno ou externo. O primeiro, quando os actos de natureza inspectiva se praticam única e exclusivamente nos serviços da AT, através da análise formal e de coerência de documentos. Já no segundo, estamos perante uma verdadeira «actividade investigatória»[13] através da qual se procura aferir o acerto dos valores declarados à luz das normas de Direito Tributário substantivo ou se há uma omissão declarativa de tais valores.
No caso concreto, analisando as correcções efectuadas verifica-se que o procedimento não visou somente a recolha de informação, pelo contrário, pode-se afirmar que foi além disso, na medida em que o acesso à informação prestada pela Requerente alicerçou as correcções efectuadas ao lucro tributável e conduziram à liquidação em crise. Isto é, estamos perante uma inspecção materialmente externa.
Deste modo, se assim o é, qual o efeito jurídico emergente da falta de notificação prévia a que alude o art. 49.º do RCPIT?
A este propósito sustenta a mais recente jurisprudência[14] que: «I - Ainda que o procedimento de inspecção tenha sido erradamente qualificado como interno, quando o deveria ter sido como externo, esse erro irreleva para a decisão a proferir se não puder concluir-se ter sido preterida qualquer formalidade essencial imposta por esta última modalidade de inspecção. II - A falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo».
Nesta linha também a doutrina[15] conclui que: «A falta de comunicação do início de procedimento só deverá no entanto gerar invalidade se se demonstrar que o interessado não teve conhecimento do procedimento e do respectivo objecto, e que por força dessa ausência de conhecimento não pode nele intervir tempestivamente (nosso sublinhado). Assim, se o contribuinte inspecionado foi notificado da ordem de serviço/despacho que marca o início do procedimento, se foi notificado do projecto de conclusões do relatório de inspecção, a eventual falta de notificação da carta-aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes».
Revertendo tal interpretação para o caso concreto é imperativo concluir que a falta de notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento de inspecção/liquidação, porquanto foi dado conhecimento à Requerente do procedimento e objecto, tendo esta participado neste em 02/07/2015, 17/07/2015 e 03/09/2015, bem como no âmbito do exercício do direito de audição. Ora, se assim o é, a falta da notificação da carta-aviso é geradora de mera irregularidade e, como tal, não pode a liquidação de IRC objecto destes autos ser anulada.
5.3. Concorrência do valor da alienação das acções após aumento do capital social por incorporação de reservas livres para a determinação do lucro tributável
O problema que neste âmbito se coloca consiste em apurar se o montante de € 1 676 863,30 respeitante ao preço das acções entregues pelo Banco B… España ao seu accionista A… SGPS, SA., após um aumento de capital por incorporação de reservas livres realizado em 2011, deve concorrer para o apuramento do lucro tributável de tal ano ou se deverá ser reconhecida uma menos-valia contabilística como pugna a Requerente.
O ponto de partida para dar resposta à questão obriga à descrição do conceito societário de reservas e da sua modalidade reservas livres. A este respeito, sustenta a doutrina quanto ao primeiro conceito que: «As reservas são valores (em princípio, gerados pela própria sociedade) que os sócios não podem - por imposição legal ou contratual – ou não querem distribuir[16]». Sendo certo que na delimitação da modalidade de reservas livres refere que: «Estas são as reservas que os sócios podem, em cada ano, deliberar constituir através da não distribuição dos correspondentes lucros. (…) Os sócios, assim como podem livremente constituir estas reservas, podem, do mesmo modo, livremente dar-lhes o destino que bem entenderem»[17].
Ora, um desses destinos consiste no aumento de capital social por incorporação de reservas livres.
Por isso a jurisprudência[18] sustenta que: «… provou-se que as reservas que serviram para que se efectuassem aumentos de capitais, resultaram da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para dividir pelos sócios que, em vez de serem divididos, foram convertidos em aumentos de capital. Isto é, os lucros da sociedade (e dividendos), ao invés de serem repartidos pelos sócios foram convertidos em aumento do capital social». Ou, dito de outro modo, de um ponto de vista societário, os lucros (dividendos) podem ser convertidos em aumentos do capital social.
O art. 20.º, n.º 1, al. c) do CIRC (na redacção em vigor à data) previa que: «Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (…) c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; (…).
A doutrina[19] defende que: «A noção de rendimento-acréscimo, que subjaz à quantificação do lucro tributável, leva à consagração legal de um conceito amplo de proveitos ou ganhos, capaz de abarcar quaisquer variações patrimoniais positivas do património líquido da empresa...». Deste modo, os proveitos ou ganhos podem resultar, não só do normal funcionamento da actividade social, como também de uma acção ocasional ou meramente acessória, como são disso exemplo os «dividendos». Ou seja, no conceito de proveitos ou ganhos em IRC cabem todos aqueles não exceptuados por lei.
No caso concreto, com a atribuição de acções à Requerente e subsequente venda existiu um incremento patrimonial da sua esfera jurídica e assim o rendimento de € 1 676 863,30 deve concorrer para a determinação do lucro tributável.
Nessa linha, no Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património[20] da OCDE refere-se que: «São considerados dividendos não apenas as distribuições de lucros definidas anualmente pela assembleia-geral de accionistas, mas também outros benefícios, em dinheiro ou seu equivalente, tais como acções gratuitas (sublinhado nosso), bónus, lucros de liquidação e distribuições ocultas de lucros».
Consequentemente, o pedido de pronúncia não pode proceder.
6. DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC n.º 2015…, com todas as consequências legais.
7. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se ao processo o valor em € 188 910,76.
8. CUSTAS
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 672,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.
Lisboa, 14/03/2017
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
Francisco Nicolau Domingos
Maria Isabel Guerreiro
(Vencida, conforme declaração anexa)
Voto de vencida
Nesta ação arbitral está em causa saber se o valor de €1.676.863,30, correspondente ao preço em mercado regulamentado, das 183.384 ações entregues pelo Banco B… España ao seu acionista A… SGPS, SA ( a Requerente), na sequência do aumento de capital do Banco por incorporação de reservas, efetuado em 2011, deve ser considerado um rédito proveniente de dividendos (em espécie) e concorrer para o apuramento do lucro tributável deste exercício, como entende a Autoridade Tributária ou se, contabilisticamente, deverá ser reconhecida a realização de uma menos valia contabilística, pela alienação das referidas ações, no mesmo exercício de 2011, assim como as ações que lhes deram origem, pelo valor global de €13.300.309,40, tendo em conta os valores de aquisição e de realização efetivos, da globalidade das ações detidas, ou seja, as ações originariamente adquiridas (11.920.000 ações) pelo valor de 112.597.738€ e as ações atribuídas (183.384 ações), gratuitamente, na sequência do aumento de capital do Banco por incorporação de reservas, tendo em conta o valor de realização da globalidade das ações pelo valor total de € 99.297.428,60, como entende a Requerente.
Vejamos.
No fecho do exercício de 2011, os registos contabilísticos efetuados pela Requerente, relacionados com a alienação das ações do Banco B…, refletiam, corretamente, o reconhecimento de uma menos valia contabilística, no montante global de €13.300.309,40, já que a operação relevante realizada no exercício com as referidas ações suscetível de reconhecimento em resultados foi a sua alienação.
Ora, não tendo havido qualquer distribuição de dividendos pelo Banco B… enquanto a Requerente deteve as ações, no exercício de 2011, não havia lugar ao reconhecimento de qualquer rédito, proveniente de dividendos neste exercício, quer do ponto de vista contabilístico quer do ponto de vista fiscal.
De facto, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 20 – Rédito, (esta Norma Contabilística, do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de Julho, deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transações e acontecimentos, entre os quais, o uso por outros de ativos da entidade que produzam dividendos), estabelece no seu parágrafo 5, que o rédito na forma de dividendos resulta de distribuições de lucros a detentores de investimentos em capital próprio na proporção das suas detenções de capital e, no parágrafo 30, que os rendimentos provenientes de ações, os dividendos apenas devem ser reconhecidos ou contabilizados quando for estabelecido o direito do acionista de receber o pagamento.
Do ponto de vista fiscal, o artigo 20º - Rendimentos e ganhos, do Código do IRC, não estabelecendo uma definição para os rendimentos na forma de dividendos e também não contendo uma regra especifica para o respetivo reconhecimento, deve considerar-se a definição que consta no artº 5º do Código do IRS, para além das regras constantes na referida Norma Contabilística.
Razão pela qual a Requerente corrigiu o registo inicialmente efetuado na conta 786232- Dividendos, no montante de €1.676.863,30, que correspondia ao preço em mercado regulamentado das referidas ações, anulando-o por transferência do respetivo valor para a conta 6862-Alienações, na qual foi apurada a menos valia contabilística realizada com a alienação da totalidade das ações, no valor global de €13.300.309,40.
Ou seja: o valor inicialmente contabilizado na conta 786232- Dividendos, de €1.676.863,30 correspondia apenas à mensuração, ao justo valor, das 183.384 ações, pelo valor da respetiva cotação no mercado regulamentado e não um valor recebido, ou colocado à sua disposição, a título de distribuição de lucros. Não estamos, perante uma realidade que possa ser subsumida no conceito contabilístico e fiscal de dividendo, ou lucro, conforme o artº 5º do Código do IRS, aplicável por força do artº 3º, nº 1, alínea b) do Código do IRC.
Concluindo, considero assim que não estamos perante o recebimento de dividendos mas perante uma realidade distinta do ponto de vista da legislação comercial e fiscal a saber: a utilização de direitos de subscrição para aumentar o número de ações do Banco B… na sequência do aumento de capital deliberado e executado por aquela entidade bancária, tendo a Requerente, em consequência, recebido, em fevereiro de 2011, gratuitamente (sem qualquer contraprestação e em resultado desse aumento de capital por incorporação de reservas), 183.384 ações.
Daí que considere assistir razão à Requerente quando conclui não ter ocorrido o rédito alegado pela AT proveniente de dividendos pagos ou distribuídos no exercício de 2011.
(Maria Isabel Guerreiro)
[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 01690/13, de 23/04/2014 e em que foi relator o Conselheiro ASCENSÃO LOPES.
[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo n.º 1854/10.8BEBRG, de 13/11/2014 e em que foi relatora a Desembargadora ANA PATROCÍNIO.
[3] JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 82.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 1095/15, de 29/06/2016 e em que foi relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.
[5] JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 270.
[6] JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, volume 2 (parte II), edição policopiada, Coimbra, 2000, pág. 179.
[7] JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, volume 2 (parte II), edição policopiada, Coimbra, 2000, pág. 179 e 180.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/12/2010 proferido no âmbito do processo n.º 1851/07.0TVVNF.P1.S1, de 16/12/2010 e em que foi relator o Conselheiro GARCIA CALEJO.
[9] RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pág. 73.
[10] Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património - Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 206, 2008, pág. 258 e 259.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 01690/13, de 23/04/2014 e em que foi relator o Conselheiro ASCENSÃO LOPES.
[12] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo n.º 1854/10.8BEBRG, de 13/11/2014 e em que foi relatora a Desembargadora ANA PATROCÍNIO.
[13] JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 82.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 1095/15, de 29/06/2016 e em que foi relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.
[15] JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 270.
[16] JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, volume 2 (parte II), edição policopiada, Coimbra, 2000, pág. 179.
[17] JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, volume 2 (parte II), edição policopiada, Coimbra, 2000, pág. 179 e 180.
[18] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/12/2010 proferido no âmbito do processo n.º 1851/07.0TVVNF.P1.S1, de 16/12/2010 e em que foi relator o Conselheiro GARCIA CALEJO.
[19] RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pág. 73.
[20] Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património - Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 206, 2008, pág. 258 e 259.