Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 436/2016-T
Data da decisão: 2017-02-15  Selo  
Valor do pedido: € 36.289,73
Tema: IS - Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total.
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Decisão Arbitral

 

Requerentes: A…–, S.A

Requerida: AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

I – RELATÓRIO

 

-        Pedido  

A …– , S.A, contribuinte nº…, com sede na Av…, …, …, …-… Lisboa, de ora em diante designada como Requerente, apresentou, em 26-07-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA de ora em diante designada como Requerida, com vista a:

 

-          A declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do imposto de selo números: 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 …;

A Requerente alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:

-        As liquidações impugnadas têm em comum o facto de se reportarem a andares susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, de um mesmo prédio em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente – o prédio U … da freguesia … …- o qual inclui outros andares e divisões susceptíveis de utilização independente não afectas ao uso habitacional.

-        Pelo que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 3º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, estão reunidos os pressupostos que permitem a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade relativamente a todas as liquidações objecto do presente Requerimento de Pronúncia Arbitral.

-        A Requerente é dona, legítima proprietária e titular do rendimento do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o no … (da extinta freguesia de …).

-        Conforme decorre do conteúdo da respectiva matriz, o prédio inscrito na matriz sob o artigo U –… da freguesia de …, concelho de Lisboa, é um “prédio urbano em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”.

-        O referido prédio urbano é constituído por 71 (setenta e um) andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

-        Desses 71 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, 11 andares ou divisões têm uma afectação terciária – comércio ou serviços – e apenas 60 têm uma afectação habitacional.

-        Cada uma das liquidações objecto do presente requerimento diz respeito a Imposto de Selo, e foi efectuada ao abrigo da Verba no 28.1 da respectiva Tabela Geral, com o conteúdo decorrente da Lei no 55 A/ 2012.

-        Cada uma das liquidações objecto do presente Requerimento incide sobre um dos andares susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, do prédio identificado no artigo 6. Supra.

-        Desde logo por essa razão, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U –… da freguesia de …, concelho de Lisboa, não é um “prédio urbano com afectação habitacional”.

-        É, sim, um prédio urbano com várias e distintas afectações, conforme os diferentes andares susceptíveis de utilização independente.

-        Nenhum dos andares susceptíveis de utilização independente tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, como se comprova quer pela caderneta predial junta aos autos, quer de cada uma das liquidações cuja declaração de ilegalidade se requer.

-        Não se compreende, por isso, qual a concreta interpretação da disposição contida no CIS, que a AT utiliza para proceder a cada uma das liquidações que se impugna.

-        O que, desde logo constitui fundamento autónomo de declaração de ilegalidade, com fundamento na insuficiente fundamentação do acto de liquidação, que, desde já se alega, para todos os efeitos legais.

-        Mas para além de incompreensível, a aplicação da verba no 28.1 da tabela Geral do Imposto de Selo, para efeitos de cada uma das Liquidações que se impugna, é ilegal, pois resulta de uma errónea qualificação dos factos e de uma errada aplicação da Lei.

-        Com efeito, dispõe a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobe Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio habitacional - ...”

 

-        E o artigo 3º da Lei 55 A/2012 consagra, entre outras, a alteração ao artigo 67º do CIS, pela qual se introduz um número 2 a esse artigo, com a seguinte redacção:

 

“2- Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba no 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

 

-        Dispõe o artigo 6º do CIMI que existem diversas espécies de prédios urbanos em função da sua afectação, a saber: habitacionais; comerciais industriais e para serviços; terrenos para construção; outros.

-        E dispõe o artigo 7º nº 1 do CIMI que, no caso de um prédio se enquadrar em mais de que uma das espécies previstas no artigo 6º, cada parte economicamente independente é avaliada de acordo com as respectivas regras, sendo o valor do prédio a soma das diferentes partes.

-        Finalmente, dispõe o nº 3 do artigo 12º do CIMI:

“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”

 

-        Da conjugação destas disposições do CIMI resulta, para efeitos da regulação das matérias respeitantes à verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, nos termos do no 2 do artigo 67º do CIS o seguinte:

1) A verba no 28.1 da Tabela Geral do IS aplica-se apenas aos prédios urbanos habitacionais. Não se aplica aos prédios que se enquadrem em mais do que uma das espécies previstas no no 1 do artigo 6o do CIMI.

2) Relativamente a prédios urbanos em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, a verba no 28.1. da Tabela Geral do IS aplica-se apenas a cada uma das unidades susceptíveis de utilização independente afectas ao uso habitacional, relativamente às quais, separadamente, se verifique a condição de aplicação da referida verba, relativamente ao respectivo valor patrimonial tributário.

-        Com efeito, nos termos do CIMI, nos prédios urbanos em regime de propriedade total, as matrizes prediais indicam, separadamente, o valor patrimonial tributário de cada uma das unidades susceptíveis de utilização independente que os compõem.

-        Nesses prédios não existe uma referência única à afectação do prédio, fazendo-se essa referência, apenas, separadamente relativamente a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

-        Nesses prédios o IMI é liquidado, também separadamente, para cada uma dessas unidades susceptíveis de utilização independente.

-        Até porque o cálculo do imposto a pagar por cada uma dessas unidades independentes pode ser sujeito a regras diferentes, designadamente, por exemplo, em função de se encontrarem ou não arrendadas ao abrigo de contratos que já se encontravam em vigor antes da data da entrada em vigor do CIMI.

-        Daí a relevância da parte final do corpo da verba no 28 da Tabela, ou do disposto no apartado ii) da alínea f) do no 1 do artigo 6o da lei 55 A/2012.

-        Esta interpretação é, aliás, a única compatível com a anunciada – e muito publicitada – ratio legis, da criação da Verba no 28 da Tabela Geral do IS, pela Lei 55 A/2012, segundo a qual se pretendia a tributação das habitações de luxo e a propriedade de imóveis titulada por sociedades sedeadas em paraísos fiscais.

-        É precisamente essa ratio legis que justifica que apenas os prédios urbanos “com afectação habitacional e valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000” sejam tributados pela Verba 28.1 da Tabela Geral do IS.

-        Sendo que, na Verba 28.2, que sujeita a tributação as sociedades sedeadas em paraísos fiscais, se tributam todos os prédios urbanos, sem olhar à sua afectação, habitacional ou outra, porque a ratio legis está, aí, no combate à evasão fiscal.

-        A razão do legislador seria pervertida se, ao abrigo da Verba 28.1, fosse permitida a tributação de pequenas habitações de média ou baixa qualidade, de tipologias T1 a T3, cada uma com um valor patrimonial de pouco mais de € 100.000, como se de habitações de luxo se tratasse, apenas porque o prédio em que se incluem não está constituído em regime de propriedade horizontal e nele existem mais de dez habitações desse tipo.

-        Ora é precisamente essa perversa interpretação da Lei que a AT pretende aplicar com o conjunto de Liquidações que se impugna.

-        O Valor Patrimonial Tributário de cada um dos andares objecto de cada uma das Liquidações que se impugna em nenhum caso ultrapassa os € 316.000 - cerca de um terço do valor que a Lei fixa como o limite mínimo do Valor Patrimonial Tributável, susceptível de ser objecto de tributação ao abrigo da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

-        E, em mais de metade das liquidações objecto da presente Impugnação, o Valor Patrimonial Tributário não atinge sequer os € 200.000 - um quinto do limite mínimo sujeito a tributação.

-        É óbvio que nem o prédio onde se inserem os andares objecto das Liquidações cuja declaração de ilegalidade se requer é um prédio afecto a habitação – cerca de 40% do total de andares independentes que o compõem está afecta a comércio e serviços – nem, muito menos é um prédio de luxo; nem nenhum dos andares que o compõem é uma habitação de luxo.

-        Que a interpretação que se defende é a única compatível com as boas regras de hermenêutica jurídica resulta ainda evidente do próprio facto de a AT proceder à liquidação do Imposto separadamente para cada um dos andares.

-        Pois só existe afectação habitacional para cada um dos andares separadamente e não para o prédio no seu todo;

-        E o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI é o valor de cada um doas andares separadamente e não o valor patrimonial tributário total do prédio.

-        Isso mesmo fica a descoberto através do ardiloso artifício utilizado pela AT, quando, à falta de campos automaticamente gerados pelo sistema informático – concebido para lidar com os conceitos do CIMI - introduz manualmente uma referência sem qualquer cobertura legal ao “Valor Patrimonial do Prédio – total sujeito a imposto –€ 10.886.788,55”

-        Tal referência é objectivamente falsa: O Valor Patrimonial Tributário do Prédio é de € 12.098.806,45 e não de € 10.886.788,55.

-        E destina-se apenas a apresentar uma aparente cobertura legal para uma tributação ilegítima.

-        Não sendo legalmente viável a consideração do Valor Patrimonial Total do prédio, porque resulta da soma de unidades independentes afectas ao uso habitacional e ao uso terciário, o único Valor Patrimonial Tributário relevante é o Valor Patrimonial Tributável de cada um dos andares susceptíveis de utilização independente.

-        E esse valor não permite a sujeição a tributação ao abrigo da Verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

-        A opção pelo enquadramento da situação concreta destes autos, na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo resultaria, ainda, na flagrante e grave violação dos princípios constitucionalmente consagrados, da igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal.

-        A grave violação do princípio da igualdade resulta do tratamento desigual de situações materialmente semelhantes;

-        Dois andares com a mesma composição e o mesmo valor patrimonial tributário, seriam tributados de maneira diferente, apenas porque um se insere num prédio em regime de propriedade horizontal e o outro se insere num prédio em regime de propriedade total com andares susceptíveis de utilização independente.

-        Sendo certo que, em ambos os casos, o prédio urbano é um só, com um mesmo artigo matricial, dividido num caso em “fracções autónomas” e no outro em “andares susceptíveis de utilização independente”

-        A grave violação do princípio da proporcionalidade resulta da imposição de uma taxa de imposto totalmente desproporcionada ao valor do bem tributado:

-        A AT estaria a tributar à taxa adicional de 1% ao ano, andares com o valor patrimonial tributário de € 100.000, quando essa taxa adicional só foi prevista para imóveis com um valor patrimonial tributário pelo menos 10 vezes superior.

-        No caso concreto a violação do princípio da proporcionalidade em matéria fiscal é ainda mais flagrante pois, tratando-se a proprietária de uma empresa que se dedica à construção e arrendamento de imóveis de gama média e pequenas dimensões, a valores controlados, ficará sujeita, neste ano fiscal a uma tributação adicional, e independente dos lucros, num valor correspondente a mais de 20% da sua receita total anual efectiva, situação que se aproxima do confisco.

 

 

Resposta da Requerida

 

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

-        O que está em causa é uma liquidação que resulta da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.

-        O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio.

-        Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios.

-        O artigo 12º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu nº 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais.

-        Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de um prédio em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VP que a ora Requerente define como «valor global do prédio».

-        Em cumprimento do disposto no artigo 119º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.

-        Estando correcta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos juros indemnizatórios relativamente à Requerente que efectuou o pagamento, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a actuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.

Quanto à questão da violação dos princípios e da proporcionalidade em matéria fiscal:

 

-        Desde logo, a Requerente coloca em causa o valor patrimonial tributário do prédio, pelo facto de o mesmo se caracterizar por ser prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e como tal não possuírem valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00.

-        Defende que não existe qualquer norma que estipule que o valor patrimonial tributário de um prédio composto por vários andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, corresponda à soma das respectivas partes, defendendo que estamos perante o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, pois que cada um dos seus andares ou divisões susceptíveis de utilização independente é considerado, nos termos do no 3 do art. 12ºdo CIMI, separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor;

-        Falece, porém, de sustentação legal a tese defendida pela Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba no 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.

-        O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere.

-        A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.

-        Na verdade, consta da caderneta predial que o prédio se encontra em regime de propriedade total, compostos por várias partes susceptíveis de utilização independente.

-        Sendo esta a informação matricial, de acordo com o artigo 23º, n.º 7 do CIS, as liquidações de imposto do selo reportados ao ano de 2015, foram efectuadas, pela Administração tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

-        De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º1, a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam.

-        Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI.

-        Do exposto, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos.

-        Acresce ainda que a Requerente entende que estamos perante uma violação dos princípios de igualdade tributária e da proporcionalidade.

-        Não se vislumbra como é que a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade.

-        A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

-        A constituição da propriedade horizontal implica, é um facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (ofício – circulado n.o 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

-        Esta discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.

-        O facto da Requerente legitimamente discordar dessa discriminação não implica a violação de qualquer princípio de direito fiscal ou até constitucional.

-        Saliente-se que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade;

-        O que se pretende concluir é que estas normas sobre procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu, seria ilegal e inconstitucional.

-        É assim consequência, de o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto ser, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.

-        A verba 28.1 incide pois sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

-        Trata-se de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito.

-        Também a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.

-        Com efeito, a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do nº 2 do art. 4º do CIMI e art. 1414º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.

-        Deste modo, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.

-        Importa ainda salientar que a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado.

-        Na verdade, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.

-        Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável.

-        Não cremos que tal se verifique porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.

-        Tudo o que está agora a ser defendido nesta sede arbitral já foi objecto de informação vinculativapor parte da AT, com despacho de concordância de 11.2.2013 do Substituto Legal do Di rector-Geral da Autoridade Tributária.

-        De resto não é igualmente procedente, como é óbvio, o argumento invocado pela Requerente de que o valor patrimonial tributário do prédio de € 10.886.788,55 se destina apenas a representar uma aparente cobertura legal para uma tributação ilegítima, dado que o valor patrimonial é de € 12.098.806,45, porquanto a indicação daquele valor patrimonial é o resultante após o expurgo dos andares que não possuem afectação exclusivamente habitacional.

-        Pelo que, temos, necessariamente concluir que os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim ser mantidos.

-        Numa recente Decisão Arbitral exarada no Proc. n.o 668/2015–T, o Tribunal Arbitral decidiu julgar improcedente um pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica, as liquidações do Imposto de Selo nesse processo impugnadas, com os fundamentos e nos termos seguintes:

 “ (...)Importa agora perceber se a AT agiu com erro nos pressupostos de facto ou de direito para aplicação, ao caso, da verba 28.1 da TGIS.

Para a apreciação da questão em causa importa, antes de mais, analisar as verbas n° 28 e 28.1 da TGIS: “28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1Por prédio com afectação habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada e prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI- 1 %”.

A Requerente sustenta que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando compostos por partes suscetíveis de utilização independente.

Impõe-se interpretar, para este efeito, o conceito de “prédio" constante daquela verba 28.1da TGIS. Para compreender o seu conteúdo, deverão ser compulsados os conceitos de prédio constantes do CIMI (artigos 2.° a 6.°) - ao abrigo do disposto no artigo 67.°, n.° 2 do CIS, segundo o qual, às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba n.° 28 da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no CIMI.

E tal interpretação deverá ser sempre realizada nos termos do disposto nos artigos 11.° da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.° do Código Civil, para o qual aquele remete, o que se fará.

O artigo 2.° do CIMI define o conceito de prédio, e estabelece, especificamente, no respetivo n.°4, que para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime da propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio. Este artigo nada refere quanto a prédios em propriedade total ou quanto a partes de prédios (andares ou divisões suscetíveis de utilização independente).

De uma interpretação literal do artigo 2.° do CIMI, dúvidas não restarão de que partes de prédios que não estejam em propriedade horizontal não integram, para efeitos de IMI, o conceito de prédio.

Já quanto à determinação do valor patrimonial tributário de cada prédio, rege o artigo 7.° do CIMI. De acordo com o n.°1 do mesmo, o valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos deste Código. Assim, e segundo o n.°2 alínea b) daquele artigo 7.°, o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos nos termos do artigo 6.° n.°1 do CIMI (a saber, habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros) determina-se como se descreve: “caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.

Consequentemente, também na determinação do valor patrimonial tributário de prédios, não parece existir qualquer referência que especificamente determine que as partes economicamente independentes são consideradas como constituindo, de per si, prédios. Pelo contrário, a interpretação literal da norma permite concluir em sentido oposto: o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes.

Reitera-se então: o CIMI não equipara, para determinação do valor patrimonial tributário, partes de prédios suscetíveis de utilização independente a prédios. Pelo contrário, claramente separa os conceitos de“prédio”e de“parte de prédio”.Ora, voltando ao artigo2.° do CIMI, as “partes de prédio” não são havidas como prédios (precisamente ao inverso do que especificamente se refere relativamente a frações autónomas, essas sim equiparadas a prédios). No caso concreto, o prédio urbano é composto por partes (independentes) habitacionais e por partes (independentes) comerciais. Logo, o valor do prédio é, de acordo com as regras indicadas, a soma dos valores das suas partes.

Não existe, então, igualdade de tratamento no ClMl entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos. Quanto aos primeiros, as respetivas frações autónomas são, inequivocamente, prédios para efeitos de IMI, quanto aos segundos, as suas partes independentes não cabem naquele conceito. As partes compõem, no seu todo, o prédio.

Consequentemente, se as partes de prédios, para efeitos de IMI, não são prédios, então não o serão também para efeitos de IS. Logo, o facto tributário é a propriedade do prédio, no seu todo, conforme decorre do conceito constante do artigo 2.° do CIMI.

Não colhem, igualmente, no entendimento do Tribunal Arbitral, os argumentos em torno dos artigos 12.° n.°3 e 119.° do CIMI, respeitantes, respetivamente, ao conceito de matriz predial e à liquidação do imposto.

Na verdade, não é pela mera autonomização matricial determinada pelo artigo 12.° n.°3 que os andares ou divisões suscetíveis de utilização independente adquirem a qualidade de prédio que não lhe é conferida pelo artigo 2.° do mesmo CIMI.

As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios (artigo 12.° n.°1 CIMI). Dessa descrição fazem parte integrante, no caso de prédios em propriedade total, os andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, que a lei determina (n.°3 do mesmo artigo) sejam separadamente considerados na mesma inscrição matricial.

Já quanto aos prédios em regime de propriedade horizontal, a lei vai mais longe: o artigo 92.° do CIMI estabelece que a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde também uma só inscrição, mas cada uma das frações autónomas que o compõe é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra que lhe competir.

E mesmo que se considerasse que, quanto à questão da inscrição matricial, o tratamento entre prédios em regime de propriedade total e prédios em regime de propriedade horizontal é substancialmente semelhante, tal não ultrapassaria, considera-se, o facto de partes de prédios não constarem especificamente do artigo 2.° do CIMI, ao contrário do que acontece com as frações autónomas.

Adicionalmente, por cada “prédio” inscrito na matriz é entregue uma caderneta predial ao respetivo proprietário (artigo 93.° n.°1 do CIMI). Ora, não existe, para cada andar ou divisão suscetível de utilização independente de prédio em propriedade total, uma caderneta predial autónoma, pela razão clara de não se subsumir no conceito de prédio definido em sede deste imposto.

Quanto à liquidação do IMI (artigo 119.°), o documento de cobrança contém, necessariamente, a discriminação dos prédios e suas partes suscetíveis de utilização independente. Tal porque, ao abrigo do disposto no artigo 7.° n.° 2 alínea b) do CIMI, cada parte suscetível de utilização independente tem o valor patrimonial tributário calculado separadamente, como se indicou anteriormente.

Consequentemente, não procede o pedido da Requerente de declaração de nulidade das liquidações em crise com base em falta de pressuposto legal do facto tributário: como se demonstrou, o facto tributário existe (a propriedade de prédio urbano com valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00).

 

-        Pelo que se entende que a liquidações impugnadas não enfermam de ilegalidade.

 

 

Tramitação subsequente

 

Por despacho de 25 de Dezembro de 2016, após obtida a anuência das Partes, o Tribunal determinou a prescindência da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAMT e de alegações. 

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 19-10-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAMT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do artigo 3º do RJAMT.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

São suscitadas uma questão principal e uma questão subsidiária.

A questão principal suscitada é a da incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afectação habitacional e susceptíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

A questão subsidiária, a ser analisada apenas se o Tribunal considerar improcedente a posição da Requerente quanto à questão principal, é a da constitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, quando interpretada no sentido de abranger os prédios em propriedade total constituídos por divisões susceptíveis de utilização independente, nomeadamente em vista dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da proporcionalidade.

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          A Requerente figurava à data dos factos tributários no registo predial tributário como proprietária do prédio sito na Rua do…, nos …, … , …, …, … e …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U … da freguesia … …– Lisboa;

-          O referido prédio encontra-se descrito como prédio em propriedade total com 71 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente;

-          Das 71 divisões susceptíveis de utilização independente, 60 têm afectação habitacional. As restantes têm afectação comercial (comércio ou serviços);

-          Nenhuma parte com utilização independente com afectação habitacional tem valor patrimonial igual ou superior a 1.000.000,00 de euros;

-          A Requerida liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente com utilização habitacional, à taxa de 1%, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao ano de 2015;

-          A Requerida não liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente com afectação “industrial” ou “serviços”;

-          O valor somado do imposto liquidado é de € 36.289,73;

 

V - FUNDAMENTAÇÃO        

 

1)      Questão da aplicabilidade da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afectação habitacional susceptíveis de utilização independente

A questão principal que há que apreciar e decidir é a de saber se o imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afectação habitacional susceptíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

A delimitação da questão a decidir neste caso requer uma justificação adicional, já que a delimitação da questão a decidir toca o cerne de toda a problemática que envolve a questão da legalidade ou ilegalidade das liquidações impugndas.

Não está em causa, segundo nosso entendimento, a incidência do imposto sobre um prédio na sua totalidade, mas sim sobre as partes desse prédio que têm afectação habitacional, separadamente consideradas.

A emissão de actos de liquidação autónomos para as várias partes do prédio com afectação habitacional seria já disso mesmo indicativa se não mesmo concludente.

Mas a este aspecto – que se poderia considerar meramente procedimental e formal – acresce outro de valor substancial.

Embora a Administração Tributária alegue que interpreta a norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS no sentido de que o imposto incide sobre o “prédio em propriedade total” e que considera, para efeitos de incidência, o prédio no seu todo, tal não é verdade, pois a Administração Tributária exclui da incidência as partes do prédio que não estão afectas a habitação.

Se estivesse em causa a incidência – e a consequente tributação – de prédio na sua totalidade, a Administração Tributária não poderia excluir da incidência as fracções que não têm afectação habitacional, tributando apenas uma parte do prédio.

Só pode concluir-se, pois, que as liquidações incidem, efectivamente, sobre as partes do prédio e não sobre o prédio no seu todo.

Sobre esta mesma questão o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes, encontrando-se firmada a doutrina de que, tratando-se de um prédio constituído em propriedade total, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

 A fundamentação desta doutrina pode encontrar-se num dos primeiros acórdãos que o Supremo Tribunal proferiu sobre esta matéria, a 09-09-2015, no processo n.º 47/15. Neste aresto, que tomamos como base da nossa decisão nos presentes autos, profere o STA:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.”

E prossegue o Tribunal:

 “(…)A presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI,  - «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.”

 

Consideramos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo assenta em fundamentos correctos, pelo que entendemos dever aplicá-la ao caso sub judice, sem qualquer modificação.

No âmbito do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o legislador estabeleceu claramente, no artigo 12.º, n.º 2 do CIMI, que as partes de prédio com utilização independente são avaliadas separadamente, sendo esse valor tomado como base da liquidação de imposto.

No âmbito do Imposto do Selo, o artigo 13.º, n.º 1 do respectivo código dispõe que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI”.

Portanto, parece claro que o legislador pretendeu que fosse considerado o valor patrimonial tributário das partes com utilização independente.

A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira parece conformar a sua actuação com este entendimento, ao emitir actos de liquidação de Imposto do Selo individualizados em relação a cada parte.

A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, ao contrário do que alega, não considera, para efeitos de incidência, o prédio no seu todo, mas apenas as partes independentes com afectação habitacional. Portanto, considera as partes, e não o todo, como objecto do imposto.

Se não considerasse as partes independentes como objecto autónomo de imposto, então estaria a tomar como objecto de tributação partes de prédio e não prédios no seu todo, o que não teria qualquer cabimento legal e, consequentemente, consistiria numa violação do princípio da legalidade tributária.

Acresce que, de acordo com o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Ora, o elemento subjectivo da interpretação, a retirar dos elementos históricos que são sobejamente conhecidos nesta matéria, e que são parcialmente reproduzidos no acórdão do STA citado, indica claramente a intenção do legislador de submeter a tributação unidades habitacionais (“casas”) de elevado valor.

Em consonância com todos os elementos interpretativos mencionados, deve considerar-se que, estando-se perante um prédio em propriedade total formado por partes susceptíveis de utilização independente, só há lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 de euros.

Quanto à decisão arbitral que a Requerida invoca a favor da sua tese, cremos que o cerne dessa decisão é a conclusão de que o CIMI não equipara, para determinação do valor patrimonial tributário, partes de prédios suscetíveis de utilização independente a prédios.

Contudo, a decisão citada não resolve a dificuldade que remanesce quando a Autoridade Tributária, como no caso aqui em discussão, aplica o imposto não sobre a totalidade do prédio mas sobre o conjunto das divisões que têm afectação habitacional e que são apenas uma parte do prédio.

Posta a questão noutros termos, não é solucionada a seguinte questão: sendo o prédio em propriedade total a única realidade a que se pode chamar prédio, mas sendo esse prédio formado por divisões susceptíveis de utilização independente, como determinar a afectação do prédio?

Ora, se o conceito de prédio é um elemento central da norma de incidência em apreço, também a afectação habitacional o é. E o que se verifica é que a afectação habitacional só é possível de ser determinada por referência a cada divisão independente, e não ao prédio no seu todo, pelo que nunca a norma poderia aplicar-se a prédios compostos por divisões susceptíveis de utilização independente, por não ser possível aferir em relação ao prédio no seu todo um dos pressupostos da incidência, a afectação habitacional.

Por todo o exposto, cumpre concluir que as liquidações de imposto de selo impugnadas são ilegais, por violação da lei de imposto, ao incidirem sobre partes independentes de prédios em propriedade total mas tomando por base o valor patrimonial tributário da soma das mesmas partes e quando nenhuma dessas partes tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 de euros.

 

2)      Questão da constitucionalidade da norma de incidência contida n verba 28.1 da TGIS quando interpretada no sentido de abranger os prédios em propriedade total compostos por divisões susceptíveis de utilização independente, nomeadamente em vista dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da proporcionalidade

Tendo-se concluído pela inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade total compostos por divisões susceptíveis de utilização independente, torna-se desnecessário responder à questão formulada subsidiariamente, sobre a constitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS quando interpretada no sentido de abranger os prédios em propriedade total compostos por divisões susceptíveis de utilização independente, nomeadamente em vista dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da proporcionalidade.

 

V – DECISÃO

Temos em que o Tribunal decide:

-          Declarar a ilegalidade e anular todas as liquidações de Imposto do Selo impugnadas, referentes ao ano 2015, incidentes sobre as divisões com afectação habitacional do prédio urbano sito na Rua…, no.s ,…. , …, …, … e … inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U … da freguesia … …– Lisboa, com os números: 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 … 2016 …;

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em € 36.289,73 euros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, fixa-se o montante das custas em 1 836.00 € nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 15 de Fevereiro de 2017

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)