Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 360/2016-T
Data da decisão: 2017-02-16  IRC  
Valor do pedido: € 110.608,36
Tema: IRC – Sifide; Tributações autónomas
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A… SA., com o NIF … e sede no …, …, abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de …, veio, em 3 de Julho de 2016, invocando os artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à apreciação do indeferimento tácito do recurso hierárquico que abaixo se identificará, «(…) e, consequentemente, o indeferimento expresso da reclamação graciosa e (e em termos finais ou últimos), os actos de autoliquidação de IRC (…) relativos aos exercícios de 2012 e 2013, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC do benefício fiscal apurado no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma».

Designou como árbitro o Dr. João Taborda da Gama.

 

O tribunal arbitral ficou constituído em 12 de Outubro de 2016, depois de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter indicado como árbitro o Dr. João Menezes Leitão, e o Conselho Deontológico do CAAD, na ausência de acordo (artigo 6º nº 2 alínea b) do Regulamento Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT -), ter designado como árbitro presidente o Conselheiro José Baeta de Queiroz.

 

A Administração Tributária (AT) respondeu, no prazo legal, defendendo-se por impugnação e juntando cópia do processo administrativo.

Dispensada que foi a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, por se entender, no caso, inútil, o tribunal anunciou que proferiria decisão até 20 de Janeiro de 2017 (que mais tarde adiou para 16 de Fevereiro de 2017), e convidou as partes a produzir alegações por escrito, o que elas fizeram, mantendo, no essencial, as posições antes manifestadas.

 

II – SANEAMENTO

 

O tribunal é competente, as partes são legítimas, dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e acham-se devidamente representadas. Não há nulidades, exceções ou questões prévias que impeçam o conhecimento do pedido.

 

III – MATÉRIA DE FACTO

1) FACTOS PROVADOS

Está provado que:

 

A)     Em 24 de Fevereiro de 2014 a Requerente apresentou a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, e em 16 de Janeiro de 2015 declaração de substituição, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2012, no montante de € 40.043,34, que pagou em 26 de Fevereiro de 2014.

B)     Em 23 de Fevereiro de 2015 a Requerente apresentou a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2013, no montante de € 70.565,02, que pagou em 1 de Junho de 2015.

C)     Em 19 de Maio de 2015 a requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios referidos.

D)     Depois de informada do projecto de decisão, a Requerente foi notificada, em 14 de Janeiro de 2016, do indeferimento da reclamação graciosa.

E)      Apresentou, em 12 de Fevereiro de 2016 recurso hierárquico, que não foi objecto de decisão expressa dentro do prazo de sessenta dias previsto no artigo 66.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

F)      Ao tempo, o sistema informático da AT não permitia que a Requerente deduzisse, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, o SIFIDE.

G)     O montante de SIFIDE disponível para utilização no final dos exercícios de 2012 e 2013 ascendia a € 741.872,56, o qual se mantinha no final do exercício fiscal de 2014.

H)     A Requerente não era devedora ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições.

I)        Os exercícios fiscais da Requerente iniciam-se a 1 de Outubro de cada ano e terminam em 30 de Setembro do ano seguinte.

 

2) FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal assentou no exame dos documentos juntos ao processo, aqui dados por reproduzidos, e nas afirmações de parte não contrariadas pela contraparte.

 

3) FACTOS NÃO PROVADOS

De entre os alegados, relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.

 

IV – QUESTÕES DECIDENDAS

 4.1. Tributações autónomas e coleta de IRC

 

A principal questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral é a de aferir se a Requerente tem o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, do crédito fiscal do SIFIDE, sendo, em caso afirmativo, ilegais as (auto) liquidações de IRC dos exercícios de 2012 e 2013.

Submetida ao Tribunal está ainda, a título subsidiário, caso dê resposta negativa à primeira questão, a questão da eventual ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua liquidação.

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas em consequência das (auto)liquidações em crise. 

Cumpre, pois, decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral das liquidações de IRC sub judice e do eventual direito da Requerente a juros indemnizatórios.

Seguiremos na decisão, muito de perto, o que foi decidido no processo n.º 749/2015-T, de 15 de Julho de 2016 a que presidiu o mesmo árbitro que também aqui age nessa qualidade.

 

Vejamos:

 

O regime das tributações autónomas em vigor nos exercícios de 2012 e 2013 é o resultado de numerosas alterações legislativas. 

A sujeição de determinadas despesas a tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de junho, num contexto de penalização da tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas. 

Posteriormente, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.

Desde então, o regime das tributações autónomas tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva, em parte ditado pela aparente intenção contínua de aumentar a receita fiscal por via deste mecanismo.

Tendo em conta o artigo 88.º do Código do IRC, a tributação autónoma incide, grosso modo, sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

A Lei do Orçamento do Estado para 2014 introduziu algumas alterações na previsão das tributações autónomas[1], que, no entanto, não só não foram especialmente relevantes como não oferecem contributo para a presente discussão. 

O artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável. Na verdade, a redação da referida norma introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, prevê que “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indirectamente incidam sobre os lucros” não são fiscalmente dedutíveis. O posicionamento das duas vírgulas na letra da lei, uma antes e a outra depois da expressão “incluindo as tributações autónomas”, constante da atual redação do citado artigo 23.°- A, n.º 1, alínea a), do CIRC, afasta a possibilidade de defender que as tributações autónomas não sejam (parte do) IRC. 

Ou seja, na atual redação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, o legislador não só esclarece que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário, como também que as mesmas devem ter o mesmo tratamento para efeitos do cômputo do lucro tributável.

Aliás, este entendimento corrobora o que, à data dos factos, resultava do teor literal do artigo 12.º do Código do IRC, segundo o qual “as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”, do qual se conclui também que as tributações autónomas são IRC (são uma parte de IRC).

Ou seja, e em suma, o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário.

Deve-se, para além de tudo o mais, ter em conta, que a norma do artigo 45.º do CIRC situa-se num contexto de ampla discricionariedade legislativa. Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais.

Entende-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda.

A questão, devidamente situada, será então a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo. 

E sob este prisma, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º, n.º 1, alínea a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

De resto, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento (positivo) no final do período de tributação, é coisa rara no regime do IRC. Na verdade, em alguns casos de retenção na fonte a título definitivo pode ocorrer o caso de o titular dos rendimentos sujeitos àquela retenção ter tido despesas que excedam os rendimentos. Também no caso da operacionalidade de algumas das cláusulas antiabuso específicas (artigos 63.º a 67.º do CIRC), por força da consideração de custos, pode ocorrer que os sujeitos passivos sejam tributados por um lucro tributável ficto, na medida em que possa estar em causa a desconsideração de custos, efetivamente suportados, mas desconsiderados por abusivos. Poder-se-á dar o caso, assim, de um sujeito passivo ter de pagar IRC, não obstante ter tido, na realidade, prejuízos. Exemplos que podem levantar a questão da sua compatibilização com o princípio da tributação de acordo com o lucro real que não pode deixar de ser feita casuisticamente.

 

Reconhecem-se aqui, evidentemente, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam: 

a)                  a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam, na maioria das situações, como componentes negativas do lucro tributável do IRC e é isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b)                 se trata de tratar desfavoravelmente esses gastos que, pela sua natureza, são facilmente desviados do consumo privado para o empresarial;

c)                  pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos, mas que continuam a evidenciar estruturas de consumo difíceis de compaginar com a saúde financeira das suas empresas;

d)                 modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio, tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

e)                  materializar o reconhecimento de que não é fácil determinar a medida exata da componente de alguns desses gastos que corresponde a consumo privado.

 

As tributações autónomas têm como fundamento a presunção da existência de rendimento que poderá não estar a ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS. Como se explica na decisão do Tribunal Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 209/2013-T, que decidiu negativamente quanto à questão da dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal em sede de IRC, “trata-se de (…) uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento”.  

A parte da coleta de IRC que provém das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos do imposto definidos no artigo 88.º do CIRC inserido no ‘Capítulo IV – Taxas’. Este artigo delimita a matéria coletável das tributações autónomas, por um lado, e, por outro lado, enuncia as taxas das tributações autónomas, que são várias, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem; por dependerem do tipo de sujeito passivo (v.g., entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola), e ainda são dependentes do próprio desempenho económico do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apurar lucro ou prejuízo fiscal. A coleta que provém de tributações autónomas é função do resultado tributável, calculando-se a partir de duas expressões que são o produto da matéria coletável por uma taxa dependente do resultado tributável: uma taxa mais elevada quando se apurar um prejuízo fiscal e outra, inferior, quando o resultado tributável for positivo. 

Assim, a coleta proveniente de tributações autónomas não poderá ser determinada de modo instantâneo e imediatamente a seguir a ter-se incorrido na despesa, pois depende do próprio resultado que é - ao contrário do que a AT pretende e com apoio na decisão proferida no Processo Arbitral n.º 113/2015-T - de formação sucessiva. 

Também alguns gastos que não coincidem com as despesas que extinguem e que são sujeitas a tributação autónoma, nomeadamente as depreciações, são de formação contínua.

 

Posto isto, a questão essencial que interessa resolver é se a liquidação das tributações autónomas é “apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, pois, se o for, terá de se concluir que as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC também poderão ser efetuadas à coleta proveniente das tributações autónomas.

 

A norma em crise é a do artigo 90.º do CIRC, sendo a alínea a) a que se aplica à liquidação feita pelo sujeito passivo (autoliquidação). Era esta a redação do artigo resultante Lei n.º 3-B/2010 e vigente até 31.12.2013: 

 “1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos 

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste; 

(...) 

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:  

a)  A correspondente à dupla tributação internacional; 

b)  A relativa a benefícios fiscais; 

c)   A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º; 

d)                A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.  

3                    — (Revogado pela Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida). 

4                    — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5                    — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo. 

6                    — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1. 

7                    — Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo. 

8                    — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4. 

9                    — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada. 

10                — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.”

 

Assim, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, e visa apurar o imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional. 

 

O Código do IRC refere-se, na sua versão atual, de modo expresso, às tributações autónomas apenas em cinco artigos, nomeadamente no art.º 12.º (ao excluir as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal), no art.º 23.º-A, n.º 1 (ao explicitar que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável), no art.º 88.º (ao estabelecer as taxas e ao delimitar a matéria coletável das tributações autónomas), no art.º 117.º n.º 6 (a propósito da obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do art.º 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas) e no art.º 120.º n.º 9 (quanto à declaração periódica de rendimentos). Não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas. 

Aliás, difere a redação atual daquela que esteve em vigor até 31.12.2013 apenas na novidade do artigo 23.º-A, o qual vem estabelecer que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos associados à tributação autónoma, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação determinados encargos, sendo que a redação da alínea a) é esclarecedora: “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”. Ou seja, não só o legislador expressa que o IRC inclui as tributações autónomas, como não existem no CIRC, designadamente, nos capítulos que tratam da incidência (Capítulo I), liquidação (Capítulo V) e pagamento (Capítulo VI) quaisquer outras referências expressas às tributações autónomas, do que é forçoso concluir que estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no CIRC.

Não existia no CIRC outro artigo, para além do art.º 90.º, em que se distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos - tributações autónomas e restante IRC - é única e tem o mesmo suporte legal.

As tributações autónomas não resultavam de um processo distinto de liquidação do imposto.

Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.  Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do art.º 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.

Ao contrário, não se encontrava em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração. 

 

Neste sentido, vai o Acórdão n.º 775/2015-T ao referir que “Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do art.º 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2 e do SIFIDE prevista na alínea b) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu art.º 8º, n.º 2, alínea a), estabelece. Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do art.º 90.º do CIRC, deveria indicar com base em que norma de liquidação o fez. Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no art.º 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea

c) do n.º 2 e o SIFIDE referido na alínea b) do n.º 2.

Note-se, aliás, que nos números seguintes daquele artigo 90.º do Código do IRC o legislador se preocupou em enunciar várias exceções e limites à regras da dedutibilidade do n.º 2. No n.º 4, quando prevê que “apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC”, o que é revelador: compreende-se que assim seja, porque é na coleta de IRC que se pretende deduzi-las, ou, no n.º 7, quando prescreve que das deduções à coleta a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar, de uma forma geral e sem distinguir a coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, valor negativo.

Em nenhuma delas e em nenhuma outra norma se referia a qualquer limitação à dedutibilidade do SIFIDE à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, sendo, portanto, forçoso concluir que não quis fazê-lo.  

Note-se, aliás, que, embora alterado o artigo 90.º com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, o que aqui se disse não só perdura como, de um ponto de vista interpretativo, sai até reforçado, porquanto o legislador aditou algumas limitações e exceções às deduções à coleta previstas no número 2 e voltou a não se referir à parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma.

Por isso, o artigo 90.º do Código do IRC aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A autonomia das tributações autónomas restringe-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC.

As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e a coleta resultante do lucro tributável, assenta na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capitulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante coleta de IRC.

 

Por isso, encontrando-se o artigo 90.º inserido neste Capítulo V, não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.

E, como se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efetuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efetuada mais que uma autoliquidação.  

Por isso, a expressão “quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste”, que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, abrange no seu teor literal, a liquidação das tributações autónomas, cuja matéria coletável tem de ser indicada nas referidas declarações, como resulta, inclusivamente, da própria declaração Modelo 22.

A coleta obtém-se aplicando a taxa à respetiva matéria coletável, pelo que, no caso do IRC, havendo várias taxas aplicáveis a diversas matérias coletáveis, a coleta de IRC global será constituída pela soma de todos os resultados dessas aplicações.

Acresce que, independentemente dos cálculos a efetuar, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a AT devem efetuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias coletáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas, uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso.

A finalidade das tributações autónomas é dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas acabam por reduzir o rendimento tributável.

Como pode ler-se no Acórdão 617/12 do Tribunal Constitucional, mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procuram desencorajar, cria uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. “Em resumo”, diz o Tribunal Constitucional, “o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.".

Sendo que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC. É que, mesmo que se aceitasse que o facto tributário impositivo é cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objeto final da tributação, a realidade que se pretende agravar com o imposto. 

 

Se assim fosse, teriam de ser taxadas todas as despesas previstas, realizadas por todos os sujeitos e não apenas por alguns deles.

Ou seja, as tributações autónomas são indissociáveis dos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, da atividade económica por eles levada a cabo, o que é ainda mais evidente quando se pensa na ligação que, embora tenha variado nas sucessivas alterações legislativas, as tributações autónomas tinham e ainda têm alguma ligação com a dedutibilidade – e a efetiva dedução – das despesas tributadas. São, no fundo, regras especiais de dedutibilidade de certos custos.

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.

As tributações autónomas ora em causa são, como tal, indubitavelmente entendidas pelo legislador como uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir ou que seriam mais onerosas ou trabalhosas para a administração tributária ou, até, eventualmente, para o contribuinte. 

Este caráter antiabuso das tributações autónomas será não só coerente com a sua natureza  “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva.

Neste prisma, como bem refere a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 187/2013-T, as tributações autónomas em análise, terão então subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular). 

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da relação das despesas em questão com a atividade empresarial, optou por consagrar o regime atualmente vigente.

Esta presunção de empresarialidade parcial, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura conforme a uma adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas cuja relação com a atividade prosseguida poderá não ser, à partida, evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto. Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Face a tudo o que se vem de expor, consideramos que as tributações autónomas em crise integram o regime do IRC e que a respetiva liquidação é efetuada nos termos do artigo 90.º do Código do IRC. 

 

4.2. Quanto à dedutibilidade do crédito fiscal do SIFIDE à quantia devida a título de tributação autónoma

 

A questão que se coloca neste âmbito é a de saber se os créditos fiscais reconhecidos à requerente no ano de 2012 e 2013, em sede de SIFIDE, também podem ser deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante coleta. 

Para responder a esta questão é importante referir o artigo 36.º do Código Fiscal do Investimento, na redação à data dos factos, que referia que:

“1. Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2013 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem (…).

2                    - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior. 

3                    - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior. (…)”

 

O artigo 37º acrescentava: 

“Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: 

a)  O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos; 

b)  Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.”

 Na verdade, aquele diploma não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer coleta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 36.º “ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência”.

 O n.º 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que “a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior”.

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que a referência que no artigo 36.º, n.º 1 e 3 se faz à “dedução (…) nos termos do artigo 90.º do Código do IRC (…)” como forma de materializar o benefício fiscal, abrange, literalmente também a coleta de IRC resultante das tributações autónomas, que integra a coleta única de IRC.

 

O facto de o artigo 37.º do Código Fiscal do Investimento afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indiretos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indiretamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos suscetíveis de os reduzirem), não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indiretos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria coletável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indiretos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à coleta das tributações autónomas, que é determinada por métodos diretos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização. Quando o legislador quer afastar a dedutibilidade tem de o dizer expressamente.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ser limitada à coleta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

Assim, apontando o teor literal do artigo 36.º do SIFIDE no sentido de a dedução se aplicar também à coleta de IRC derivada de tributações autónomas apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação daquele benefício fiscal à coleta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas. 

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excecionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

 

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adotou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)»[2].

 

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes suscetíveis de afetarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções. Por isso, há que apreciar se há razões que justifiquem uma conclusão sobre a incompatibilidade do sentido do texto do artigo 36.º, com a ratio legis daquele benefício fiscal.  Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de proteção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).  E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspetiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011: “II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE). Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à coleta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento). Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um facto decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes. É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à coleta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atrativos e competitivos.”

 Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um facto decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspetiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE, é também decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC, na redação à data dos factos.  Por isso, é, também por esta via, seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da coleta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detetar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à coleta das tributações autónomas que resulta diretamente da letra do artigo 36.º, n.º 1, do respetivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

Como se disse, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à coleta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efetuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFDE, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento em investigação e desenvolvimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE é a da opção pela criação do inventivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspetiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.       

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um facto decisivo na competitividade futura do país.

Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa é sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento. 

Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adotadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

 

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE, que estabelece um regime de natureza excecional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa. 

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa coleta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores. 

Assim, terá de aceitar-se a dedução do SIFIDE à coleta de IRC, nela se incluindo necessariamente a parcela proveniente das tributações autónomas. 

Verifica-se, porém, que o sistema informático não permite a dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria coletável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente. 

Aqui chegados, há que analisar a questão do n.º 21 do artigo 88º do CIRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de março). Na verdade, foram aditados por esta Lei vários números ao artigo 88.º do CIRC, que se refere às tributações autónomas, entre eles o número 21, segundo o qual “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”  E, no artigo 135.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, dispõe o legislador que “a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos números 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”

A Administração Tributária entende que a nova redação do artigo 88.º impede a dedução, nos termos do artigo 90.º, do SIFIDE à coleta que resulte das tributações autónomas. Atendendo a que estão em causa liquidações de IRC dos exercícios de 2012 e 2013, importa assim analisar qual o efeito que aquele número e o carácter interpretativo que é atribuído pelo legislador à sua introdução em 2016 têm sobre os factos em apreço.

Vigora na codificação substantiva nacional o princípio de não retroatividade, que é constitucionalmente consagrado quanto à lei fiscal. Acontece que uma lei interpretativa não é, dita o artigo 13º, n.º 1, do Código Civil, retroativa.  

Nos termos ali prescritos, para que uma lei nova – como é, no caso em apreço, o número 21 do artigo 88.º do CIRC - possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta: e é um facto que a decisão que se impõe a este Tribunal tem carácter controvertido.

Necessário é, porém, também que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Pelo que se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora. 

Não basta, porém, que o legislador expressamente confira à lei nova carácter interpretativo para que ela se aplique à questão controvertida que surgira antes da entrada em vigor da lei nova, putativamente interpretativa, para que o julgador esteja obrigado a aplicá-la ao caso concreto. É necessário que o julgador se sentisse habilitado, em face do texto antigo, a adotar a solução que a lei agora preconiza.  Norma interpretativa, portanto, é norma que não altera qualquer conteúdo ou elemento da norma interpretada, vem tão só traduzir o seu significado. 

Uma norma que altera o sentido, conteúdo ou o alcance da norma interpretada não estará a interpretar, antes a modificar a regra, criando nova norma, instituindo novos direitos, deveres e obrigações. 

Sendo certo que até a norma interpretativa deve respeitar os direitos adquiridos sob a vigência da norma interpretada, particularmente em questões relativamente às quais a proibição de retroatividade está especialmente consagrada na Constituição, como é o caso na lei fiscal, cuja retroatividade está proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da CRP. 

Neste contexto, a emissão pelo legislador de lei interpretativa, com efeitos retroativos, só é concebível quando, sem qualquer dúvida, se limite a simplesmente reproduzir (= produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance. Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil conceção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente[3].

No caso sub judice, por tudo o que se deixou já explicitado supra, entende-se que o texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas. 

Isto porque, como dissemos supra, o legislador em lado algum apontava para essa solução e, no artigo 90.º do CIRC, não distinguia, no que respeita às deduções possíveis à coleta de IRC, aquela que resultava das tributações autónomas da restante. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. 

Entendemos, pois, que o número 21 do artigo 88.º do CIRC não tem caráter interpretativo no que respeita à questão em discussão, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, aos factos e liquidações sub judice.

 

Termos em que se conclui que os atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2012 e 2013, na medida correspondente à não dedução de parte da coleta do IRC, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão da reclamação graciosa, na medida em que não reconheceu essa ilegalidade.

 

Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à eventual ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua liquidação.

 

4.3. Dos juros indemnizatórios 

 

Finalmente, tratemos o pedido formulado pela Requerente de reembolso das quantias que aqui se julgaram já indevidamente (auto)liquidadas e pagas em consequências das (auto)liquidações em crise. 

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido do IRC de 2012, desde 26 de fevereiro de 2014, quanto a 40.043,34 €, e desde 1 de junho de 2015, quanto a 70.565,02 €, datas em que procedeu ao pagamento daquelas importâncias.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão». 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Ora, é pacífico que o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do art.º. 61.º, n.º 4 do CPPT. 

Assim, o n.º 5 do art.º. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado». 

Quanto aos juros, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”   

Ora, no caso em apreço, a ilegalidade das autoliquidações é totalmente imputável à AT, Requerida, face ao que foi supra dado como provado relativamente à estrutura da declaração Modelo 22 do IRC no sistema informático da AT, organização que é, naturalmente, da total responsabilidade desta, que não permitia à Requerente efetuar a autoliquidação nos termos que aqui se julgaram serem os legais.  

Por outro lado, também a manutenção da situação ilegal, i. e., a decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

 

Das autoliquidações em crise, caso fosse considerada a dedução do SIFIDE à coleta do IRC associada às tributações autónomas a Requerente não teria de ter procedido ao pagamento de imposto nos montantes referidos. Consequentemente, a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios peticionados, nos termos do art.º 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde as datas referidas até integral pagamento.

 

 

 

V. DECISÃO

 

Perante o exposto, decide-se julgar procedente o pedido arbitral, e, consequentemente, declarar ilegais decisões (expressa) da reclamação graciosa e (tácita) do recurso hierárquico, anulando os atinentes actos de liquidação, na medida em que não admitiram a dedução do SIFIDE ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, reembolsando-se as quantias peticionadas acrescidas de juros indemnizatórios até ao integral pagamento.

 

VI - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se em € 110.608,36 o valor do processo.

 

VII – VALOR DAS CUSTAS

Não há que fixar o montante das custas nem a sua responsabilidade, por força do disposto nos artigos 22º nº 4 e 12º nº 3 do RJAT e 5º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2017.

 

Os árbitros

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 (João Taborda da Gama)

 

 

 (João Menezes Leitão)

(vencido, conforme voto que se segue e integra a presente decisão)

 

 

Declaração de voto

 

1. Dissinto da posição que fez vencimento nos presentes autos, pela qual se admitiu a dedutibilidade do benefício fiscal resultante do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (“SIFIDE II”[4]) à coleta de IRC especificamente adveniente das taxas de tributação autónoma e, consequentemente, se julgou ilegal o indeferimento tácito do recurso hierárquico, o indeferimento da precedente reclamação graciosa e dos antecedentes atos de autoliquidação de IRC da Requerente relativos aos exercícios de 2012 e 2013, na medida respeitante à não dedução à coleta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos montantes do benefício fiscal do SIFIDE II apurados pela Requerente.

 

2. Entendo, com o devido respeito, que esta posição não corresponde à correcta aplicação do Direito ao caso, já que, na minha perspectiva, baseia-se em directrizes hermenêuticas desajustadas, desconsidera a teleologia e os valores subjacentes às tributações autónomas, e defronta diretamente, com desconsideração da soberania democrática, a solução em sentido contrário que foi expressamente manifestada pelo legislador.

 

3. Centrar-me-ei, para efeitos da apresentação das razões que me apartam da orientação que fez vencimento e que conduziram ao presente voto de vencido (art. 22.º, n.º 5 do RJAT), nos fundamentos essenciais que julgo constituirem a ratio decidendi da solução aplicada.

 

a) Tributações autónomas e dedução do SIFIDE: legitimidade da interpretação restritiva

 

4. Impõe-se reconhecer à partida que a questão da (não) dedução do SIFIDE II ao montante devido a título de tributações autónomas envolve necessariamente, dada a literalidade dos enunciados normativos ratione temporis aplicáveis objecto das disposições constantes do art. 36.º do Código Fiscal do Investimento (CFI) e do antecedente art. 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, bem como do art. 90.º, n.º 2, al. b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), a realização de uma interpretação restritiva, considerando inaplicável tal benefício fiscal à colecta de IRC resultante das tributações autónomas.

 

5. Pois bem, sobre à viabilidade desta interpretação restritiva, não consigo, desde logo, amparar o “obstáculo de ordem geral” invocado na decisão que fez vencimento, pelo qual as normas que criam benefícios fiscais, como normas excepcionais (art. 2.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais – EBF), devem ser interpretadas nos seus precisos termos, pelo que, em regra, “o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê”.

 

6. Não encontro fundamento bastante para esta rejeição “de ordem geral” da interpretação restritiva em sede de aplicação dos benefícios fiscais, porquanto o art. 10.º do EBF (que transpõe para o campo dos benefícios fiscais o disposto no art. 11.º do Código Civil sobre normas excepcionais), ao eliminar a eventual dúvida sobre a interpretação extensiva dessas normas fiscais desagravadoras, dada a sua bem sabida proximidade prática com a analogia, o que faz é, precisamente, legitimar todas as modalidades interpretativas e, portanto, a possibilidade da interpretação declarativa, extensiva ou restritiva. Deste modo, e em atenção ao disposto, em termos gerais, no n.º 1 do art. 11.º da Lei Geral Tributária, entendo não ser de acolher qualquer doutrina da interpretação literal em sede de benefícios fiscais, pois na “determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” – as regras comuns da interpretação valem inteiramente quanto às normas de benefícios fiscais.

 

7. Também não subscrevo a máxima, invocada em relação ao art. 90.º do CIRC, de que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Como observa OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed, Coimbra, 2005, p. 424: “Tal afirmação não tem qualquer verdade, pois ela levaria a que nos sujeitássemos inteiramente à letra da lei. Pode aparecer uma formulação genérica e verificar-se depois que a ratio supõe uma distinção que o texto omitiu. Onde a lei não distingue, podemos e devemos distinguir se a isso nos levar o espírito da lei”.

 

8. Consequentemente, atenta a legitimidade da interpretação restritiva como modo de reconstituir o pensamento legislativo quando “o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer” (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 2000 (reimp.), p. 186), julgo que se impunha concretizar, para a resolução do caso sub judice, tal como previsto pelo n.º 1 do art. 9.º do Código Civil (a “interpretação não deve cingir-se à letra da lei”), uma restrição da letra das disposições legislativas em causa de modo a estabelecer que a dedução do SIFIDE apenas pode visar a colecta de IRC resultante do lucro tributável e não a colecta de IRC resultante das tributações autónomas objecto do art. 88.º do CIRC. 

 

9. Assinala o clássico FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis (na famosa tradução de MANUEL DE ANDRADE, 4.ª ed., Coimbra, 1987, p. 149) que a interpretação restritiva “tem lugar particularmente nos seguintes casos: 1º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto de lei; 2º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum); 3º se o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado”.

 

10. Justamente, julgo que estes casos têm inteira aplicação à questão da dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE em relação às tributações autónomas. Já que sed omnia praeclara tam difficilia, quam rara sunt, permito-me simplesmente citar o que se escreveu no acórdão arbitral proferido no processo n.º 722/2015-T: “tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas incentivos fiscais”, o que “resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (...) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados” – da “conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e anti-ético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adoção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do CIRC)”.

 

11. Na verdade, em face da natureza e fundamento próprios das tributações autónomas, a cujas características, aliás, o acórdão devidamente alude, considero que não é hermeneuticamente aceitável, “sob pena de subversão da ordem de valores” e de “descaracterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir”, a dedução de benefícios fiscais à colecta daquelas tributações.

 

12. Esta solução interpretativa de circunscrição do campo de aplicação do SIFIDE II à colecta de IRC não adveniente das taxas de tributação autónoma, que, na minha perspectiva, se impunha extrair, em atenção aos elementos sistemático e teleológico, por interpretação restritiva dos enunciados legais nas redacções existentes ao tempo, veio a ser expressamente confirmada pelo legislador por força da intervenção realizada com a Lei n.º 7-A/2016, de 30.3.

 

b) Interpretação autêntica resultante da Lei n.º 7-A/2016, de 30.3

 

13. Na verdade, a Lei n.º 7-A/2016, de 30.3 (Lei do Orçamento do Estado para 2016), com entrada em vigor em 1.4 (cfr. art. 218.º da referida Lei), alterou, pelo seu art. 133.º, o art. 88.º do CIRC, ao qual aditou um novo n.º 21 com o seguinte teor: “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”, e determinou, no seu art. 135.º, que a redação dada ao n.º 21 do art. 88.º “tem natureza interpretativa”.

 

14. Esta determinação de que a alteração legislativa realizada pelo aditamento do n.º 21 ao art. 88.º do CIRC “tem natureza interpretativa” implica a necessidade, para enfrentar o caso sub judice, de tanger a temática da lei interpretativa, que constitui, entre nós, uma matéria de direito positivo, porquanto, sabidamente, o Código Civil reporta-se explicitamente à figura no art. 13.º, determinando, no seu n.º 1, que: “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza”.

 

15. Ora, também aqui não posso acolher a posição que fez vencimento, a qual reputou a disposição do n.º 21 do art. 88.º do CIRC como inovadora e, logo, falsamente interpretativa.

 

16. Para aplicar à indicada medida legislativa o correspondente parâmetro de recognoscibilidade, cabe ter presente o esquema dogmático de caracterização da lei interpretativa. A este respeito, para além da definição da lei interpretativa como a que se dirige a esclarecer o significado e alcance de uma lei anterior, determinando um sentido a que os tribunais poderiam chegar mediante a aplicação das regras de interpretação da lei, é essencial destacar que a doutrina nacional fixou como limites ontológicos negativos da lei (materialmente) interpretativa e, logo, como critérios da sua (não) qualificação, a verificação sobre se a lex nova vem regular um ponto de Direito sobre o qual se levantavam dúvidas e divergências e sobre se introduz um significado que não era hermeneuticamente atribuível à lex vetus.

 

17. Vale a pena citar aqui, a este respeito, as esclarecedoras palavras de BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Coimbra, 1968, pp. 286 e 287 sobre estes traços característicos fundamentais da lei interpretativa:

1º) Ela intervém para decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio da vigência da LA. Significa isto, antes de tudo, que, para que a LN possa ser interpretativa de sua natureza, é preciso que haja matéria de interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial lhe havia de há muito atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a LN que venha resolver o respectivo problema jurídico em termos diferentes deve ser considerada uma lei inovadora”;

“2º) A lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior. Significa este pressuposto, antes de mais, que se a LN vem na verdade resolver um problema cuja solução constituía até ali matéria em debate, mas o resolve fora dos quadros de controvérsia anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno novo ou dando-lhe uma solução que o julgador ou o intérprete não estavam autorizados a dar-lhe, ela será indiscutivelmente uma lei inovadora”.

 

18. Justamente, na decisão que fez vencimento, faz-se notar a necessidade de a solução do direito anterior ser controvertida ou incerta, o que se reconheceu, pois “é um facto que a decisão que se impõe a este Tribunal tem carácter controvertido”, e de a solução definida pela nova lei se situar dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, o que não se reconheceu, pois “o texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução do SIFIDE à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas”, o que implica concluir que o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar.

 

19. Não posso subscrever este entendimento, porquanto a averiguação sobre se o “julgador” (não) estava habilitado, em face do texto antigo, a adotar a solução que a lex nova preconiza, não se afere imediata e simplesmente pelo decisor concreto, que se encontra a resolver um litígio particular já em face da lei interpretativa; exige atender à comunidade dos intérpretes e julgadores e ao universo das interpretações – à jurisprudência, afinal – de modo a verificar se essa solução interpretativa era possível e mesmo propugnada em face da lex vetus, devendo, pois, demonstrar-se que o entendimento sobre a inviabilidade da solução preconizada pela lei interpretativa em face do texto antigo se imporia igualmente à generalidade dos julgadores e dos órgãos jurisdicionais.

 

20. Como resulta do acima exposto, julgo que esta demonstração não se verifica na matéria em causa, pelo que, reconhecido que está o carácter controverso da questão, não penso que se possa entender que a medida legislativa objecto do n.º 21 do art. 88.º do CIRC consagra um sentido não contido nem permitido pela normatividade interpretada ou fora do quadro da controvérsia.

 

21. Pelo contrário, penso que esta intervenção do legislador, que teve por escopo fixar o sentido de um conjunto de normas jurídicas que suscitou dúvidas quanto ao seu alcance (art. 135.º da Lei n.º 7-A/2016), elegeu um dos sentidos controvertidos resultantes da aplicação da regulação anterior, tendo, portanto, resolvido uma questão jurídica, que era até então matéria de debate, dando-lhe uma solução nos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida, pelo que, em conformidade com o princípio da separação de poderes, se impunha o seu acolhimento na resolução do caso sub judice (art. 8.º, n.º 2 do Código Civil).

 

22. Entendo, pois, que a norma do n.º 21 do art. 88.º do CIRC é materialmente – e não apenas formalmente (dada a disposição auto-qualificadora constante do art. 135.º da Lei n.º 7-A/2016) – interpretativa, pelo que se integra na lei interpretada (art. 13.º do Código Civil), aplicando-se aos factos aqui em apreço, ocorridos antes da sua entrada em vigor.

 

23. Nestes termos, a determinação do n.º 21 do art. 88º do CIRC de que não são efectuadas “quaisquer deduções” ao montante global apurado, confirma a inviabilidade, que já se deveria preconizar em face dos textos legal anteriores, da dedução à colecta das taxas de tributação autónoma dos montantes do benefício fiscal reconhecidos por força do SIFIDE II relativamente aos exercícios de 2012 e 2013 da Requerente.

 

24. Não posso, pois, pelos motivos expostos, acompanhar a posição que fez vencimento.

 

 

 

João Menezes Leitão

 

 

 

 

 

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revisto. O texto adota a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico)

 



[1] Quanto às disposições legais, referir-nos-emos, sempre que não haja ressalva expressa, à redação do CIRC que vigorou até 31.12.2013, tendo em conta as disposições transitórias do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

 

[2]  J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1999, pág. 186.

[3]Cf. Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, SP, Malheiros, 1995, p. 47.

[4] A Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 aprovou, pelo seu art. 133.º, o SIFIDE II, a vigorar nos períodos de tributação de 2011 a 2015, o qual veio a ser alterado pelo art. 163.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30.12. O Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17.6 “transferiu”, pelos seus arts. 1.º, n.º 2 e 5.º, o SIFIDE II para o Código Fiscal do Investimento (arts. 33.º a 40.º). A Lei n.º 83-C/2013, de 31.12 alterou a regulação constante do Código Fiscal do Investimento sobre o SIFIDE II, a vigorar nos períodos de tributação de 2013 a 2020.