Decisão Arbitral
Requerente: A…
Requerida : AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I-RELATÓRIO
1. A…, (doravante designada por Requerente) contribuinte fiscal nº…, residente na Rua…, nº…, …-… …, apresentou em 27-06-2016, pedido de constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto da alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10, nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista á declaração de ilegalidade e anulação das seguintes liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios com referência ao ano de 2011:
- liquidação nº …- no valor de 92,01 €
- liquidação nº …- no valor de 717,51€
- liquidação nº …- no valor de 125,42 €
- liquidação nº …- no valor de 756,45 €
- liquidação nº …- no valor de 124,60 €
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida, em 14-07-2016.
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o subscritor, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. Em 2016/08/29, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
5. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 2016-09-29, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6. Por despacho arbitral proferido em 2016-10-18, foi a Requerente convidada a pronunciar-se sobre as excepções suscitadas pela AT, na sua Resposta.
7. A Requerente não se pronunciou sobre a matéria de excepção.
8. Foi proferido despacho arbitral em 2016-11-16, devidamente notificado às partes, que fundamentou a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, concedeu àquelas a faculdade de apresentarem alegações escritas e indicou data limite para prolação e notificação às partes da decisão arbitral.
9. A Requerente não apresentou alegações escritas, sendo que em 2016-12-13 a AT procedeu à apresentação das suas alegações.
10.A fundamentar o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, e com relevo para o que aqui importa o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição)
a. À Requerente foi aberto pela Autoridade Tributária um procedimento inspectivo externo, realizado ao abrigo das ordens de serviços nº OI215… e OI2015… da Direcção de Finanças de…, visando os exercícios de 2011 e 2012 (cfr. artigo 1º do pedido de pronúncia arbitral),
b. Em 23/11/2015, o projecto de decisão foi notificado à Requerente para efeitos do direito de audição (cfr. artigo 2º do pedido de pronúncia arbitral e documento n 6, com o mesmo junto),
c. A Requerente exerceu o direito de audição em 18-12-2015 (cfr. artigo 3º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 7, com o mesmo junto),
d. Em 29-12-2015, foi emitido pelo Chefe do Serviço de Finanças de …, o mandato de notificação relativo às liquidações manuais e respectivos juros compensatórios, apurando em resultado da acção inspectiva realizada ao ano de 2011 (Ordem de Serviço OI2015…), com a seguinte identificação em sede de IVA;
- Período de 201103T-Imposto a entregar ao Estado+Juros Compensatórios – 92,01€+17.03€
- Período de 201106T-Imposto a entregar ao Estado +Juros Compensatórios – 717,51€+00,00,
- Período de 201109T-Imposto a entregar ao Estado +Juros Compensatórios -756.45€+00,00€,
-Período de 201112T-Imposto a entregar ao Estado+Juros Compensatórios - 3.250,99€+0.00€,
(cfr. artigo 4º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 8 com o mesmo junto);
e. No referido oficio consta uma “Nota de Marcação de Hora Certa” na qual além do mais é referido o seguinte:
“Certifico que hoje, 29 de Dezembro de 2015, pelas 16h 30m, tendo-me deslocado Rua…, nº…, …, a fim de notificar da liquidação de IRS e de IVA, exercício de 2011, sujeito passivo A…, NIF…, não pude levar a efeito essa diligência, em virtude de não ter encontrado no lugar indicado qualquer administrador/gerente/representante do sujeito passivo (…) que no próximo dia 30/12/2015, pelas 16h30m será contactado neste local, para levar a efeito o procedimento que me propunha fazer […)” (cfr.,artigo 5º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 9 com o mesmo junto);
f. Em 30-12-2015, foi emitido o Oficio nº … da Divisão de Inspecção Tributária I, da Direcção de Finanças de…, dirigido à impugnante, tendo como epígrafe: “Notificação do Artº 233º do Código de Processo Civil”, no qual se afirma que “em 30/12/2015 pelas 16 horas e 30 minutos, foi notificada, na Rua…, nº…, …, da liquidação de IRS, IVA e juros compensatórios, resultantes da acção inspectiva ao exercício de 2011, correspondente à Ordem de Serviço nº OI2015… da Direcção de Finanças de…”
“Por afixação, em virtude de não de encontrar presente na sua residência, sita na Rua …, nº…, …, quando procurava para realizar esta diligência;
“Junta-se cópia de:
* Mandado
* Notificação com hora certa
* Certidão da verificação de hora certa
* Liquidação IRS
* Liquidação IVA
“Mais de informa V. Exª que os objectos da notificação se encontram à sua disposição no Serviço de Finanças da…, no…, Edifício da Câmara Municipal, …-…- …(cfr. artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 10 com o mesmo junto;
g. A aludida notificação apenas foi expedida em 4/1/2016, e recebida pela impugnante em 15/01/2016 (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 11 com o mesmo junto),
h. No dia 30/12/2015, foi afixado no imóvel sito na Rua…, nº…, na…, certidão de verificação de hora certa, com menção ao facto de a notificação de considerar feita nos termos do Artº 240º do CPC, e de que as liquidações da IRS e IVA e juros compensatórios resultantes da acção inspectiva do exercício de 2011 ficavam à disposição da Impugnante no Serviço de Finanças da … (cfr. artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 12 com o mesmo junto);
i. Em 18/01/2016 – IRS 2011 e 2012 – foram recebidas na Caixa Postal eletrónica (Via CTT), as [….] liquidações (cfr. artigo 9º do pedido de pronúncia arbitral, e documentos nºs 1 a 5 com o mesmo juntos),
j. No que toca às liquidações manuais de IVS e juros compensatórios foram as mesmas entregues pessoalmente à Impugnante em 13/01/2016, pelo Serviço de Finanças da…, conforme Auto de Entrega de Documentos (artigo 13º do pedido de pronúncia e documento nº 16 com o mesmo junto.
k. A Requerente procedeu ainda, no seu articulado, a várias considerações acerca da forma e perfeição das notificações, das implicações da falta de notificação das liquidações antes de terminado o prazo de caducidade concluindo -para o que aqui releva- que a “falta de notificação da liquidação antes de terminado o prazo de caducidade constitui também (a par com a oposição prevista no artigo 204º do CPPT) fundamento de impugnação judicial por implicar ilegalidade superveniente do ato de liquidação.
11. Concluiu a Requerente, como se extrai do seu pedido, pela anulação das liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, respeitantes aos períodos de 201103T, 201106T e 201109T no montante de 1.815,99 €.
12. A AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, por excepção e impugnação:
12.1. Excepcionou o pedido da Requerente em duas vertentes que no caso dos presentes autos acabam por se imbricar; (i) “erro na forma de processo” e/ou (ii) “incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer da falta de notificação das liquidações no prazo de caducidade do direito à liquidação”.
12.2. Por impugnação, sustenta perspectiva e posição contrárias à apresentada pela Requerente, e dela dissentindo em consonância com a posição por si já assumida em sede de conclusão do relatório da inspecção tributária, pugnando pela manutenção das liquidações adicionais efectuados no âmbito do procedimento inspectivo.
13. O Tribunal foi regularmente constituído em 29-09-2016,
14. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigo 3º,6º e 15º do CPPT, ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT,
15. O processo não enferma de nulidades, tendo sido invocadas as excepções assinaladas em 12.1.
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Tendo em conta que o âmbito da competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT), e que a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (artigo 16º, nº 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 96º e 98º do Código de Processo Cível, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alíneas a) c) e e) do RJAT, importará apreciar-se a excepção dilatória sobre a incompetência do Tribunal Arbitral, suscitada pela Requerida.
Ver-se-ão, desde já os factos e mais concretamente, os especialmente relevantes para a prolação da decisão acerca da assinalada excepção.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A.MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
-
A Requerente apresenta domicílio fiscal na Rua…, nº … na…, encontrando-se registada no serviço de finanças da…, desde 18/04/1998, para o exercício da actividade principal de silvicultura e outras actividades florestais, em actividade secundária de serviços relacionados com caça e repovoamento cinegético, a que correspondem os CAE … e … e, à qual foi atribuído o número de identificação fiscal …,
-
Para efeitos de IVA é um sujeito passivo não isento nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, que pratica operações previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 1 do CIVA, tributadas à taxa indicada na alínea a) e c) do artigo 18º do CIVA, enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, desde 18/04/1998, para efeitos do disposto no artigo 41º do CIVA,
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A coberto das ordens de serviço nºs OI215… e OI215…, da Direcção de Finanças de …, foi efectuado à Requerente um procedimento inspectivo externo tendo por objecto o IRS e IVA dos anos de 2011 e 2012,
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Em resultado do procedimento inspectivo, os serviços da inspecção tributária levaram a cabo, entre outras, correcções respeitantes ao ano de 2011, das quais resultaram as liquidações adicionais de IVA supra identificadas,
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A Requerente no âmbito dos processos executivos entretanto desencadeados prestou garantia bancária, junto do serviço de finanças da sua residência,
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Em 27-06-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, que deu origem ao presente processo, formulando pedido de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios de 2011.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão inexistem facto que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [(cfr. art. 123º, nº do CPPT, e artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Assim tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, e o PA anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.
B- DO DIREITO
Do erro na forma do processo e/ou da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da falta de notificação das liquidações no prazo de caducidade do direito à liquidação.
A Requerente notificada, para querendo, se pronunciar sob as invocadas excepções quedou-se silente, não obstante ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral ter vindo a tecer diversas considerações, acerca das dúvidas suscitadas quanto à dupla possibilidade de reacção perante a ilegalidade da falta de notificação das liquidações dentro do prazo de caducidade – ver artigo 50º do pedido de pronúncia arbitral - ; (i) impugnação judicial (em defesa de cuja tese convoca as alíneas e) e i) do artigo 204º do CPPT e o nº1 do artigo 45º da LGT), ou oposição fiscal.
Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira vem sustentar posição no sentido de que a “falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade é unicamente fundamento de oposição à execução, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 204º do CPPT”, para daí concluir da incompetência do tribunal arbitral, perante o disposto no nº 1 do artigo 2º do RJAT e na Portaria nº 112-A/2911, de 22 de Março.
Culminando que “só no processo de oposição á execução fiscal, pode a requerente obter o efeito que aqui pretende, dado que, também no processo de oposição se for reconhecida a falta de notificação das liquidações à data em que foi instaurado o processo de execução (a Requerente dá nota do pedido de suspensão de execução -artigo 73º do ppa e documento nº 21 com este junto) não haverá necessidade de apreciar, como é evidente, da legalidade dessas liquidações”.
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Os tribunais arbitrais encontram-se constitucionalmente reconhecidos como verdadeiros tribunais (artigo 209º, nº 2 da CRP), e a arbitragem voluntária, em geral, encontra a sua base legal na Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, em vigor e que procedeu à revogação da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, onde se prevê que “ o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizadas por lei especial ou se estas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado” (artigo 1º,nº 5)
A autorização legislativa constante do artigo 124º da Lei nº 3- B/ 2010, de 28 de Abril, relativa à arbitragem em matéria tributária, configura a arbitragem tributária, como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagrado no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No uso dessa autorização, foi aprovado o Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro que disciplina a arbitragem em matéria tributária.
De acordo com o seu preâmbulo a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD foi fixada nos seguintes termos: encontram-se abrangidos pela “competência dos tribunais arbitrais, a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, da autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamentos por conta, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida.”
O âmbito material da arbitragem tributária está definido nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do RJAT:
Artigo 2º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1.A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável quando não dê origem a liquidação de quaisquer tributos, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Esta competência dos tribunais arbitrais é, porém, limitada pelos termos em que a AT veio a expressar a sua vontade de se vincular a esta jurisdição, consubstanciada na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, portaria de vinculação esta que já decorria do disposto no artigo 4º do RJAT:
Artigo 4º
Vinculação e funcionamento
“1.A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
Deste modo, e para além de outras constantes das alíneas b), c) e d), elenca a alínea a) do nº artigo 2º da Portaria de Vinculação as pretensões que se encontram expressamente excluídas no âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais tributários: “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ou seja, o diploma que instituiu a arbitragem em matéria tributária, contendo uma previsão de ampla arbitrabilidade em matérias tributárias, não tem, contudo, como já se escreveu [1], uma operacionalidade imediata pois fica condicionada à vinculação da AT, nos precisos termos previstos no artigo 2º da Portaria nº 112-A/ 2011, de 22 de Março.
De acordo com o ensinamento do insigne Conselheiro Jorge Lopes de Sousa [2] a competência dos tribunais arbitrais tributários “restringe-se à actividade conexionada com atos de liquidação de tributos ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade da atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributaria, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação a que se refere a alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT.”
Ora,
Se como aliás assinala a Requerente, e se revela no acórdão arbitral nº 126/2012-T de 2013/02/21, com a entrada em vigor do Código de Procedimento e de Processo Tributário se suscitaram “dúvidas jurisprudenciais sobre a possibilidade de invocação em oposição à execução fiscal da ilegalidade consubstanciada pela notificação da liquidação depois do termo do prazo de caducidade, designadamente se ela se enquadrava na alínea e) do nº 1 do seu artigo 204º” e que “depois de decisões contraditórias, o Supremo Tribunal Administrativo veio a entender em recurso de oposição de julgados que, nos casos em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do nº 1 do art. 204º do CPPT e, quando foi efectuada uma notificação de um acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada depois de ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do nº1 do art. 204 do CPPT (acórdão do Pleno de 20/01/2010, processo nº 832/08)”, subsistirá a dúvida igualmente evidenciada no acórdão proferido no âmbito do CAAD que vimos citando se, “para além de poder ser invocada como fundamento de oposição à execução fiscal, a falta de notificação antes de terminado o prazo de caducidade pode ser também fundamento de impugnação judicial por implicar ilegalidade superveniente”.
Não desconhecendo este tribunal o sentido decisório do acórdão nº 126/2012 -T e da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 725/2014-T, onde esta questão foi abordada e decidida no sentido de que a falta da notificação dentro do prazo de caducidade constitui ilegalidade superveniente de liquidação que tenha sido efectuada dentro desse prazo, abrindo-se uma “dupla possibilidade” de invocação da intempestividade da notificação à face do art. 45º, nº 1, tanto como fundamento de impugnação judicial como de oposição”, com determinante incidência sobre o juízo a formular quanto à competência material deste tribunal, perfilhamos como toda a devida vénia e respeito, posição dissidente da alcançada nas indicadas decisões arbitrais.
Recordando que a Requerente invoca nomeadamente nos artigos 50º e 56º do seu pedido de pronúncia arbitral a “falta de notificação do ato de liquidação dentro do prazo de caducidade “, somos de opinião que o meio de reacção para atacar tal “ilegalidade” deveria ter sido a oposição fiscal, prevista no artigo 204º do CPPT.
Louvamo-nos no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08/07/2015, proferido no âmbito do processo nº 01475/14 onde após se extrair do seu sumário, que “a falta de notificação da liquidação, antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, configura ineficácia do acto tributário, sendo fundamento de oposição à execução fiscal”, se retira o seguinte:
“[…] há muito se encontra firmada a orientação jurisprudencial no sentido de que essa ausência de notificação – seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação – configura ineficácia do acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução, enquadrável, respectivamente, nas alíneas i) e e) do nº 1 do art. 204º do CPPT (cfr, entre outros os Acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário em 2/02/2011, no proc. nº 0803/10, em 28/09/2011, no proc. nº 0473/11, em 20/05/2012, no proc. nº 0378/12, em 26/09/2012, no proc. nº 0251/12, e pelo Pleno da Secção em 20/01/2010, no proc. nº 0832/08, em 7/07/2010, no proc. nº 0545/09, e em 18/09/2013, no proc. nº 578/13”.
Extraindo-se ainda do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 18/09/2013, proferido no âmbito do processo nº 0578/13, e em igual sentido, o seguinte:
“ […] Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada”. (sublinhado e destaque nossos)
Tendo a Requerente invocado que não houve qualquer notificação das liquidações de IVA subjacentes, e que decorreu já o prazo de caducidade do direito de liquidação em que a notificação tem de ser efectuada, haverá que, segundo pugna, “analisar-se a legalidade do acto impugnado com base no pressuposto de que a notificação da liquidação não foi efectuada ao impugnante e, como decorreu já o prazo de caducidade do direito à liquidação em que a notificação tem de ser efectuado (cfr. artigo 45º, nº 1 d LGT) tem de concluir-se que a liquidação enferma de vício de caducidade do direito à liquidação, o que, além do mais e sem conceder, se peticiona nestes autos” .
Como se deixou dito, subscreve este Tribunal Arbitral, que o meio próprio e idóneo à disposição da Requerente para atacar a caducidade em causa, deveria ter sido a oposição à execução e não o recurso ao tribunal arbitral tributário por não caber nas suas competências, como supra sinalizado, o conhecimento da ineficácia dos actos de liquidação, nas condições que decorrem dos presentes autos.
Em face do exposto, considera-se assistir razão à Requerida, quanto à excepção suscitada.
Destarte, sem necessidade de quaisquer outras considerações e concluindo; é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para a apreciar e decidir o pedido objecto do litigio subjacente, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 4º, nº1, ambos do RJAT, e dos artigos 1º e 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, e que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT, e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da Requerida, nos termos do disposto nos artigos 576º, nº 2 e 577º, alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.
III- DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:
-
julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material deste Tribunal, suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e, em resultado, absolver a Requerida da instância,
-
julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento da questão de mérito invocada,
-
condenar a Requerente no pagamento das custas.
IV- VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estatuído nos artigos 296º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º -A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.815,99 €.[3]
V-CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 306.00 €.
NOTIFIQUE-SE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.
A redacção da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
Sete de Fevereiro de dois mil e dezassete.
O árbitro
(José Coutinho Pires)
[1] Cfr, decisão arbitral nº 236/2013- T, de 22/04/2014, disponível em www.caad.org.pt
[2] Guia de Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105
[3] O valor indicado por extenso pela Requerente não se encontra correcto.