Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 72/2016-T
Data da decisão: 2017-03-01  IRC  
Valor do pedido: € 324.360,37
Tema: IRC - Concessões de sistemas multimunicipais; obrigação de investimento e amortização do ativo intangível
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Prof- Doutora Ana Maria Rodrigues (Vogal) e Dr. José Luís Ferreira (Vogal), acordam o seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

 

1. A…, SA, Pessoa Coletiva n.º…, com sede na…, Lugar da…, em…, …-… … … (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

2.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-02-2016.

2.1. No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, do mesmo diploma, a Requerente designou como Árbitro o Dr. José Luís Ferreira.

 

2.2.Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) designou como Árbitro a Prof. Doutora Ana Maria Rodrigues.

2.3.De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária em 22-03-2016, e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de Árbitro presidente, tendo os Exmos. Árbitros designados pelas partes acordado, em 12-04-2016, na designação da Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs como Árbitro Presidente.

2.4.Em 14-04-2016, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

2.5.Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 2-05-2016.

2.6. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

3. Por despacho arbitral, datado de 24 de julho de 2016, foi decidido: i) Indeferir o requerimento de produção de prova testemunhal, atenta a circunstância de os artigos indicados para depoimento corresponderem a matéria de direito, a matéria de facto carente de prova documental, ou a matéria irrelevante para decisão da causa; ii) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade deste; e iii) Designar o dia 2 de novembro como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. Este prazo veio a ser sucessivamente prorrogado, por despachos de 30 de outubro de 2016 e de 29 de dezembro de 2016, tendo-se fixado como data limite para ser proferida a decisão arbitral o dia 2 de março de 2017.

4.No requerimento arbitral, por si oferecido, a Requerente invoca, em síntese, que:

a)      Na sequência de indeferimento da reclamação graciosa, requer a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2011, com o n.º 2014…, de 19.12.2014, correspondentes demonstrações de liquidação de juros com os n.ºs 2014 … e 2014…, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014 … de 22.12.2014, no valor total de € 324.360,37.

b)      No que respeita à sua actividade, a A…, S.A., consiste na gestão dos serviços públicos municipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais do Sistema Integrado de Despoluição do … (SID…).

c)      Em 29.10.1998, a Associação de B… (“B…”) e a A… celebraram, pelo prazo de 25 anos (a contar da data de consignação definitiva das infraestruturas existentes do sistema, por escritura pública, o contrato de concessão para a exploração e gestão, em regime de exclusividade, do SID…, que à data servia os municípios de…, … e… . Este contrato de concessão teve por objecto, na área de intervenção, a “exploração e gestão, em regime de exclusividade, do serviço público de drenagem, depuração e destino final das águas materializado pelo SID…, a reabilitação de infra-estruturas existentes que dela careçam e a execução de novas infra-estruturas de acordo com o Plano Previsional de Execução Física de Infra-estruturas relativo à Hipótese B prevista no Programa de concurso (…)”, incluindo apenas o financiamento, nos termos do disposto no artigo 68.º deste contrato, a concepção, a execução e a exploração de uma solução definitiva para o destino final de lamas e as segundas fases das Estações de Tratamento das Águas Residuais de…, … e…, conforme Programas 2 e 3 definidos no Plano Previsional de Execução das Infra-estruturas relativas ao Tratamento, ao Destino Final das Lamas e à Reutilização dos Efluentes Líquidos (…)”, executando, a concessionária, “o esquema financeiro constante do estudo económico constante da sua proposta, relativa à Hipótese B e tal como definida no número 2 do artigo 4.º, nos aspectos correspondentes à exploração do serviço concedido” e assumindo-se “fontes de financiamento: a) O capital da Concessionária e outros capitais próprios, designadamente suprimentos ou prestações suplementares de capital; b) As comparticipações financeiras e os subsídios concedidos à Concessionária; c) As receitas provenientes das tarifas ou valores garantidos cobrados pela Concessionária; d) Outras fontes de financiamento, designadamente capitais alheios veiculados em regime de “project finance”, dívida subordinada, sénior ou papel comercial.

d)     No âmbito de tal contrato, a concessionária obrigou-se a financiar totalmente os custos de infraestruturas de lamas (a concretizar-se na construção de uma central de secagem térmica de lamas e correspondente a €17.907.842), sendo que, caso fossem disponibilizados fundos para subsidiar as infraestruturas de tratamento de lamas, a concessionária ficava obrigada a participar no financiamento das demais obras em valor equivalente ao dos fundos disponibilizados.

e)      Por força de aditamento ao contrato, ocorrida em 20.04.1999, a obrigação de investimento foi reduzida para €16.910.246 e à obrigação de investimento à realização de qualquer obra a integrar no SID… foi associado o valor de € 2.493.989 Obrigação no contexto da qual a Requerente realizou investimentos correspondentes a € 1.724.500.

f)       De acordo com a previsão contratual, o serviço prestado pela concessionária seria pago por quem o utilizasse, de acordo com tarifas e taxas aprovadas pela Concedente em conformidade com critérios fixados no contrato.

g)      O Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do … (“Sistema Multimunicipal do …”) foi criado em Maio de 2002 e concessionado em 21.10.2003, tendo-se sobreposto ao SID… a nível geográfico e do objeto de exploração, pelo que se celebrou um protocolo de entendimento (entre a A…, a B… e a C…) para revisão da obrigação de realização do investimento não realizado.

h)      Depois a C… assumiu (por cessão da posição contratual) a posição de concedente, em vez da A…, no contrato de concessão com a B… . Por outro lado, a D…, S.A. assumiu a posição de concedente no contrato de concessão do SID…, na sequência da substituição de vários sistemas multimunicipais pelo sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Noroeste (por cuja gestão e exploração a D…, S.A. é, em exclusivo, responsável).

i)        Apesar de, desde 2004, ter ficado definido (por intervenção da accionista da D…) que se deveria adequar o contrato de concessão às condições de exploração (…), a indefinição quanto aos precisos contornos do contrato de concessão do SID…permaneceu, persistindo, contudo, a obrigação de pagamento de uma contrapartida pelo direito à concessão.

j)        O Contrato de Concessão do SID… foi unilateralmente modificado pela Concedente (na sequência de prévia comunicação dirigida pela D…à A…), em 02.02.2015, em consequência do que se determinou que a obrigação de investimento da concedente seria cumprida através da revisão do tarifário vigente (tarifário que não sofre alteração). Tal acordo está já a ser aplicado entre as partes e encontra-se em fase de formalização.

k)      Em 31.10.2014 iniciou-se um procedimento de inspecção externa ao exercício de 2011, pela  Divisão de Inspeção Tributária I (Equipa F) da Direção de Finanças de…, na sequência do que foi emitido relatório de inspecção, com base no qual houve lugar às seguintes correcções oficiosas em sede de IRC: i) Anulação do ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: €44.824,64: ii) Consideração da variação patrimonial negativa associada ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: - €3.687,58;  iii) Obrigação de investimento – reversão da amortização do “Acréscimo de custos” não aceite para efeitos fiscais após a transição para o SNC: €383.977,35;iv) Correção da atualização da provisão para investimento de infraestruturas de substituição: €49.736,50;v) Obrigação de investimento – correção da amortização do exercício do ativo intangível: 546.887,19;vi); Coimas e demais encargos pela prática de infracções: €275,50;vi). Total das correções ao lucro tributável do IRC: €1.022.013,61.

l)        A anulação do ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis (44.824,64), ocorreu com base em 4 ordens de justificação: (1) Infraestruturas disponibilizadas pela concedente; (2) Investimentos efetuados pelo Sujeito Passivo, entre o início da concessão e 2009-12-31, realizados ao abrigo da obrigação de financiar a infraestrutura a integrar no SID…;(3) Investimento efectuados pelo Sujeito Passivo, entre o início da concessão e 2009-12-31, relativo a despesas de instalação (imobilizações incorpóreas);(4) Investimento efectuados pelo Sujeito Passivo, entre o início da concessão e 2009-12-31, em bens que não cumprem os requisitos para serem considerados “Ativos Fixos” no âmbito do NCRF/SNC”, em cuja análise os serviços adoptaram como ponto de partida os valores constantes do relatório e contas de 2009, vindo os serviços de inspecção da AT a propugnar que fosse corrigida a variação patrimonial negativa, de € 44.824,64.

m)    A consideração da variação patrimonial negativa associada ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis teve por base o facto de serviços de inspeção da AT terem entendido ser de deduzir ao resultado tributável do exercício de 2010, 1/16 da variação patrimonial negativa apurada (€ 3.687,58) por estarem em causa bens que estavam contabilizados no imobilizado corpóreo da Requerente e que, por não serem propriedade da Requerente,  não reúnem, após a transição para o novo quadro normativo contabilístico, as condições para serem qualificados ativos fixos tangíveis.

n)      Quanto à Obrigação de investimento – reversão da amortização do “Acréscimo de custos” não aceite para efeitos fiscais após a transição para o SNC (€383.977,35), os serviços de inspeção da AT preconizaram (com base no artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho) que tal variação patrimonial fosse dividida pelo número de anos que faltavam para o termo da concessão (16 anos) e o resultado (€ 383.977,35) acrescido ao resultado tributável de cada um dos períodos de tributação respetivos, desde logo ao exercício de 2010.

o)      No que respeita às amortizações do ativo intangível, os serviços de inspeção da AT promoveram o acréscimo oficioso ao lucro tributável dos remanescentes € 546.887,19 por entenderem, com base no art. 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, que apenas as amortizações do exercício respeitantes ao investimento já realizado (num total de € 1.724.500,10), que se cifram em € 83.308,31, poderiam ser deduzidas no apuramento do lucro tributável do exercício.

p)      Não se conformando com as correcções oficiosas promovidas pela AT, a Requerente apresentou reclamação graciosa, invocando a) Erro quanto aos pressupostos de facto; b) Vício do procedimento e c) Erro na aplicação do direito. Tal reclamação veio a ser indeferida.

q)      A invocação de erro quanto aos pressupostos de facto baseou-se na circunstância de os serviços de inspeção tributária terem procedido a uma leitura superficial e equívoca dos factos, revelando-se errado o entendimento, que adopta, de que, no exercício de 2010, constituía contrapartida exclusiva do direito à concessão a realização de obras de construção civil (a integrar o SID…) por parte da A…, dado que, ao contrário, e como decorre dos elementos constantes do processo de inspeção e do procedimento de reclamação graciosa, a obrigação, inicialmente acordada mas não cumprida, de investimento nas infraestruturas da concedente havia sido, de facto, substituída pela obrigação de pagamento de um preço. Por outro lado, e ainda que não se tivesse formalizado a substituição da contrapartida a prestar pela aquisição do direito à concessão e que o reconhecimento do ativo intangível por contrapartida de uma provisão pudesse suscitar dúvidas, a autoridade tributária estaria sempre adstrita a uma avaliação desta realidade à luz do princípio da substância sobre a forma, o que não ocorreu. Alicerçando-se, a liquidação do imposto, em pressupostos de facto errados, não existe o facto tributário que lhe subjaz, devendo ser anuladas as correcções oficiosas.

r)       A AT incorre também em vício de procedimento por violação do princípio do contraditório, da verdade material e do ónus da prova, quer no procedimento inspectivo, quer no procedimento administrativo.

s)       Além de dever fundamentar as suas decisões com um discurso claro, congruente ou racional e suficiente, a AT encontra-se vinculada aos princípios da justiça e da imparcialidade, bem como da verdade material e da boa fé, pelo que deve, por iniciativa própria, ao abrigo do princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT), averiguar toda a realidade factual, para obter o recorte mais verdadeiro possível da realidade, o que não ocorreu, gerando a ilegalidade do acto tributário.

t)       A ora Requerente reconheceu contabilística e fiscalmente o direito à concessão como um ativo intangível (pelo valor da contrapartida não realizada) por contrapartida de um passivo de tempestividade incerta (provisão), o que goza de uma presunção de veracidade não apenas por corresponder à declaração do contribuinte (não se verificando nenhuma das situações em que essa presunção é destruída - art. 75.º da LGT), mas também por se encontrar registada na contabilidade da Requerente. Da existência de tal presunção extrai-se que é à AT que incumbe o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à correcção, ou seja, o ónus de demonstrar que em causa estava uma efetiva e inequívoca obrigação de realização de serviços de construção de infraestruturas como contrapartida da aquisição do direito à concessão por parte da Requerente – o que a AT não fez, pelo que o ato tributário em escrutínio enferma de ilegalidade.

u)      A AT não contestou o enquadramento legal apresentado pela Requerente, de acordo com o qual se o âmbito de aplicação da IFRIC 12 se limita às situações em que a contrapartida suportada pelo concessionário pela cedência do direito à concessão de serviços públicos reside na prestação à concedente de serviços de construção/valorização e/ou serviços operacionais, a realidade não se esgota neste cenário, nem a aplicação da IFRIC 12 afasta a aplicação de outros normativos contabilísticos sempre que pela natureza da realidade a conformar, tal se justifique. Com efeito, saindo fora deste quadro factual é ainda necessário equacionar uma possibilidade adicional: a circunstância do concessionário se obrigar a pagar uma contrapartida monetária (preço) pela aquisição do direito à concessão, caso em que se está necessariamente fora do âmbito de aplicação da IFRIC 12, porquanto a transmissão do direito à concessão ocorre sem que haja da parte do concessionário uma contrapartida consistente na prestação de um serviço, mas por força do pagamento de um preço. Assim, sempre que o direito (à concessão), (i) constitua um ativo não monetário, identificável, sem substância física, (ii) cujo controlo foi contratualmente atribuído à concessionária e do qual se esperava obter benefícios económicos (iii) mantendo-se a componente de risco associada à utilização dos utentes do serviço público acima referida, deve ser reconhecido como um ativo intangível nos termos gerais, i.e. pelo respetivo preço (deduzido de descontos comerciais e abatimentos), sendo amortizado em função da sua vida útil, e.g. através do método de amortização linear, em conformidade com a IAS 38 – Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 6. A qualificação do direito à concessão (no caso, o direito de exploração e gestão em regime de exclusividade do SID…) adquirido por contrapartida do pagamento de um preço reúne, pois, inequivocamente as condições para ser qualificado como um ativo intangível nos termos da NCRF 6, pelo que assim deve suceder neste caso.

v)      Em consequência, com a transição para os novos normativos contabilísticos, a A… teve que, no que respeita aos ajustamentos contabilísticos de transição relativos aos activos afectos à concessão, expurgar das suas contas: os ativos fixos tangíveis correspondentes às infraestruturas e bens afetos à concessão da propriedade do concedente ou revertíveis no fim da concessão (que constituíam uma componente do ativo) no valor de € 85.009.953,00; as amortizações acumuladas relativas a esses ativos (que constituíam uma componente a deduzir ao ativo), no valor de € 35.763.435,00; os proveitos diferidos referentes ao valor líquido desses ativos (que constituíam um passivo) no valor de € 48.201.308,00; os acréscimos de custos referentes às obrigações de investimento ainda não realizadas, compreendendo-se como tal as obrigações de construção /valorização de infraestruturas (por oposição a investimentos reversíveis para terceiros no termo da concessão, ainda não realizados, na terminologia da DC 4/91) (que constituíam um passivo) no valor de € 6.143.637,00. Foi, por outro lado, obrigada a reconhecer: ativo intangível (direito à concessão) cujo valor bruto se discrimina em duas parcelas distintas: (i) € 1.724.500 - relativo ao ativo adquirido por contrapartida da prestação de serviços de construção à entidade concedente realizados no passado; e (ii) € 15.185.746 - referente ao preço acordado e a pagar no futuro, a acrescer à contrapartida anterior nos termos do acordo de concessão na interpretação vigente à data; as respetivas depreciações e amortizações acumuladas (componentes a deduzir ao ativo) no montante de (i) € 698.052,95 e de (ii) € 6.391.646,05, respectivamente; as respetivas depreciações e amortizações do exercício (custos fiscais do exercício de 2010), no montante de (i) € 83.308,31 e de (ii) € 546.887,19, respetivamente.

w)    No que diz respeito ao enquadramento fiscal dos ajustamentos de transição, com a entrada em vigor do D.L. n.º 159/2009 e consequente adaptação do Código do IRC às novas normas contabilísticas, há a considerar os seguintes desreconhecimentos (ou não reconhecimentos): (i) os ativos fixos tangíveis correspondentes às infraestruturas dos ativos afetos à concessão da propriedade do concedente – o que consubstancia uma redução do ativo, logo numa variação patrimonial negativa sem relevância fiscal já que o seu reconhecimento original não determinou diretamente o apuramento de qualquer custo ou proveito tributáveis; (ii) as amortizações acumuladas relativas a esses ativos – o que consubstancia um aumento do ativo, logo numa variação patrimonial positiva sem relevância fiscal porque traduz um conjunto de valores que, ainda que com relevância fiscal, foi considerado simultaneamente custo e proveito de exercício no passado, tendo um efeito neutro, por isso sem relevância fiscal atual; (iii) os proveitos diferidos referentes ao valor líquido desses ativos, - o que consubstancia uma redução do passivo, logo uma variação patrimonial positiva sem relevância fiscal porquanto não teve qualquer projeção em resultados no passado; (iv) os acréscimos de custos referentes às obrigações de investimento ainda não realizadas, compreendendo-se como tal as obrigações de construção /valorização de infraestruturas (por oposição a despesas capitalizáveis na terminologias da DC 4/91) – o que consubstancia uma redução do passivo, logo uma variação patrimonial positiva com relevância fiscal porque traduz um conjunto de valores considerado custo fiscalmente dedutível no passado, devendo ser acrescida. Em contrapartida, foram obrigados a reconhecer: (v) os ativos financeiros ou intangíveis associados aos serviços (de construção/operação) prestados às entidades concedentes – o que consubstancia um aumento do ativo, logo uma variação patrimonial positiva que não tem impacto direto em rubricas de resultados e por isso relevância fiscal; (vi) os ativos intangíveis adquiridos para assegurar o direito à concessão – variação patrimonial positiva – o que consubstancia um aumento do ativo, logo uma variação patrimonial positiva que não tem impacto direto em rubricas de resultados e por isso relevância fiscal; (vii) o passivo correspondente ao valor em dívida relativamente ao preço a pagar ao concedente por parte do direito à concessão – o que consubstancia um aumento do passivo, logo uma variação patrimonial negativa que não tem impacto direto em rubricas de resultados e por isso relevância fiscal; (viii) as respetivas depreciações e amortizações – o que constitui uma redução do ativo, logo uma variação patrimonial positiva com relevância fiscal porque traduzem um conjunto de valores que deve ser assumido retrospetivamente como custo fiscalmente dedutível, sendo que, no que concerne a este último ponto, as amortizações a considerar como custo fiscalmente dedutível (seja retrospetivamente – amortizações acumuladas, ou no exercício de 2011 –amortizações do exercício) devem ser determinadas nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro (diploma que, apesar de promover a adequação do regime fiscal aos novos normativos contabilísticos no que às depreciações e amortizações respeita, parece continuar a assumir que as concessionárias reconhecem as infraestruturas construídas como tal, não prevendo o seu tratamento de acordo com a IFRIC 12).

x)      As regras de reconhecimento fiscal de depreciações e amortizações aplicáveis aos ativos intangíveis determinam que: podem, desde logo, ser objeto de depreciação ou amortização os elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais, entre outros, os ativos intangíveis; estes ativos são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada; e devem ser amortizados durante o período de tempo em que o direito em causa for de utilização exclusiva do sujeito passivo, no caso, o período da concessão. Os procedimentos elencados foram os efectivamente adoptados pela Requerente.

y)      No caso concreto, temos, em termos líquidos, em matéria de ajustamentos de transição, uma variação patrimonial negativa, fiscalmente relevante, correspondente à diferença entre os valores correspondentes às realidades referidas nos pontos (iv) e (viii) dos artigos 206.º e 207.º supra (procedimento adotado pela A…) – no montante de € 946.062 a reconhecer em quotas iguais de € 59.128,87 por cada exercício até ao fim da concessão; em matéria de amortizações do exercício fiscalmente dedutíveis devem considerar-se as amortizações referidas ao ativo intangível reconhecido, quer em virtude da realização de obras de construção no SID… quer por contrapartida do pagamento de um preço (ou assunção de uma dívida), calculadas nos termos do artigo 16.º do Decreto- Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (quotas constantes pelo período da concessão) no montante total de € 630.195,50.

z)      Do exposto resulta que a liquidação é ilegal, devendo ser anulada, mais devendo a Requerente ser reembolsada do pagamento voluntário a que procedeu, a que acrescem juros indemnizatórios, em virtude de o pagamento indevido decorrer de erro imputável aos serviços.

 

5.A AT apresentou resposta e juntou processo instrutor, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

a)      Apesar de em 2004 ter sido assinado um protocolo, só em 2015 se materializou a definição de novos pressupostos, pelo que à data dos factos em análise a realidade relativa ao contrato de concessão se mantinha inalterada.

b)      A Requerente não concretiza os factos e acontecimentos a que se refere no art. 106.º da petição inicial.

c)      Sendo claras as cláusulas contratuais, não carecem as mesmas de interpretação, pelo que a Requerente só teria razão quando invoca que a AT devia ter questionado tais cláusulas caso estas fossem ambíguas. Por outro lado, a AT baseou-se na documentação obtida junto da Requerente, sendo que esta acompanhou todo o procedimento inspectivo, através do seu TOC, ao que acresce que a mesma Requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação da AT em sede de audição prévia.

d)     A jurisprudência invocada pela Requerente não se aplica ao presente caso, dado que respeita a uma matéria diferente (facturas falsas). O que está em causa nesta ação não é, por outro lado, o cumprimento da obrigação de organização e conservação da contabilidade, nem o cumprimento das suas obrigações acessórias, mas a interpretação dos factos inerentes aos contratos da concessão.

e)      A fundamentação da AT é clara, suficiente e congruente (constando, quanto à parte de Direito, quer no relatório do procedimento inspetivo, quer na apreciação da reclamação graciosa), revelando, o teor da petição inicial, que a Requerente a compreendeu perfeitamente

f)       A AT demonstrou que as declarações não estavam devidamente preenchidas (por não apresentarem a situação real da Requerente) e que existia a obrigação de realização de serviços de construção de infraestruturas como contrapartida da aquisição do direito à aquisição da concessão, mantendo-se inalterados os riscos e as obrigações já constituídas das partes.

g)      A correção correspondente à anulação do ajustamento de transição ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis resulta da desconsideração, pela AT, do ajustamento de transição efectuado pela Requerente ao abrigo do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13.07, inscrito no campo 705 do Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos modelo 22, traduzido numa dedução ao lucro tributável de €44.824,64 (1/5 de - €224.125,00) e tem por base a análise, feita pela AT, aos efeitos decorrentes da aplicação da Norma Contabilística de Relato Financeiro 3 – Adopção pela primeira vez das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) - refletidos no quadro da alínea b) do ponto 2.4 do Anexo às Demonstrações Financeiros do Período de 2010, centrada, porém, nos efeitos sobre os capitais próprios considerados fiscalmente relevantes, nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, pois, apenas esses têm enquadramento no referido regime transitório previsto nos números 1, 5 e 6 do art.º 5.º e art.º 5.º-A, do Decreto-Lei n.º 159/2009.

h)      A aplicação do regime transitório previsto nos números 1, 5 e 6 do art.º 5.º e art.º 5.º-A do Decreto-lei n.º 159/2009, conduziu à desconsideração da variação patrimonial negativa declarada pela Requerente e consequente correção ao lucro tributável; à determinação de uma variação patrimonial negativa, no montante de €18.437,60, que originou a correção negativa ao lucro tributável, de € 3.687,58 (1/5 x €18.437,60/5) e à consideração da variação patrimonial positiva de + €6.143.637,00 e consequente correção positiva ao lucro tributável, de €383.977,35 (1/16 x €6.143.637,00), sendo que esta última variação foi dividida por 16 períodos e teve por base legal o disposto no art.º 5 º e no art.º 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12, com carácter interpretativo, segundo o qual as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à data da entrada em vigor daquele diploma, o prazo de cinco anos a que se refere o n.º 1 do art.º 5.º corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

i)        No quadro do regime transitório, a AT qualificou também como fiscalmente irrelevante (com fundamento no n.º 1 do art.º 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14.09) a variação patrimonial negativa, de €7.089.699,00 (Amortizações do imobilizado intangível relativo à obrigação de investimento contratual).

j)        Fora do âmbito do regime transitório realizou correções respeitantes a gastos contabilizados no exercício de 2011 (correção da atualização da provisão para investimento de infraestruturas de substituição; e Obrigação de investimento – correção da amortização do exercício do ativo intangível, importa fazer uma breve incursão pelos normativos contabilísticos aplicáveis aos contratos de concessão).

k)      As responsabilidades assumidas, pela Requerente, no contrato de concessão para o financiamento de infraestruturas a integrar no SID…, até ao limite de €16.910.246,00, foram repartidas pelo número total de anos da concessão, de acordo com as regras aplicáveis à contabilização de obrigações contratuais de empresas concessionárias que constavam da Directriz Contabilística (DC) N.º 4/91, de 19.12.1991, sendo que, em 31.12.2009, o saldo da conta de “Acréscimo de Custos - Obrigações contratuais, ascendia a €6.143.637,57. Após a entrada em vigor do SNC, a Requerente passou a adoptar as regras da Interpretação 12 do International Financial Reporting Interpretations Committtee (IFRIC) Acordos de concessão de Serviços.Neste âmbito, a Requerente adotou uma visão retrospetiva da IFRIC12, tendo reconhecido um ativo intangível no montante de €16.910.246,00 (retribuição do concedente), bem como calculado e registado as depreciações e amortizações acumuladas do ativo intangível, desde o início da concessão até 31.12.2009, no montante de €7.089.699, bem como as depreciações e amortizações do exercício, no montante de €630.195,50.

l)        A desconsideração (realizada pela AT), como fiscalmente relevante, do ajustamento de transição relativo ao reconhecimento das amortizações acumuladas do activo incorpóreo deveu-se ao facto de não se encontrarem reunidos os requisitos da NCFR 6 (§21 e ss.): previsibilidade e definição. Não reconhecimento do ativo intangível que implica que também não seja aplicável o regime previsto no art.º 16.º do Decreto Regulamentar n.º 15/2009.

m)    As amortizações do ativo intangível relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SID… não aceites como gasto no período de 2011 correspondem a €546.887,20 (amortização contabilizada, no montante de €630.195,50 deduzida da parte aceite fiscalmente, no montante de €83.308,31). As acima mencionadas incerteza e indefinição apenas se dissiparam em 02.02.2015 (data da modificação unilateral do contrato de concessão do SID…, em que se estabeleceu o modo e o momento do pagamento da contrapartida do direito à concessão, com efeitos reportados a 01.01.2014).

n)      A AT desconsiderou também a dedução para efeitos fiscais do gasto atinente à atualização financeira acumulada relativa à provisão para investimentos de substituição de equipamento da concessão, calculada desde o início da concessão até à data de 31-12-2009, por não se encontrar prevista no art. 39.º do CIRC.

o)      Não procede a pretensão da Requerente de dedução do montante anual de €59.128,87, bem como da amortização do ativo intangível em causa, dado que não se verificam os critérios de reconhecimento de um ativo incorpóreo na data da transição.

p)      Porque a Requerente a não impugnou, deve considerar-se aceite a “Correcção da actualização da provisão para investimento de infraestruturas de substituição”.

q)      Carecem de fundamento os argumentos invocados pela Requerente no sentido de que existe erro na aplicação do direito e de que a AT incorreu em vício de violação da lei, devendo a acção ser considerada improcedente e a Requerida absolvida do pedido.

 

6.As partes ofereceram alegações pugnando, no essencial, pelo sustentado em sede de articulados.

***

 

II.      SANEAMENTO

 

1.O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

2.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

3.O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

4.Não foram suscitadas quaisquer exceções de que cumpra conhecer.

5.Não se verificam nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

 

        Julgam-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente foi constituída em 14.09.1998 e tem como objeto social a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais do Sistema Integrado de Despoluição do … (SID…).

b)      Em 29.10.1998, a B… (“B…”) e a A… celebraram, por escritura pública, o contrato de concessão para a exploração e gestão, em regime de exclusividade, do SID… que à data servia os municípios de…, … e …(Documento n.º 3, junto pela Requerente, artigo 1.º).

c)      Este contrato foi celebrado pelo prazo de 25 anos a contar da data de consignação definitiva das infraestruturas existentes do sistema (n.º 1 do artigo 65.º do Documento n.º 3, junto pela Requerente).

d)     A consignação definitiva das infraestruturas que integravam o SID… ocorreu a 01.08.2000 (Documento n.º 4, junto pela Requerente).

e)      O objeto da concessão integrava, na área de intervenção, a “exploração e gestão, em regime de exclusividade, do serviço público de drenagem, depuração e destino final das águas materializado pelo SID…, a reabilitação de infra-estruturas existentes que dela careçam e a execução de novas infra-estruturas de acordo com o Plano Previsional de Execução Física de Infra-estruturas relativo à Hipótese B prevista no Programa de concurso (…)” (art. 4.º, do Documento n.º 3, junto pela Requerente).

f)       O contrato de concessão define ainda que o objeto da concessão “apenas inclui o financiamento, nos termos do disposto no artigo 68.º deste contrato, a concepção, a execução e a exploração de uma solução definitiva para o destino final de lamas e as segundas fases das Estações de Tratamento das Águas Residuais de…, … e…, conforme Programas 2 e 3 definidos no Plano Previsional de Execução das Infra-estruturas relativas ao Tratamento, ao Destino Final das Lamas e à Reutilização dos Efluentes Líquidos (…)”(n.º 2 do artigo 4.º do Documento n.º 3, junto pela Requerente).

g)      De acordo com o n.º 1 do artigo 68.º do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente), “A Concessionária executará o esquema financeiro constante do estudo económico constante da sua proposta, relativa à Hipótese B e tal como definida no número 2 do artigo 4.º, nos aspectos correspondentes à exploração do serviço concedido, o qual faz parte integrante deste Contrato.

h)      Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente), “O esquema referido nos números anteriores está organizado tendo em conta as seguintes fontes de financiamento: a) O capital da Concessionária e outros capitais próprios, designadamente suprimentos ou prestações suplementares de capital; b) As comparticipações financeiras e os subsídios concedidos à Concessionária; c) As receitas provenientes das tarifas ou valores garantidos cobrados pela Concessionária; d) Outras fontes de financiamento, designadamente capitais alheios veiculados em regime de “project finance”, dívida subordinada, sénior ou papel comercial.

i)        O artigo 68.º do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente) prevê ainda, no seu n.º 5 que “Se à Concessionária não forem disponibilizadas oportunamente as verbas oriundas das fontes de financiamento referidas na alínea b) do número anterior ou outras, obriga-se ela a financiar integralmente os custos das infra-estruturas de tratamento de lamas, tal como definidas no Plano Director de Infra-estruturas”.

j)        Mais se refere, no n.º 7 do mesmo artigo 68.º do contrato de concessão que “No caso de, tal como previsto no n.º 5 deste artigo, serem disponibilizados fundos para subsidiar as infraestruturas de tratamento de lamas, a Concessionária obriga-se a comparticipar no financiamento das restantes obras, num montante global equivalente ao dos fundos disponibilizados”.

k)      A obrigação de financiamento das infraestruturas de tratamento de lamas devia concretizar-se na construção de uma central de secagem térmica de lamas (Documento n.º 5, junto pela Requerente).

l)        De acordo com o estudo económico, que constitui parte integrante do contrato de concessão do SID…, a obrigação de financiamento das infraestruturas de tratamento de lamas ascendia a € 17.907.842 (somatório dos valores anuais relativos ao ativo composto pelas infraestruturas de tratamento de lamas constante do Documento n.º 6, junto pela Requerente).

m)    Por aditamento ao contrato de concessão de 20.04.1999, as partes afetaram um valor correspondente a € 2.493.989 relativos à obrigação de investimento à realização de qualquer obra a integrar no SID…, e bem assim, em virtude da não aplicação da fórmula de atualização tarifária, diminuíram o valor de investimento a realizar em € 997.596, ficando a obrigação de investimento global nos € 16.910.246.

n)      Ao abrigo desta obrigação a Requerente realizou investimentos em infraestruturas no montante global de € 1.724.500, ficando € 15.185.746 de investimento por realizar ao abrigo da obrigação de financiamento das infraestruturas de tratamento de lamas prevista no contrato de concessão.

o)      No n.º 1 do artigo 69.º do contrato de concessão prevê-se que o serviço prestado pela concessionária, ora Requerente, seja pago por quem o utilizar, devendo as correspondentes tarifas e taxas ser aprovadas pela Concedente (Documento n.º 3, junto pela Requerente).

p)      De acordo com o n.º 5 do mesmo artigo 69.º, “A fixação das Tarifas deverá: a) Assegurar, dentro do período de concessão, a amortização do investimento a cargo da Concessionária; b) Assegurar a manutenção, a reparação e a renovação de todas as infra-estruturas e outros bens afectos à Concessão; c) Assegurar a amortização, tecnicamente exigida, de eventuais novos investimentos de expansão ou modernização do Sistema, especificamente incluídos nos planos de investimento autorizados; d) Atender ao nível de custos necessários para uma gestão eficiente do Sistema e à existência de receitas não provenientes da Tarifa; e) Assegurar uma adequada remuneração dos capitais próprios da Concessionária.” (ibidem).

q)      Em maio de 2002 foi criado o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do … (“Sistema Multimunicipal do…”), cuja concessão foi adjudicada à C…, S.A (“C…”) através do Decreto-Lei n.º 135/2002, de 14 de maio (Documento n.º 7, junto pela Requerente).

r)       O respetivo contrato de concessão foi celebrado em 21.10.2003.

s)       Este sistema multimunicipal, quer no que respeita ao seu âmbito geográfico, quer ao respectivo objeto de exploração, veio sobrepor-se ao SID….

t)       Com vista a salvaguardar a posição da Requerente enquanto concessionária do SID…, foi estabelecido um protocolo de entendimento (em 24.03.2004) entre a A…, a B… e a C… (Documento n.º 8, junto pela Requerente) no âmbito do qual, entre outras, foi acordado prever uma alteração e definição de novos pressupostos sobre a obrigação de realização do investimento.

u)      Posteriormente, foi celebrado um contrato de cessão da posição contratual de concedente no contrato de concessão de que a A… é concessionária da B… a favor da C… .

v)      A 04.06.2010, verificou-se a fusão-extinção, ao abrigo do Decreto-Lei nº 41/2010, de 29 de abril, mediante a transferência global do património das sociedades: E…, S.A., F…, S.A., e C…, S.A, para constituição da sociedade D…, S.A..

w)    A D…, S.A. é a entidade responsável, em regime exclusivo, pela concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Noroeste.

x)      Este sistema multimunicipal veio substituir os sistemas multimunicipais de (i) captação, tratamento e abastecimento de águas do norte da área do Grande ..., (ii) de abastecimento de água e saneamento do … e (iii) de abastecimento de água e saneamento do … .

y)      Em consequência, a D…, S.A. assumiu a posição de concedente no contrato de concessão do SID….

z)      Ficou definido, por intervenção da acionista da D… (a G…, SA), que deveria proceder-se com a celeridade possível à adequação do contrato de concessão às condições de exploração (comunicação ADM/…de 07 de Julho de 2010, Documentos n.º 9 e 10, juntos pela Requerente).

aa)    A D… instruiu a A… no sentido de: i. A obrigação de financiamento da Concessionaria remanescente, inicialmente alocada aos investimentos do Plano Diretor de Infraestruturas deverá ser integralmente transferida para uma revisão do tarifário vigente; ii. Atendendo ao referido em i), vimos, nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 1, a), do Contrato de Concessão do SID…, proceder a uma Alteração Extraordinária das Tarifas e Taxas, fixando a tarifa média prevista no Artigo 74.º, n.º 1 a) do Contrato de Concessão do SID… em 0,37€ /m3, a preços de 2015 com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014 e em termos a regular em Acordo a celebrar entre as partes; iii. A redução do tarifário referida em ii) produzirá efeitos até que se mostre esgotada a obrigação de financiamento designada em i)”.

bb)  Por força deste acordo entre a Requerente e a Concedente, foi definido o momento a partir do qual deveria ser efetuado o pagamento da obrigação de financiamento assumida como contrapartida pelo direito da Concessionária de utilização exclusiva do SID…, que enformou o modelo económico da respetiva concessão (Documento n.º 11, junto pela Requerente).

cc)   A alteração das condições contratuais iniciais só veio a ocorrer em 2015, com efeitos retroativos a 1.1.2014 (Documento n.º11 junto pela Requerente e art. 30.º da Petição).

dd) Em cumprimento da ordem de serviço OI2014…, foi levada a cabo, pela Divisão de Inspeção Tributária I (Equipa F) da Direção de Finanças de … (doravante DIT ou serviços de inspeção da Autoridade Tributária), um procedimento de inspeção externa de âmbito geral ao exercício de 2011, com início em 31.10.2014.

ee)   Na sequência da ação de inspeção identificada foi emitido o respetivo Relatório de Conclusões de Inspeção Tributária (relatório de inspeção) - Documento n.º 12, junto pela Requerente.

ff)    De acordo com o ponto 1.1 -“Enquadramento transversal relativo às correções em sede de IRC” do relatório de inspeção (Documento 12, junto pela Requerente), os serviços de inspeção afirmam que: «No âmbito do contrato de concessão o Sujeito Passivo tem a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de 16.910.246,00 EUR, para a realização das infraestruturas e obras a integrar o SID…»; «Este valor foi reconhecido como uma provisão, dado o seu carácter incerto quanto à tempestividade, por contrapartida do “ativo intangível – obrigação de investimento” do Sujeito passivo, traduzindo o direito da concessionária de cobrar aos utilizadores um serviço público»; «Do investimento previsto, a concessionária realizou obras no valor de 1.724.500,10 EUR.», «Nos termos do mesmo contrato de concessão, o Sujeito Passivo procedeu à constituição de uma provisão para substituição, que se destina a acorrer à realização de despesas futuras em renovação das infraestruturas da concessão, desde que se preveja serem de realização certa nos anos que restam do período de concessão»; «Assim o Sujeito Passivo reconheceu uma “provisão” no valor de 1.868.648,24 EUR, referente à responsabilidade de manter as infraestruturas num bom estado de funcionamento, por contrapartida do “ativo intangível”, uma vez que a tarifa cobrada aos utilizadores do serviço público remunera também esta obrigação.»

gg)  Os serviços de inspeção procederam às seguintes correções oficiosas em sede de IRC:

1        Anulação do ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: €44.824,64

2        Consideração da variação patrimonial negativa associada ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: -€3.687,58

3        Obrigação de investimento – reversão da amortização do “Acréscimo de custos” não aceite para efeitos fiscais após a transição para o SNC: €383.977,35

4        Correção da atualização da provisão para investimento de infraestruturas de substituição: €49.736,50

5        Obrigação de investimento – correção da amortização do exercício do ativo intangível: €546.887,19

6        Coimas e demais encargos pela prática de infracções: €275,50

Total das correções ao lucro tributável do IRC: €1.022.013,61

hh)  A metodologia seguida pelos serviços de inspeção da AT foi, pela ordem descrita, a) Validar o ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis, b) Apurar em seguida as variações patrimoniais – regime transitório – artigo 5.º, n.ºs  1, 5 e 6 do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, c) Validar o acréscimo ao lucro tributável inscrito no campo 721 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22; d) Validar as amortizações do ativo intangível; e) Proceder a outros ajustamentos ao lucro tributável (coimas e demais encargos pela prática de infrações e donativo).

ii)      A análise da Requerida, incidente sobre os ajustamentos, encontra-se reflectida no quadro seguinte:

Ajustamentos ao abrigo do regime transitório (n.ºs 1, 5 e 6, art.º 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho)

Efeitos nos capitais próprios

Montantes

(I) Desreconhecimento de infra-estruturas disponibilizadas pela concedente

Com efeito negativo nos capitais próprios

- €85.009.953,00

(II) Desreconhecimento das amortizações acumuladas relativas às infra-estruturas disponibilizadas pela Concedente

Com efeito positivo nos capitais próprios

+ €35.783.435,00

(III) Desreconhecimento de Acréscimo de Proveitos Relativo às infra-estruturas disponibilizadas pela concedente

 

Com efeito positivo nos capitais próprios

+ €48.201.308,00

(IV) Reconhecimento do investimento já realizado

 

 

 

Com efeito positivo nos capitais próprios

+ €1.724.500,00

(V) Amortizações do imobilizado intangível relativo à obrigação de investimento contratual

Com efeito negativo nos capitais próprios

- €7.089.699,00

(VI) Reversão dos acréscimos POC relativos à obrigação de investimento contratual

Com efeito positivo nos capitais próprios

+ €6.143.637,00

(VII) Desreconhecimento de Provisão POC Fundo de Renovação

 

Com efeito positivo nos capitais próprios

+ €42.647,00

TOTAL Variação Patrimonial Negativa

 

Ajustamento ao lucro tributável

 

 

 

€- 224.125,00

 

 

1/5 x (-224.125,00)=

- €44.824,64

 

jj)      No que concerne à correção oficiosa identificada na síntese referida supra, os serviços de inspeção referem no relatório de inspeção (Documento 12, junto pela Requerente), baseando-se na alínea b) do ponto 2.4 do Anexo ao Relatório e Contas do período de 2010, que «Concluiu-se que o cálculo elaborado pelo Sujeito Passivo corresponde a 1/5 do somatório dos seguintes ajustamentos (…): (i) “Desreconhecimento de infraestruturas disponibilizadas pela concedente”, com efeito negativo nos capitais próprios de 85.009.953,00 EUR; (ii) “Desreconhecimento das amortizações acumuladas relativas às infraestruturas disponibilizadas pela concedente”, com efeito positivo nos capitais próprios de 35.763.435,00 EUR; (iii) “Desreconhecimento de [Acréscimo de] Proveitos [diferidos] relativo às infraestruturas disponibilizadas pela concedente”, com efeito positivo nos capitais próprios de 48.201.308,00 EUR; (iv) “Reconhecimento do investimento já realizado”, com efeito positivo nos capitais própriosde 1.724.500,00 EUR; (v) ”Amortizações do Imobilizado intangível relativo à obrigação de investimento contratual”, com efeito negativo nos capitais próprios de 7.089.699,00EUR; (vi) Reversão dos acréscimos POC relativos à Obrigação de investimento contratual”, com efeito positivo nos capitais próprios de 6.143.637,00 EUR; (vii) Desreconhecimento de Provisão POC Fundo de Renovação”, com efeito positivo nos capitais próprios de 42.647,00 EUR.”

kk)  Quanto ao ajustamento inscrito, pela Requerente, no campo 705 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, por 1/5 do seu valor (€44.824,64), os serviços de inspeção referem que “Os desreconhecimentos identificados em (i), (ii) e (iii) estão inter-relacionados, razão pela qual são analisados conjuntamente. Agregadamente está em causa um desreconhecimento de -1.045.210,00 EUR (-85.009.953,00 EUR +35.763.435,00 EUR + 48.201.308,00 EUR = -1.045.210,00 EUR) com efeito negativo nos capitais próprios” e que «(…) apesar do descritivo utilizado pelo Sujeito Passivo nesses desreconhecimentos, “… infraestruturas disponibilizadas pela concedente”, esses ajustamentos não se devem exclusivamente ao desreconhecimento das infraestruturas disponibilizadas pela concedente (B…) ao abrigo do contrato de concessão celebrado com o Sujeito Passivo (…) “.

ll)      Os serviços de inspeção identificam quatro ordens de justificação para os valores em causa: (1) Infraestruturas disponibilizadas pela concedente; (2) Investimentos efetuados pelo Sujeito Passivo, entre o início da concessão e 2009-12-31, realizados ao abrigo da obrigação de financiar a infraestrutura a integrar no SID…; (3) Investimento efectuados pelo Sujeito Passivo, entre o início da concessão e 2009-12-31, relativo a despesas de instalação (imobilizações incorpóreas); (4) Investimento efectuados pelo Sujeito Passivo, entre o início da concessão e 2009-12-31, em bens que não cumprem os requisitos para serem considerados “Ativos Fixos” no âmbito do NCRF/SNC”.

mm)  Na análise destas componentes do ajustamento realizado pela Requerente, os serviços adotam como ponto de partida os valores constantes do relatório e contas de 2009 [cf. ponto 1.2, a), nas págs. 8 a 11, do Doc. n.º 3]: «De acordo com o balanço do período de 2009, em 2009-12-31, o valor das infraestruturas disponibilizadas pela concedente (B…), o ativo bruto ascendia a 82.741.284,00 EUR (…). Este ativo bruto consta do desreconhecimento identificado em (i) (…). Por sua vez a amortização acumulada desse mesmo ativo ascendia a 34.539.976,00 EUR (…). Esta amortização acumulada consta do desreconhecimento identificado em (ii) (…). Por outro lado, o valor líquido desse ativo, no montante de 48.201.308,00 EUR (…) encontra-se refletido no passivo, em acréscimos e diferimentos, mais concretamente em proveitos diferidos (…). Veja-se que esse proveito diferido foi desreconhecido, conforme o desreconhecimento identificado em (iii). Agregadamente, o efeito nos capitais próprios, associado aos desreconhecimentos referidos, é nulo (-82.741.284,00 EUR + 34.539.976,00 EUR + 48.201.308,00 EUR = -0,00 EUR)».

nn)  Os serviços consideraram também que «Os “valores da concessão” estão a ser amortizados e reconhecidos como custos e proveitos de igual montante, pelo prazo da concessão e refletidos nas rubricas de custos e proveitos extraordinários, respetivamente», os serviços de inspeção consideram que “(…) resulta que o ativo (ativo bruto) e os passivos associados (amortizações acumuladas e proveitos diferidos), não influenciaram o resultado fiscal dos períodos de 2009 e anteriores sendo, portanto, neutros em termos de custo (gasto) ou proveito (rendimento fiscal)”, concluindo, relativamente ao ajustamento em questão, que “(…) será um ajustamento que não é fiscalmente relevante e não deve ser considerado para o regime transitório fiscal previsto nos n.ºs 1,5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho”.

oo)  Os serviços de inspeção referem que, integrando o ativo bruto desreconhecido pela Requerente, está o montante de € 1.724.500,10 respeitante a investimentos efetuados pela A…, desde o início da concessão até 31.12.2009, ao abrigo da obrigação de financiamento da infraestrutura a integrar o SID… .

pp)  Das amortizações acumuladas desreconhecidas os serviços identificam o valor de € 698.052,95 respeitante a amortizações dos ativos em que se concretizou o investimento referido no ponto anterior.

qq)  Referem os serviços que, “Em termos agregados está em causa um desreconhecimento de 1.026.447,15 EUR, (…) com efeito negativo nos capitais próprios”, bem como que “a amortização deste ativo foi levada a custos (gastos) dos períodos de 2009 e anteriores, na rubrica de amortizações do exercício. Este custo foi aceite fiscalmente”.

rr)     Mais referem os serviços de inspeção quanto a este ajustamento que “Com a entrada em vigor dos novos normativos contabilísticos (…) esta amortização continua a ser aceite fiscalmente nos termos do artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro(…)”, e que, “Este gasto fiscal não resulta de uma contabilização direta, porquanto o ativo base foi desreconhecido".

ss)    Os serviços de inspeção entendem que “(…) este ajustamento não é fiscalmente relevante (o regime fiscal mantém-se antes e após os novos normativos contabilísticos) e, por isso, não deve ser considerado no regime transitório fiscal previsto nos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.”

tt)     No que concerne às componentes associadas ao investimento efetuado pela A…, entre o início da concessão e 31.12.2009, relativo a despesas de instalação (imobilizações incorpóreas), os serviços entendem que, tratando-se de um ativo que se encontra totalmente amortizado, “(…) em termos agregados, não existe qualquer efeito nos capitais próprios fruto deste desreconhecimento. Os custos (gastos) associados a este ativo foram totalmente reconhecidos e aceites fiscalmente nos períodos anteriores a 2009 (…)”

uu)  Os serviços de inspeção concluem que “(…) este ajustamento não é fiscalmente relevante (nem sequer existe) e por isso não deve ser considerado no regime transitório fiscal previsto nos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.”

vv)  No que concerne às componentes associadas ao investimento efetuado pela A…, entre o início da concessão e 31.12.2009, relativo a despesas de instalação (imobilizações incorpóreas), os serviços entendem que, tratando-se de um ativo que se encontra totalmente amortizado, “(…) em termos agregados, não existe qualquer efeito nos capitais próprios fruto deste desreconhecimento. Os custos (gastos) associados a este ativo foram totalmente reconhecidos e aceites fiscalmente nos períodos anteriores a 2009 (…)”.

ww)  Os serviços de inspeção concluem que “(…) este ajustamento não é fiscalmente relevante (nem sequer existe) e por isso não deve ser considerado no regime transitório fiscal previsto nos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.”

xx)  No que respeita ao investimento efetuado pelo Sujeito Passivo, entre o início da concessão e 31.12.2009, em bens que não cumprem os requisitos para serem considerados “Ativos Fixos” no âmbito do NCRF/SNC, os serviços de inspeção afirmam que os bens em causa, registados pelo valor bruto de € 90.529,52 e com amortizações acumuladas na ordem dos € 72.091,60, integrando a infraestrutura concessionada não podem, de acordo com os novos normativos contabilísticos, ser qualificados como “Ativos fixos tangíveis”, já que não são da propriedade da Requerente.

yy)  Uma vez que os bens integravam o imobilizado corpóreo de acordo com as regras de contabilização do POC, entenderam os serviços de inspeção que o respectivo desreconhecimento, com impacto negativo nos capitais próprios de € 18.437,92, tem relevância fiscal.

zz)   Em relação ao reconhecimento do investimento realizado em cumprimento da obrigação de investimento prevista no contrato de concessão, a Requerente apurou uma variação patrimonial positiva de € 1.724.500,00.

aaa)    Sobre esta variação patrimonial positiva, os serviços de inspeção da AT referem que a mesma resulta “de um movimento nos capitais próprios por contrapartida de uma provisão, concretamente a provisão relativa à obrigação de investimento contratual (conta 29880000 Provisões – Outros) e serviu para ajustar o saldo dessa provisão, à data de 2009-12-31, de forma a refletir o montante do investimento que o sujeito passivo estava obrigado a realizar até ao fim da concessão” (cf. pág. 12, ponto 1.2., b), do relatório de inspeção, i.e.. Documento 12, junto pela Requerente).

bbb)  Os serviços de inspeção da AT referem também a propósito desta correção que, “A provisão em causa não era fiscalmente aceite antes da transição para os novos normativos contabilísticos (…) e, todos os gastos ou rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidos após a transição também não o são nos termos do artigo 39.º do Código do IRC (…)”.

ccc)    No âmbito dos ajustamentos de transição para os novos normativos contabilísticos, a Requerente registou uma variação patrimonial negativa no valor de € 7.089.699,00 referente ao reconhecimento de amortizações acumuladas do ativo intangível relativo à obrigação de investimento, calculadas desde o início da concessão até 31.12.2009.

ddd) Relativamente a este ajustamento os serviços de inspeção da AT referem que “Este movimento (…) visa corrigir o ativo intangível bruto (ativo intangível relativo à obrigação de investimento contratual) das respetivas amortizações para que a mensuração estivesse pelo valor líquido. Estas amortizações não existiam antes da transição para os novos normativos contabilísticos (…) tendo este ativo sido criado por força dos novos normativos contabilísticos.” (cf. pág. 12, ponto 1.2. c) do Relatório de Inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

eee)    E acrescentam aqueles serviços, no referido relatório (cf. pág. 12, ponto 1.2. c), Documento 12, junto pela Requerente), que “(…) a amortização em causa não é aceite fiscalmente. O regime fiscal das depreciações e amortizações, previsto n.º n.º 1 do artigo 12.º do Decreto- Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, diz que apenas são fiscalmente dedutíveis as amortizações decorrentes dos investimentos efetivamente realizados (…), e não as decorrentes do ativo intangível relativo à obrigação de investimento (como é o caso)”, concluindo que “Portanto, trata-se de um ajustamento que não é fiscalmente relevante para efeitos de aplicação do regime transitório previsto nos n.ºs 1,5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.”

fff) Na avaliação do ajustamento de transição relativo à reversão do valor contabilizado a título de acréscimos de custos (custos a incorrer com a obrigação de investimento – cf. alínea b) do n.º 4 da Diretriz Contabilística n.º 4/91) no montante de € 6.143.637,57, que deu origem ao apuramento de uma variação patrimonial positiva (considerada pela Requerente no valor agregado dos ajustamentos de transição fiscalmente relevantes), os serviços de inspeção da AT consideram que este ajustamento é fiscalmente relevante.

ggg)  No que concerne à variação patrimonial positiva, apurada pela Requerente e refletida no respetivo resultado tributável, em virtude da reversão de uma provisão denominada “Provisão POC Fundo de Renovação”, os serviços de inspeção consideram que “Este desreconhecimento resulta de um movimento nos capitais próprios por contrapartida de uma provisão (Provisão Investimento de Substituição) e serviu para ajustar o saldo dessa provisão a 2009-12-31, de forma a refletir o montante do investimento de substituição que o sujeito passivo estima realizar até ao fim da concessão” e concluem que “A provisão em causa não era fiscalmente aceite antes da transição para os novos normativos contabilísticos (…) e, todos os gastos ou rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidos após a transição também não o são nos termos do artigo 39.º do Código do IRC (…)”, logo, o ajustamento em causa “não é fiscalmente relevante para efeitos de aplicação do regime transitório previsto nos n.ºs 1,5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho” (cf. pág. 13, ponto 1.6. e) do relatório de inspeção – Documento n.º 12).

hhh)  Os serviços de inspeção da AT propugnam que seja corrigida a variação patrimonial negativa, de € 44.824,64, que decorre da consideração agregada dos ajustamentos melhor identificados.

iii)    Os serviços de inspeção da AT entenderam ser de deduzir ao resultado tributável do exercício de 2010, 1/16 da variação patrimonial negativa apurada (€ 18.437,92 / 16 = € 3.687,58) em consequência do desreconhecimento de bens que estavam contabilizados no imobilizado corpóreo da Requerente e que após a transição para o novo quadro normativo contabilístico não reúnem as condições para serem qualificados ativos fixos tangíveis, por se tratarem de bens que não são da propriedade da Requerente.

jjj)    Na avaliação do ajustamento de transição relativo à reversão do valor contabilizado a título de acréscimos de custos (custos a incorrer com a obrigação de investimento – cf. alínea b) do n.º 4 da Diretriz Contabilística n.º 4/91) no montante de € 6.143.637,57, que deu origem ao apuramento de uma variação patrimonial positiva (considerada pela Requerente no valor agregado dos ajustamentos de transição fiscalmente relevantes), os serviços de inspeção da AT consideram que “Esse saldo corresponde ao montante acumulado das quotas-partes consideradas como custos, em cada exercício, (…) deduzidos das amortizações acumuladas do investimento realizado ao abrigo da obrigação contratual (…). “ (cf. pág. 17, ponto 1.4.6 do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

kkk)  Concluem os serviços de inspeção da AT, que “O desreconhecimento deste passivo é fiscalmente relevante (…) por causa da revogação do POC e das Diretrizes contabilísticas e, particularmente, pelo facto de a Diretriz Contabilística n.º 4/91 ter deixado de ser aplicável fiscalmente (…).” (cf. pág. 17, ponto 1.4.6 do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

lll)    Os serviços de inspeção da AT preconizam que tal variação patrimonial seja dividida pelo número de anos que faltam para o termo da concessão (16 anos) e o resultado (€ 383.977,35) acrescido ao resultado tributável de cada um dos períodos de tributação respetivos, desde logo ao exercício de 2010, nos termos do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, (cf. pág. 17, ponto 1.4.6 do relatório de inspeção – Doc. 12).

mmm) Os serviços de inspeção da AT constataram que “O Balanço do período de 2011 e o balancete analítico após apuramento de 2011-12-31, evidenciam um ativo intangível no montante de 9.514.982,12 EUR (…). Esse ativo intangível refere-se ao Direito de Concessão que compreende o valor a pagar relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SID… e a[s] responsabilidades na substituição de equipamento de concessão (…).”, (cf. pág. 19, ponto 1.4.1 do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente) e ainda que: “Assim, o referido ativo intangível (Direito de Concessão) pode ser discriminado conforme se segue: • Obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SID…, no montante líquido de 8.560.155,59 EUR, sendo o custo de 16.910.246,00 EUR e as amortizações acumuladas de 8.350.090,41 EUR (…); • Responsabilidade na substituição do equipamento da concessão, no montante líquido de 954.826,53 EUR, sendo o custo de 1.868.648,24 EUR e as amortizações acumuladas de 913.821,71 EUR (…).

nnn)  As amortizações do exercício de 2011 referentes a este ativo intangível ascenderam a € 700.489,48 (cf. pág. 20, ponto 1.4.2. do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

ooo)  Relativamente a estas amortizações os serviços de inspeção da AT discriminam (i) a amortização referente à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SID…, no montante de € 630.195,50 e a (ii) amortização relativa à responsabilidade na substituição de equipamento da concessão, no valor de € 70.293,98 (cf. pág. 21, ponto 1.4.2. do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

ppp)  Os serviços de inspeção da AT constatam que a Requerente “No período de tributação de 2011 (…) apresentou o relato contabilístico das suas contas de acordo com as NCRF que fazem parte integrante do SNC e, por omissão do normativo português relativamente aos serviços concessionados, aplicou supletivamente a IFRIC 12 e a SIC 29 vertidas no normativo internacional (…)”, (cf. pág. 21, ponto 1.4.3 do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

qqq)  Considerando que “O regime fiscal das depreciações e amortizações, regulado no Decreto Regulamentar n.º 25/2009 não prevê o tratamento fiscal de acordo com a IFRIC 12.”, os serviços de inspeção da AT concluem, com base no disposto no artigo 12.º do referido decreto-regulamentar, que “Mediante o regime fiscal das depreciações e amortizações previsto no n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, apenas são fiscalmente dedutíveis as amortizações decorrentes dos investimentos efetivamente realizados ao abrigo da obrigação contratual”, (cf. pág. 21, ponto 1.4.3 do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

rrr)  Na avaliação da dedutibilidade fiscal das amortizações do exercício consideradas pela A… relativamente ao ativo intangível consubstanciado no “Direito à Concessão”, os serviços de inspeção da AT consideram que apenas as amortizações do exercício respeitantes ao investimento já realizado (num total de € 1.724.500,10), que se cifram em € 83.308,31, poderiam ser deduzidas no apuramento do lucro tributável do exercício (cf. págs. 21, 22, ponto 1.4.4 e 1.4.5. do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

sss)Os serviços de inspeção da AT promovem o acréscimo oficioso ao lucro tributável dos remanescentes € 546.887,19 (cf. pág. 22, ponto 1.4.5 e 1.4.6. do relatório de inspeção – Documento 12, junto pela Requerente).

ttt)  Por não concordar com as correções oficiosas promovidas pela AT, designadamente as consubstanciadas na a) Não aceitação, para efeitos fiscais, da variação patrimonial negativa decorrente do reconhecimento retrospetivo das amortizações acumuladas do ativo intangível “Direito à Concessão” na parte integrada pelo valor a pagar relativo à designada obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SID…; e na b) Não aceitação da dedutibilidade fiscal da amortização do exercício referente ao mesmo ativo na parte integrada pelo mesmo valor, a Requerente apresentou reclamação graciosa do ato tributário objeto do presente pedido de pronúncia arbitral  Documento n.º 13, junto pela Requerente).

uuu)   Por despacho datado de 04.11.2015, o Exmo. Senhor Diretor de Finanças de…, indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

vvv)  Em resposta ao alegado pela Requerente quanto ao pressupostos de facto em que a liquidação em análise se baseou, veio a AT pronunciar-se no âmbito da decisão da reclamação graciosa apresentada, no sentido de que “(…) nos parece que os serviços se limitaram a analisar factos concretos, inequívocos, mensuráveis e validáveis à sua disposição nomeadamente o contrato da concessão que estava em vigor à data dos factos e a diversa informação disponibilizada pela administração da A… nomeadamente através dos seus relatório e contas dos diversos anos até 2011”.[cf. pág. 12 da informação anexa ao projeto de decisão da reclamação graciosa para que remete a decisão final de indeferimento (Documento n.º 14, junto pela Requerente).

www) Os serviços concluíram: “É assim verdade que no ano em análise constituía contrapartida exclusiva do direito à concessão a realização de obras nas infraestruturas, não tendo sido substituída de facto por qualquer outra obrigação e muito menos pelo pagamento de um preço.” (cf. pág. 13 do Documento 14, junto pela Requerente); “A empresa constituiu a provisão [para refletir a obrigação em causa] pelo carácter incerto quanto à tempestividade por contrapartida de um ativo intangível, que dadas as circunstâncias se estava a revelar incerto quanto à sua natureza e bem assim quanto ao momento em que deveria ser cumprido” (ibidem); “Ao contrário do que diz a reclamante na sua petição, quando afirma que apesar de não se ter formalizado a substituição da contrapartida a prestar pela aquisição do direito à concessão e que o reconhecimento do ativo intangível por contrapartida de uma provisão pudesse suscitar dúvidas, a autoridade tributária estaria sempre adstrita a uma avaliação desta realidade à luz do princípio da substância sob a forma, o que aconteceu foi exatamente a análise factual”. (ibidem);

xxx)  A Requerente procedeu ao pagamento voluntário das liquidações impugnadas (cfr. doc 15).

 

§2.Factos não provados

 

Não existem quaisquer outros factos, com relevância para a decisão arbitral, a julgar como não provados.

 

 §3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante ao julgamento da matéria de facto, a convição do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas partes em sede de facto, no teor dos documentos juntos aos autos (designadamente do processo administrativo).

 

III.2. Matéria de direito

A questão central de direito a considerar neste processo arbitral gira em torno de saber se procede o pedido formulado pela Requerente, quanto à anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2011, com o n.º 2014…, de 19.12.2014, correspondentes demonstrações de liquidação de juros com os n.ºs 2014 … e 2014…, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014 … de 22.12.2014, no valor total de € 324.360,37.

Segundo a Requerente a mencionada liquidação, que resulta das correções efetuadas pela AT identificadas no ponto gg) do probatório, são ilegais por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito e vício de procedimento por violação dos princípios do inquisitório, da verdade material e do ónus da prova.

 

Vejamos.

 

III.2.1. Quanto à ilegalidade da liquidação

 

Por estar em causa um contrato de concessão de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos que, como veremos, goza de um regime fiscal especial, antes de entrarmos na apreciação do pedido importa tecer algumas considerações preliminares sobre o enquadramento contabilístico e fiscal resultante do contrato de concessão antes e depois de 2010.

 

§1º ENQUADRAMENTO CONTABILÍSTICO E FISCAL RESULTANTES DO CONTRATO DE CONCESSÃO ANTES E DEPOIS DE 2010

 

Na vigência do referido contrato de concessão ocorreu uma profunda alteração no sistema de contabilidade em Portugal, que obrigou à passagem do Plano Oficial de Contabilidade (POC) para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Essa alteração ditou a necessidade de alterar a contabilização dos contratos de concessão. Todavia, a essência económica do contrato não se alterou.

 

1.        ANTES DE 2010

1.1.  QUESTÕES CONTABILÍSTICAS

1.1.1.      Contabilização das infraestruturas em POC

 

As infraestruturas concessionadas e ativos afetos à concessão, ainda que revertíveis para a concedente ou terceiros no fim da concessão, eram registados até 2009, conforme disposições do POC e da Directriz Contabilística n.º 4/91, no imobilizado corpóreo da concessionária e amortizadas pelo período da concessão ou de acordo com o respetivo período de vida útil se inferior.

No caso concreto, as infraestruturas entregues pelo concedente à concessionária não têm implícito qualquer pagamento direto por conta da concessionária à concedente. Na data da assinatura do contrato de concessão a concessionária recebeu a infraestrutura da concedente e reconheceu a mesma como imobilizado corpóreo, como contrapartida de uma conta de proveitos diferidos, no montante equivalente ao valor das infraestruturas.

Posteriormente, no final de cada um dos exercícios económicos, a Requerente veio a considerar a quota-parte dos proveitos diferidos (atendendo à duração do contrato) como proveitos extraordinários de cada um dos períodos, vindo, por sua vez, a reconhecer em cada um desses períodos a amortização do exercício relativa às infraestruturas que lhe haviam sido entregues, a qual se foi acumulando numa conta de amortizações acumuladas.

A particularidade associada a este tipo de contrato de concessão conduziu a que a Requerente reconhecesse em cada período contabilístico, de 1998 a 2009, um custo/gasto exatamente do mesmo montante que o proveito/rendimento associado e subjacente à contabilização da infraestrutura entregue à concessionária pela concedente. Evidentemente que em termos contabilísticos e fiscais o efeito sobre o resultado líquido apurado na contabilidade e sobre o lucro tributável é, em cada um dos períodos, nulo.

 

1.1.2.      Obrigações de investimento em POC/Directrizes Contabilísticas

A contabilização das obrigações contratuais das entidades concessionárias seguia as regras previstas na Directriz Contabilística n.º 4/91 (doravante, DC 4/91), ao abrigo do Plano Oficial de Contabilidade (POC).

A Requerente tinha, ab initio, a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de € 16.910.246, para a realização das infraestruturas e obras a integrar o SID…, em resultado do contrato de concessão celebrado.

Do ponto de vista contabilístico, e no que respeitava aos investimentos a realizar, designados de obrigações de investimento, nos termos dos contratos de concessão, o seu valor total era repartido pelo período da concessão e a respetiva quota anual contabilizada numa rubrica do ativo designada de “acréscimo de custos” por contrapartida do reconhecimento de um custo registado em “fornecimentos e serviços externos”, independentemente da realização efetiva do investimento subjacente à obrigação de investimento constante do contrato de concessão. Este sistema de contabilização permitia acumular na conta de acréscimo de custos o valor total do investimento imputável à concessão (e considerado como custo dos vários exercícios anteriores).

À medida da realização do investimento, a entidade reconhecia o valor efetivamente investido como imobilizado corpóreo e o valor proporcionalmente considerado da conta “acréscimo de custos” era transferido para a conta de amortizações acumuladas. A partir desse momento passava a ser amortizado o remanescente (investimento realizado deduzido dos valores reconhecidos como custos desde o início do contrato de concessão até ao período anterior à realização efetiva do investimento e que foram sendo acumulados na conta de acréscimos de custos).

Este entendimento resultava da alínea b) do n.º 4 da referida DC 4/91, segundo o qual “Quanto aos [investimentos que revertam para terceiros no termo da concessão] que forem de realização certa nos anos seguintes, devem ser estimados os respetivos custos, os quais serão de repartir pelo número total de anos da concessão, sendo as respetivas quotas-partes de considerar como custos, em cada exercício, e acumuladas no passivo como acréscimos de custos; quando o investimento estiver concluído, passará de imobilizado em curso para imobilizado corpóreo, transferindo-se então o saldo daquela conta de acréscimo de custos para a correspondente conta de amortizações acumuladas e amortizando-se a parte restante até ao termo da concessão”.

Esta forma de contabilização para as concessões justifica-se do ponto de vista contabilístico pelas particularidades associadas a este tipo de contratos, pois a generalidade dos mesmos impõe que o concessionário tenha obrigatoriamente de vir a realizar o investimento, independentemente do momento concreto em que efetivamente o venha a fazer no decurso da vida do contrato, e venha, simultaneamente, a obter, através da fixação das tarifas, a recuperação dos investimentos associados às obrigações de investimento ao longo de todo o período da concessão, com base em duas razões principais.

A primeira é a de que o concessionário não tem qualquer alternativa razoável de não vir a realizar essa obrigação de investimento ao longo de todo o período do contrato, independentemente do momento em que o venha efetivamente a realizar. Pode inclusive realizá-lo apenas nos últimos anos do contrato de concessão, mas ainda terá que o realizar, sob pena de incumprir as obrigações contratuais assumidas.

Se essa obrigação não viesse a ser uniformemente considerada como custo/gasto ao longo de todo o período da concessão, tal implicaria que no momento em que as obrigações de investimento se viessem a concretizar em despesas de investimento, os custos/gastos com esse investimento teriam que ser repartidos pelo período remanescente do contrato, o que poderia conduzir a fortes oscilações de tarifas, com acréscimos muito significativos nas mesmas, penalizando os utilizadores do serviço público à data da realização dos investimentos e até ao final do período contratual.

A segunda razão prende-se com o adequado balanceamento dos custos/gastos com os proveitos/rendimentos associados à exploração das infraestruturas. Talqualmente está fixado no contrato da A… com a B…, para a fixação anual da tarifa concorrem as obrigações de investimento a realizar pela A… . Assim sendo, para os proveitos/rendimentos da A…, em cada um dos períodos do contrato, concorreram a parte proporcional das obrigações de investimento, tivessem estas sido já realizadas ou haja a obrigação de as realizar. Assim sendo, e em nome do princípio contabilístico do balanceamento, aos custos/gastos imputados em cada um dos períodos do contrato de concessão foram proporcionalmente acrescidos os custos/gastos que a entidade teria de suportar com os investimentos que se comprometeu a realizar ao longo do referido período do contrato de concessão.

Assim, as obrigações contratuais de investimento em infraestruturas e renovação das infraestruturas, ainda que não realizadas, são geradoras de rendimentos para a A…, razão pela qual teve necessidade de imputar proporcionalmente os custos a suportar com a obrigação de investimento para a fixação do valor da tarifa a cobrar aos utilizadores por um serviço público. Essas “amortizações/custos” das obrigações de investimento, ainda que não realizadas, contribuíram para a fixação da tarifa ao longo de todo o período de 1998 à data dos factos controvertidos.

Os custos/gastos a suportar em resultado dos investimentos que a A… se comprometeu a realizar no âmbito do contrato de concessão terão de concorrer para todos os períodos do contrato, independentemente da sua concretização, atendendo às particularidades associadas à generalidade dos contratos de concessão. Isto, na medida em que a realização desses investimentos se apresentava como uma obrigação de estatuição contratual certa, ainda que a respetiva concretização fosse suscetível de oscilar ao longo desse período contratual.

 

1.2.  QUESTÕES FISCAIS

1.2.1.      Infraestruturas

Até 2009, e na vigência do POC, o legislador fiscal dispunha, no artigo 13.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, sob a epígrafe “Activos revertíveis”, o tratamento fiscal que os contribuintes deviam adotar para as infraestruturas entregues pelo concedente ao concessionário e que reverteriam para o concedente no final do período da concessão, do modo seguinte:

1 - Os elementos do activo imobilizado adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que nos termos das cláusulas do contrato de concessão sejam revertíveis no final desta podem ser reintegrados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a quota anual de reintegração ou amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se dividindo o custo de aquisição ou o custo de produção dos elementos, deduzidos, se for caso disso, da eventual contrapartida da entidade concedente, pelo número de anos que decorrer desde a sua entrada em funcionamento até à data estabelecida para a reversão.

3 - Na determinação da quota anual de reintegração ou amortização deverá ser tido em consideração, com a limitação mencionada na parte final do nº 1, o novo período que resultar de eventual prorrogação ou prolongamento do período de concessão, a partir do exercício em que esse facto se verifique.

 

Conclui-se desta orientação que o concessionário tratava as infraestruturas como proprietário e procedia à amortização das mesmas, com efeitos fiscais, ao longo do seu período de utilização, conforme orientações constantes do preceito anterior.

A A… cumpriu essas disposições fiscais ao longo de todo o período de 1998 a 2009. No caso concreto, essas amortizações fiscais acabavam por não ter quaisquer impactos no lucro tributável, pois a A… reconhecia simultaneamente um proveito extraordinário em resultado de não ter suportado quaisquer encargos com a aquisição/construção dessa infraestrutura.

 

1.2.1.Obrigações de investimento

No que respeita à consideração fiscal das obrigações de investimento estas assumiam-se com particularidades muito significativas e específicas deste tipo de entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos.

Por esse facto, as normas fiscais de natureza geral, não atendiam a essas particularidades, mantendo o seu apoio no princípio da realização.

Surgiu, assim, a necessidade de serem criadas regras fiscais suscetíveis de atender às especificidades das exigências emergentes destes contratos de concessão, conforme referido no ponto 1.1.2. supra. Estas orientações específicas para este setor de atividade forma criadas pelo Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em que se admitia a amortização do ponto de vista fiscal das obrigações de investimento ao longo do período da concessão, mesmo que essas obrigações de investimento ainda não tivessem dado origem a qualquer investimento realizado.

Os ordenamentos contabilístico e fiscal foram, assim, harmonizados mediante a aceitação fiscal do gasto contabilístico decorrente da amortização da obrigação contratual de investimento prevista na DC 4/91. O custo contabilístico e fiscal deveria ser reconhecido ao longo dos exercícios económicos que compõem o período contratual. A ratio desta orientação fiscal prendia-se com a forma como estavam definidas as tarifas para o caso das sociedades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos, conforme tivemos oportunidade de referir no ponto 1.1.2. supra.

A A… procedeu, ao longo do período de 1998 a 2009, de acordo com esta disposição fiscal, repartindo a obrigação de investimento que assumiu na data da celebração do contrato. Ainda que até 2009, tivesse vindo a concretizar em investimentos realizados cerca de 10% das obrigações de investimentos, que se havia comprometido a realizar no momento inicial do contrato.

A partir do momento em que realizou esses investimentos, no valor de € 1.724.500, o mesmo deixou de concorrer para os custos/gastos das obrigações de investimento, pois passou a ser investimento realizado, sendo amortizado pelo remanescente que ainda não tinha concorrido como contrapartida do acréscimo de custos, de acordo com o número de anos remanescentes do contrato de concessão, concorrendo essas amortizações dos diferentes exercícios para custos fiscais.

 

2.        PÓS-2010

Em 2010 verificou-se uma profunda reforma no sistema contabilístico nacional, revogando-se definitivamente o POC e todas as orientações de natureza contabilística que lhe estavam associadas, e adotou-se um novo sistema contabilístico, o SNC, conforme o Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, fortemente inspirado nas normas internacionais de contabilidade do IASB e adotadas pela União Europeia (Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho).

Trata-se de um sistema de normalização contabilística assente num novo modelo, fortemente inspirado por uma filosofia anglo-saxónica da contabilidade, que conduziu a profundas alterações no tratamento contabilístico de alguns factos patrimoniais face ao disposto no anterior sistema contabilístico (POC e Diretrizes Contabilísticas).

A transição entre normativos contabilísticos conduziu ao reconhecimento, desreconhecimento e remensuração de diversos elementos patrimoniais constantes das demonstrações financeiras, preparadas até 31.12.2009, conforme analisaremos infra, ponto 2.1.

Importa, todavia, referir, que apesar dessas profundas alterações contabilísticas, as modalidades e as estruturas contratuais já existentes à data da alteração do novo sistema contabilístico, não são, na sua essência, alteradas na passagem do POC para o SNC.

O contrato de concessão em análise permanece um contrato com obrigação de investimento, parcialmente por realizar, bem como o direito à cobrança de tarifas aos utilizadores do serviço prestado pela A… . Antes ou depois da alteração do sistema contabilístico, e independentemente das novas regras contabilísticas, importa acentuar que, do ponto de vista económico e financeiro, o contrato da A… e a B… se manteve. Continuando a ser por via da fixação da tarifa, que a A…, enquanto concessionária, recuperaria a obrigação de financiamento, a manutenção de equipamentos, a depreciação de investimentos e os custos/gastos relacionados com a gestão ordinária.

Assim sendo, iremos, de seguida analisar, face às novas disposições contabilísticas previstas no SNC, como devem ser reconhecidas ou desreconhecidas as infraestruturas entregue pela B… à A…, bem como as obrigações de investimento constantes no contrato de concessão entre estas duas entidades.

As questões a que do ponto de vista contabilístico devemos responder são as seguintes:

 

  • A de saber qual o enquadramento previsto no novo sistema contabilístico (SNC) para as infraestruturas entregues pelas concedentes às concessionárias. Mais concretamente, impõe-se averiguar se se mantém o tratamento que estava previsto em POC ou se esse tratamento contabilístico é alterado pelas novas normas contabilísticas.

A resposta a estas questões assume-se como muito relevante para uma boa decisão da questão controvertida subjacente à presente decisão arbitral, pois importa saber se a A… deve manter no seu ativo a infraestrutura entregue pela B…, sendo certo que esta infraestrutura lhe vai permitir continuar a fornecer a prestação de serviços públicos a que se comprometeu no contrato de concessão celebrado com esta última entidade.

  • A de saber qual o tratamento contabilístico para as obrigações de investimentos no âmbito do SNC. Importa averiguar se se mantém o tratamento que estava previsto na DC 4/91, ou se esse tratamento contabilístico é alterado pelas novas normas contabilísticas.

Também a resposta a esta questão se assume muito relevante, in casu, pois importa perceber se a A… deve manter essa obrigação reconhecida nas suas contas, sendo certo que, à data da transição dos normativos contabilísticos, se mantinha por cumprir 90% da obrigação de investimento, inicialmente acordada entre as duas partes do contrato de concessão, sendo certo que na fixação da tarifa associada à prestação dos serviços públicos se continuará a ponderar a parte proporcional anualmente considerada e respeitante à obrigação de investimento por cumprir pela A… .

A resposta às duas questões anteriores exige analisar as alterações contabilísticas que a mudança de normativo contabilístico implicou para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos.

 

2.1.  QUESTÕES CONTABILÍSTICAS

 

2.1. Ajustamentos impostos pela transição do normativo contabilístico: do POC ao SNC

Por efeitos da adoção desse novo sistema contabilístico as entidades tiveram de realizar um conjunto de ajustamentos de transição impostas pelo novo normativo contabilístico.

Dando cumprimento à NCRF 3 - Adoção pela primeira vez das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) do SNC, a qual força o desreconhecimento e/ou reconhecimento de ativos e passivos na transição do POC para o SNC.

Prevê também essa norma contabilística a necessidade, em alguns casos, de remensurar alguns desses elementos (ativos e passivos) já reconhecidos em POC, e que serão também reconhecidos em SNC, mas com quantias monetárias diferentes.

Na mudança do POC para o SNC, atendendo aos novos conceitos e, principalmente, às novas exigências no plano do reconhecimento de ativos e passivos, bem como às novas bases de mensuração que, para efeitos do reconhecimento, se devem utilizar, a norma teve a necessidade de concretizar as situações que se mantinham, as que seriam desreconhecidas e as que surgiriam de novo por força das NCRF. Existiam, no entanto, ativos e passivos reconhecidos como tal, quer no POC quer nas NCRF, para os quais não se colocavam problemas de reconhecimento, mas apenas, se fosse o caso, de nova mensuração. No fundo, haverá lugar a reclassificações de ativos e passivos bem como a alterações na respetiva mensuração, quando da construção do balanço de abertura e quando da preparação das primeiras demonstrações financeiras do SNC.

Entretanto, porque, no caso controvertido, estamos perante ativos e passivos que já existiam antes da entrada em vigor do novo sistema, aos quais haverá que aplicar os novos requisitos contabilísticos de reconhecimento e mensuração, dispondo a NCRF 3 no seu § 7:

Com as excepções referidas nos parágrafos 9 a 11, uma entidade deve, no seu balanço de abertura de acordo com as NCRF:

(a) reconhecer todos os activos e passivos cujo reconhecimento seja exigido pelas NCRF;

(b) não reconhecer itens como activos ou passivos se as NCRF não permitirem esse reconhecimento;

(c) reclassificar itens que reconheça segundo os PCGA anteriores como um tipo de activo, passivo ou componente do capital próprio, mas que são um tipo diferente de activo, passivo ou componente do capital próprio segundo as NCRF; e

(d) aplicar as NCRF na mensuração de todos os activos e passivos reconhecidos”.

Dispõe, ainda, o § 8 da NCRF 3 que.

“As políticas contabilísticas que uma entidade usa no seu balanço de abertura de acordo com as NCRF podem diferir daquelas que usou para a mesma data utilizando os PCGA anteriores. Os ajustamentos resultantes derivam de acontecimentos e transacções anteriores à data da transição para as NCRF. Por conseguinte, uma entidade deverá reconhecer esses ajustamentos directamente nos resultados transitados (ou, se apropriado, noutro item do capital próprio) à data da transição para as NCRF.”

Conclui-se assim que:

·      O primeiro balanço a ser construído segundo as NCRF, implica que se continuem a reconhecer os ativos e passivos que já eram reconhecidos nos termos do POC e que também o devam ser pelas NCRF;

·      Deixe de se reconhecer ativos e passivos que, embora o fossem nos termos do POC, o não devam ser ao abrigo das NCRF;

·       Que sejam reconhecidos ativos e passivos que até aí não o eram, nos termos do POC.

Os ajustamentos que resultarem, designadamente, de situações de desreconhecimento ou de novo reconhecimento, naturalmente que geram aumentos ou diminuições ao capital próprio em NCRF, por confronto com o mesmo em POC. Essas quantias deverão ser reconhecidas diretamente em “Resultados Transitados”, se outra rubrica de capital próprio não se revelar mais adequada.

Ainda no que respeita a questões de mensuração dispõe-se, no apêndice da NCRF 3, que:

·      Os ativos e passivos que antes eram reconhecidos e que o não devam ser nos termos das NCRF, serão desreconhecidos com uma mensuração no reconhecimento correspondendo exatamente às quantias até aí assumidas por esses ativos e passivos, gerando ajustamentos de transição pelo desreconhecimento;

·      Os ativos e passivos a reconhecer de novo, por força das NCRF, anteriormente não reconhecidos, entrarão de acordo com as regras de mensuração que lhes sejam aplicáveis nos termos das NCRF, gerando também, em confronto com o balanço nos termos do POC, ajustamentos de transição.

Ainda no âmbito da NCRF 3 refere-se que a repercussão em capital próprio dos ajustamentos provocados pela mudança de referencial contabilístico é efetuada diretamente numa rubrica de resultados transitados, justamente porque se assume que, se as NCRF viessem sendo aplicadas anteriormente, os resultados líquidos de anos anteriores teriam tido uma expressão diferente. Trata-se, assim, de assumir o pressuposto da continuidade na preparação de demonstrações financeiras ao abrigo de um novo normativo, como se aos ativos e passivos da entidade já viessem sendo aplicados em continuidade os requisitos e exigências do novo referencial.

Assim sendo, importa, agora, perceber que alterações contabilísticas deviam ter sido realizadas pela A… face ao disposto nesta NCRF 3 e qual deve ser o novo modelo de reconhecimento dos contratos de concessão.

 

2.1.1.      A infraestrutura

Com a entrada em vigor do SNC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, e com a adoção dos novos referenciais contabilísticos, a contabilização dos contratos de concessão passou a seguir novas orientações contabilísticas.

Dada a inexistência de uma norma no SNC a propósito das concessões, aplicar-se-á, subsidiariamente, as disposições a este respeito constantes das normas do IASB-UE. As disposições contabilísticas acerca de concessões encontram-se plasmadas numa norma interpretativa - a International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC 12)[1] - Acordos de Concessão de Serviços.

A interpretação em causa vem clarificar:

(i) a forma de reconhecimento nas contas do concessionário da infraestrutura subordinada ao acordo de concessão de serviços;

(ii) a distinção existente entre as diversas fases de um acordo de concessão de serviços (construção/exploração); e

(iii) a forma como o rédito e os gastos devem ser reconhecidos em cada caso.

Esta norma deixa, desde logo, claro que as alterações das políticas contabilísticas, em aplicação da IFRIC 12, devem ser contabilizadas retrospetivamente (cfr. §§ 29 a 30 da IFRC 12), salvo se for impraticável para um concessionário fazê-lo. Importa, todavia, precisar que essa aplicação retrospetiva é apenas para efeitos de apresentação das Demonstrações Financeiras.

Aquele normativo inverte a perspetiva contabilística, que passa a centrar-se na natureza dos serviços prestados pelos concessionários aos concedentes, para definir a qualificação e consequente contabilização dos réditos e custos associados à prestação desses serviços.

Nos termos do § 20 da IFRIC 12, os réditos correspondentes aos serviços que a requerente presta no âmbito do acordo de concessão durante a fase de exploração devem ser reconhecidos contabilisticamente de acordo com o previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 20 – Rédito.

Os réditos, no caso concreto da A…, resultam da fixação da tarifa a cobrar pelo serviço público a prestar aos utilizadores, de acordo com as condições definidas no contrato de concessão estabelecido entre a A… e a B… .

Nos termos da referida IFRIC 12, os serviços que o concessionário presta à entidade concedente são:

- Serviços de construção ou valorização, sempre que se obrigue através do contrato de concessão a construir ou valorizar infraestruturas; e

- Serviços de operação e manutenção dessas infraestruturas (serviços operacionais).

 

A IFRIC 12 aplica-se, portanto, às infraestruturas que podem já existir ou aquelas que devem ser construídas durante a vigência do acordo de prestação de serviços.

No caso da A…, as infraestruturas prévias ao acordo de concessão e que lhe foram entregues para exploração e afetação à prestação de um serviço publico, encontravam-se reconhecidas, até 31.12.2009, no ativo da A… .

No que respeita ao novo tratamento contabilístico a adotar nas contas do concessionário relativo à infraestrutura subordinada ao acordo de concessão de serviços, aquela norma interpretativa (IFRIC 12) claramente conclui que as infraestruturas e outros ativos afetos à concessão não devem ser reconhecidos contabilisticamente como ativo fixo tangível do concessionário, na medida em que este atua como um mero prestador de serviços, sendo proprietária e controladora dos mesmos a entidade concedente.

A este propósito dispõe o § 11 da IFRIC 12 - International Financial Reporting Interpretations Committee:

“No âmbito da presente interpretação, as infra-estruturas não devem ser reconhecidas como activos fixos tangíveis do concessionário, dado que o acordo de prestação contratual de serviços não confere ao concessionário o direito de controlar o uso das infra-estruturas de serviço público. O concessionário tem acesso às infra-estruturas, a fim de prestar o serviço público por conta da entidade concedente, de acordo com as condições especificadas no contrato.”

Refere-se no § 12 da IFRIC 12 que “Nos termos dos acordos contratuais concluídos, abrangidos pela presente interpretação, o concessionário actua como um prestador de serviços. O concessionário constrói ou valoriza as infra-estruturas (serviços de construção ou de valorização) utilizadas para prestar um serviço público e opera e mantém essas infra-estruturas (serviços operacionais) durante um período especificado. ”

De acordo com este normativo contabilístico, sempre que o concessionário preste mais do que um serviço (i.e., serviços de construção/valorização e serviços operacionais) no quadro de um único contrato de concessão, a retribuição recebida ou a receber deve ser imputada com referência aos justos valores relativos dos serviços prestados, quando as quantias forem identificáveis separadamente (cfr. § 13 da IFRIC 12).

A remuneração anual obtida através da cobrança de uma tarifa aos utilizadores da infraestrutura destina-se ao pagamento dos serviços de manutenção da infraestrutura, das grandes reparações e substituição de equipamentos e instalações, das obrigações de investimento, dos encargos com a gestão da sociedade, e o eventual reembolso e remuneração dos empréstimos bancários e dos acionistas.

O § 17 da IFRIC 12 determina que “o concessionário deve reconhecer um ativo intangível na medida em que lhe seja conferido o direito (licença) de cobrar um preço aos utentes do serviço público.”

Resulta, assim, que, o novo modelo contabilístico impõe à A… o desreconhecimento desta infraestrutura enquanto ativo, a par das amortizações acumuladas dos exercícios anteriores.

A diferença entre os dois valores anteriores deve ser reconhecida como um ajustamento de transição nos capitais próprios da A… . Porque a infraestrutura tinha sido entregue pela concedente sem uma contraprestação imediata (mas antes mediata, como parte da assunção de um dever e direito de exploração de um serviço público, mormente por via da concretização de investimentos futuros), a Requerente tinha reconhecido, em POC, como contrapartida do valor da infraestrutura, uma conta de “proveitos diferidos”. Que foi movimentando até 31.12.2009 em proveitos do exercício, pelo que esse passivo deve ser consequentemente desreconhecido através de uma conta de capital próprio, mais concretamente a conta de “resultados transitados”.

Em síntese, fruto das novas orientações contabilísticas, a A… teve que desreconhecer as infraestruturas que anteriormente lhe haviam sido entregues pela B…, conforme dispõe a NCRF3 -Adoção pela primeira vez das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro, pois essa infraestrutura não devia continuar a ser reconhecida como ativo fixo tangível, nas demonstrações financeiras, já que quem controla em última ratio a infraestrutura é o concedente e não o concessionário (cfr. o que dispõe a IFRIC 12).

Sendo que o desreconhecimento desse ativo foi acompanhado pelo desreconhecimento do concomitante passivo (proveito diferido), bem como das respetivas amortizações acumuladas. O impacto nos resultados transitados resultante destes desreconhecimentos foi, in casu, nulo, pois o valor contabilístico líquido do imobilizado identificava-se com o valor do respetivo proveito diferido.

 

2.1.2.      Das obrigações de investimento

Para além das infraestruturas que já existiam à data do contrato de concessão e que foram entregues para a A… explorar e manter durante o período do contrato, impunha-se, no referido contrato, obrigações de investimento à A…, que a mesma deveria construir/financiar durante a vigência do acordo de prestação de serviços.

Como vimos, a Requerente tinha, ab initio, a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de € 16.910.246, para a realização das infraestruturas e obras a integrar o SID…, sendo que do probatório não resulta que, à data da inspeção tributária, aquela obrigação, inicialmente acordada mas ainda não cumprida, houvesse sido substituída pela obrigação de pagamento de um preço, ou pela redução no montante da tarifa dos serviços prestados aos utilizadores da infraestrutura, como veio, posteriormente, a acontecer em 2015 [cfr. pontos aaa) a ccc) do probatório].

Com efeito, apenas a partir de 2015, a Requerente viu a sua obrigação de financiamento (investimento em infraestruturas) assumida ao longo do período contratual (de 1998 a 2015), substituída por uma obrigação de redução de tarifário aos utilizadores da infraestrutura, ainda que com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014. O que significa que o modelo de investimento do contrato de concessão se manteve na forma do modelo inicialmente contratado até 2015 (documentos n.ºs 10 e 11).

A norma interpretativa - IFRIC 12 - identifica dois modelos para reconhecer a infraestrutura e, bem assim, o rédito e os gastos conexos (através dos “modelos” de ativo financeiro e de ativo intangível), em função do grau de incerteza a que se encontra exposto o rédito futuro do concessionário.

No que respeita aos serviços de construção/valorização os respetivos réditos são contabilizados de acordo com a IAS 11 (NCRF 19) e quanto aos serviços operacionais os réditos devem ser reconhecidos nos termos da IAS 18 (NCRF 20) (cfr. §§ 14 e 20 da IFRIC 12, respetivamente).

Um elemento de distinção essencial na contabilização destas realidades perpassa, contudo, esta estrutura normativa da IFRIC 12 e reside na contrapartida da retribuição a receber pelo concessionário pelo serviço prestado:

-     Se a contrapartida consiste num direito contratual incondicional do concessionário a receber dinheiro ou outro ativo financeiro da entidade concedente relativamente a qualquer um dos serviços que preste, essa retribuição consubstancia ela própria um ativo financeiro que como tal deve ser reconhecido (cfr. § 16 da IFRIC 12);

-     Se, pelo contrário, o concessionário apenas tem o direito de cobrar um preço aos utentes do serviço público que explora, e, logo, a sua retribuição fica inteiramente dependente da procura dos serviços concessionados então, a retribuição pelo serviço que presta ao concedente, seja ele de construção ou de operação, tais serviços têm como contrapartida o reconhecimento de um ativo intangível (cfr. § 16 da IFRIC 12).

O ativo intangível (direito ao rédito futuro pela exploração de uma atividade económica e consequentemente o gasto via amortização) deve ser reconhecido e mensurado, no primeiro caso, à medida que o serviço de construção é prestado (método da percentagem de acabamento, neste caso com possibilidade de capitalização dos custos de financiamento incorridos na fase de construção) e, no segundo caso (serviços operacionais), tendo em consideração o justo valor da retribuição. Ora, nestas circunstâncias, o rédito/gasto deve ser reconhecido à medida que é obtido, i.e., é medida em que o serviço é prestado.

No caso em apreço, o rendimento (da construção e dos serviços operacionais) é reconhecido ao longo do período, pois para a fixação da tarifa dos serviços prestados aos clientes concorrem os gastos da construção e dos serviços operacionais s (cfr. condições estabelecidas para a fixação da tarifa no contrato de concessão).

Com efeito, a transmissão do direito à concessão é obtida com o compromisso de realizar a prestação dos serviços públicos a um conjunto de entidades associado a uma obrigação de investimento por parte da concessionária estabelecida no contrato da concessão ab initio. O que significa que, em substância, continue a aplicar-se a IFRIC 12 ao caso concreto.

Como vimos, da obrigação de investimento inicialmente estabelecida no contrato de concessão, a Requerente tinha realizado apenas € 1.724.500. A obrigação de investimento por realizar, à data da transição - 31.12.2009 - cifrava-se em € 15.185.746, e essa obrigação de investimento não se alterou com a mudança do normativo contabilístico, do POC para o SNC.

Todavia, e segundo dispõem as regras de transição, o acréscimo de custos respeitante à amortização da obrigação de investimento não realizadas, apesar destas terem sido reconhecidas como custo/gasto contabilístico e fiscal, devem ser desreconhecidas do ponto de vista contabilístico, devendo passar-se a reconhecer um ativo intangível representativo do direito à exploração da infraestrutura.

A Requerente optou por mensurar do ponto de vista contabilístico o ativo intangível pelo montante das obrigações de investimento que ainda lhe faltava realizar do ponto de vista contratual, independentemente de à data da transição apenas ter sido efetuada uma parte do investimento, mais precisamente € 1.724.500.

Sabendo-se que esse ativo intangível não correspondia a investimentos realizados, optou o contribuinte por reconhecer como sua contrapartida contabilística uma provisão.

Acontece que, do ponto de vista fiscal, não podem ser reconhecidas as amortizações do investimento não realizado como um custo fiscal. Com efeito, a IFRIC 12 obriga, do ponto de vista contabilístico, a reconhecer, no modelo de ativo intangível, esse ativo intangível atendendo à sua capacidade de vir a gerar benefícios económicos futuros. Assim, se a obrigação de investimento ainda não foi realizada não pode a mesma gerar esses benefícios económicos. Os ativos que subjacentes à concessão continuam a ter capacidade para gerar esses mesmos benefícios são apenas os equipamentos entregues, a título gratuito pelo concedente no início do contrato de concessão, bem como os que correspondentes à obrigação de investimento que foram efetivamente realizados, no valor de €1.724.500.

Na transição, a Requerente reconheceu um ativo intangível, mensurado pelo valor da obrigação de investimento por realizar a que a A… se tinha comprometido no contrato de concessão. Esse ativo intangível concretizava-se no direito a cobrar as tarifas aos utilizadores do serviço público em resultado do contrato de concessão celebrado inicialmente com a B…) em contrapartida do reconhecimento de um passivo (provisão para obrigações de investimento). A criação da provisão parece ter-se ficado a dever à incerteza quanto à tempestividade do cumprimento da obrigação que pode ocorrer de forma variável, desde que dentro do período contratual).

Quanto à mensuração do ativo intangível poderia questionar-se se a Requerente deveria mensurar o ativo pelo rédito (passível de ser gerado com a exploração da infraestrutura subjacente ao contrato de concessão) ou pelo gasto (resultante da obrigação de investimento). No entanto, o objeto de pedido arbitral não se centra no modelo de mensuração do ativo, mas sim no seu reconhecimento, não colocando a AT em crise a mensuração ou quantificação de ativos e passivos no momento de transição do POC para o SNC. Apesar disso, sempre se acrescenta que a mensuração do ativo intangível, no modelo previsto na IFRIC 12, para um contrato de concessão do tipo celebrado entre a A… e a B…, devia ter sido, na transição do POC para o SNC, mensurado pela sua probabilidade de gerar benefícios económicos futuros resultantes dos investimentos já realizados, bem como dos equipamentos entregues no início da concessão, e não podia ser reconhecido apenas tendo como contrapartida as obrigações de investimento não realizadas, pois se esse investimento não foi ainda realizado não pode economicamente gerar benefícios económicos futuros.

A Requerente, no âmbito dos ajustamentos de transição, optou, do ponto de vista contabilístico, pela adoção retrospetiva da IFRIC 12. Todavia, essa adoção retrospetiva era apenas para efeitos de apresentação nas DF, mas daí não podia resultar qualquer efeito fiscal. Como resultado dessa aplicação retrospetiva a Requerente reconheceu um ativo intangível - Retribuição do concedente (conta 446000010) - no montante de € 16.910.246,00, por contrapartida dos investimentos já realizados e inscritos na conta de imobilizado corpóreo (no valor de € 1.724.500) e da obrigação de investimento ainda por realizar (no montante de € 15.185.746), que foi reconhecida como uma provisão).

Além dos registos contabilísticos anteriores reconheceu em resultados transitados a amortização acumulada (de 1998 a 2009) desse ativo intangível, como se o mesmo tivesse sido reconhecido desde 1998.

Desreconheceu, também, os acréscimos de custos que tinha vindo a considerar de 1998 a 2009, por conta da obrigação de investimento a realizar, por contrapartida de um crédito na conta de resultados transitados.

Deste modo, a A…, como concessionária, classifica as infraestruturas do sistema que explora e o seu direito de concessão como “ativo intangível”.

Esse direito de cobrar aos utilizadores do serviço público nasceu no início da exploração da infraestrutura (1998) e manteve-se até à data dos factos controvertidos, tendo a A… vindo a cobrar como parte da tarifa fixada, e que gerava rendimentos, a obrigação de investimento que não realizou (mas a cuja realização se encontrava obrigada, inter alia, como contrapartida do direito à exploração da infraestrutura enquanto fonte económica de rendimento futuro).

A Requerente decidiu atribuir efeitos fiscais a este procedimento contabilístico. Todavia, do ponto de vista fiscal não tem fundamento legal, conforme será melhor analisado no ponto seguinte.

 

2.2.  QUESTÕES FISCAIS

Por força da alteração do normativo contabilístico, o legislador fiscal viu-se forçado a proceder a alterações nas regras fiscais para acolher algumas das profundas mudanças impostas pelos novos normativos contabilísticos (IAS/IFRS/SIC/IFRIC do IASB e adotadas pela UE e, também, do SNC).

A adaptação do CIRC às normas internacionais de contabilidade e ao SNC foi realizada através do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho. Nessa adaptação o legislador fiscal criou, também, um regime transitório para acolher do ponto de vista fiscal as alterações previstas pelo legislador contabilístico na transição do POC para os novos normativos contabilísticos.

Refere-se a propósito desta adaptação, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009, que o legislador fiscal entendia que a estrutura atual do Código do IRC se mostrava, em geral, adequada ao acolhimento do novo referencial contabilístico. Assim, foi decidido manter a estreita ligação entre contabilidade e fiscalidade, que se afigurava como um elemento essencial para a minimização dos custos de contexto que impendem sobre os agentes económicos, procedendo-se apenas às alterações necessárias à adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico, bem como à terminologia que dele decorre.

A manutenção do modelo de dependência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas.

A adoção pela primeira vez do SNC, conforme supra referido, produziu profundos efeitos nos capitais próprios da generalidade das empresas portuguesas, em resultado da necessidade de desreconhecimento e reconhecimento de ativos e passivos, a par da mensuração de alguns desses elementos.

Esses ajustes de transição são relevados no capital próprio, pelo que o consequente efeito fiscal se verte nas variações, positivas ou negativas, das várias componentes do capital próprio, enquanto base de incidência objetiva do IRC.

Em termos fiscais, esses reconhecimentos e desreconhecimentos nos capitais próprios, em caso de inexistência de norma fiscal autónoma, teriam plena aceitação fiscal, em obediência ao atual modelo de dependência fiscal adotado pelo legislador fiscal desde 1989.

Por isso, o legislador fiscal viu-se na necessidade de criar um regime fiscal de transição, que se baseasse na aceitação ou não aceitação do efeito fiscal resultante da variação dos capitais próprios em resultado das obrigações contabilísticas associadas à implementação dos novos normativos contabilísticos. O legislador fiscal entendeu restringir essas variações ao capital próprio aos “efeitos que sejam fiscalmente relevantes”. Caso em que a dedução ou o acréscimo à base tributável é diferida por 5 exercícios (o próprio exercício de 2010 e os 4 exercícios seguintes).

Os ajustamentos de transição baseiam-se, por isso, na ideia que um custo/gasto contabilístico fiscalmente dedutível em POC o continuaria a ser em SNC, o que significa que se o (des)reconhecimento dos elementos das demonstrações financeiras não apresentava efeitos fiscais no anterior normativo, o mesmo enquadramento seria mantido.

 Os ajustamentos de transição previstos no regime transitório pelo legislador fiscal, no Decreto-Lei n.º 159/2009, partem do mesmo princípio, ou seja, a dedução ou tributação tinha de ser, anteriormente à transição, “fiscalmente relevante”. Assim sendo, podemos concluir que o legislador fiscal não altera a dedutibilidade dos custos/gastos no que respeita à transição, significando, tão só, que os aceita em momentos temporalmente diferentes.

Donde os efeitos sobre os capitais próprios considerados fiscalmente relevantes, nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, têm enquadramento no referido regime transitório previsto nos números 1, 5 e 6 do art.º 5.º e art.º 5.º-A, do Decreto-Lei n.º 159/2009.

De todo o modo, o princípio geral da transição é que os gastos/rendimentos resultantes do ajustamento são reconhecidos no capital próprios e são aceites fiscalmente, quando os mesmos já eram aceites fiscalmente antes do período de transição, ou seja, até 31.12.2009. Se assim fosse, continuariam a sê-lo a partir de janeiro de 2010, fruto da criação desse regime fiscal de transição.

A opção do legislador fiscal foi clara a respeito da transição dos normativos contabilísticos. Criou um regime designado de “Regime transitório”, conforme previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, onde dispõe que:

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

Os restantes números deste preceito, e para a questão em análise dispõem o seguinte:

“2 - (…)

3 - Os ajustamentos a que se referem os números anteriores devem ser devidamente evidenciados no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC, de acordo com a renumeração introduzida.

4 - (…).

5 - O regime transitório estabelecido nos números anteriores é igualmente aplicável à adopção, pela primeira vez, do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, das Normas de Contabilidade Ajustadas, aprovadas pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2005, ou do Plano de Contas para as Empresas de Seguros, aprovado pela Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, do Instituto de Seguros de Portugal, sem prejuízo de, relativamente às entidades que já vinham aplicando estes novos referenciais contabilísticos, o período referido no n.º 1 se contar a partir do período de tributação em que os mesmos tenham sido adoptados pela primeira vez.

6 - Relativamente às entidades que tenham optado, nos termos do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, por elaborar as respectivas contas individuais em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, os efeitos a que se refere o n.º 1 deste artigo são apurados tomando por referência as contas individuais, organizadas de acordo com a normalização contabilística nacional, previstas no artigo 14.º daquele decreto-lei.”

Posteriormente, e ainda a respeito do regime transitório, a Lei do Orçamento do Estado para 2013 consagrou, com natureza interpretativa, um regime transitório para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até 2010. Foi mantida a dedutibilidade fiscal dessas amortizações, ao longo do período contratual remanescente. Assim, o artigo 255.º da Lei n.º 66-B/2012 (Lei do Orçamento de Estado para 2013), com a epígrafe “Aditamento ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho”, adita a este diploma um novo artigo, o art. 5.º-A, que cria um novo regime transitório de natureza interpretativa.

O n.º 1 do art. 5.º-A, com a epígrafe “Regime transitório nos contratos de concessão de sistemas multimunicipais”, dispõe o seguinte:

“Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei [DL n.º 159/2009, de 13 de Julho] o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior [o artigo 5.º que estabelece o regime de transição para o SNC] corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício”.

O n.º 2 do mesmo preceito refere que: “o disposto no número anterior tem natureza interpretativa”.

O regime fiscal de transição, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, assume natureza geral e abstrata, aplicando-se a todas as entidades que tenham reconhecido nos capitais próprios ajustamentos provocados/exigidos pelo legislador contabilístico, e baseia-se na aceitação do efeito fiscal na variação dos capitais próprios, embora restringido aos “efeitos que sejam fiscalmente relevantes”, sendo que a dedução ou acréscimo à base tributável é diferida por 5 exercícios (o próprio exercício de 2010 e os 4 seguintes).

Por sua vez, a orientação fiscal prevista no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2012 deve ser entendida como uma norma fiscal especial, dirigida apenas às entidades concessionárias e gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos. Esta norma define a continuidade de um regime fiscal especial para essas entidades relativamente às obrigações de investimento. Todavia, a possibilidade de aplicação desse regime especial fica condicionado pelo tratamento fiscal que essas entidades tenham adotado para as obrigações de investimento antes da transição.

Concretizando, se as entidades concessionárias e gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos tivessem beneficiado do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado, podiam continuar a usar o mesmo regime fiscal na transição e nos períodos subsequentes.

Por outro lado, para estas entidades e no caso concreto das obrigações de investimento, e contrariamente ao disposto no art. 5.º, o período para a consideração fiscal da “amortização dessas obrigações de investimento” corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício e não nos 5 anos aceites para os restantes ajustamentos com efeitos fiscais, conforme previsto no referido art. 5.º do mesmo diploma. O efeito essencial desta norma traduziu-se na continuidade da consideração como gasto fiscal da quota anual de depreciação dos investimentos pendentes de realização. O que, em combinação com a natureza interpretativa desta norma, determina a transposição - em contínuo e sem interrupção - do enquadramento fiscal vigente do POC para o SNC.

Como já ficou dito, este regime encontra justificação nas particulares condições contratuais subjacentes aos contratos de concessão, que previam obrigações de investimento a realizar ao longo do período da concessão, em que essas obrigações de investimento concorriam para a definição da tarifa, ainda que não realizadas.

É que consubstanciando a tarifa o rendimento resultante da exploração do serviço público, a sua determinação incluiria uma parcela relativa a essa obrigação de investimento. Importando, assim, que os custos/gastos associados a essa obrigação de investimento a realizar ao longo do período contratual concorressem para a determinação dos gastos/custos dos períodos em que se gerava o rendimento por via da fixação da tarifa.

O procedimento contabilístico que, em obediência às instruções emitidas pela CNC na Directriz Contabilística 4/91, vinha sendo adotado pelas concessionárias já tinha subjacente as particularidades desse tipo de contratos de concessão, uma vez que visava garantir o princípio da especialização dos exercícios e o necessário balanceamento de custos/gastos (incorridos e a incorrer em resultado da obrigação de investimento) e proveitos/rendimentos (tarifas) durante o período de vigência contratual.

À data da inspeção realizada pela AT e da correção ao lucro tributável efetuado por essa entidade e em crise neste processo, já se conhecia este preceito fiscal e a sua natureza interpretativa, conforme se pode facilmente concluir pela leitura do relatório de inspeção, a par da Resposta da AT.

Importa, agora, avaliar o tratamento fiscal da amortização do ativo intangível reconhecido pela Requerente na transição.

No preâmbulo do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, afirma-se que se entendeu adequado que os bens que ainda estavam a ser amortizados à data de entrada em vigor deste novo regime continuassem a beneficiar do regime que têm vindo a seguir - o que se acautelou através das normas de direito transitório. Todavia, o ativo intangível aqui em análise não estava reconhecido nas contas da Requerente antes da data da transição. Apenas foi reconhecido nessa transição. Assim sendo, não podem as suas amortizações ser reconhecidas com efeitos fiscais antes e após a transição como pretende a Requerente.

Para esta situação particular o legislador fiscal entendeu conceder um regime fiscal especial para as obrigações de investimento, admitindo o reconhecimento fiscal das “amortizações” das obrigações de investimento ainda que não realizadas. Comprova-se por isso, que o legislador resolveu claramente desconsiderar a amortização do ativo intangível, mesmo que este tivesse que ser reconhecido por força das alterações do normativo contabilístico.

Assim, a amortização do dito ativo intangivel não pode ser aceite fiscalmente, por duas ordens de razões.

A primeira prende-se com a clara opção do legislador fiscal, prevista no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, pela consideração fiscal das “amortizações” das obrigações de investimento ainda que não realizadas. Se assim entendeu o legislador fiscal, então podemos concluir que não pode haver duplicação de gastos fiscais pela consideração da amortização das obrigações de investimento ainda que não realizadas e da amortização do ativo intangível reconhecido na transição, pois esse ativo intangível corresponde efetivamente ao montante das obrigações de investimento (realizadas e não realizadas).

A segunda razão prende-se com o disposto nos arts. 12.º e 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.

Assim o art. 12.º, com a epígrafe de Ativos revertíveis, dispõe que:

“1 — Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina -se dividindo o custo de aquisição ou de produção dos elementos, deduzido, se for caso disso, da eventual contrapartida da entidade concedente, pelo número de anos que decorrer desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até à data estabelecida para a reversão.

 3 — Na determinação da quota anual de depreciação ou amortização deve ser tido em consideração, com a limitação mencionada na parte final do n.º 1, o novo período que resultar de eventual prorrogação ou prolongamento do período de concessão, a partir do período de tributação em que esse facto se verifique.”

 

Por sua vez, o artigo 16.º do mesmo normativo dispõe sobre a amortização dos ativos intangíveis, nos seguintes termos:

1 — Os ativos intangíveis são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.

2 — São amortizáveis os seguintes activos intangíveis:

a) Despesas com projectos de desenvolvimento;

b) Elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

3 — Excepto em caso de deperecimento efectivo devidamente comprovado, reconhecido pela Direcção -Geral dos Impostos, não são amortizáveis:

a) Trespasses;

b) Elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas.

 

Assim sendo, a relevância fiscal da amortização está condicionada à realização do investimento, pois dispõe-se, no n.º 1 do art. 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, que a referência para a determinação da depreciação/amortização fiscal dos elementos depreciáveis ou amortizáveis é estes terem sido adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias. Também o art. 16.º do mesmo diploma dispõe que os ativos intangíveis para serem amortizados com efeitos fiscais têm que ter sido adquiridos a título oneroso.

In casu, não há aquisição ou produção de elementos intangíveis amortizáveis, pelo que o valor reconhecido como ativo intangível corresponde à totalidade das obrigações de investimento, sendo que dessas apenas 10% se encontravam realizadas.

A dedutibilidade fiscal das obrigações de investimento assegurada pela norma especial, contida no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, não pode ser simultaneamente garantida através da amortização com efeitos fiscais do ativo intangível reconhecido pelo regime geral contido no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009. Desde logo, porque o regime do primeiro normativo, enquanto lei especial, prevalece sobre o regime geral. Assim sendo, a dedutibilidade fiscal deveria ser assegurada pelo regime transitório especificamente consagrado, com efeito retroativo, à data da transição do POC para o SNC. Realçando-se ainda que esse regime transitório se perfila como a continuidade do enquadramento vigente até 31 de Dezembro de 2009, por via de despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

 

§2º. Aplicação do exposto ao caso concreto

 

A.      QUESTÕES CONTABILÍSTICAS E FISCAIS RELACIONADAS COM A OBRIGAÇÃO DE INVESTIMENTO ASSUMIDA PELA A… PERANTE A CONCEDENTE (B…)

 

Atendendo ao disposto no n.º 1 do art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 sobre o regime transitório nos contratos de concessão de sistemas multimunicipais, parece clara a intenção do legislador fiscal em atribuir efeitos fiscais às obrigações de investimento ainda não realizadas, criando um regime fiscal muito específico para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos.

Refere-se a este respeito, conforme supra analisado, que para as entidades que beneficiaram do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei [DL n.º 159/2009, de 13 de Julho], o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior [o artigo 5.º que estabelece o regime de transição para a generalidade das entidades a que se aplica o CIRC] corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

No fundo, a adoção pela primeira vez do SNC (conforme a NCRF 3) produziu efeitos nos capitais próprios pela necessidade de desreconhecer os acréscimos de custos, que tinham vindo a ser considerados como custos (contabilísticos e fiscais ao abrigo do disposto no POC e na DC 4/91) entre o exercício inicial do contrato de concessão e o ano de 2009. Conduziu, também, ao reconhecimento do ativo intangível pelos direitos que a A… entende deter para explorar e cobrar as receitas da utilização da infraestrutura pelos seus clientes.

Assim sendo, e porque o legislador entendeu criar um regime transitório era este regime fiscal de transição no ano de 2010 e nos anos seguintes que seria de aplicar à A…, independemente do regime contabilístico que a mesma viesse a adotar para o reconhecimento do contrato de concessão conforme disposto na IFRIC 12, já que tinha beneficiado até 2009 do regime fiscal da dedução das obrigações de investimento, conforme previsto na DC n.º 4/91 e do Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

A orientação fiscal, claramente explicitada na letra dos citados artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2012, corresponde à dedução fiscal da quota-parte da obrigação de investimento ainda que por realizar e que falta repartir, do ponto de vista fiscal, à data da transição e pelos 4 anos subsequentes ou pelo período de duração remanescente do contrato de concessão. Atenta a disposição normativa ao abrigo da qual “amortização dessas obrigações de investimento” tem efeitos fiscais durante o período remanescente do contrato de concessão (5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009).

No caso dos autos, os acréscimos de custos reconhecidos nas contas da Requerente foram registados como contrapartida dos custos/gastos dos pontos de vista contabilístico e fiscal, ao longo do período do contrato de concessão de 1998 e até 2009, para efeito de balanceamento adequado dos custos resultantes da obrigação de investimento e dos proveitos gerados pelas receitas das tarifas cobradas aos utentes do serviço público. Com efeito, essa obrigação de investimento concorria para a definição da tarifa e logo dos proveitos fiscais e, assim, teria que concorrer também para os custos, tanto do ponto de vista contabilístico como fiscal. Desse modo se garantindo o necessário balanceamento de proveitos e custos em cada um dos exercícios económicos de 1998 a 2009.

Assim sendo, à data da transição faltava ainda imputar, do ponto de vista fiscal, a custos/gastos dos restantes períodos da concessão o valor de € 9.042.109, que resultava da diferença entre o valor da obrigação de investimento ainda por realizar em 31.12.2009 (€ 15.185.746,00), subtraído do valor reconhecido como acréscimo de gastos por contrapartida das contas de custos de 1998 a 2009 (€ 6.143.637), que deveria ser repartido do ponto de vista fiscal, como ficou dito, pelo período de transição e os 4 anos subsequentes, conforme previsto no artigo 5.º Decreto-Lei n.º 159/2009, ou pelo período remanescente do contrato, conforme veio a dispor, posteriormente, o art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009.

A ser assim, o valor que devia ter sido considerado gasto fiscal no período de 2010 (ano em que foram reconhecidos os ajustamentos de transição) e nos 4 períodos subsequentes devia ser de € 1.808.421,8. Se, se viesse a considerar o período remanescente do contrato, conforme veio a ser posteriormente considerado, no art. 5.º-A, de 2010 a 2025 (término do contrato de concessão), esse valor devia ser de € 565.131,81. Em ambos, os casos o valor fiscalmente relevante corresponde à obrigação de investimento que ainda não tinha concorrido para efeitos fiscais e que era integrada na fixação da tarifa e concorria para os rendimentos fiscalmente relevantes. A diferença do valor fiscalmente relevante é apenas por se considerar o período geral de transição do art. 5.º (ano de transição e os 4 anos subsequentes) ou o período previsto para as entidades multimunicipais no referido art. 5.º-A (período remanescente do contrato).

Por outro lado, à data de transição faltava imputar do ponto de vista fiscal o valor de € 9.042.109, que deveria ser repartido do ponto de vista fiscal pelo período remanescente do contrato, conforme dispõe o art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009.

A ser assim, o valor que devia ter sido considerado gasto fiscal no período de 2010 (ano em que foram reconhecidos os ajustamentos de transição) a 2025 (término do contrato de concessão) devia corresponder à obrigação de investimento que ainda não tinha concorrido para efeitos fiscais e que era integrada na fixação da tarifa e concorria para os rendimentos fiscalmente relevantes.

E isto, independentemente da forma por que viesse a ser contabilizada essa obrigação de investimento do ponto de vista do novo normativo contabilístico. Posto que, para efeitos fiscais, o legislador salvaguardou a dedução fiscal dessa obrigação de investimento que ainda não tinha concorrido para efeitos fiscais, estivesse a mesma realizada ou não (conforme os artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009).

Assim, e independentemente do reconhecimento/desreconhecimento contabilístico exigido pelos novos normativos contabilísticos, nomeadamente por aplicação da IFRIC 12, as variações patrimoniais (positivas e negativas) resultantes das obrigações de investimento por realizar e dos acréscimos de custos já reconhecidos do ponto de vista fiscal, respetivamente, revestiam pleno efeito fiscal.

Aqui chegados, e à luz do acabado de expor, impõe-se começar por analisar cada uma das correções à base tributável efetuadas pela Requerida.

Vejamos.

 

§3. ANÁLISE DAS CORREÇÕES DA AT À LUZ DAS CONSIDERAÇÕES SUPRA EXPOSTAS

 

A Requerida procedeu às correções indicadas no Quadro 1, da forma que se segue.

 

 

Correções à base tributável

a)

Desreconhecimento de passivo (obrigação de investimento)

383.977,35

b)

Depreciações de ativo intangível

546.887,20

c)

Provisão para investimento de substituição

49.736,50

d)

Dedução de 1/5 do desreconhecimento de ativo tangível

-3.687,58

e)

Anulação de 1/5 do ajuste de transição

44.824,64

f)

Dedução de coima

275,50

 

 

 

=========

1.022.013,61

 

Quadro 1 - Correções à base tributável efetuadas pela AT

 

 

  1. Correções previstas nas alíneas a) e b) do Quadro 1

 

No que respeita à reversão dos acréscimos reconhecidos em POC e relativos à obrigação de investimento contratual estes deviam ser desreconhecidos, mas apenas para efeitos contabilísticos e não fiscais.

Para efeitos fiscais importaria ter reconhecido o total da obrigação de investimento ainda por realizar e não “amortizada” até ao ano da transição, proporcionalmente repartida pelo número de anos do contrato que ainda faltavam ocorrer (2010-2025).

Fiscalmente foi aceite até 31.12.2009, que a obrigação de investimento mesmo que não realizada fosse amortizada para efeitos fiscais, conforme Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Para as obrigações de investimento ainda não consideradas do ponto de vista fiscal, o legislador decidiu atribuir-lhe relevância ao abrigo do art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. O montante da obrigação de investimento que ainda faltava “amortizar” do ponto de vista fiscal à data da transição (2010), devia ser repartido para efeitos fiscais durante o período remanescente do contrato.

A opção de relevância fiscal da obrigação de investimento por realizar, estava condicionada pela verificação que essa obrigação tivesse tido relevância fiscal nos períodos anteriores à transição do POC para o SNC (até 2009). Pressuposto que se verifica no caso em apreço, como resulta dos relatórios e contas da A… e é reconhecido na p. 15 do Relatório de Inspeção (ver, ainda, o ponto 11 dos factos dados como provados).

Como ficou amplamente demonstrado, este tratamento fiscal atribuído às obrigações de investimento ainda por realizar (antes de 2010 e após essa data) é um tratamento fiscal excecional que pode ser explicado pelas especificidades associadas ao tarifário das entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos.

Para a definição dessa tarifa, conforme disposto no contrato de concessão, concorrem, entre muitos outros fatores, as referidas obrigações de investimento que cabem à concessionária, e, por conseguinte, esse valor releva na definição do rendimento fiscal (tarifa a considerar).

Também, o facto de se assumir que essas obrigações têm necessariamente de ser cumpridas antes do término do prazo da concessão, não importando, portanto, o momento concreto da efetiva realização do investimento, tem como justificação a forma de definir a tarifa e logo o tratamento especial que o legislador fiscal sempre lhe resolveu atribuir (antes e após a transição dos normativos contabilísticos).

Se, eventualmente, não existisse uma disposição contabilística (antes de 2010) e fiscal (antes e após 2010) que admitisse que esses custos/gastos concorressem ao longo de todo o período da concessão, as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos, podiam ter que alterar abruptamente as tarifas de um período para outro, na medida em que as mesmas tivessem associadas à efetiva realização do investimento, ou mais concretamente à depreciação/amortização dos investimentos efetivamente realizados.

É, assim, compreensível que, em nome do necessário balanceamento de custos/gastos e proveitos/rendimentos fiscais, o legislador fiscal tenha vindo a aceitar que as obrigações de investimento, ainda que não realizadas - mas de realização obrigatória - possam contribuir, do início ao termo do contrato de concessão, para a definição da tarifa, e, por essa via, para o rendimento da entidade, logo também decidiu considerar gastos relativos à obrigação de investimento, ainda que esta não estivesse efetivamente realizada. A solução adotada visava adequar, balanceando, proporcionalmente os rendimentos/proveitos fiscais e os gastos/custos fiscais, ao longo de todo o período do contrato.

Conforme tivemos oportunidade de referir supra, este regime especial de “amortização” das obrigações de investimento, previsto no referido art. 5.º- A, só poderá ser aplicado a partir da data da transição para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei [DL n.º 159/2009, de 13 de Julho].

Deste modo o preceito não se aplicará às entidades que estabeleçam contratos de concessão depois de 2010. E também não poderá ser aplicado a entidades que antes da transição não tivessem vindo a beneficiar do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até 31.12.2009.

            No caso em apreço, a AT assumiu (ponto VI do Relatório de Inspeção, p. 7) que a obrigação de investimento já amortizada do ponto de vista fiscal não concorria para efeitos fiscais ao abrigo do disposto no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 (ponto V do relatório de inspeção, p. 7). Por esse facto corrigiu a base tributável do contribuinte em resultado do desreconhecimento das “amortizações” fiscais da obrigação de investimento, reconhecidas como custos fiscais entre 1998 e 2009 [(alínea a))].

A AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, ao desreconhecer o passivo (acréscimo de custos) relativo às obrigações de investimentos, reconhecido anteriormente como acréscimo de custos/gastos e que tinha tido efeitos fiscais nos períodos anteriores, como temos vindo a salientar, atendo o disposto no artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. Assim, estes custos tinham tido anteriormente relevância fiscal e, mesmo após a transição, devem continuar a tê-la.

Por se tratar de uma questão de direito (aplicação da lei fiscal correta) entende-se que não assiste razão à AT na correção efetuada no valor de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1].

Termos em que procede o pedido da Requerente, quanto à ilegalidade da liquidação impugnada, na parte correspondente à referida correção.

 

Por outro lado, a AT também decidiu desconsiderar as amortizações do ativo intangível, no valor de € 546.887,20.

 

Na análise da situação do Sujeito Passivo refere-se, no relatório de inspeção, entre o mais, que:

O sujeito passivo tem a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de 16.910.246 €, para a realização das infra-estruturas e obras a integrar no SDI… .Este valor foi reconhecido como uma provisão, dado o seu carácter incerto quanto à tempestividade, por contrapartida de um activo intangível – obrigação de investimento do Sujeito Passivo, traduzindo-se o direito da concessionária a cobrar aos utilizadores um serviço público. Do investimento previsto, até à data de 2011-12-31, a concessionária realizou obras no valor de 1.724.500,10 €. Estes factos encontram-se expressamente referidos no Relatório e Contas de 2011” (3.º parágrafo da página 5/25).

Mais adiante, refere-se que: “O sujeito passivo tem a obrigação de financiar a infra-estrutura a integrar no SDI… até ao limite de 16.910.246 €, conforme está expressamente referido no Relatório e Contas de 2010.Esta imposição contratual resulta do disposto no n.º 2 do artigo 4.º do contrato de concessão (…).

No 4.º parágrafo da página 16/25 afirma-se que: “O Sujeito Passivo contabilizou um activo intangível referente ao direito de concessão, que inclui o valor a pagar relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar no SDI… . Este activo foi mensurado ao custo líquido das amortizações e imparidades acumuladas, sendo a amortização calculada numa base duodecimal, pelo método linear, durante o período da concessão”.

No final da página 19/25 refere-se que: “O Balanço do período de 2011 e o balancete analítico evidenciam um activo intangível no montante de 9.514.982,12 €. Esse activo intangível refere-se ao Direito de Concessão, que compreende o valor a pagar relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar no SDI… e a responsabilidade na substituição de equipamentos da concessão”.

Assim, o referido activo intangível (Direito de Concessão) pode ser discriminado conforme se segue: a) Obrigação contratual de investimento de obras a integrar o SDI…, no montante líquido de 8.560.155,59 €, sendo o custo de 16.910.246 € e as amortizações acumuladas de 8.350.090,41 €, conforme saldo evidenciado nas contas SNC 44600010 e 44860010 (…)”.

Finalmente, no ponto 1.4.2 do relatório, pode ler-se que: “No período de 2011, o gasto da depreciação e amortização do ativo intangível em causa (direito de concessão) foi de 700.489,48 EUR (…). “O referido gasto da depreciação e amortização do activo intangível pode ser discriminado conforme se segue: a) Amortização relativa à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SDI…, no montante de 630.195,50 €, conforme o saldo evidenciado na conta SNC 64360010 (…)”; b) Amortização relativa à responsabilidade na substituição de equipamento da concessão, no montante de 70.293,98 EUR. (…)”.

No ponto 1.4.3 sob a “Regime contabilístico e fiscal aplicável às amortizações e depreciações”, pode ler-se que “as amortizações do ativo intangível relativo à obrigação contratual de financiameno de obras a integarar o SID… não aceites como gasto no período de 2011, correspondem à amortização contabilizada, no montante de 630.195,50 EUR (ver alínea (a) do ponto 1.4.2 do presente Capítulo) deduzida da parte aceite fiscalmente, no montante de 83.308,30 EUR (ponto 1.4.4 do presente Capítulo), logo, são no montante de 546.887,20 EUR (630.195, 50 EUR-83.308,30 EUR)”. “(…)”.

“O Sujeito passivo não procedeu ao acréscimo para efeitos fiscais da amortização do ativo intangível relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar no SID… (não aceites como gasto de 2011, no montante de 546.887,20 EUR “(…)” . “Refira-se que o montante inscrito no Campo 721 Provisões Não Dedutíveis ou Para Além dos Limites Legais (…) e Perdas Por Imparidade Fiscalmente Não Dedutíveis de Ativos Financeiros do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, apenas inclui a amortização do ativo intangível relativo à responsabilidade na substituição de equipamento da concessão, no montante de 70.293,98 EUR (…)”..

“Face ao exposto, procede-se a uma correcção da matéria tributável em sede de IRC, no período de tributação de 2011, no montante de 546.887,20 EUR, desfavorável ao Sujeito Passivo”.

 

Da análise da fundamentação constante do relatório (em especial nas pags. 19 a 22) verifica-se que a AT decidiu desconsiderar as amortizações do ativo intangível, por entender que não poderiam concorrer para efeitos fiscais, com base no disposto no n.º 1 do art. 12.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro. Para a AT, o regime fiscal das depreciações a amortizações, regulado no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, não prevê o tratamento fiscal de acordo com a IFRIC 12”. Pelo que “(…) apenas são fiscalmente dedutíveis as amortizações decorrentes dos investimentos efectivamente realizados ao abrigo da obrigação contratual”. Nesta óptica, apenas seriam aceites fiscalmente, “no período de 2011, amortizações relativas ao activo intangível no montante de 83.308,30 €”” (2.º e 3.º parágrafos página 21).

Contra esta fundamentação se insurge a Requerente, invocando incorrer a AT em erro nos pressupostos de facto, designadamente, quando conclui que à data dos factos, o ativo intangível consubstanciado no “Direito à Concessão”, tinha, em parte (no valor de €546.887,20), como contrapartida a realização de obras de construção Civil a efetuar pela A… no SID… (art. 90.º da Petição ).

Para a Requerente, “desde 2004, por força da criação do Sistema Multimunicipal do…, que as partes do contrato de concessão reconhecem a inexistência da obrigação de realização de investimento em infraestruturas” (art. 92.º da Petição ), pelo que “é errado o entendimento do serviços de inspeção da AT segundo o qual, no exercício de 2010, constituía contrapartida exclusiva do direito à concessão a realização de obras de construção civil (a integrar o SID…) por parte da A…” (art.93.º da Petição).

“Sendo antes correto que a obrigação, inicialmente acordada mas não cumprida, de investimento nas infraestruturas da concedente havia sido, de facto, substituída pela obrigação de pagamento de um preço” (art. 94.º da Petição).

Em especial, refere a Requerente que “reconheceu contabilística e fiscalmente mente o direito à concessão como um ativo intangível (pelo valor da contrapartida não realizada) por contrapartida de um passivo de tempestividade incerta (provisão)” (art. 135.º da Petição).

Segundo a Requerente “esta conformação contabilístico-fiscal baseou-se, quer no contrato de concessão inicialmente contratado, quer nos factos ocorridos posteriormente e documentados pelas sucessivas comunicações entre as partes daquele contrato de que resulta o reconhecimento expresso de que a obrigação de investimento em infraestrutura inicialmente acordada se tornou desasjustada aos objetivos da concessão devendo, em consequência, ser revista (art. 136.º da Petição) .

Nesta sequência, há também, na óptica da Requerente, vício de procedimento por violação do princípio do contraditório, da verdade material e do ónus da prova, quer no procedimento inspectivo, quer no procedimento administrativo, por a AT não ter atendido nos factos ocorridos posteriormente e documentados no processo. Impendia sobre a AT, por iniciativa própria, ao abrigo do princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT), averiguar toda a realidade factual, para obter o recorte mais verdadeiro possível da realidade, o que não ocorreu, gerando a ilegalidade do acto tributário

 

Vejamos.

 

Importa salientar que na aferiação da legalidade da atuação da AT o tribunal tem em conta a factualidade dada como provada e vigente à data da liquidação e encontra-se limitado, quer pela fundamentação vazada no relatório, quer pelo pedido e causa de pedir, ou seja, pelos vícios de ilegalidade que são imputados ao ato de liquidação pela Requerente (cfr. Acórdão do CAAD processo n.º 301/2015-T).

Consideranto o exposto, extrai-se da argumentação da Requerente que esta incorre em erro manifesto ao ter deduzido fiscalmente a amortização de um ativo intangível que não existe nos termos em que foi configurado fiscalmente.

No caso dos autos, à data da inspeção, a concretização da obrigação de investimento ainda se mantinha contratualmente em vigor, como resulta do probatório [pontos aaa), bbb) e ccc)].

Como ficou atrás amplamente demonstrado, de acordo com o regime especial dos artigo 5.º e 5.º- A do Decreto-Lei n.º 159/2009, a lei prevê que seja deduzido o montante da obrigação de investimento não amortizado.

No caso dos autos, a Requerente procedeu à amortização de um ativo intangível correspondente ao montante anual de € 546.887,20. Mais, concretamente, a Requerente optou, em síntese, por mensurar do ponto de vista contabilístico o ativo intangível pelo montante das obrigações de investimento que ainda lhe faltava realizar do ponto de vista contratual, independentemente de à data da transição apenas ter sido efetuada uma parte do investimento, mais precisamente € 1.724.500.

Sabendo-se que esse ativo intangível não correspondia a investimentos realizados, optou o contribuinte por reconhecer como sua contrapartida contabilística uma provisão.

Como ficou dito supra: “Acontece que se não estivermos perante investimento realizado não pode do ponto de vista fiscal reconhecer-se as amortizações do investimento não realizado como um custo fiscal. Com efeito, a IFRIC 12 obriga, do ponto de vista contabilístico, a reconhecer, no modelo de ativo intangível, atendendo à sua capacidade de vir a gerar benefícios económicos futuros. Assim, se a obrigação de investimento ainda não foi realizada não pode a mesma gerar esses benefícios económicos. Os ativos que subjacentes à concessão continuam a ter capacidade para gerar esses mesmos benefícios são apenas os equipamentos entregues, a título gratuito pelo concedente no início do contrato de concessão, bem como os que correspondentes à obrigação de investimento que foram efetivamente realizados, no valor de €1.724.500”.

“Assim, a amortização do dito ativo intangivel não pode ser aceite fiscalmente, por duas ordens de razões.

“A primeira prende-se com a clara opção do legislador fiscal, prevista no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, pela consideração fiscal das “amortizações” das obrigações de investimento ainda que não realizadas. Se assim entendeu o legislador fiscal, então podemos concluir que não pode haver duplicação de gastos fiscais pela consideração da amortização das obrigações de investimento ainda que não realizadas e da amortização do ativo intangível reconhecido na transição, pois esse ativo intangível corresponde efetivamente ao montante das obrigações de investimento (realizadas e não realizadas).

“A segunda razão prende-se com o disposto nos arts. 12.º e 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro” (cfr. o que ficou dito supra, em especial nos pontos supra 2.1.2., 2.2. e §2).

Em termos sintéticos, podemos dizer que a Requerente poderia socorrer-se do regime previsto nos artigos 5.º e art.5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, como ficou amplamente demonstrado (cfr.os citados pontos 21.2., 2.2 e, em especial, o § 2.º). No entanto, a Requerente optou por desconsiderar esta possibilidade fiscal ao dar relevância fiscal, na transição, e nos períodos subsequentes, às amortizações acumuladas do ativo intangível, como se o mesmo tivesse vindo a ser amortizado desde o início do contrato de concessão, bem como as amortizações dos períodos subsequentes à transição.

Em suma, da factualidade dada como provada e tida em conta pela AT no relatório, à data da liquidação, do contratualmente estabelecido, entre concedente e concessionário, constituía contrapartida exclusiva do direito à concessão a realização de obras nas infraestruturas, não tendo sido substituída de facto por qualquer outra obrigação e muito menos pelo pagamento de um preço. A alteração contratual no sentido do propugando pela Requerente somente veio a ocorrer em 2015, ainda que com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014 [cfr. pontos aa) a cc) do probatório]. 

Assim sendo, como ficou amplamente demonstrado supra, a relevância fiscal que a Requerente pretende obter com a amortização do ativo intangível não tem, em qualquer caso, cobertura legal. Com efeito, repete-se, à luz da lei geral (artigos 29.º e ss. do CIRC e do Decreto Regulamentar 25/2009) a amortização do intangível não pode concorrer para efeitos fiscais, porque, no caso em análise, corresponde a investimentos não realizados.

Considerando a realidade factual relevante, em especial o teor do contrato à data em vigor, e os dados contabilísticos e fiscais da Requerente, a actuação da AT não merece qualquer censura, improcedendo, assim, o alegado pela Requerente quanto ao erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputados à AT.

Por outro lado, também não assiste razão à Requerente quando alega que a AT terá incorrido em violação do princípio do inquisitório, da verdade material e do ónus da prova.

O princípio do inquisitório só releva quanto aos factos que sejam relevantes para a boa decisão da causa. Os factos que sejam posteriores àqueles que determinaram a liquidação impugnada (reportada ao ano de 2011) não relevam para a decisão a proferir, pelo que não enferma de qualquer ilegalidade a actuação da Requerida quando não observa o princípio do inquisitório quanto a esse conjunto de factos, que vieram a ocorrer após a data da inspeção, como ficou demonstrado.

 Por outro lado, a apreciação da legalidade dos atos tributários há-de ser aferida à luz das circunstâncias de facto e de direito vigentes à data da realização da inspeção.

Assim sendo, no caso dos autos, atenta a factualidade dada como provada, não podem deixar de improceder as alegadas ilegalidades por violação dos princípios do inquisitório, da verdade material e do ónus da prova invocadas pela Requerente. 

Em suma, entendemos que a AT, ao desconsiderar a amortização do ativo intangível, não incorreu em qualquer ilegalidade, mostrando-se, além do mais, a fundamentação das correções clara e suficiente.

Termos em que assiste razão à AT na correção efetuada no valor de € 546.887,20 [alínea b) do Quadro 1], improcedendo o pedido da Requerente, nesta parte, quanto à ilegalidade da liquidação.

 

B.       Correções previstas nas alíneas d) e e) do Quadro 1-Correções à base tributável efetuadas pela AT.

 

Vejamos agora a correção da AT identificada na alínea e), no valor de 44.824,64 € e que resulta da desconsideração de 1/5 do somatório dos ajustamentos de transição efetuados pela Requerente.

Do que ficou exposto quanto à legalidade das correções acima mencionadas, nos valores de € 546.887,20, decorre assistir razão à AT no que se refere à correção no valor de € 44.824,64 [alínea e) do Quadro 1)]. Com efeito, se a amortização do período não é fiscalmente aceite, também o não podem ser as amortizações acumuladas, uma vez tratar-se de uma das rúbricas que concorreu para o cálculo da diferença de transição calculada pela Requerente e desconsiderada pela AT), para além de outros erros no cálculo da referida diferença, que fazem com que a mesma deva ser desconsiderada para efeitos fiscais.

Perante o exposto, como o valor correspondente à correção mencionada na alínea d) do Quadro 1 está contido no valor global da correção mencionada na alínea e) do mesmo quadro, ao darmos razão à AT na correção efetuada ao valor de € 44.824,64 [alínea e) do Quadro 1)], tal juízo não pode deixar de comunicar-se à correção efetuada no valor de € - 3.687,58 [alínea d) do Quadro 1].

Assim sendo, ao entendermos dar razão à AT sobre a desconsideração fiscal do valor dos € 44.824,64 [alínea e) do Quadro 1], impõe-se considerar igualmente assistir razão à AT, quanto à correção efetuada no valor de € -3.687,58 [alínea d) do Quadro 1].

 

C.      Correções previstas na alínea c) do Quadro 1

 

Em relação à correção respeitante à atualização da provisão para investimento de infraestruturas de substituição reconhecida em POC, e designada pela Requerente como Provisão - Fundo de Renovação, no valor de € 49.736,50,00 - assiste razão à AT (ponto VII do Relatório de Inspeção, p.7).

Com efeito, no período de tributação de 2011, a Requerente incorreu em um gasto com a atualização financeira (atualização monetária) da provisão para investimentos de substituição. Todavia, a provisão em causa - provisão para investimentos de substituição - não é dedutível para efeitos fiscais, por falta de enquadramento no elenco de provisões dedutíveis constante do artigo 39.º do CIRC. E assim sendo, e dado o caráter taxativo do disposto neste preceito, se essa provisão não é aceite para efeitos fiscais, também o gasto com a atualização desse valor não é fiscalmente aceite.

Termos em que assiste razão à AT na correção efetuada, no montante de € 49.736,50,00 [alínea c) do Quadro 1] improcedendo o pedido da Requerente, nesta parte, quanto à ilegalidade da liquidação.

 

D.      Correções previstas na alínea f) do Quadro 1

 

Vejamos, agora, as correções quanto a coimas e demais encargos pela prática de infrações.

No período de tributação de 2011, a Requerente incorreu num gasto com coimas e demais encargos pela prática de infrações, no montante de € 275,60. Todavia, o valor da coima não concorre para o lucro tributável, cfr. previsto na alínea d) do n.º 1, do art. 45.º do CIRC.

Assim sendo, deve ser adicionado para efeitos de apuramento do lucro tributável, tal como foi considerado no Relatório de Inspeção da AT.

Termos em que assiste razão à AT na correção efetuada no montante de € 275,60 [alínea f) do Quadro1], improcedendo o pedido da Requerente, nesta parte, quanto à ilegalidade da liquidação.

 

III.2.3. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Como resulta do exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da liquidação de IRC referente ao exercício de 2011, com o n.º 2014…, de 19.12.2014, correspondentes demonstrações de liquidação de juros com os n.ºs 2014… e 2014…, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2014… de 22.12.2014, apenas quanto à correção relativa ao Desreconhecimento de passivo (obrigação de investimento) no valor de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1].

Nesta parte, o erro de liquidação é imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Por isso, tendo a Requerente pago as quantias em causa e juros compensatórios que foram liquidados, tem direito ao seu reembolso e a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º1, da LGT, na parte correspondente ao IRC e juros compensatórios que pagou .

Os juros indemnizatórios são devidos, à taxa legal supletiva, desde a data em que foram pagas as quantias referidas até à data em que vier a ocorrer o respetivo reembolso.

No que se refere às outras quantias pagas, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral, improcedem também os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios, pois pressupunham a ilegalidade das liquidações.

  

 

IV.         DECISÃO

 

          Nestes termos decide este Tribunal Arbitral Coletivo:

 

a)      Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da liquidação de IRC relativo ao ano de 2011, no que se refere à correção relativa ao desreconhecimento de passivo (obrigação de investimento) no montante de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1], anulando-se, em consequência, na parte correspondente, o ato de liquidação de IRC e juros compensatórios objeto de impugnação na presente ação;

b)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente das quantias acima mencionadas e respetivos juros compensatórios, bem como a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados à taxa supletiva sobre as quantias a reembolsar desde a data do pagamento, até integral pagamento; 

c)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da  liquidação impugnada, na parte relativa às correções no valor de: € 546.887,20 [alínea b) do Quadro 1]; €44.842, 64 [anulação de 1/5 do ajuste de transição-alínea e) do Quadro 1]; €- 3.687,58 [Dedução de 1/5 do desreconhecimento de ativo tangível- alínea d) do Quadro 1]; €49.736,50 [provisão de investimento de substituição-alínea c) do Quadro 1]; e de € 275,50 [dedução de coima- alínea f) do Quadro 1]  e, nesta sequência, 

d)     Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos de anulação, reembolso e juros indemnizatórios respeitantes a esta parte da liquidação impugnada e respetivos juros compensatórios.

 

***

 

V. Valor do processo

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 324.360,37.

 

***

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de março de 2017.

 

O Árbitro-Presidente

O Árbitro Vogal

O Árbitro Vogal

 

 

 

 

 

Maria Fernanda dos Santos Maças

Ana Maria Rodrigues

José Luís Ferreira (com declaração de voto)

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Acompanho a decisão arbitral, embora com uma clarificação e uma discordância.

 

A clarificação respeita à correcção de 546.887,20 €.

Partindo da matéria probatória e do enquadramento jurídico-tributário fixados pelo tribunal arbitral, temos que:

 

·                À data da acção inspectiva, a Requerente mantinha uma obrigação de realização de investimentos nos termos do contrato de concessão;

·                Na transição para o SNC a Requerente aplicou, nos termos da IFRIC 12, o modelo do activo intangível ao direito contratual (concessão de bens do domínio público), mensurado pelo valor da obrigação de investimento pendente de realização;

·                A amortização contabilística desse activo intangível não se apresenta como fiscalmente relevante nos termos do Código do IRC e do DR n.º 25/2009, por não traduzir o princípio da realização (no caso, inexistência de uma aquisição efectiva de bens do activo fixo);

·                Os artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 facultam à Requerente a dedução fiscal da obrigação de investimento pendente de realização, i. e. independentemente da sua realização (no pressuposto do cumprimento desta obrigação até ao término do contrato);

·                Trata-se de lei especial que prevalece sobre a lei geral, sendo que à primeira foi conferida natureza interpretativa. Tudo se passando como se este regime fiscal fosse aplicável desde 2010. Dando assim continuidade ao Despacho do SEAF que vigorou até 2009.

 

Decorre da decisão arbitral que “(…) a Requerente poderia socorrer-se do regime previsto nos artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, como ficou amplamente demonstrado (…) no entanto, a Requerente optou por desconsiderar esta possibilidade fiscal ao dar relevância fiscal, na transição e nos períodos subsequentes, às amortizações acumuladas do activo intangível, como se o mesmo tivesse vindo a ser amortizado desde o início do contrato de concessão, bem como as amortizações dos períodos subsequentes à transição”.

 

Dito por outras palavras, a decisão arbitral reconhece que, na transição do POC para o SNC, a Requerente continuou a beneficiar do regime fiscal que lhe permitia a dedução da obrigação de investimento (pelo valor pendente de realização, dividido pelo número de anos remanescente até ao término do contrato).

Isto, porquanto os ajustamentos de transição se reportam a factos tributários que apresentavam relevância fiscal prévia.

 

Mais se salienta que em 2013, embora com efeitos retroactivos a 2010, o ajustamento de transição foi aumentado de 5 exercícios para o número de exercícios em falta até ao termo da concessão.

 

É esse valor anual - obrigação de investimento pendente de realização a 1 Janeiro de 2010 divididos pelo número de anos em falta - que a Requerente poderia ter deduzido fiscalmente. Mantendo, no fundo, o procedimento adoptado desde o início da concessão até 2009.

 

O procedimento adoptado pela AT é amplamente questionável.

Não aceitou a dedução fiscal inerente à amortização contabilística do activo intangível.

Mas ignorou o regime fiscal aplicável à Requerente, o qual lhe permitia reclamar uma dedução fiscal pela obrigação de investimento pendente de realização.

 

Cabia à AT o cálculo desse segundo efeito. Tanto mais, que os valores são materialmente comparáveis. Pelo que a correcção fiscal (tributação da amortização contabilística) seria essencialmente “compensada” pela dedução fiscal que assiste à Requerente (dedução da obrigação pendente de realização em 2009, dividida ao longo do período contratual remanescente).

 

Julgo que o tribunal arbitral poderia ter ido mais longe. Aplicando o direito à matéria de facto dada como provada.

O que seria consentâneo com o direito substantivo aplicável ao caso concreto.

 

Todavia, compreendo e acompanho a decisão arbitral, dado que esta tem de ser conjugada com o pedido e causa de pedir apresentados pela Requerente.

 

Acresce que a Requerente não fica impedida de, à luz do procedimento e normativo tributários, procurar o reconhecimento desse direito. Quer no exercício abrangido pelo acto tributário, quer nos demais exercícios.

 

Por fim, e quanto à segunda correcção de 44.824,64 €, a mesma foi descrita na matéria de facto provada que se baseia nos seguintes termos do relatório de inspecção da AT:

 

i)               “Considerando que os ajustamentos de transição não foram correctamente calculados, conforme claramente se percebe pelo exposto ao longo do presente ponto, procede-se à desconsideração dos mesmos e anula-se a variação patrimonial negativa declarada pelo Sujeito Passivo (…) no montante de 44.824,64 €”;

ii)              “Nos dois pontos que se seguem (pontos 1.2.3 e 1.2.4 do presente capítulo) procede-se à determinação da variação patrimonial negativa e positiva imputável ao período de 2011, decorrente do regime transitório previsto nos n.º 1, 5 e 6 do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho”.

 

O fundamento do relatório de inspecção é simples: a AT anula a totalidade dos ajustamentos efectuados pelo sujeito passivo. Efectuando dois cálculos substitutivos, que constam dos pontos 1.2.3 e 1.2.4.

 

O ponto 1.2.3 traduz-se numa correcção de 3.687,58 €, favorável ao sujeito passivo.

 

Já o ponto 1.2.4 traduz-se numa correcção desfavorável de 383.977,35.

Sucede que, quanto a esta correcção, o tribunal decidiu - correctamente - que “não assiste razão à AT na correcção efectuada no valor de 383.977,35 €”.

 

Em suma, não se mantendo um dos cálculos substitutivos que fundamentam o acto tributário, não vejo como se poderia manter a correcção de 44.824,64 €.

Sob pena de o tribunal arbitral aceitar a correcção de 44.824,64 € … que a AT anulou e substituiu por uma correcção de 383.977,35 € … que o tribunal arbitral não aceitou.

Pelo que, neste particular, não pude acompanhar a decisão arbitral.

 

 

(José Luís Ferreira)

 



[1] Aplicável na União Europeia por força do Regulamento (CE) n.º 254/2009 da Comissão, de 25 de Março de 2009, que altera o Regulamento (CE) n.º 1126/2008, que adota certas normas internacionais de contabilidade, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, no que diz respeito à IFRIC 12.