Decisão Arbitral
1. Relatório
1.1 “Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A…”, doravante designado por «Requerente», contribuinte n.º…, representado pela sociedade gestora “B…, SA”, contribuinte n.º…, com sede na Avenida…, …, n.º…, em Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 13 de setembro de 2016, tem por objeto a decisão de indeferimento da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de…, em regime de substituição, de 13-06-2016, proferida no processo de reclamação graciosa n.º …2016… e a consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (IS) n.ºs 2012 … e 2013 …, efetuadas em 07-11-2012 e 21-03-2013, respetivamente, no montante global de 24 010,30 €, respeitantes à aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) sobre o prédio urbano (terreno para construção) sito na … (lote…), lugar da …, freguesia de …, concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo… .
1.3 O Requerente optou por não designar árbitro.
1.4 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 26 de setembro de 2016.
1.5 O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.6 Em 10 de novembro de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.7 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 25 de novembro de 2016.
1.8 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 25 de julho de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
1.9 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT).
1.10 Em 13 de janeiro de 2017, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo na mesma data juntado aos autos o respetivo PA.
1.11 Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental e que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 16 de janeiro de 2017, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, de forma sucessiva para a Requerida.
1.12 Na mesma data foram as Partes notificadas desse despacho, tendo a Requerente, em 27 de janeiro de 2017, apresentado as suas alegações e formulado conclusões.
1.13 O que a Requerida fez em 09 de fevereiro de 2017, mantendo a posição assumida em sede de Resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
1.14 Foi designada a data de 27 de fevereiro de 2016 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.
2. Saneamento
2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
2.2 O processo não enferma de nulidades.
2.3 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
2.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Posição das Partes
3.1 Do Requerente
Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:
Que o ato administrativo (liquidação de IS n.º 2012…) padece do vício de falta de fundamentação, uma vez que o mesmo é obscuro no que tange ao período temporal a que o imposto nele liquidado diz respeito.
Assim, se se refere ao ano de 2011, o mesmo é retroativo e, em consequência, inconstitucional, devendo ser anulado.
Caso se conclua que se reporta ao ano de 2012, então o ato de liquidação de IS n.º 2013 … é ilegal, por vício de duplicação de coleta, por se reportar ao mesmo ano de 2012, devendo ser anulado.
Que esta liquidação desrespeita o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, nomeadamente no que concerne à data limite que a Requerida dispunha para fazer a liquidação de IS, à taxa de imposto aplicada e aos moldes como este imposto deveria ser pago pela Requerente.
Além disso a lei antes referida não contemplou, na redação original dada à verba n.º 28 da TGIS, a inclusão dos terrenos para construção no âmbito de incidência objetiva de imposto.
Tal decorre dos diversos elementos da hermenêutica jurídica, como sejam o literal, o teleológico, o histórico, o sistemático bem como das sucessivas decisões arbitrais e judiciais.
Se dúvidas houvesse, as mesmas ficaram dissipadas com as alterações que a Lei do Orçamento para 2014 introduziu à referida verba 28 da TGIS, as quais tiveram um caráter inovatório.
3.2 Da Requerida
Defendendo-se, por impugnação, invoca os seguintes argumentos:
Que o ato administrativo (liquidação de IS n.º 2012…) está fundamentado porque se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinaram a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão, resultando demonstrado que o Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato.
Que a liquidação não enferma do vício de duplicação de coleta, porque não há aplicação repetida da mesma norma de incidência ao mesmo período de tempo.
Com efeito a liquidação n.º 2012…, de 07-11-2012, foi efetuada segundo as disposições transitórias previstas no n.º 1 do artigo 6.º da citada lei, sendo que o fato tributário se verificou em 31 de outubro de 2012, incidindo o imposto sobre o VPT determinado segundo as regras do CIMI por referência ao ano de 2011, devendo o imposto ser pago numa única prestação até 20-12-2012.
Já a liquidação n.º 2013…, de 21-03-2013, foi efetuada nos termos do n.º 2 do referido artigo 6.º do mesmo diploma legal, cujo facto tributário ocorreu em 31 de dezembro de 2012, incidindo o imposto sobre o VPT constantes da matriz predial em 31-12-2012.
Que o prédio, sobre o qual recaem as liquidações impugnadas, tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, uma vez que, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada.
Termina, pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, uma vez que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei.
4.Fundamentação
4.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
4.1.1 O Requerente é proprietário do prédio sito na … (lote…), lugar …, freguesia de …, concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e registado na competente conservatória sob o n.º…, cfr. doc. 1 junto à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
4.1.2 De acordo com o mesmo documento o prédio insere-se na espécie “terreno para construção”, prevista na alínea c), n.º 1 do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), tendo a área de 637,50 m2.
4.1.3 Em 31-10-2012 e 31-12-2012 o valor patrimonial tributário (VPT), determinado nos termos do artigo 45.º do CIMI, era de 1 600 686,60 €, cfr. pág. 13 do processo administrativo (PA-6).
4.1.4 Em 07-11-2012, a AT procedeu à liquidação n.º 2012 … do imposto do selo previsto na verba 28.1 da TGIS, no montante de 8 003,43 €, com referência ao prédio supra referido, emitindo em 23-11-2012 a respetiva nota de cobrança para pagamento até 20-12-2012, cfr. pág. 6 do PA.
4.1.5 Do respetivo documento único de cobrança (DUC), oportunamente enviado pela AT (doc. 2 junto à p.i.), vem referido, além do mais, o seguinte:
Identificação fiscal: ….
Ano de Imposto: Lei 55A/2012
Identificação do documento: 2012 …
Data de liquidação: 2012-11-07
Descrição do prédio-Município/Freguesia/Artigo: … …–U-…
Lei 55A/2012: Art. 6.º/1/f/i
Valor Patrimonial (1);(€): 1 600 686,60
Quota-Parte (2);(€): 1/1
Valor Isento (3);(€): 0,00
Taxa (4);(%): 0,50
Coleta [(1*2-3)*4];(€): 8 003,43
PRESTAÇÃO ÚNICA
DATA LIMITE DE PAGAMENTO: 2012-12-20
TOTAL A PAGAR: € 8 003,43
A liquidação efetuada observa o disposto nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55A/2012, de 29 de Outubro
4.1.6 No artigo 6.º da P.I. o Requerente protestou juntar o comprovativo do pagamento do imposto liquidado, que constituiria o documento n.º 4, sem que, contudo, lograsse fazê-lo.
4.1.7 Em 12-10-2016 (data da impressão da «Consultar Notas de Cobrança – Demonstração de Compensação» a pág. 6 do PA) o referido pagamento encontrava-se por efetuar.
4.1.8 Em 21-03-2013, a AT procedeu à liquidação n.º 2013 … do imposto do selo previsto na verba 28.1 da TGIS, no montante de 16 006,87 €, com referência ao prédio supra referido, cfr. pág. 1 do PA-6.
4.1.9 Em 26-03-2013, a AT emitiu a nota de cobrança respeitante à primeira prestação, no montante de 5 335,63 €, para pagamento até 30-04-2013, cfr. pág. 7 do PA.
4.1.10 Conforme pág. 8 do PA, o pagamento ocorreu em 24-04-2013.
5.1.11 Em 29-06-2013, a AT emitiu a nota de cobrança respeitante à segunda prestação, no montante de 5 335,62 €, para pagamento até 01-08-2013, cfr. pág. 9 do PA.
4.1.12 Conforme pág. 10 do PA, o pagamento ocorreu em 25-07-2013.
4.1.13 Em 26-03-2013, a AT emitiu a nota de cobrança respeitante à terceira prestação, no montante de 5 335,62 €, para pagamento até 30-11-2013, cfr. pág. 11 do PA.
4.1.14 Conforme pág. 11 do PA, o pagamento ocorreu em 28-11-2013.
4.1.15 Do respetivo documento único de cobrança (DUC), oportunamente enviado pela AT (doc. 3 junto à p.i., quanto à 1.ª prestação), vem referido, além do mais, o seguinte:
Identificação fiscal: …
Ano de Imposto: 2012
Identificação do documento: 2013 …
Data de liquidação: 21-03-2013
Descrição do prédio-Município/Freguesia/Artigo: … …–U-…
Verba da TGIS: 28.1
Valor Patrimonial (€1);(1): 1 600 686,60
Quota-Parte (€);(2): 1/1
Valor Isento (€);(3): 0,00
Taxa (%);(4): 1,00
Coleta(€): [(1x2-3)x4]= 16 006,87
1.ª PRESTAÇÃO
MÊS DE PAGAMENTO: ABRIL/2013
VALOR A PAGAR: € 5 335,63
4.1.16 Idênticos DUC’s foram enviados ao Requerente relativamente às restantes duas prestações, para pagamento nos meses de julho e novembro de 2013, no montante de 5 335,62 €, cada.
4.1.17 As liquidações foram objeto de reclamação graciosa, conforme processo de reclamação graciosa n.º …2016…, indeferida quanto ao mérito, por despacho da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de…, em regime de substituição, de 13-06-2016, notificado ao Requerente pelo ofício n.º…, de 14-06-2016, rececionado em 15-06-2016 (cfr. doc. 6, junto à p.i.; pág.s 1/5 do PA-1; e pág.s 9/11 do PA-7).
4.2 Factos não provados
Não foi feita prova do pagamento do imposto do selo respeitante à liquidação n.º 2012…, no montante de 8 003,43 €, cujo comprovativo o Requerente havia protestado juntar, cfr. artigo 6.º da p.i..
Inexistem quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
4.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.
5. Matéria de Direito (fundamentação)
São as seguintes as questões que constituem o thema decidendum:
- Da falta de fundamentação da liquidação de IS n.º 2012…;
- Da duplicação de coleta;
- Da ilegalidade da liquidação de IS n.º 2013 … por violação do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29-10;
- Da ilegalidade das liquidações por erro quanto aos pressupostos de direito; e
- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Da falta de fundamentação da liquidação de IS n.º 2012 … -
Refere o n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), que «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».
Também o n.º 2 do mesmo preceito legal refere que «A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Este dever de fundamentação dos atos administrativos é corolário do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que prescreve: «Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Deste modo, fundamentar um ato administrativo, «consiste em indicar, concretamente, as razões de direito e de facto por que se tomou a decisão em determinado sentido»[1].
Porém, «as exigências de fundamentação do acto tributário não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido como seja a participação do interessado no procedimento e a extensão dessa participação – não tendo de reportar, por princípio, todos os factos considerados, todas as reflexões feitas ou todas as vicissitudes ocorridas durante essa deliberação[2]».
Segundo Diogo Freitas do Amaral[3], «A fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo”.
Para José Carlos Vieira de Andrade[4] «(…) o dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória».
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[5] «No que concerne à fundamentação, a CRP garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.º do CPA) que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3) (…).
Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.
Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente (…).
A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária».
No mesmo sentido podem ver-se, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STA:
Acórdão de 06-05-2015 (Processo n.º 0291/13): «Nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação (como se exige nos casos de “relações especiais” – art. 77.º, n.º 3 da LGT, tributação por “métodos indirectos” – art. 77.º, n.º 4 e 5 da LGT, “derrogação administrativa de segredo bancário” – art. 63.º-B n.º 4 da LGT ou de “reversão contra responsáveis subsidiários” – art. 23.º, n.º 4 da LGT) o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração Tributária afere-se face ao disposto nos nºs. 1 e 2 do artº 77º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação».
Acórdão de 09-09-2015 (Processo n.º 01173/14): «A AT tem o dever legal de fundamentar os actos de liquidação (cfr. art. 268.º da CRP, bem como os art.s 21.º do CPT, 125.º do CPA e 77.º da LGT). A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato».
Para o Requerente o ato administrativo em análise (liquidação de IS n.º 2012…) está ferido de ilegalidade por vício de falta de fundamentação, uma vez que no respetivo documento único de cobrança pode ler-se a referência “Lei 55A/2012” no campo respeitante ao “ANO DO IMPOSTO”, cfr. documento n.º 2, quando na liquidação de IS seguinte, com o n.º 2013…, cuja primeira prestação foi notificada em 02-04-2013, a AT adotou postura diferente, tendo inscrito no campo destinado ao “ANO DO IMPOSTO” a referência “2012”, cfr. documento n.º 3.
Deste modo, dadas as diferenças de comportamentos adotados pela AT, o Requerente interroga-se acerca de qual será o ano de imposto respeitante à referida liquidação.
Assim, mostra-se necessário determinar o ano em questão, ou melhor, a data do facto tributário e ainda se os elementos exteriorizados no documento enviado ao Requerente são suficientemente esclarecedores.
Comecemos pelo texto dos artigos 4.º e 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro:
«Artigo 4.º
Aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo
É aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redação:
«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;
28.2 —………………………………………………»
«Artigo 6.º
Disposições transitórias
1 — Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica -se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 — Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.
3 — A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei».
Para José Maria Fernandes Pires[6], citado no artigo 77.º da p.i., a liquidação que vimos curando, respeitando a um regime transitório previsto no artigo 6.º da referida lei, refere-se a um imposto extraordinário incidente sobre o ano de 2012.
Dado o seu interesse para a boa decisão deste Tribunal, passamos a transcrever o pontos 5.4 e 5.5, IV, da parte III, da referida obra:
«5.4. O regime transitório de 2012
O imposto do Selo sobre os prédios de elevado valor foli instituído, como antes vimos, pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que estabeleceu medidas destinadas a aumentar as receitas fiscais.
Trata-se de um imposto anual, como vimos também, cujo facto gerador ocorre no dia 31 de dezembro, alicando-se as regras do Código do IMI, nomeadamente as de liquidação e de pagamento. Assim, em condições normais, tendo a Lei entrado em vigor no dia seguinte ao da sua aprovação, como estabelece o respetivo artigo 7.º, devereia a primeira liquidação deste imposto ser efetuada nos meses de fevereiro e março de 2013, podendo o pagamento, quando superior a 500 euros, ser efetuado em três prestações iguais, nos meses de abril, julho e dezembro de 2012.
Talvez em razão da necessidade de realização de receitas fiscais ainda em 2012, foi estabelecido um regime transitório no artigo 6.º da Lei que o aprovou, que analisaremos a seguir.
Este regime transitório estabeleceu que os sujeitos passivos teriam que pagar, ainda em 2012, e numa só prestação em dezembro, pela primeira vez este imposto. Considerou a Lei, na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º, para este efeito, que o facto gerador ocorre no dia 31 de outubro de 2012, estabelecendo que a administração tributária teria que efetuar a liquidção durante o mês de novembro desse ano. Dado que a Lei vigorou no ano de 2012, apenas dois meses, estabeleceu que o imposto a pagar no ano de 2012 seria mais baixo.
O valor patrimonial tributário sobre que incidiu este imposto transitório era o que constava das matrizes prediais, não no dia em que ocorreu o facto gerador, mas no dia 31 de dezembro de 2011 (alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º).
Temos então que efetuar uma separação clara na aplicação deste imposto transitório, entre a data da produção do facto gerador do imposto, que ocorreu no dia 31 de outubro de 2012, e a data de referência para apuramento do valor tributável, que neste caso não coincide com a do facto gerador. Para este efeito manda a Lei que seja considerado o valor patrimonial de cada prédio, inscrito na matriz predial no dia 31 de dezembro de 2011.
Assim, para todos os efeitos da liquidação, é relevante a situação jurídica do prédio no dia da ocorrência do facto gerador (31 de outubro de 2012), mas o valor tributável, e apenas esse, é o que estava inscrito na matriz, relativamente a cada prédio, em 31 de dezembro de 2011.
Dado que nesta última data decorria a avaliação geral de prédios urbanos e que ainda nem todos estavam avaliados nos termos do Código do IMI, a Lei estabeleceu um regime de taxas ajustado a essa circunstância. Essas taxas foram as seguintes:
i) 0,5% para os prédios com afetação habitacional que àquela data já estavam avaliados nos termos do CIMI;
ii) 0,8% para os prédios com afetação habitacional que em 31 de dezembro de 2011 ainda não estavam avaliados nos termos do CIMI;
iii) 7,5% para os prédios de que sejam titulares sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
A Lei não o estabelece expressamente, mas a este imposto transitório devem aplicar-se subsidiariamente as normas que regulam a liquidação do IMI, com as devidas adaptações.
5.5. Conclusão
A instituição deste imposto transitório levanta algumas questões que não são de resposta fácil, nomeadamente o facto de o momento temporal relevante para a determinação do valor patrimonial tributário não ser o mesmo que o que releva para a determinação do valor tributável a que se aplicam as taxas.
Assim, nos casos em que um prédio tenha sido adquirido, por exemplo em maio de 2012 e cujo valor patrimonial tributário tenha sido definitivamente fixado em setembro seguinte, o valor patrimonial que serviu de base à liquidação do imposto foi o que estava inscrito na matriz em 31 de dezembro de 2011, mas o sujeito passivo do imposto já foi o adquirente, porque era esse o seu titular na data da produção do facto gerador, em 31 de outubro de 2012.
Outra questão relevante é a de apurarmos a que período de imposto se reporta este imposto transitório. Como antes vimos, este é um imposto periódico, com periodicidade anual, como estabelecem o n.º 7 do artigo 23.º e a alínea u) do artigo 5.º, ambos do Código do Imposto do Selo. Assim sendo, o imposto relativo ao ano de 2012 é pago em 2013, cabendo então apurarmos a que período de imposto se reporta o que foi instituído no regime transitório que acabámos de analisar.
A lei não o revela expressamente, mas as respostas não são fáceis. Na verdade se a resposta for no sentido de que este imposto transitório pago em 2012 se reporta ao período correspondente ao ano de 2011, estamos a falar de um imposto retroativo, com a agravante de tributar, nos casos em que ocorreram transmissões entre janeiro e 31 de outubro de 2012, sujeitos passivos que não eram titulares dos prédios naquela data, o que levantaria problemas de conformidade constitucional.
Mas a resposta não é menos problemática se for no sentido de que se trata de um imposto que incide sobre o ano de 2012, dado que nesse caso estaremos perante uma situação em que a riqueza detida por um mesmo titular é tributada duas vezes pelo mesmo imposto.
A resposta menos problemática seria porventura aquela no sentido de que este imposto do regime transitório se trata, na verdade de um imposto extraordinário incidente sobre o ano de 2012. Apesar de a Lei não o dizer expressamente, é nesse sentido que aponta, pelo facto de as taxas aplicáveis serem mais baixas, correspondendo a metade para os prédios que em 2011 já tinham um valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do IMI» (sublinhado nosso).
Também o Tribunal Constitucional parece apontar no mesmo sentido[7], quando a pág. 11 do seu acórdão n.º 590/2015, refere: «Pretendendo arrecadar imediatamente receita fiscal adicional em ordem ao cumprimento premente das metas orçamentais estabelecidas no âmbito do Plano de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e fixadas no Memorando de Políticas Económicas e Financeiras no ano em curso, o legislador estabeleceu na referida Lei n.º 55-A/2012, por um lado, a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 7.º, n.º 1) e, por outro, um regime transitório para o ano de 2012 (artigo 6.º). De acordo com o referido regime transitório, estabelecido no artigo 6.º da mesma Lei n.º 55-A/2012, o facto tributário foi antecipado para 31 de outubro de 2012, devendo os sujeitos passivos satisfazer o respetivo pagamento até 20 de dezembro de 2012, numa única prestação.
Porém, no que concerne ao Imposto do Selo a liquidar no ano de 2012, de acordo com o regime transitório que se vem de referir. a taxa fixada é inferior à estipulada para os anos subsequentes (1%), sendo, no que concerne aos prédios com afetação habitacional, de 0,5% ou 0,8%, consoante tenham ou não sido avaliados nos termos do Código do IMI, sendo o valor patrimonial tributário a utilizar para o efeito aquele que resulte das regras previstas no Código do IMI por referência ao ano de 2011» (sublinhado nosso).
Concordando plenamente com o que vem de dizer-se, para este Tribunal Arbitral o imposto do selo a que se refere a liquidação n.º 2012…, efetuada em 07-11-2012, corresponde a um imposto extraordinário incidente sobre o ano de 2012, respeitando ao regime transitório previsto no artigo 6.º da referida Lei n.º 55-A/2012, de 29-10.
Perscrutando o documento único de cobrança (documento n.º 2 junto à p.i.) verifica-se que do mesmo consta a expressão “Lei 55A/2012: Art. 6.º/1/f/i”, significando deste modo estarem em causa disposições transitórias à referida lei, referentes ao ano de 2012, sendo de 0,5 % a taxa aplicável aos prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI.
Consta também a seguinte expressão: “A liquidação efetuada observa o disposto nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55A/2012, de 29 de Outubro”, o que tem a seguinte tradução literal: que o facto tributário verificou-se no dia 31 de outubro de 2012 (alínea a)); O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data antes referida (alínea b)); O valor patrimonial tributário utilizado na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI por referência ao ano de 2011 (alínea c)); A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012 (alínea d)); O imposto deveria ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012 (alínea e)); e a taxa aplicável foi a de 0,5 % por força do disposto na subalínea i), alínea f).
Refira-se que estas expressões, a negrito, não constam do documento único de cobrança (documento n.º 3 junto à p.i.) relativos à liquidação n.º 2013…, por o mesmo respeitar ao ano de 2012 e não a qualquer regime transitório do memo ano.
Deste modo para este Tribunal Arbitral os elementos constantes do referido documento são suficientes para que o Requerente, ainda que colocado na posição de um destinatário normal, como deverá ser visto, ficasse devidamente esclarecido do ato de liquidação de IS n.º 2012 ….
Assim, não se verificam os vícios formais da falta de fundamentação invocados pelo Requerente uma vez que o órgão administrativo indicou as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar o ato, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória.
Da duplicação de coleta –
Nos termos do n.º 1 do artigo 205.º do CPPT haverá duplicação de coleta quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
Os requisitos da duplicação de coleta são, cumulativamente, os seguintes:
a) Unicidade dos factos tributários;
b) Identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige;
c) Coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar.
São por demais evidentes as diferenças entre as liquidações impugnadas. Assim:
A liquidação n.º 2012 … respeita ao regime transitório previsto no artigo 6.º da referida Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e corresponde a um imposto extraordinário do ano de 2012, incidente sobre o valor patrimonial tributário constante da matriz em 31 de dezembro de 2011, efetuada até ao final do mês de novembro de 2012, sendo o imposto pago, numa única prestação, até ao dia 20 de dezembro de 2012, e o respetivo facto tributário ocorrido em 31 de outubro de 2012.
Já a liquidação n.º 2013 … foi efetuada em 21-03-2013, sendo o imposto pago em três prestações (meses de abril, julho e novembro de 2013), cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 113.º do CIMI, aplicáveis por remissão expressa do n.º 7 do artigo 23.º e n.º 5 do artigo 44.º, ambos do CIS, respetivamente, tendo incidido sobre o valor patrimonial tributário constante da matriz em 31 de dezembro de 2012, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do mesmo diploma e n.º 1 do referido artigo 113.º do CIMI, tendo o respetivo facto tributário ocorrido em 31 de dezembro de 2012.
Ademais, não se provou que o imposto a que respeita a liquidação n.º 2012 … tivesse sido pago.
Não se verifica, deste modo, duplicação de coleta.
Da ilegalidade da liquidação de IS n.º 2013 … por violação do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro –
Refere o Requerente que o ato de liquidação de IS n.º 2013 … é ilegal, por violação do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, uma vez que não foram cumpridas as regras contidas nas diversas alíneas do n.º 1 do referido artigo 6.º daquele diploma legal, nomeadamente as alíneas d), e) e f), subalínea i).
Não pode proceder a pretensão do Requerente uma vez que a liquidação em análise subsume-se no n.º 2 do artigo 6.º da referida lei e nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 113.º do CIMI, aplicáveis por remissão expressa do n.º 7 do artigo 23.º e n.º 5 do artigo 44.º, ambos do CIS, respetivamente, como antes se referiu, bem como na verba 28.1 da TGIS, quanto à respetiva taxa «Por prédio com afetação habitacional – 1%», e não nas diversas alíneas e subalíneas do n.º 1 do mesmo artigo 6.º da referida lei, esta sim aplicável à liquidação n.º 2012 … (regime transitório).
Da ilegalidade das liquidações impugnadas por erro quanto aos pressupostos de direito -
O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo a verba 28, com a seguinte redação (note-se que, entretanto, a redação do n.º 1 desta verba foi alterada com a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12):
«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;
28.2- ………………………………………………..»
O prédio que está na origem das liquidações impugnadas encontra-se inscrito na respetiva matriz como “terreno para construção” com a área de 637,50 m2, tendo em 31-10-2012 e 31-12-2012 o valor patrimonial tributário (VPT), determinado nos termos do artigo 45.º do CIMI, de 1 600 686,60 €.
Para a Requerida o terreno para construção tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que o ato de liquidação deverá ser mantido, por consubstanciar correta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pelo normativo antes citado.
A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que prevê a tributação de prédios de valor igual ou superior a 1 000000 € abrange ou não os terrenos para construção.
A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de «prédio com afetação habitacional». Contudo, observando o que dispõe o artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.» Existindo dúvida quanto ao alcance da referida verba, justifica-se, portanto, observar o que diz o CIMI.
Da leitura do CIMI percebe-se que o conceito de «prédio com afectação habitacional» parece remeter para o conceito de «prédio urbano» (vd. artigo 2.º e, maxime, artigo 4.º).
Ora, entre as espécies de «prédios urbanos» (artigo 6.º), mencionam-se, expressamente, os «prédios urbanos habitacionais» [v. n.º 1, al. a)] e os «terrenos para construção» [v. n.º 1, al. c)] . Os n.os 2 e 3 do referido artigo do CIMI especificam que os primeiros "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins", e que os segundos são "os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos."
Contudo, da leitura das normas do CIMI (v. artigos 2.º, 4.º e 6.º), não se vislumbra, na classificação dos «prédios», o (específico) conceito de «prédio com afetação habitacional». Assim sendo, na falta de correspondência terminológica exata do conceito de «prédio com afetação habitacional» com outro utilizado neste e noutros diplomas, apenas podem aventar-se hipóteses interpretativas, à luz do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil.
Foi o que já se fez, por exemplo, na Decisão Arbitral n.º 231/2013-T, de 3/2/2014: "O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT".
Neste contexto, as duas interpretações possíveis foram testadas: 1) a de que o conceito em causa («prédios com afectação habitacional») reporta-se aos "prédios habitacionais"; 2) a de que aquele conceito se reporta a conceito distinto do de "prédios habitacionais".
Quanto à primeira das hipóteses, conclui-se aqui, tal como na referida Decisão, com a qual se concorda, que, "a entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o [conceito] de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos por aquele n.º 2 do artigo 6.º para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais». Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção."
Em síntese, daqui resulta que: ou os termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS são coincidentes com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI - e então as liquidações realizadas com essa justificação são ilegais pelas razões já acima mencionadas -, ou então os referidos termos não são coincidentes. Neste último caso, terá de concluir-se que se pretendia utilizar conceito diverso do de "prédios habitacionais".
Mas que conceito seria esse?
Esta é, pois, a investigação subjacente à segunda hipótese tratada na referida Decisão, a qual concluiu que, não existindo um sentido coerente na verba n.º 28.1, apenas restaria a via da interpretação do texto legal, enquadrada pelo artigo 9.º, n.º 3, do Cód. Civil: "A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional. [...] Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."
Ora, como bem prossegue a citada Decisão, "à face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados, designadamente em alvará de loteamento. Para tal, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada. [...]. O texto da lei, ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na [...] «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação."
O certo é que, no presente caso - tal como sucedia no caso subjacente à Decisão que tem sido amiúde citada -, "está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência. Por outro lado, como bem refere o Requerente [e a ora requerente, nos mesmos exactos termos], a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos para construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: «Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013». A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa. Por outro lado, não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção» (sublinhado e negrito, nossos)."
Com efeito, como também alega, com razão, a Requerente, decorre "da apresentação da proposta de lei n.º 96-XII [que] o que foi proposto aos deputados e estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo, no qual não se incluem os terrenos para construção ou, nas palavras mais esclarecedoras do SEAF, uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação e uma tributação especial que incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros, ou seja, uma tributação sobre os prédios habitacionais referidos no n.º 2 do art. 6.º do CIMI."
Note-se, por último, o que refere, com clareza e acerto, a Decisão Arbitral n.º 49/2013-T, de 18/9/2013: "Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno."
Esta interpretação vem sendo defendida pela jurisprudência deste Tribunal Arbitral, de forma pacífica e consistente, conforme decisões proferidas em inúmeros processos[8], além dos referidos no artigo 112.º do pedido arbitral bem como em muitos outros.
Bem como pelo Supremo Tribunal Administrativo[9].
Em nome dos princípios da economia e celeridade processuais e por uma questão de autenticidade e fidedignidade processuais, transcrevem-se aqui os argumentos ínsitos no acórdão do STA, de 23/04/2014, proferido no processo n.º 272/14, disponível em www.dgsi.pt:
“4.3 A questão objecto do presente recurso consiste em saber qual o âmbito de incidência da verba 28.1. da Tabela Geral de Imposto de Selo na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 55-A/2012 de 29.10, nomeadamente saber se nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a €1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional.”
A sentença recorrida considerou que à face do teor literal da verba n.° 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais.
Mais ponderou que os terrenos para construção que não têm utilização definida não podem ser considerados prédios com afectação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afectação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido.
Neste contexto concluiu que a liquidação sindicada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.° 28.1 é um terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».
Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública alegando que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, já que, o legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão que considera diferente e mais ampla, integrando outras realidades para além das identificadas no art. 6.º n.º 1 al. a) do CIMI.
Concluindo que a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação.
Desde já se adiantará que o recurso não merece provimento e que a sentença que assim decidiu deve ser confirmada.
Com efeito a questão, nestes termos suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão que foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo em data recente, por acórdãos de 09.04.2014, proferidos nos processos nos processos 1870/13 e 48/14, em que o presente relator teve intervenção como adjunto, nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão 1870/13:
«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação).
É esta a jurisprudência que aqui se acolhe e se reitera, tendo em conta a regra constante nº 3 do art. 8º do Cod.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, sendo que a recorrente não aduz nova fundamentação que infirme tal orientação jurisprudencial”.
Face ao exposto, considera-se verificado o alegado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, o que determina a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações impugnadas.
Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios –
A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), tendo provado ter pago a quantia liquidada, respeitante à liquidação n.º 2013…, no montante de 16 006,87 €.
Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA[10], sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).
Tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1 da TGIS, que justifica a anulação da liquidação impugnada, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento de cada uma das prestações em que se dividiu o quantum liquidado, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.
***
6.Decisão
Em face do supra exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do despacho da Senhora Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de…, em regime de substituição, de 13-06-2016, proferida no processo de reclamação graciosa n.º …2016… .
b) Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo (IS) n.ºs 2012 … e 2013 …, efetuadas em 07-11-2012 e 21-03-2013, respetivamente, no montante global de 24 010,30 €, respeitantes à aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) sobre o prédio urbano (terreno para construção) sito na … (lote…), lugar…, freguesia de…, concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo … .
c) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar as quantias indevidamente pagas pelo Requerente, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data dos respetivos pagamentos até à data da emissão das respetivas notas de crédito.
7. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 24 010,30 €.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 530,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2017.
O Árbitro,
(Rui Ferreira Rodrigues)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
[1] Acórdão do STA de 06-02-1991 (Processo n.º 13085)
[2] Acórdão do STA de 30-01-2013 (Processo n.º 0105/12)
[3] In «Direito Administrativo», volume III, Lisboa 1989, pág. 254/255
[4] In «O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», Coleção Teses, Almedina, pág. 13
[5] In «Lei Geral Tributária», anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, Encontro de Escrita, pág. 675/676
[6] In «Lições de Impostos sobre o Património e do Selo», 2016, 3.ª edição, Almedina, pp. 514/517
[7] Acórdão n.º 590/2015, de 11-11-2015 (pág. 11)
[8] Proc.s n.ºs 42/2013, 48/2013, 49/2013, 53/2013, 180/2013, 189/2013, 7/2014, 56/2014, 202/2014, 210/2014, 516/2014, 523/2014, 586/2014, 599/2014, 757/2014, 125/2015, 542/2016.
[9] Acórdãos de 09-04-2014 (P. 1870/13); 09-04-2014 (P. 48/14); 23-04-2014 (P. 270/14, 271/14 e 272/14); 14-05-2014 (P. 1871/13, 55/14 e 0317/14); 28-05-2014 (P. 395/14); 09-07-2014 (P. 0676/14); 10-09-2014 (P. 0707/14, 0708/14 e 0740/14); 24-09-2014 (P. 01533/13, 0739/14 e 0825/14); 08-10-2014 (P. 0805/14 e 0806/14); 05-11-2014 (P. 0530/14); 14-01-2015 (P. 0541/14); 15-04-2015 (P. 01481/14); 22-04-2015 (P. 0279/15 e 0347/15) e 29-04-2015 (P. 021/15); 01-02-2016 (P. 01069/16); 14-12-2016 (P. 01099/16)
[10] Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09