Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 513/2016-T
Data da decisão: 2017-02-24  Selo  
Valor do pedido: € 32.904,17
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

                                                             

 

I. RELATÓRIO

 

I.1

  1. Em 25 de Agosto de 2016 a contribuinte A…, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Av…, n.º…, ..., …-… Lisboa requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 19 de Setembro de 2016.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 
  4. A AT apresentou a sua resposta em 15 de Dezembro de 2016.
  5. Por despacho de 16.12.2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
  6. Em 11 de Janeiro de 2017 a Requerente juntou cópias das terceiras prestações do Imposto de Selo e respetivos comprovativos de pagamento.
  7. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade das Liquidações de Imposto de Selo, relativas a 2015,

n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…

n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…

n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…,  2016…, 2061…, 2016…, 2016…, 2016…,  2016…, 2016… e 2016…, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. De acordo com o disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, introduzida pela Lei 55-A/2012 e na redação introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), fica sujeita a IS a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI:- Por prédio habitacional (…)” - 1%.
  2. A verba n.º 28.1 da TGIS prevê, pois, três requisitos para tributação, em sede de IS, dos referidos prédios:

i)               O contribuinte ser titular de um dos seguintes direitos reais sobre o prédio - direito de propriedade, direito de usufruto ou direito de superfície;

ii)             O prédio dispor de um VPT igual ou superior a € 1.000.000, constante da matriz, nos termos do Código do IMI; e

iii)          Tratar-se de um “prédio habitacional”.

 

  1. Os requisitos estabelecidos na referida verba 28.1 da TGIS eram e continuam a ser cumulativos, o que significa que, na ausência de qualquer um dos referidos requisitos, a taxa prevista na verba 28.1 da TGIS não poderá aplicar-se.
  2. No que respeita ao segundo requisito, considera a Requerente que nenhum dos prédios objeto das Liquidações Contestadas cumpre tais requisitos, ou seja, nenhuma das divisões suscetíveis de utilização independente tem um VPT superior a € 1.000.000,00 sendo esse um requisito essencial, de verificação necessária quanto a cada uma das divisões e não quanto ao edifício em que as mesmas se integram.
  3. O Código do IMI é o quadro de referência da norma de incidência prevista na Verba n.º 28 da TGIS, como resulta das alterações introduzidas ao Código do IS e respetiva tabela, pela Lei 55 A/2012 (alínea u), do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IS).
  4.  Nos termos do Código do IMI, “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” (cfr. art.º 2.º, n.º 1).
  5. Sendo que, “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio” (cfr. art.º 2.º, n.º 4 do Código do IMI).
  6. Se compararmos as frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal com as divisões suscetíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total, facilmente percebemos que, ainda que de um ponto de vista formal existam diferenças, as duas realidades são materialmente iguais.
  7. Assim, deve concluir-se que quer as frações autónomas, quer as divisões suscetíveis de utilização independente preenchem todos os requisitos acima referidos para a sua qualificação como prédio para efeitos fiscais.
  8. Ambas (i) possuem uma ligação permanente ao território – “elemento físico”; (ii) integram o património do seu titular – “patrimonialidade”; e (iii) permitem o seu aproveitamento separado, seja diretamente pelo seu titular, seja através da cedência da sua utilização a um terceiro, o que lhes confere uma relevância económica autónoma – “valor económico”.
  9. E nem se diga que a referência expressa do legislador às frações autónomas enquanto prédios contradiz tal conclusão.
  10. Pelo contrário, a referência às frações autónomas constitui a concretização do conceito fiscal de prédio, cujos pressupostos, se aplicados às divisões suscetíveis de utilização independente permitem chegar exatamente ao mesmo resultado que o legislador previu para as frações autónomas, ou seja, as duas realidades devem ser consideradas como prédios nos termos do Código do IMI.
  11. Trata-se, portanto, de uma exemplificação que, não só, não exclui, como reforça, dada a semelhança material entre estas duas realidades, a conclusão de que ambas devem ser consideradas como prédios, para efeitos fiscais.
  12. Do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI, resulta claro que a principal divisão dos prédios urbanos em sede de IMI tem por fundamento a sua afetação ou destino normal.
  13. Considerando-se como habitacionais os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal habitação.
  14. É, pois, indiscutível que essa afetação se afere prédio a prédio, tal como impõe o art.º 6.º do Código do IMI e como pressupõe a letra da verba 28.1 da TGIS.
  15. Ora, sendo as divisões de um imóvel em propriedade total suscetíveis de utilização independente é inquestionável que – à semelhança do que sucede com as frações autónomas – a sua afetação deve ser aferida divisão a divisão.
  16. A verba 28.1 da TGIS prevê que o VPT relevante para efeitos de liquidação do IS corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do IMI nos seguintes termos: “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.
  17. Termos em que deverá considerar-se que a incidência do IS prevista na verba 28.1 da TGIS se deve aferir em função – e apenas em função – de cada divisão suscetível de utilização independente e não do prédio em que estas se integram, tendo-se exclusivamente em conta a sua afetação e VPT.
  18. Esta é não só a interpretação mais conforme à letra da lei, mas também aquela que resulta dos demais elementos interpretativos que devem ser considerados nos termos do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil.
  19. A verba 28.1 da TGIS incide, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais proferidas durante a discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII/2, que esteve na origem da Lei 55-A/2012, sobre “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” - Cfr. Diário da Assembleia da República DAR I Série nº 9/XII/2 de 11-10-2012.
  20. Ora, a materialidade das divisões suscetíveis de utilização independente determina que as mesmas tenham uma afetação e um valor económico próprios, sendo que, estando afetas a habitação são elas que são uma “casa”, é em relação a elas que se deve aferir se se verifica ou não aquela manifestação de riqueza.
  21. Termos em que, deverá considerar-se que a incidência do IS previsto na verba 28.1 se deve aferir em função – e apenas em função – de cada divisão suscetível de utilização independente e não do prédio em que estas se integram, tendo-se exclusivamente em conta a sua afetação e VPT.
  22. Por todo o exposto nos pontos anteriores, é evidente que o entendimento adotado pela AT de acordo com o qual um prédio composto por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação, cujos VPTs separadamente determinados são inferiores a € 1.000.000,00 mas que no total perfaçam ou ultrapassem esse valor, está sujeito a IS nos termos da verba 28.1 da TGIS deve ser julgado ilegal, por violação do disposto na referida verba, nos artigos 23.º, n.º 7, do Código do IS e nos artigos 6.º, 7.º, n.º 2, alínea d) e 12.º, n.º 3 do Código do IMI, estes últimos aplicáveis ex vi do artigo 67.º, n.º 2, do Código do IS.
  23. A Requerente requer também que, mediante deferimento do presente pedido, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º da LGT os respetivos juros indemnizatórios por pagamento da prestação tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.     Foi justamente a riqueza advinda da propriedade imobiliária que a Lei n.º 55-A/2012, veio, de forma inovadora, tributar, sujeitando a Imposto do Selo (IS) a propriedade e outros direitos reais sobre prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (VPT) viesse a revelar-se igual ou superior a 1.000.000€.

2.      A AT tem reiterado o entendimento que se o edifício for constituído em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente (propriedade dita total), integra o conceito jurídico tributário de “prédio”, ou seja, uma única unidade, e o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afetação habitacional, e sendo este igual ou superior a €1 000 000,00, há sujeição ao imposto de Selo da verba 28 da Tabela Geral anexa ao CIS.

3.      No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. artigo 67.° n.° 2 do CIS na redação dada pela Lei n.° 55- A/2012).

4.      O artigo 2º, n.° 1 do CIMI define o conceito de prédio.

5.      O artigo 2° n.° 4 do CIMI ressalva as frações autónomas de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, as quais considera, excecionalmente, como prédios.

6.      Ao contrário, sendo um prédio constituído em propriedade total com partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, é o prédio no seu todo, e já não cada uma daquelas partes, que integra o conceito de “prédio”, para efeitos de IMI e de IS, por remissão do artigo 1°, n° 6 do CIS.

7.      A tal não obsta o facto de cada andar/divisão constar separadamente na inscrição matricial, e com os respetivos valores patrimoniais tributários, pois tal discriminação apenas releva, para efeitos fiscais, face ao conceito de matrizes prediais constante do artigo 12° do CIMI e na matéria regulada neste Código para a organização das matrizes.

8.      A imposição de organizar desta forma as matrizes deve-se à necessidade de relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, cabe a cada uma das suas partes, as quais podem ser funcional e economicamente independentes.

9.      Esta autonomização apenas se justifica porque no mesmo prédio pode ocorrer a utilização para comércio ou habitação, com ou sem arrendamento, o que é determinante nas regras da avaliação fiscal no âmbito do CIMI, face aos diferentes coeficientes de afetação previstos no artigo 41.° desse código.

10. Preconizar um entendimento contrário é confundir realidades teleologicamente distintas, a propriedade total, por um lado, e a propriedade horizontal, por outro, cuja destrinça encontra desde logo o seu fundamento no direito civil. 

11. O ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redação da referida verba, não é proprietário de frações autónomas, mas sim de um único prédio, considerando a AT que este é o entendimento que melhor se coaduna com o princípio da legalidade ínsito no artigo 8º da LGT, a que está votada toda a sua atividade.

12. Em consonância, não se reconhece qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito em que terão incorrido os actos tributários de liquidação do imposto impugnado e, consequentemente, não se reconhece o direito do sujeito passivo ao pagamento dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43º da LGT em caso de erro imputável aos serviços.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se, num prédio não submetido ao regime da propriedade horizontal, a sujeição a imposto do selo, nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, é determinada pelo valor patrimonial tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independentes e com afetação habitacional, como propugna a Requerente ou se, pelo contrário, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT’s dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, como sustenta a AT.

 

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. As liquidações contestadas têm por objeto a tributação em sede de IS de dois dos imóveis de que a Requerente é proprietária: (i) o prédio atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo matricial U-… que teve origem no prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo matricial U-… (“Prédio B…”), e; (ii) o prédio atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, sob o artigo U-…, que teve origem no prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo U-… (“Prédio C…”).
  2.  O Prédio B… corresponde a um prédio em propriedade total, composto por 14 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cada uma delas com um valor patrimonial tributário (“VPT”) determinado separadamente.
  3. Cada uma destas divisões tem um VPT compreendido entre €7.576,73 e €192.700,35, perfazendo um total de € 2.129.029,09.
  4. Das 14 divisões suscetíveis de utilização independente que constituem o Prédio B…, só 11 têm por afetação habitação.
  5. As liquidações contestadas relativas ao Prédio B… foram emitidas apenas em relação às divisões afetas a habitação.
  6. O Prédio C… consubstancia um prédio em propriedade total composto por 13 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cada uma delas com um VPT determinado separadamente.
  7. O VPT de cada uma destas divisões está compreendido entre € 54.141,38 e € 101.176,38, perfazendo um total de € 1.236.130,98.
  8. Todas as divisões suscetíveis de utilização independente que constituem o Prédio C… têm por afetação habitação.
  9.  As liquidações contestadas relativas ao Prédio C… foram emitidas em relação a tais divisões.
  10. Foi sobre os valores patrimoniais tributários totais que a AT liquidou o imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral, à taxa de 1 por cento.
  11. Destas liquidações de imposto de selo resultaram os valores globais de € 20.542,88 e € 12.361,30.
  12.  A Requerente pagou todas as liquidações contestadas, no valor global de € 32.904,18.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 12 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 30 do pedido de constituição do Tribunal e documento junto com o requerimento de 11.01.2017) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. Do Direito

 

1. Verba 28.1 da TGIS

 

A questão de direito ora em apreciação é em tudo idêntica à que foi analisada amplamente, primeiro em diversas decisões do CAAD (nºs 183/2013-T; 132/2013-T; 50/2013-T; 181/2013-T; 218/2013-T; 248/2013-T; 280/2013-T e 272/2013-T) e depois pelo STA (proc. n.º 47/15 de 09.09.2015, proc. n.º 1354/15 de 02.03.2016, proc. n.º 1534/15 de 27.04.2016, proc. n.º 1504/15 de 04.05.2016, proc. n.º 172/16 de 04.05.2016, proc. n.º 166/16 de 04.05.2016, proc. n.º 1344/15 de 24.05.2016, proc. n.º 498/16 de 29.06.2016 e proc. n.º 560/16 de 29.09.2016) todas elas no mesmo sentido.

Desde já referimos que sufragamos por inteiro a jurisprudência do STA e do CAAD, contida nos citados arestos.

 

A sujeição a imposto do selo dos prédios com afetação habitacional resulta do aditamento da verba 28 da TGIS, efetuada pelo art.º 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, alterado pela Lei 83C/2013 de 31.12, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %; 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

(o negrito é da nossa autoria)

 

É importante constatar que, ao afirmar que o VPT a considerar em sede desta verba de Imposto do Selo é o VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, o legislador pretendeu expressamente estabelecer a unicidade desse valor para ambos estes impostos. O princípio da universalidade do VPT está ínsito na norma citada, bem como, nos arts. 12º, n.º1, 14º n.º1 do CIMT, 64º, 139º do CIRC, 44º, n.º2, 45º e 46º do CIRS.

O princípio da universalidade do VPT significa que a avaliação de um imóvel, ou de parte deste, para efeitos de IMI, tem aplicação aos restantes impostos, sejam eles sobre o património ou, até, sobre o rendimento. Nesse sentido vide José Maria Fernandes Pires, In “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Editora Almedina, 2010, página 41:

“O valor patrimonial tributário apurado na avaliação efectuada para efeitos de IMI tem aplicação aos restantes impostos sobre o património e aos impostos sobre o rendimento.

A eficácia deste princípio permite que no sistema fiscal se produzam os efeitos inversos aos que enunciámos antes, dotando o sistema fiscal de um poderoso instrumento de combate à evasão e à fraude fiscais. Dotado de capacidade de apurar os valores reais de transacção e de aproximar os valores patrimoniais dos valores de mercado, todos os agentes económicos que intervêm no mercado imobiliário são induzidos pelo sistema a aproximar os valores declarados para efeitos fiscais dos valores reais das transacções.

O sistema estabelece, assim, uma harmonização dos valores relevantes para a tributação da riqueza e dos rendimentos prediais, tanto em sede dos impostos sobre o rendimento como dos impostos sobre o património. (…)

(…) Actualmente a Administração fiscal dispõe de instrumentos muito eficientes de controlo do cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos que alienam imóveis. Esse controlo é resultante do facto de o sistema dispor agora de um instrumento de referência na avaliação do valor de mercado dos imóveis, (…)”

Admitir que em sede de IS não se tenha em conta o VPT apurado do imóvel, mas sim um valor agregado que não corresponde ao seu VPT, constitui uma violação do citado princípio da universalidade do VPT.

A interpretação da Requerida, que propugna, no fundo, uma alteração desta regra, não pode, pois, deixar de considerar-se ilegal, por violação da verba 28 do TGIS.

 

Por outro lado, o art.º 6.º, n.º 2 do CIMI que é aplicável ao Imposto do Selo por força de remissão do art.º 67.º, n.º 2 do CIS, estatui, a propósito dos tipos de prédio existentes para efeitos de IMI, que eles são: “2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” Então, é evidente, e assim tem sido amplamente considerado pela doutrina e jurisprudência, que o legislador pretendeu consagrar um verdadeiro princípio da prevalência da substância sobre a forma, dando prevalência ao uso real a que determinado imóvel, ou divisão deste, está sujeita, em lugar daquela para a qual está licenciado.

Ao perfilhar a orientação espelhada na liquidação ora impugnada, a AT está, em bom rigor, a desvirtuar este princípio estabelecido pelo legislador, invertendo-o quando decide somar os VPT das divisões independentes.

Se as divisões têm utilizações independentes, têm VPT’s individuais para cada divisão para efeitos de IMI e, depois, para efeito de Imposto do Selo, já se tornam num “misto de independentes e não independentes”, é evidente que o princípio consagrado de prevalência da substância sobre a forma é posto em causa, o que é cominável com a anulabilidade do acto de liquidação.

Acresce que, seguindo a remissão do art. 67º, n.º2 do CIS, impõe-se ter em consideração o que dispõe o art.º 12.º, n.º 3 do CIMI que estatui que: “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”. Isto, é, cada andar ou divisão suscetível de utilização independente tem o seu próprio VPT, nos termos do CIMI.

Em sede de IMI (regime pelo qual se rege o Imposto do Selo, como vimos supra) cada andar/divisão suscetível de utilização independente é individualizado, recebendo a sua própria liquidação anual de IMI, cujo pagamento poderá, ou não, consoante o valor, ficar repartido em várias prestações.

Ao perfilhar a tese de que o VPT dos imóveis com afetação habitacional deverá ser calculado somando o VPT de cada um dos andares independentes, para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS, a AT contraria o regime legal instituído em matéria de cálculo de VPT.

Revelador de que o CIMI quis individualizar os andares suscetíveis de utilização independente é, para além do já mencionado, o art.º 15.º O, n.º1 do DL 287/2003, relativo ao regime de salvaguarda dos prédios urbanos, quando se refere a “prédio ou parte de prédio urbano”.

A sujeição ao imposto do selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS é determinada pela conjunção de três factos: a propriedade, usufruto ou direito de superfície de um prédio urbano, a afetação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a 1.000.000,00€.

Assim, tratando-se de um prédio com as características descritas nos autos, a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT do prédio na sua totalidade (mesmo que desconsideradas, como foram, as divisões com afetação não habitacional), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões.

 

Importa ainda frisar que, se o mesmo prédio, exatamente como se encontra de momento a nível físico, estivesse juridicamente constituído em propriedade horizontal, e ainda que os valores patrimoniais de cada uma das frações autónomas fossem iguais ao atual, já não poderia ser tributado em sede de Imposto do Selo por via desta verba, ou de qualquer outra. Tudo por força do tratamento que legislador dá a cada uma das frações autónomas de um prédio urbano, que são consideradas, nos termos do n.º 4 do art.º 2.º do CIMI, como um prédio.

Quando a interpretação da AT leva a que uma mesma realidade fáctica – um prédio urbano constituído em propriedade horizontal e um prédio em propriedade total com unidades suscetíveis de utilização independente – seja tratada de forma manifestamente diversa, tudo por força de uma figura jurídica que nada altera a natureza dessa mesma realidade fáctica, necessariamente estaremos perante uma violação do princípio da igualdade. O princípio da igualdade tributária não se encontra expressamente consagrado na atual Constituição, decorrendo do princípio geral da igualdade previsto no seu artigo 13.º

Está aqui em causa o princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material. Objetivamente a interpretação propugnada pela AT, que conduziu á emissão das liquidações ora impugnadas, constitui uma desigualdade de tratamento dos cidadãos.

 

Finalmente, importa considerar a ratio do legislador ao criar a verba 28 na TGIS, que tem subjacente, como se sabe, a ideia de que a uma capacidade contributiva muito acima da média deverá corresponder um esforço contributivo também superior.

Tal raciocínio, porém, não pode coadunar-se com manobras interpretativas que levem a que uma realidade que, à partida, não se enquadraria nos pressupostos previstos para que a dita sobrecarga no esforço contributivo ocorresse, acabe por levar às mesmas consequências.

A existência de capacidade contributiva muito acima da média, que a lei entende ocorrer quando alguém seja proprietário de um prédio cujo VPT seja superior a € 1.000.000,00, obviamente que não se verifica no caso presente. Note-se, aliás, que o VPT da divisão mais valiosa dos prédios identificados ascende “apenas” à quantia de € 192.700,35.

Como bem alude a douta decisão arbitral proferida por este mesmo CAAD no âmbito do processo 183/2013-T, a páginas 14, ponto 28:

A intenção do legislador parece, pois, indiciar que o escopo da norma de incidência é tributar realidades independentes, individualizadas e não resultantes de uma agregação ou soma, ainda que jurídica.”

 

Face ao exposto, tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

Conclui-se assim pela ilegalidade das liquidações alvo de impugnação, no essencial por violação do disposto na verba 28 da TGIS.

 

2.Juros indemnizatórios

 

Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Ora, no caso concreto, fica inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, já que as liquidações sub judice se mostram enfermadas de ilegalidade decorrente de um erro nos pressupostos de direito. O erro nos pressupostos de direito imputável à requerida conduziu ao pagamento de um valor superior ao legalmente devido. Porquanto, não poderão deixar de se considerar devidos juros indemnizatórios desde o dia seguinte ao dos pagamentos indevidos no valor total de €32.904,17 até à data da emissão da respetiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT

É, por isso, a Requerente credora da Requerida AT do montante correspondente ao Imposto de Selo indevidamente pago, no montante de €32.904,17, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular desde a data do pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito.

 

VI.      DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo impugnadas, mencionadas no relatório (I.1 – ponto sétimo), relativas a 2015, anulando aquelas liquidações;

b) Julgar procedente o pedido de condenação da requerida na devolução da quantia de €32.904,17, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data dos pagamentos indevidos até à data da emissão da nota de crédito;

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

 

Fixa-se o valor do processo em €32.904,17 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2017  

 

O Tribunal Arbitral

 

(André Festas da Silva)