Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A… lda, pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, nº…, …-… Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, nº1, alínea a), artigo 3º, nº1, artigo 6º, nº1 e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante designado por “RJAT”, para impugnação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, que correu termos com o nº … 2016…, referente ao ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), com o nº…, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “AT”. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da Reclamação graciosa e do ato de liquidação de IMT subjacente e a sua anulação com as consequências legais.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 05-07-2016, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 07-07-2016 e, de imediato, foi notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira da sua apresentação. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a ora signatária, em 06-09-2016, como árbitro a integrar o tribunal arbitral singular. De imediato, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros indicados, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-09-2016. Em 26-09-2016 foi proferido despacho arbitral, nos termos do disposto no artigo 17º do RJAT, e notificada a AT para apresentar a sua contestação no prazo legal.
3. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu em 28-10-2016, e juntou aos autos o respetivo processo administrativo (PA). Na sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida, a AT pugna pela legalidade dos atos impugnados e pela improcedência do pedido. Requer que seja dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por inútil, bem assim como a apresentação de alegações, dado que a prova documental junta aos autos é suficiente para proferir a decisão, a qual versa, exclusivamente, matéria de direito.
4. Não foram invocadas exceções nem requerida prova testemunhal, sendo as questões a decidir pelo tribunal exclusivamente de direito. Assim, em 16-11-2016, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:
“Analisado o Pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a Resposta junta aos autos pela AT, constata-se que não há prova testemunhal a produzir e que as questões a decidir são exclusivamente de direito e a decidir por este Tribunal.
Na resposta apresentada veio a Requerida AT, expressamente, manifestar a sua adesão a eventual dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem assim como da apresentação de alegações. Nesta conformidade, afigura-se dispensável a dita reunião, bem assim como a apresentação de alegações. Não obstante, podem as partes apresentar alegações escritas, querendo, no prazo de 10 dias (igual e sucessivo), após o que o processo avançará para decisão final, a proferir até 23 de dezembro de 2016.
Convidam-se as partes a enviar aos autos as respetivas peças processuais em formato
word.
Notifica-se a Requerente para, até 10 dias antes da data fixada para decisão final efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente. “
5. Requerente e Requerida pronunciaram-se, respetivamente, a 17-11-2016 e a 28-11-2016, informando que não pretendiam a apresentar alegações. A Requerente efetuou o pagamento da taxa arbitral subsequente.
B) PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo, não enferma de nulidades que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.
II. Matéria de facto
A) Factos provados
7. Com base nos elementos que constam do processo, junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a apreciação do mérito da causa:
a) A requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto social a aquisição e venda de bens imóveis.
b) No exercício da sua atividade a requerente assumiu a posição de credora da sociedade comercial B…, Lda, com o NIF…;
c) A requerente adquiriu, o bem imóvel, situado na Freguesia de … (extinta), com o nº matricial …; registado em nome da sociedade B…, Lda;
d) A aquisição deste imóvel ocorreu no âmbito do processo de insolvência da dita sociedade B…, Lda, agindo a requerente na qualidade de credora desta sociedade;
e) Por força desta aquisição, foi automaticamente reconhecida à Requerente a isenção de IMT prevista no artigo 270.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”), não tendo assim liquidado imposto com referência àquela operação;
f) A Requerente foi notificada em 6-10-2016, do ofício junto aos autos em anexo ao pedido arbitral como documento nº 3, o qual determina o pagamento do IMT referente à aquisição do imóvel em questão, com o aviso de que será processada a respetiva liquidação;
g) Esta notificação esclarece que, no entendimento dos serviços, houve uma incorreta aplicação da isenção em IMT no âmbito daquela operação, porquanto, na aquisição do imóvel em apreço, não estariam verificados os pressupostos necessários para a aplicação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, uma vez que não adquiriu a “universalidade dos bens imóveis da empresa insolvente”;
h) A AT procedeu à emissão da liquidação de IMT no valor global de €33.844,75 e acrescidos no valor de €695,29, no total de €34.540,04, como consta do documento nº 2 anexo ao pedido arbitral, que se dá por integralmente reproduzido;
i) A Requerente efetuou o pagamento do valor liquidado de IMT e acrescidos, no âmbito do processo de execução fiscal entretanto instaurado;
j) Em 18-02-2016, a Requerente, deduziu reclamação graciosa com fundamento na ilegalidade do ato de liquidação;
k) Em 15-04-2016, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento definitivo da reclamação graciosa deduzida;
l) Em 05-07-2016 a Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral.
B) Factos não provados
8. Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que se considerem por não provados.
C) Fundamentação da fixação da matéria de facto
9. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e junto aos autos, admitidos pela Requerida, pelo que não subsistem factos controvertidos. Não há divergência entre as partes quanto aos factos mencionados nos autos, mas sim, exclusivamente, quanto à questão de direito subjacente à liquidação impugnada. Deve assinalar-se que a matéria de facto sobre a qual o Tribunal tem o dever de pronúncia não é toda a que foi alegada e provada, mas tão só e apenas a considerada relevante ou com interesse ou relevância para a decisão (Cfr artigos 591º, 592º, 596º e 607º, do CPC e 123º-2, do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29º, do RJAT).
III - Matéria de direito
10. Resulta dos autos, como se constata pela síntese da matéria de facto enunciada, que a questão a decidir, é a de saber se a compra de um ou de alguns bens imóveis, no âmbito de um processo de liquidação da empresa insolvente está (ou não) isenta de IMT, nos termos previstos no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE. A Requerente deduz o presente pedido arbitral em defesa do seu direito à isenção de IMT na aquisição do imóvel supra identificado, por entender que este benefício resulta do disposto no n.º 2, do artigo 270º do CIRE. Entende que este normativo isenta de IMT, não apenas na aquisição da universalidade de bens da insolvente (na qual se incluam um ou mais bens imóveis), mas também nas transmissões onerosas de imóveis, por venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
11. A transmissão em causa é, sem margem para dúvidas, uma transmissão efetuada através de venda, praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente. O que, na ótica da Requerente beneficia de isenção de IMT, pelo que a liquidação impugnada é ilegal.
Porém, a interpretação que Requerente e Requerida fazem deste normativo legal é distinta. Do ponto de vista da Requerente a AT ao interpretar este dispositivo legal no sentido de que a isenção de IMT apenas se aplica no caso de aquisição da universalidade de bens da massa insolvente, viola a letra e o espirito da lei, restringindo de forma ilegal o direito à isenção nela consagrado.
12. A AT alega em defesa da sua posição, em síntese, diversos argumentos interpretativos, extraídos da letra do artigo 270º do CIRE, rebate o argumento da Requerente a propósito da vinculação do legislador do DIRE ao artigo 9º da lei de autorização legislativa (Lei nº39/2003), cita parte da jurisprudência vertida no Ac. STA de 03/07/2013, embora este Acórdão se refira à interpretação da redação anterior do nº2 do artigo 270º do CIRE, e, por último, invoca que a AT se encontra vinculada quer ao princípio da legalidade, quer às orientações internas emanadas pela AT. A este propósito invoca o conteúdo da informação vinculativa proferida no processo 2009… – IVE nº…, com despacho concordante da Subdiretora-Geral dos Impostos da Área do património, segundo a qual:
«A aplicação dos benefícios fiscais do art. 270.º n.º 2, do C.I.R.E. depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente.»
Desta forma, a Requerida conclui que a aquisição não teve como finalidade prosseguir a mesma atividade, nem a aquisição envolveu a compra da universalidade de todos os bens afetos à atividade da empresa insolvente e que a venda de imóveis da empresa, isoladamente, não está abrangida pela isenção disposta no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, estando por consequência, sujeita a IMT nos termos gerais.
Cumpre decidir.
13. A este propósito, já se pronunciaram, por diversas vezes, os nossos tribunais superiores. Também no âmbito do CAAD, em numerosos processos, tribunais arbitrais, singulares e coletivos, já se pronunciaram sobre a questão em debate. A este propósito, vamos seguir de perto a jurisprudência arbitral vertida nas Decisões arbitrais 95/2015-T, 99/2015-T, de 27 de outubro, bem assim como no Acórdão arbitral proferido no processo 599/2015-T, de 10-02-2016, sobre a interpretação do artigo 270º, nº2 do CIRE, com explanação desenvolvida sobre o âmbito e alcance da isenção de IMT aí consagrada, à qual aderimos. Esta jurisprudência arbitral afigura-se, além do mais, em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), vertida em vários acórdãos. Destaca-se, em primeiro lugar, o Acórdão n.º 0949/11, de 30 de Maio de 2012, pela semelhança com o que é citado pela AT na sua Resposta, no qual se reproduz o seguinte entendimento:
“Em face da letra da lei, quer uma, quer outra das interpretações são defensáveis, afigurando-se, contudo, gramaticalmente mais correcta a sustentada pela Administração tributária, pois que os verbos “vender”, “permutar” e “ceder” são todos eles verbos transitivos, daí que na frase a referência à “empresa ou estabelecimentos desta” surgisse como complemento directo de todos três. Esta interpretação, choca, contudo - como bem observado na sentença recorrida –, com aquilo que o legislador consignou no n.º 49 do preâmbulo do CIRE no que respeita aos benefícios fiscais, onde se afirma que: «mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais», sendo certo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF isentava de imposto municipal de sisa as transmissões de bens imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa. E choca, também – como bem observado pelo Ministério Público em 1.ª instância (cfr. o parecer de fls. 66 a 68 dos autos) - , com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º39/2003, de 22 de Agosto, pois que, no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha o n.º 3 do artigo 9.º daquela lei de autorização legislativa que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».
14. No caso em apreciação nos presentes autos está em causa apreciar a legalidade da liquidação, produzida por não ter sido reconhecido/aplicado à Requerente a isenção prevista no artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas à aquisição do imóvel efetuada no âmbito da insolvência da sociedade comercial B… Lda, da qual a Requerente era credora.
Ora, este artigo 270.º deste Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece o seguinte:
Artigo 270.º
Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis
1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.
2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”
15. Como resulta da matéria de facto fixada que a Requerente adquiriu o imóvel no âmbito da liquidação da massa insolvente da sociedade B… Lda, a situação é enquadrável no n.º 2 deste artigo. As dúvidas interpretativas, evidenciadas nas posições das partes no presente processo, advêm de alguma falta de clareza deste nº2, que deixa em aberto a questão de saber se a referência a venda se reporta apenas à venda da empresa (?) ou de estabelecimentos nela integrados ou se abrange quaisquer imóveis da massa insolvente, ainda que transacionados isoladamente.
Como se referiu anteriormente, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão vária vezes, no Acórdão supramencionado, bem assim como em muitos outros proferidos ao longo dos últimos anos, destacando-se o recente Acórdão STA de 16-03-2016, proferido no processo nº 788/14, em que foi relator o Exmº Sr. Juiz Conselheiro Pedro Delgado, no qual se decidiu que:
“A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”[1]
16. Constata-se que o sentido de decisão, quer no âmbito da jurisprudência arbitral quer da jurisprudência do STA, tem sido a de considerar que estão isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu ativo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Recorde-se a este propósito parte da fundamentação contida no Acórdão de 17-12-2014, proferido no âmbito do processo n.º 01085/13:
«(…) os bens que integram a massa insolvente são os bens do património da empresa declarada insolvente e nenhuns outros pertencentes a outra pessoa singular ou colectiva. Por definição, os bens que são vendidos em processo de insolvência são bens do insolvente ou que, pelo menos, que foram tidos como tal. Não há qualquer venda de bens diversos dos que integravam o património do insolvente. O legislador para garantir que assim é prevê mesmo um procedimento de reclamação para a restituição e separação de bens destinado a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos, ou aqueles de que o insolvente não seja pleno e exclusivo proprietário, ou sejam estranhos à massa ou insusceptíveis de apreensão para a massa – artº 141º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Além disso no capítulo da liquidação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas encontram-se indicações claras e precisas dos bens que podem ser vendidos nessa liquidação e daqueles que deverão ser temporária ou definitivamente excluídos da venda, só se liquidando no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre bens de que é contitular – artº 159º -, não se procedendo à venda dos bens de titularidade controversa até ao transito em julgado da sentença que defina a titularidade do direito de propriedade relativamente a esses bens – artº 160º.
O processo de insolvência é – artº 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – um processo de execução universal cujo fim é a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência destinado a promover a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não for possível, a liquidar o património do devedor insolvente com a subsequente repartição do produto obtido pelos credores. A massa insolvente abrange todo o património do devedor (…) pelo que se não consegue conceber que haja bens que integrando a massa insolvente de uma empresa declarada insolvente possam ser integrados numa categoria de bens sem qualquer relação com essa empresa ou estabelecimento. “
17. Aderimos totalmente a este entendimento. Na verdade, acresce que, como bem refere toda a jurisprudência arbitral e do STA compulsada, que, caso subsista alguma dúvida, o próprio preâmbulo do CIRE, no ponto 49, refere que se “mantém, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais.”. Como bem se refere no Ac. STA, de 30-05-2012 (proc. nº 949/11), “o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE (artigos 2.º e seguintes da Lei n.º 39/2003, de 22-08) no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha, o n.º 3 do artigo 9.º daquela lei de autorização legislativa, que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».
18. Ora, neste enquadramento, admitir que, na concretização da autorização legislativa para aprovação do CIRE, o governo decidiu excluir essa isenção nos casos de venda, permuta ou cessão de elementos dos seus ativos, concedendo-a apenas nos casos de venda, permuta ou cessão da empresa ou seu estabelecimento, implica reconhecer que, nesse caso, estaríamos perante uma violação da lei de autorização legislativa, ou seja, perante o em desrespeito pelo sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida. Isso implicaria, necessariamente, reconhecer que o governo havia legislado em matéria reservada à Assembleia da República (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição).
19. De todo o modo, a resolução da questão é possível no plano infraconstitucional. Do texto da lei (artigo 270º, nºs 1 e 2 do CIRE) é possível extrair, sem dificuldade, um sentido compatível com a imposição decorrente da lei de autorização legislativa. Cabe, aliás, ao aplicador do direito, em caso de dúvida, encontrar a interpretação compatível com o texto e as imposições constitucionais. Não devemos perder de vista o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, o qual consiste em impulsionar e incentivar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente, para mais rápida e eficaz satisfação do interesse dos credores, do mercado e do interesse público em geral, não esquecendo a satisfação dos créditos do próprio Estado (créditos fiscais e da segurança Social, predominantemente). São estas razões que levaram o legislador a conceder o benefício fiscal de isenção de pagamento do IMT na aquisição destes bens ou da universalidade dos bens ou dos estabelecimentos da insolvente.
20. Assim, a interpretação do texto legal vertido do nº 2, do artigo 270º do CIRE, pode ser interpretado, de forma clara e sem dificuldade, tendo em conta a sua «ratio legis». A questão é a de saber se a concessão da isenção de IMT é ou não um incentivo à aquisição dos bens de entidades em processo de insolvência, de modo a evitar o arrastar do processo e a não satisfação dos créditos sobre a insolvente. Como bem se expôs no Acórdão arbitral nº 599/2015, de 10-02-2016, do CAAD, importa é que nos interroguemos se “para alcançar o fim antes definido faz qualquer diferença que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu ativo e o seu passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial – por exemplo um imóvel recebido em pagamento de uma dívida de que a empresa insolvente era credora – para que se esteja perante uma venda que é praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente? E, se nas mesmas situações se tratar não de vendas mas de permutas ou cessões – sendo que esta palavra há-de ter sido utilizada em sentido impróprio na medida em que associada ao mundo empresarial se costuma reportar a cessão de exploração, cessão do estabelecimento comercial, próximos da locação e não da alienação, e no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se mostra utilizada também quanto à aquisição de bens pelos credores? Cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa.
O nº 1 do artº 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas concede a isenção de IMT às transmissões de bens imóveis efectuadas em cumprimento de:
1. plano de insolvência
2. plano de pagamentos
3. plano de recuperação
desde que, tais transmissões tenham por fim uma das seguintes situações:
a. constituição de nova sociedade ou sociedades
b. realização do capital social de nova sociedade ou sociedade
c. realização do aumento do capital social da sociedade devedora
ou decorram de:
i. dação em cumprimento de bens da empresa
ii. cessão de bens aos credores.
O nº 2 deste artigo, não repete a isenção que estatuiu no nº 1, estende-a para as pessoas que, exteriores ao processo de insolvência, porque não são os credores que adquiriram os bens, a empresa insolvente que viu aumentado o seu capital social, ou a empresa que se formou a partir deste processo, estes, já contemplados no nº 1 do artº 270º, mas àqueles que adquiram bens imóveis unitariamente considerados ou integrados na aquisição global ou parcial da empresa. “
21. Conclui-se, pois, que esta interpretação, não só é permitida pela letra da lei como, também, pela sua “ratio legis”, por ser manifestamente a única compatível com o objetivo de incentivar as aquisições de bens da empresa insolvente, permitindo a todos os interessados um desfecho menos oneroso do processo.
22. Retornando ao caso dos presentes autos, em sintonia com a matéria de facto considerada provada, a aquisição do imóvel pela Requerente ocorreu na sua qualidade de credora da empresa insolvente, pelo que se está perante uma situação cuja substância económica é, aliás, idêntica à das situações de dação em cumprimento de bens da empresa ou de cessão de bens aos credores, que estão expressamente previstas na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 270.º, como casos de isenção de IMT. Na verdade, o nº1, do artigo 270º, reforça esta interpretação, na medida em que, dele resulta que, nos casos em que ocorra uma dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, tais operações estão isentas de IMT. Ora, a substância económica destas operações em nada difere daquela em que ocorra uma aquisição de um bem da insolvente por um dos seus credores. Dispõe o artigo 11º, nº3, da JGT que “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substancia económica dos factos tributários.”
Todos os elementos de interpretação (literal, racional, sistemático e até histórico) convergem no sentido de interpretar o disposto no artigo 270º, nº2 do CIRE, em conformidade com o entendimento maioritário da jurisprudência supracitada, ou seja, no sentido de que assiste à Requerente o direito à isenção de IMT na aquisição, no âmbito de um processo de insolvência, de um imóvel pertencente à massa insolvente, da qual era credora, como resulta da factualidade provada nos autos.
23. Pelo que, face a todo o exposto, afigura-se que a correta interpretação no disposto no artigo 270º do CIRE, no que toca à isenção de IMT, na aquisição de um imóvel pertencente à massa insolvente, por parte de um dos seus credores, impõe o reconhecimento dessa isenção. Ao que acresce que, como já se explanou nos pontos anteriores, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respetiva letra, deve o intérprete optar por aquele que se compatibilize com a sua razão de ser, com a substância económica subjacente e com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição).
24. De tudo isto, resulta que liquidação impugnada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado em violação do artigo 270.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que impõe a sua anulação, com a consequente devolução à Requerente de todos os montantes indevidamente pagos, a saber: valor do imposto e acrescidos, respetivamente, €33.844,75 e €695,29.
- Quanto ao pedido de juros indemnizatórios
25. A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Dispõe o artigo 46.º do Código do IMT o seguinte:
“1. Anulada a liquidação, quer oficiosamente, quer por decisão da entidade ou tribunal competente, com trânsito em julgado, efetua-se o respetivo reembolso.
2. (,,,)
3. São devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária que são liquidados e pagos nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário.”
Conforme resulta da interpretação dada ao artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, na presente decisão, não era devido IMT, pelo que tal imposto foi indevidamente cobrado. Em consequência, e sem necessidade de maior fundamentação, assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios, nos termos dos preceitos legais acima enunciados.
V. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
A) Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência declarar ilegal e anular o ato de liquidação de IMT, no valor total de €34.540,04, correspondente ao valor de valor do imposto e acrescidos, respetivamente, €33.844,75 e €695,29, com a consequente obrigação de reembolso dos montantes indevidamente cobrados e pagos pela Requerente;
B) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária em conjugação com o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
C) Condenar a Requerida nas custas do presente processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €34.540,04 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 23 de dezembro de 2016
Notifique-se.
O Tribunal Arbitral singular,
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(Maria do Rosário Anjos
[1] No mesmo sentido, se pronunciaram os seguintes Acórdãos do STA: Ac. de 30-05-2012, in proc. nº 0949/11; de 17-12-2014, in proc. nº 01085/13; Ac. de 11-11-2015, in proc. nº 968/13; Ac. de 18-11-2015, in proc. nº 1067/15; de 18-11-2015, in proc. nº 575/15 e Ac. de 16-12-2015, in proc. nº 1345/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt.