Acórdão Arbitral
Os árbitros Conselheiro José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Dr. Luís M. S. Oliveira e Dr. Luís Pereira da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A…, LDA., pessoa coletiva n.º…, com sede no…, …, …, …-… … vem, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante “RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2013…, bem como da liquidação de juros nº 2013… e a demonstração de acerto de contas nº 2013…, das quais resultou um montante a pagar no valor de € 3.051.237,78, referente ao exercício de 2010.
Pretende ainda obter a declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento da reclamação graciosa nº …2014… e do recurso hierárquico nº …2014… .
Adicionalmente pretende obter a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido da prestação tributária pela Impugnante, com as demais consequências legais.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-06-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 25-08-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 09-09-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deveria ser julgado improcedente.
Dispensada a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a produzir alegações escritas, o que fizeram, reiterando as respetivas posições.
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SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, são legítimas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
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MATÉRIA DE FACTO
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Foi realizada ação de inspeção à Requerente, tendo por objeto os exercícios de 2009, 2010 e 2011, que teve origem numa ação de controlo declarativo, através da qual foi proposta e superiormente sancionada a necessidade de controlo dos juros contabilizados na sociedade respeitantes na sua maior parte a encargos para a sua própria aquisição;
b) A ação de fiscalização foi levada a cabo através das Ordens de Serviço emitidas pela Direção de Finanças de Lisboa com os nºs OI2013…/…/…, a qual apurou da factualidade relevante e corrigiu o resultado fiscal declarado, no valor de € 9.564.020,43, relativamente ao exercício de 2010, aqui em causa, com respeito a encargos financeiros consideráveis, tidos pela AT como não indispensáveis à obtenção dos rendimentos ou à manutenção da fonte produtora, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC);
c) No âmbito da ação de inspeção a AT apurou que nos anos de 2009, 2010 e 2011, a Requerente suportou e inscreveu na sua contabilidade custos (juros) com empréstimo obrigacionista e suprimentos, custos estes que a AT entendeu não estarem relacionados com a sua atividade empresarial, nem servirem à manutenção da sua fonte produtora de rendimentos, pelo que entendeu que esses custos não deviam ser aceites para efeitos da cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC;
d) A Requerente pronunciou-se sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, mas a AT manteve a posição anteriormente assumida, emitindo a liquidação de IRC n.º 2013…, bem como a liquidação de juros nº 2013… e a demonstração de acerto de contas nº 2013…, das quais resultou um montante a pagar no valor de € 3.051.237,78, referente ao exercício de 2010, havendo a Requerente efetuado, em 19.12.2013, pagamento ao abrigo do regime excecional de regularização de dívidas fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro (RERD), no valor de € 2.772.609,52 - cfr. documento 4 junto com o pedido;
e) A Requerente, no exercício de 2010, aqui em causa, exerceu a atividade de “Atividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal", CAE … (até 27.01.2010) e desde 28.01.2010 está inscrita pela atividade de “Atividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório" – CAE…, tendo como objeto secundário “Atividades de contabilidade e auditoria: consultoria fiscal" – CAE…;
f) O grupo de sociedades “B…”, que está na origem do grupo com a designação atual A…, iniciou a sua atividade em Portugal em 19.10.1990 com a designação de C… SGPS Lda. tendo como objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas;
g) A C… SGPS, Lda. (NIF…) iniciou a sua atividade com um capital social de € 1.047.475,58;
h) Em 22.12.2005 a C… SGPS, Lda. (NIF…) procedeu a um aumento de capital de € 100,00, tendo o seu capital social passado para € 1.047,575,56;
i) A 10.01.2006 a C… SGPS, Lda. (NIF…) alterou a sua designação para D…, Lda., tendo em 26.12.2006 sido sujeita a uma cisão da qual resultou o destaque da sociedade E…- SGPS Lda., com o NIPC…;
j) Em 01.08.2007 a D…, Lda., (NIPC…) é adquirida pela F…, Lda. (doravante F…), com o NIPC…, pelo montante de € 122.611.711,00, alterando a sua designação para A…, Lda. (e mantendo o NIPC…) em 04.12.2007;
k) Toda a informação relativa a esta sociedade consta do registo da Conservatória do Registo Comercial (anexo 5 ao Relatório da Inspeção Tributária);
l) A D… Lda. (NIF…), à data da aquisição pela f…, detinha a titularidade das seguintes sociedades:
· G…, S.A.;
· H…, Lda.;
· I…, Lda.;
· J…, Lda.;
· K…, S.A.;
· L…, S.A.;
· M…, S.A.;
· N…, S.A.;
· O…, Lda.;
· P…, Lda.;
· Q…, S.A.;
· R…, S.A.;
· S…, S.A.;
· T…, S.A.; e,
· Ainda parcialmente, a sociedade U…, Lda.;
m) Para concretizar estas aquisições, o Grupo B… (com origem na Suécia) teve de emprestar valores avultados à D… Lda., bem como às sociedades identificadas no artigo anterior, que totalizavam, na data da aquisição pela F…, € 50.513.599,84;
n) Em 2007, a sociedade V…, desejando entrar neste ramo de negócio, acordou com o Grupo B… (Suécia), a aquisição da W… (internacional), incluindo a aquisição da D… Lda. (NIPC…) em Portugal (mas não a E…– SGPS, Lda. NIPC…);
o) Para concretizar essa aquisição, a V… constituiu uma sociedade no Luxemburgo, designada X….;
p) Em Portugal, a X… adquiriu a F…, Lda. (NIPC…), que, por sua vez, veio a adquirir, em 01.08.2007, conforme já assinalado, a D…, Lda. (NIPC…);
q) Uma vez detentora da totalidade do capital social da F… (na altura, de € 5.000,00), a X… dotou-a dos fundos necessários à concretização da aquisição das sociedades portuguesas que compunham a divisão de W… em Portugal, acima identificadas em l).
r) Tal aquisição incluiu a compra pela F… da totalidade das quotas da D… Lda. (NIF:…) e a aquisição pela X… dos créditos/empréstimos (de € 50.513.599,84) que tinham sido concedidos pelas Y… e Z…, ambas residentes na Suécia, na qualidade de sócias, à D… Lda., e às demais empresas por esta participadas (identificadas acima em l)).
s) Para este efeito, em 27.06.2007, a X…, deliberou aumentar o capital social da F… em € 40.896.711,00 (de € 5.000,00 para € 40.901.711,00);
t) Ainda em 27.06.2007, a F… procedeu à emissão de obrigações, num montante de € 81.700.000,00, as quais foram integralmente subscritas pela sua sócia X…, no âmbito de um acordo de subscrição celebrado entre ambas as sociedades;
u) Em 29.06.2007 foram emitidas pela F… as obrigações objeto do contrato referido no ponto anterior, sendo o primeiro pagamento de juros devido no dia 29 de Dezembro de 2007;
v) Em 02.07.2007, a F… (na qualidade de compradora) celebrou com as sociedades Y… e Z… (na qualidade de vendedoras), um contrato de cessão de quotas da sociedade portuguesa D…, Lda. (NIPC…), pelo valor global de € 122.612.071,00;
w) No momento desta aquisição, a X… procedeu ao pagamento integral do preço devido ao grupo B…(Suécia), por conta da sua participada F…;
x) Nenhuma das referidas operações (aumento de capital e empréstimo obrigacionista) deu origem a efetiva transferência de fundos entre a X… e a participada F…;
y) Após a aquisição das quotas pela F…, a X… deliberou dotá-la dos meios financeiros necessários ao reembolso dos créditos/empréstimos que adquirira às referidas vendedoras Y… e Z…, suprimentos que estas detinham sobre a D… Lda. (NIF…) e empresas suas participadas, assinaladas acima em l);
z) Esses créditos atingiam o montante global de € 50.513.599,84 (cf. descrição individualizada no Quadro 1 do Documento nº 5), o qual correspondia à soma do principal em dívida (€ 49.702.046,20) e dos juros decorridos até 02.12.2007 (€ 811.553,64);
aa) Em 30.11.2007, a X… deliberou aumentar o capital social da Requerente de € 40.901.711,00 para € 57.773.878,00, correspondendo o aumento ao montante de € 16.872.167,00;
bb) Em 03.12.2007, a X… e a sua participada F… celebraram um Inter-Company Proceeds Loan Agreement, em que a primeira entidade concedeu um mútuo (suprimento) à segunda pelo montante de € 33.641.432,84;
cc) Com estas duas deliberações, totalizando € 50.513.599,84, a X… dotou a F… de capitais suficientes para a F… lhe adquirir os créditos no valor de € 50.513.599,84 que a X… (por aquisição à Y…) detinha sobre a D… Lda. (NIF:…) e suas participadas;
dd) Nenhuma das duas operações referidas nas alíneas anteriores implicou a efetiva transferência de fundos, ou seja a X… reteve os montantes da realização do aumento do capital e do suprimento para si própria para se reembolsar da cedência à F… dos créditos de € 50.513.599,84 anteriormente adquiridos pela X… à Y… e à Z…;
ee) A F… (NIPC…) tornou-se ela própria credora da D… Lda. (NIPC:…) e das sociedades por esta participadas, conforme discriminação constante do Quadro 1 do Documento nº 5, sendo que à própria D… Lda. (NIF:…) correspondia o montante global de € 37.359.426,00;
ff) Para cada crédito, a F… celebrou contrato adequados, sendo que, no caso da D… Lda. (NIF…) esse contrato foi assinado em 03.12.2007 –… entre si (mutuante) e a D…, Lda. (mutuária) pelo valor de € 37.359.426,00;
gg) A F… era devedora, em 03.12.2017, à X…, sua sócia, de € 81.700.000,00 referente às obrigações emitidas em 29.06.2007, e de suprimentos de € 33.641.432,84 contratados nesta data;
hh) As sociedades participadas pela D… Lda., identificadas na alínea l) passaram a ser devedoras à F…, em conjunto, de € 13.154.173,84, na data de 3 de dezembro de 2007;
ii) Em 07.07.2008, a F… alterou a sua designação, deixando de se designar F… Lda. (NIPC…) e passando a designar-se AA… Lda. (mantendo o mesmo NIPC);
jj) Pouco antes, em 04.12.2007, a D… Lda. também já havia alterado a sua designação, passando a designar-se A…, Investimentos e Serviços Lda. (mantendo o NIF:…);
kk) Paralelamente, em 07.04.2008, a X… alterou também a sua designação, passando a designar-se BB…, mantendo a sua sede no Luxemburgo;
ll) Em 25.11.2008, a AA… (ex- F…, NIPC…) e a A…, Lda. (NIPC:…) elaboraram, em conjunto, e nos termos do artigo 98.º do Código das Sociedades Comerciais, um projeto de fusão – na modalidade de fusão por incorporação, através da transferência da totalidade do património da sociedade A…, Lda. (incorporada, NIPC:…) para a AA… (NIPC:..);
mm) Essa fusão por incorporação foi concretizada em 31.12.2008 (com efeitos no dia seguinte, 01.01.2019) e foi abrangida pelo regime de neutralidade fiscal constante dos artigos 73.º e seguintes do Código do IRC, tendo a AA… alterado a sua designação para A… Lda. (mantendo o seu NIPC…), ou seja, adotando a designação que fora anteriormente a da sociedade incorporada (NIF:…), a qual se extinguiu por efeito da fusão;
nn) Subsequentemente, em 30.10.2009, foram agregadas todas as sociedades participadas pela A…, Lda., que eram detidas anteriormente à primeira fusão referida nas alíneas anteriores, todas elas direta ou indiretamente, exclusivamente detidas por si mesma;
oo) Foi concretizado em 10.12.2009 um segundo projeto de fusão entre a A… Lda. (NIF…) e as seguintes entidades:
· G…, S.A.;
· H…, Lda.;
· I…, Lda.;
· J…, Lda.;
· K…, S.A.;
· L…, S.A.;
· M…, S.A.;
· N…, S.A.;
· O…, Lda.;
· P…, Lda.;
· Q…, S.A.;
· R…, S.A.;
· S…, S.A.;
· T…, S.A.
tendo os efeitos desta retroagido também a 01.01.2009;
pp) A referida fusão foi também abrangida pelo regime de neutralidade previsto nos artigos 73.º e seguintes do CIRC;
qq) A operação de fusão “visou prosseguir, entre outros, os seguintes objetivos:
- Consolidar a presença do Grupo no sector da prestação de serviços médicos de diálise;
- Aumentar a transparência do Grupo face aos stakeholders;
- Aumentar a eficiência do processo administrativo;
- Aumentar a eficiência na gestão de tesouraria;
- Aumentar a eficiência operacional;
- Dinamizar a política de formação na A…;
-Melhorar as condições de financiamento da A… (em Portugal) junto da “V…”.
rr) Até à primeira fusão (sua incorporação na Requerente) a A… Lda. (NIPC…) tinha como atividade a consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação científica, formação profissional e comercial de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao setor de prestação de cuidados de saúde, funcionando como uma central de compras e gestora de uma série de outras sociedades, cujo objeto principal era o tratamento de doentes renais;
ss) Com esta operação todo o património da incorporada A… Lda. (NIPC…) foi transferido para a sua incorporante, AA… (NIPC:…);
tt) Com a referida incorporação, todos os ativos e passivos ficaram englobados numa mesma entidade, passando a entidade resultante das duas fusões, a suportar os encargos estabelecidos entre a X… e a ex-F… (agora AA…, entretanto designada A…Lda.), decorrentes do empréstimo obrigacionista;
uu) A segunda fusão (das restantes entidades participadas na A… Lda.) obteve consentimento das Administrações Regionais de Saúde respetivas;
vv) O montante de juros relativos ao empréstimo obrigacionista, contabilizados e pagos à sociedade X…, é de cerca de 8,1 a 8,5 M€, em todos os exercícios analisados pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
ww) Em 10.10.2013, a Requerente foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para comprovar a indispensabilidade dos custos e/ou gastos incorridos com os juros suportados com o empréstimo obrigacionista para a obtenção dos proveitos (anexo 13 ao Relatório da Inspeção Tributária);
xx) A Requerente respondeu à notificação em 18.10.2013;
yy) Os encargos financeiros foram incorridos na prossecução da atividade da ex-F… / AA…/A… e em seu beneficio único e exclusivo;
zz) Sem esse financiamento obrigacionista a emitente não teria condições de concretizar a aquisição da D… (e indiretamente das empresas em que esta participava);
aaa) Tal aquisição, bem como a subsequente gestão das respetivas partes de capital, constituíram uma parte importante da atividade da Requerente em momento anterior às fusões;
bbb) Relativamente ao período após 01.01.2009, os gastos financeiros estão diretamente relacionados com a atividade da requerente, bem como com o seu objeto social, e contribuem para a geração de rendimentos sujeito a imposto;
ccc) Após a segunda fusão, o objeto social da Requerente passou a ser o seguinte: "1 — Consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação científica, formação profissional, a comercialização de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao setor de prestação de cuidados de saúde e a elaboração de estudos e prestação de cuidados médicos em todas as especialidades, bem como a prestação e serviços conexos ou afins. 2 - As atividades constantes do objeto social poderão ser desenvolvidas, total ou parcialmente, de modo indireto, mediante a titularidade de ações ou participações de e em sociedades com objeto idêntico ou análogo", o qual se mantém;
ddd) Esta alteração de atividade teve como objetivo acomodar as atividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas, passando a Requerente a desenvolver, por via da fusão, todas as atividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas;
eee) A primeira fusão (da A… na AA…) não resultou no desaparecimento de nenhum ativo na esfera desta última (nomeadamente partes de capital) que estiveram na origem do empréstimo obrigacionista que gerou encargos financeiros na esfera da AA…, mas antes na conversão daquele ativo no conjunto de ativos e passivos que aqueles títulos já representavam;
fff) Os encargos financeiros suportados enquadram-se na atividade da Requerente também após a segunda fusão, na medida em que se destinaram a financiar a aquisição do património suficiente e necessário para o desenvolvimento, na sua esfera, da atividade de prestação de cuidados de diálise anteriormente desenvolvida pelas subsidiárias, a título individual;
ggg) As fusões ocorridas não consubstanciam uma alteração à realidade económica consolidada da sociedade incorporante e das incorporadas, que se mantém;
hhh) Não ocorreu, em qualquer momento, qualquer confusão entre os encargos financeiros suportados pela Requerente e a atividade de terceiras entidades;
iii) Com a segunda fusão, todos os ativos e passivos se englobaram numa única entidade, pelo que os cash-flows libertos pela atividade e património da entidade resultante, suportam os encargos decorrentes do empréstimo obrigacionista que veio a permitir a aquisição das sociedades entretanto incorporadas;
jjj) Com as fusões, foram compensados os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade luxemburguesa X…, no montante de € 47.399.162,66 referente aos contratos de mútuo/suprimentos;
kkk) A totalidade dos encargos financeiros com os suprimentos, relativos ao ano 2010, ascendeu a € 4.522.041,00, dos quais a AT considerou que € 1.112.836,26 não deveriam ser fiscalmente dedutíveis, na proporção do saldo dos suprimentos que teria sido influenciado pelo pagamento referido nas alíneas seguintes;
lll)) Relativamente aos juros do empréstimo obrigacionista devidos em relação aos anos de 2007 e 2008, os mesmos foram pagos pela D… Lda. (NIPC…), por conta e por acordo com a ex-F… /AA…;
mmm) AT considerou que a quantia de € 11.664.656,99, paga pela B… por conta da dívida que tinha para com a Requerente, influenciou a dívida da Requerente para com a sua sócia (que ascendia no final de 2009 ao montante de € 47.399.162,66);
nnn) Porém, à data das fusões, a dívida, no valor de € 47.399.163,86, era composta pelas seguintes parcelas:
· € 33.641.432,84, que correspondem ao valor dos suprimentos que a Requerente recebeu da sua sócia em 30.11.2007 para poder pagar a aquisição dos suprimentos que as B… (Suécia) detinham sobre a D… Lda. em Portugal e que era parte do negócio de aquisição;
· € 4.000.000, que correspondem a apoio de tesouraria que a Requerente recebeu da sua sócia em 01.08.2008 (cfr. documento n.º 23 junto com o pedido arbitral);
· € 7.100.000, que correspondem a um empréstimo adicional que a Requerente recebeu da sua sócia em 29.09.2008 (cfr. Documento n.º 24 junto com o pedido arbitral) e que lhe permitiu adquirir uma clínica na Figueira da Foz; e
· € 2.628.218,23, que correspondem a juros decorridos no período de 2.12.2007 (data da aquisição) e 31.12.2008 (cfr. Documento n.º 5 junto com o pedido arbitral);
· € 29.512,19, referentes a uma retenção na fonte que a Requerente considerou dever ser um custo suportado pela D…, Lda.
ooo) O montante dos juros do empréstimo obrigacionista pagos pela B… a X… em 2007 e 2008, no total de € 11.664.656,99, deu origem a um crédito da D…, Lda. sobre a F…(por esta ser a emitente), mas esses créditos foram compensados quando da fusão, com outros de sinal contrário, restando o montante de € 47.399.162,66 devido à X… (agora BB…);
ppp) Os juros de suprimentos pagos à entidade X… não foram sujeitos a imposto em Portugal nos termos do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro;
2.2. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se no Relatório da Inspeção Tributária e nos documentos juntos com a petição inicial, tudo aqui dado por reproduzido, não havendo controvérsia sobre eles.
De entre os alegados, relevantes para a decisão, não existem factos não provados.
3. Matéria de direito
3.1. Posição das partes
3.1.1. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Para a AT, a ação inspetiva à Requerente resultou da necessidade de controlar encargos financeiros de montante elevado e com peso muito significativo relativamente aos rendimentos registados, que teriam origem em dívida contraída para a aquisição de participações sociais de sociedades entretanto incorporadas por fusão.
A utilização do veículo F… permitiu que o custo de financiamento que seria suportado pela empresa luxemburguesa X…, atual BB…., numa aquisição direta, passasse a ser suportado pelo património da sociedade operacional (A…), sendo integralmente deduzido ao resultado desta, após a incorporação do seu património na sociedade veículo, com o respetivo impacto a nível fiscal.
Ora, a dedutibilidade fiscal dos juros suportados depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora – corpo do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, explicitando a al. c) que esses juros de capitais alheios são “aplicados na exploração”. Este requisito da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo artigo 23.º do CIRC, tem sido objeto de devido tratamento jurídico pela jurisprudência. O Supremo Tribunal Administrativo tem declarado, quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, que: “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa” (cfr., por exemplo, os acórdãos do STA de 15.6.2011, proc. n.º 049/11, n.º III e de 29.3.2006, proc. n.º 01236/05, n.º 3.4).
O Supremo Tribunal Administrativo já precisou, no acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, a se”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”, reiterando nos seus acórdãos subsequentes de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05, n.º III, de 20.5.2009, proc.01077/08, de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11 e de 30.05.2012, proc. n.º 171/11, que: “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “a não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”.
Noutra vertente, encontra-se igualmente devidamente explicitado que é pressuposto na aplicação do artigo 23.º do CIRC “a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06).
Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração, tendo em atenção à atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros. Essa dedutibilidade fiscal supõe que os custos incorridos com os encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida, máxime sirvam ao desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora.
No caso da A…, os custos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a sua atividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro (BB..., anterior X...), não sendo aceites para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
Em suma, relativamente aos custos com o empréstimo obrigacionista, com a incorporação da A…, Lda. (NIPC…), na sua empresa mãe AA…, Lda. (NIPC…), os rendimentos gerados pela atividade e património da incorporada passaram a suportar os encargos decorrentes do empréstimo obrigacionista celebrado entre a X… e a F…, para aquisição da sociedade D…, pelo que, com a fusão, os rendimentos gerados pela atividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição, não sendo os fundos utilizados na exploração. Em consonância, não são dedutíveis ao abrigo do disposto no artigo 23º do CIRC.
Bem assim, relativamente aos encargos com suprimentos: os juros foram pagos através da CC…, S.A., pela entidade D…, sociedade adquirida através daquele empréstimo, porque a F… nunca teve uma atividade operacional, como evidenciam as operações registadas na contabilidade da entidade e refletidos nos balancetes analíticos dos exercícios de 2007 e 2008 da F… (cfr. anexo 16, de 9 folhas), onde constam meros registos em contas de custos e proveitos financeiros. Ora, nesses mesmos exercícios (2007 e 2008), a X…, para além do empréstimo obrigacionista, procedeu a empréstimos através de suprimentos a diversas sociedades do grupo, tendo sido a D… a maior destinatária desses suprimentos, no valor de € 37.359.426 (anexo 17, de 6 folhas). Assim, a D… recebeu suprimentos da X…, via F…, destinando parte desses suprimentos recebidos ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista da sociedade-mãe (F…), já que a mesma não tinha qualquer atividade operacional que gerasse influxos financeiros. Estes juros pagos pela D… à X… foram registados na F… como dívida a terceiros (D…), ou seja, a D… pagou juros de um empréstimo obrigacionista cujos intervenientes foram a X… (credora) e a F… (devedora), constituindo estes juros um crédito da D… à F… . Este crédito à F… não rendeu qualquer rendimento, independentemente de por via disso a D… estar a suportar um encargo com um juro de suprimento para fazer face ao pagamento de juros que deveriam ser encargo efetivo da sociedade-mãe F… .
O montante dos juros que a D… pagou à X… (responsabilidade da participante F…) nos exercícios de 2007 e 2008 ascende à quantia de € 11.664.656,99 (anexo 12), repartido entre € 3.874.826,75 referente a 2007 e € 7.789.830,24 referente a 2008. Este montante constituía um crédito da F… sobre a D… (suprimentos), na medida em que esta última não tinha meios financeiros para liquidar os juros do empréstimo obrigacionista.
Com a fusão, anularam-se os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade luxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este influenciado pela quantia acima referida (€ 11.664.656,99) referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela D… . Assim, e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, a AT procedeu à correção dos juros suportados relativos a suprimentos na proporção dos € 11.664.656,99 face ao valor da dívida de suprimentos (€ 47.399.656,99). Ou seja, a correção específica efetuada relativamente a este ponto respeita aos juros de suprimentos correspondentes à parte dos suprimentos necessários ao financiamento de custos com o empréstimo obrigacionista, os quais não aproveitariam à Requerente, por não serem encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o valor de € 11.664.656,99 não esteja incluído no valor dos suprimentos. Assim, e para a AT, na falta dessa demonstração, o fundamento da correção reconduz-se ao da correção relativa ao empréstimo obrigacionista.
No entender da AT, para que os encargos financeiros suportados sejam aceites como gasto fiscal é necessário que os mesmos preencham três requisitos: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e, ainda, o da ligação a proveitos ou ganhos sujeitos a imposto. Ora, aceitar a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades cujas atividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução aqueles gastos seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra ínsito no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
Assim, a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com o empréstimo obrigacionista subscrito pela BB… (ex- X...), destinado a financiar as aquisições nos períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, tem como fundamento legal a não verificação das condições de ordem substantiva de que o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC faz depender a dedutibilidade dos gastos e perdas, tal como têm sido interpretadas pela doutrina e pela jurisprudência.
3.1.2. Posição da Requerente
Para a Requerente, num plano de gestão, não fazia sentido que as operações do grupo DD… em Portugal se dispersassem por 16 sociedades diferentes. Assim, a fusão entre a Requerente (então AA…, ex-F…) e a A…, Lda. (cuja denominação a Requerente passou a adotar) e, depois, com as sociedades operativas que compunham a anterior divisão de W… teve objetivos económicos bem precisos.
Alega ainda que a aquisição dos ativos subjacentes ao negócio não poderia ser feita, por virtude de razões regulatórias em vigor no setor da saúde, de maneira direta.
Relativamente aos gastos suportados com o empréstimo obrigacionista a Requerente refuta a tese da AT, sendo seu entendimento que tais encargos se relacionam, de maneira clara, com a atividade ou interesse da Requerente. Aduz que o dito financiamento foi até mais intenso em capital próprio, face a operações similares, pois por cada dois euros de dívida realizou um euro de capital próprio.
No entender da Requerente, sem as fusões e os financiamentos verificados, não poderia existir hoje, no seu âmbito de exploração, um resultado contabilístico e fiscal idêntico ao que tem gerado. Sem os encargos que suporta, a Requerente afirma que não poderia ter adquirido a anterior divisão de W… e não atingiria a dimensão e estrutura económica que hoje apresenta.
Alega também que foi ela que contraiu o empréstimo obrigacionista e que os encargos daí derivados se constituíram na sua esfera. E que, com a fusão, esta realidade não se modificou. Com a fusão deu-se, no entender da Requerente, uma verdadeira aquisição de ativos e passivos, distintos de partes de capital, e geradores de resultados operacionais. Assim, os juros pagos resultam de operações que, após a sua concretização, trouxeram para a esfera da Requerente os ativos (meios de obtenção de rendimentos) as dívidas (suporte financeiro de tais meios), tudo isto com uma racionalidade económica clara. Ou seja, os ativos e o capital (neste caso, a dívida) que os financia agregaram-se na mesma entidade, não fazendo, segundo a Requerente, sentido a tese da AT de separar tais operações ou efeitos económicos. Cita, em abono da sua tese, decisões arbitrais que iriam no sentido que propugna.
Quanto à questão dos juros dos suprimentos, a Requerente alega que a sua dívida à X… em nada foi influenciada pelos € 11,664.656,99 que a AT coloca em causa no RI. Na Petição é feita uma explicitação da origem de tal montante, concluindo a Requerente que: “na composição do montante em dívida pela Impugnante à X…, na base da qual estão os encargos com suprimentos, em nada interfere o montante de € 11.664.656,99 remetido pela D…, Lda. (NIF…) para a CC… (agente pagador do empréstimo obrigacionista), uma vez que esta remessa de € 11.664.656,99 representava apenas um abatimento parcial da dívida da D…, Lda. (NIF:…) para com a Impugnante. (…) ao contrário do que afirma a AT, esse montante não inflacionou, nem influenciou, o montante da dívida da Impugnante à sua accionista, nem teve qualquer impacto no respectivo cálculo, pelo que os encargos a ele correspondentes em nada se distinguem dos encargos - que a AT não questionou, nem nesse exercício, nem nos exercícios anteriores - com os demais suprimentos da X… à Requerente " (artigos 332 a 335).
4. Análise e decisão
4.1. Fundamentos de direito: da interpretação do artigo 23.º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos
O tribunal acompanha o entendimento a que chegou o tribunal arbitral no Processo n.º 42/2015-T, cuja parte decisória passa a acompanhar:
Numa relação de dependência, ainda que parcial, entre resultado fiscal e resultado apurado pela contabilidade, o CIRC estabelece como base do apuramento do resultado tributável o lucro ou o prejuízo apurado pela contabilidade. Porém, e visando salvaguardar o interesse público subjacente à tributação, impõe certos requisitos à consideração fiscal de proveitos e custos. Na parte dos custos, tais requisitos surgem mais desenvolvidos, sendo o artigo 23.º a disposição que estabelece o princípio geral da sua aceitação. Dispunha, à data dos factos, o artigo 23.º do CIRC, na parte relevante:
Artigo 23.º Custos ou perdas
1 — Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(…)
c) Encargos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso;
Surge assim, um requisito nuclear na admissibilidade dos custos ou gastos para fins fiscais: a indispensabilidade. A jurisprudência tem uma análise bastante sedimentada acerca de como se deve entender tal conceito, de que se salienta o tratamento dado no Acórdão do TCAS proferido no processo 03022/09 – de 6 de outubro de 2009:
“Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)
Fazendo apelo ao estudo de TOMÁS TAVARES (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.
A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.
Também a decisão do TCA Norte - processo 00624/05.0BEPRT, Acórdão de 12 de janeiro de 2012:
“Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade - impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da atividade societária, ou seja, em função do seu objetivo no âmbito da atividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução, mas para outros interesses alheios”.
O Acórdão de 29-03-2006 - Processo n.º 1236/05 – do STA:
“O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito […] sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”.
Na doutrina, Rui Morais: [1]
“A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais […] Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação direta com obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços […] Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja, do business purpose test… Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo… Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial… o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc) então tal custo não deve ser havido por indispensável.”
J.L. Saldanha Sanches: [2]
“…saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado… de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos”.
A interpretação do conceito de “indispensabilidade” tem sido equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa, aos gastos suportados no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os gastos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos deverão ser então desconsiderados.
Ora tendo os entes societários um escopo ou objetivo social definido nos seus estatutos, tendo em vista a realização do fim para o qual se formam – a obtenção de um excedente a repartir pelos sócios – então os atos de gestão que contribuam para tal fim hão-de constituir a atividade das empresas. A atividade deve ser entendida num sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. O conceito atividade das empresas não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, de exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos. Nesse sentido, a atividade de uma empresa consiste nas operações resultantes do uso do seu património, dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a gestão utiliza o património empresarial – os ativos – no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico. Tais ativos são, por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos, ativos fixos tangíveis imobilizados ou não correntes, intangíveis, financeiros, não correntes detidos para venda, correntes, como inventários/existências, etc.. Este leque de ativos é o conjunto de meios materiais (a par dos humanos, organizacionais, etc.) de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes. Assim, a compra de ativos físicos para investimento e sua eventual alienação, a compra e venda de participações, com o respetivo financiamento, a aplicação de liquidez, tudo faz parte do que se consideram atos normais da gestão de uma empresa. O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial. Assim, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis é aquela que se traduz em operações com um propósito, um intuito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.
4.2. A aplicação do conceito de indispensabilidade ao caso vertente
Como resulta dos autos, a Requerente resultou da fusão de, essencialmente, três tipos de entidades.
Num primeiro nível existiam sociedades operacionais, que se dedicavam à prestação de serviços de saúde, em especial ao diagnóstico e tratamento de doenças renais. Num segundo nível, estas sociedades eram detidas pela D… Lda., que titulava, em Portugal, as entidades integradas no Grupo sueco B…, que atuava mundialmente nesta área de prestação de serviços de saúde.
Num certo momento a entidade então designada por F… adquiriu o negócio do Grupo B… em Portugal. Para tal, foi a F… dotada de meios financeiros (capital próprio e dívida) por parte da X…, com sede no Luxemburgo.
A F… (sob a denominação AA…) passou então a estar endividada perante a sua detentora, e a pagar-lhe, portanto encargos financeiros resultantes da dívida com que fora financiada para adquirir os ativos afetos ao negócio que o grupo B… explorava em Portugal.
Após várias operações de reorganização societária, a AA… fundiu-se com a D… Lda., que também já havia alterado a sua designação, passando a designar-se A… Lda., e, por fim, as várias sociedades operativas foram também fundidas. Em suma, no final, a Requerente incorporou quer a antiga D… Lda., quer as sociedades operativas que esta detinha.
A questão essencial a decidir consiste, pois, em saber se o artigo 23.º do CIRC implica, como alega a AT, que os encargos financeiros pagos pela Requerente à BB… (ex-X…) não sejam dedutíveis, por não respeitarem o requisito da indispensabilidade ao tempo constante desse preceito legal.
Para a AT, os juros pagos pela Requerente não respeitariam à sua atividade, mas sim à atividade ou interesse da sua participante, e não poderiam concorrer para o resultado tributável da Requerente, por se afastarem do seu interesse social ou da sua atividade própria.
Como refere a AT, no ponto 44 das suas Alegações: "aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades, cujas atividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução aqueles gastos, seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra ínsito no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC".
Ora o STA, no âmbito do Processo 0779/12, em Acórdão de 24-09-2014, afasta a interpretação do artigo 23.º do CIRC como tendo que implicar uma obrigatória conexão, um balanceamento ou uma relação entre custos e proveitos:
“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. artigo 23.º do CIRC na redação em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”
Não colhe, por isso, que a aceitação fiscal de um gasto tenha de respeitar um princípio de balanceamento (ou de conexão) com proveitos.
Depois a AT sustenta que (ponto 51 das Alegações): "No respeitante aos encargos financeiros, aquele normativo exige, tal como para a generalidade dos gastos, que os gastos e perdas, dedutíveis para a determinação do lucro tributável, sejam indispensáveis para a obtenção dos rendimentos e ganhos e sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora e concretiza, na sua alínea c) do n.º 1, os gastos de “natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”.
Quanto à questão da aplicação dos capitais na exploração: a tese da AT não tem suporte na lei. Os termos "nomeadamente" e "tais como", usados no proémio do n.º 1 do artigo 23.º e na respetiva alínea c), vincam que os encargos financeiros de capitais aplicados na exploração são dedutíveis mas não esgotam o universo de encargos financeiros dedutíveis. Estes sê-lo-ão, mesmo quem não aplicados na dita exploração; desde que passem o teste geral da indispensabilidade, estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal. O conceito de indispensabilidade é consensualmente interpretado como implicando que os gastos digam respeito à atividade ou interesse da empresa. Os encargos financeiros que aqui se enquadrem, mesmo não sendo aplicados em atividades consideradas operacionais ou de exploração, podem reunir condições de indispensabilidade.
E os encargos aqui controvertidos estão relacionados com a atividade da Requerente, pois resultam do financiamento de ativos por esta detidos e que até geram rendimentos de natureza operacional.
A AT avança ainda, relativamente ao afastamento dos encargos financeiros, por não serem inerentes ao interesse próprio da Requerente (artigos 53, 56 e 73 das Alegações):
«os custos suportados com o empréstimo não estão relacionados com a sua atividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro ((BB…., anterior X…) não sendo aceites para efeitos do cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.»
«As fusões no âmbito das quais a sociedade AA…, Lda (anterior F…, Lda) incorporou a sociedade A…, Lda (anterior D…, Lda), e as sociedades suas participadas, apesar de terem sido fusões upstream implicaram, de facto, uma transmutação integral da sociedade incorporante que juridicamente se manteve mas cuja actividade passou a corresponder integralmente às actividades que já vinham a ser exercidas pelas sociedades incorporadas.»
«O que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela sociedade AA…, Lda. (ex.F…), a actividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado não teve continuidade, o que subsistiu foi apenas actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo B…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das actividades de tratamento renal.»
Não tem razão a AT quando põe em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros, em sede da Requerente, com o fundamento de que estes estão desligados da sua atividade, do seu interesse próprio, e que os fundos obtidos não foram aplicados na exploração. Em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os ativos e passivos das sociedades operativas e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais. Há uma ligação económica clara entre a dívida que vence juros e os ativos e os passivos que tal dívida suporta.
Quando a AT refere que "o que subsistiu foi apenas atividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo B……, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento", não leva em conta que a titularidade da atividade operacional só foi possível por se ter pago ao grupo B… um preço de aquisição que implicou os financiamentos em empréstimos obrigacionistas e suprimentos que geraram os juros pagos. Mesmo numa perspetiva estrita de nexo económico entre rendimentos e gastos, ele existe. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. Numa ótica patrimonial, há, até, maior aproximação entre ativos e capitais que os financiam, agora inscritos na mesma entidade. Não colocando em causa a AT o propósito económico das operações de reorganização levadas a cabo, a desconsideração dos juros pagos não tem suporte no artigo 23.º do CIRC.
Quanto ao tema dos suprimentos, e da quantia de € 11.664.656,99, refere a AT (artigo 30 das Alegações) que: "Conforme resulta do RIT, não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade D… pagou diretamente esses juros por conta da sociedade F…, Lda, em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros".
Ora, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente coloca em causa a tese da AT, sem que esta, na resposta ou nas alegações, tenha rebatido de forma convincente as posições e as explicações da Requerente sobre os ditos € 11.664.656,99.
Entende o Tribunal que não há razão para desconsiderar os juros do empréstimo obrigacionista e esta conclusão afeta também a correção efetuada pela AT quanto aos suprimentos, pelo que a correção é ilegal e, consequentemente, a liquidação deve ser anulada, por vício de violação de lei, designadamente o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na parte em que nela assenta.
4.3. Juros indemnizatórios
A Requerente pede que sejam pagos juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido da prestação tributária.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT: “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deve entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como resulta da matéria de facto fixada, em 19-12-2013, a Requerente efetuou, ao abrigo do regime excecional de regularização de dívidas fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, o pagamento da quantia de € 2.772.609,52, relativa à liquidação impugnada, com dispensa de pagamento de juros compensatórios.
Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação de IRC, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, já que as correções efetuadas foram ilegais.
No que concerne aos juros indemnizatórios: a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC é imputável à AT, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal. Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente.
Assim, deve a AT dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, pagando à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia de € 2.772.609,52, à taxa legal supletiva das dívidas civis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (19-12-2013), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
4.5. Decisão
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) anular a liquidação adicional de IRC n.º 2013 … e a liquidação de juros compensatórios n.º 2013…, das quais resultou um valor a pagar pela Requerente de € 3.051.237,78, referente ao exercício de 2010, revogando, consequentemente, as decisões de indeferimento proferidas em sede de procedimento de reclamação graciosa e de recurso hierárquico;
c) condenar a Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas civis, nos termos do n.º 10 do artigo 35.º e dos nºs 1 e 5 do artigo 43.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), e do n.º 2 do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 2.772.609,52, desde 19.12.2013 até à data em for processada a correspondente nota de crédito.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.772.609,52.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 35.496,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de janeiro de 2017
Os Árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Luís M. S Oliveira)
(Luís Manuel Pereira da Silva)
[1] Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007. ps. 86 e 87.
[2] Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 215.