Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 304/2016-T
Data da decisão: 2017-01-31  Selo  
Valor do pedido: € 47.864,00
Tema: IS - Exceção dilatória e ineptidão da petição inicial.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, Lda., contribuinte n.º…, com sede na Rua …, n.º…– ..., Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 02/06/2016 pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita nomeadamente que se «declare a nulidade dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto do Selo» do ano de 2015.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 20/07/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 31/08/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 31/08/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.Em 03/10/2016 a Requerida apresentou um requerimento, no qual sustenta que : «1 - Na petição inicial apresentada pela requerente, vem impugnada a liquidação de imposto do selo – verba 28, referente ao ano de 2015 e ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia do …, em Lisboa. …- Contudo, os documentos juntos, reportam-se ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …, em Lisboa. …- Dada a evidente contradição entre o pedido e os documentos que juntam, deve ser suprida tal incorrecção e fixado novo prazo para apresentação da resposta…».

 

1.6.O tribunal, após compulsar os autos e perante o teor do requerimento supra convidou em 04/10/2016 a Requerente a suprir tal incorrecção, prorrogando-se o prazo para a apresentação da resposta pela Requerida, tudo ao abrigo do art. 16.º, al. c) do RJAT.

 

1.7.A Requerente não respondeu a tal convite.

 

1.8.A Requerida, perante o comportamento processual omissivo da Requerente veio em 20/10/2016 defender que por tal facto devia ser absolvida da instância, à luz do art. 278.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente por força do art. 29.º do RJAT.

 

1.9.O tribunal em 22/11/2016 convidou a Requerente a pronunciar-se quanto à excepção dilatória invocada pela Requerida.

 

1.10.        A Requerente também nada disse quanto ao convite.

 

 

1.11.        O tribunal em 20/12/2016 entendeu que a excepção dilatória podia ser conhecida com a decisão arbitral, dispensou a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, bem como determinou que as partes, querendo, apresentassem alegações escritas e agendou o dia 31/01/2017 para a prolação da decisão arbitral.

 

 

2.      POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente sustenta quanto à matéria de facto que as liquidações de Imposto do Selo - verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) se referem «… ao prédio urbano sito na freguesia do … em Lisboa, com o artigo matricial … …» e respeitam ao ano de 2015.

Quanto ao mérito alega, em resumo, que as liquidações objecto dos autos enfermam de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, porquanto nenhum dos andares do imóvel tinha em 31 de Dezembro de 2015 um valor patrimonial tributário (VPT) igual ou superior a € 1 000 000,00, facto que, no seu juízo, é bastante para que no caso concreto não se preencha a norma de incidência – verba 28.1 da TGIS.

Termina requerendo ainda o pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida.

Por seu turno, a Requerida entende que, perante a contradição existente entre o prédio identificado no pedido de pronúncia arbitral, os documentos juntos pela Requerente e a conduta processual omissiva quanto ao convite do tribunal para suprir tal discordância devia ser absolvida da instância, à luz do art. 278.º, n.º 3 do CPC, aplicável subsidiariamente por força do art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

Deste modo o tribunal deve conhecer:

a)      Se a excepção dilatória invocada pela Requerida deve proceder;

b)      Se as liquidações são ilegais por padecerem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

c)      Se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios;

d)      Se a Requerente tem direito a indemnização por prestação de garantia indevida.

3.      QUESTÃO PRÉVIA

 

A Requerida veio aos autos requerer a absolvição da instância perante a contradição existente entre o prédio identificado no pedido de pronúncia arbitral, os documentos juntos pela Requerente nesse articulado e a conduta processual omissiva quanto ao convite do tribunal para suprir tal discordância.

Antes de mais, importa fixar os elementos necessários para apreciar a questão prévia, assim:

i) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral no qual identifica que as liquidações de Imposto do Selo objecto dos autos respeitam ao edifício inscrito matricialmente sob o artigo … da freguesia do …, Lisboa.

ii) Juntou aos autos liquidações de Imposto do Selo do ano de 2015 respeitantes ao edifício inscrito matricialmente sob o n.º … da freguesia de …, Lisboa e que são as seguintes:

a) 1.º D - € 1691,40;

b) 1.º E - € 1692,50;

c) 1.º F - € 1827,30;

d) 2.º D - € 1747,30;

e) 2.º E - € 1706,20;

f) 2.º F - € 1878,10;

g) 3.º D - € 1747,30;

h) 3.º E - € 1706,20;

i) 3.º F - € 1878,10;

j) 4.º D – € 1747,30;

l) 4.º E - € 1706,20;

m) 4.º F - € 1878,10;

n) 5.º D - € 1747,30;

o) 5.º E - € 1706,20;

p) 5.º F - € 1878,10;

q) 6.º D - € 1747,30;

r) 6.º E - € 1706,20;

s) 6.º F - € 1878,10;

t) 7.º D - € 1747,30;

u) 7.º E - € 1706,20;

v) 7.º F - € 1878,10;

x) 8.º D - € 1747,30;

z) 8.º E - € 1706,20;

aa) 8.º F - € 1878,10;

bb) 9.º D - € 1747,30;

cc) 9.º E - € 1706,20;

dd) 9.º F - € 1878,10.

iii) A Requerente foi notificada por despacho datado de 04/10/2016 para, querendo, corrigir a incorrecção entre a matéria alegada e os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

iv)  A Requerente nada disse no prazo fixado em tal despacho judicial.

            O art.º 10.º, n.º 2 do RJAT dispõe que: «O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar: (…) b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral; (…) d) Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir;…».

A falta de sincronia entre os factos alegados no pedido de pronúncia arbitral e os elementos destinados à sua prova subsume-se ao incumprimento do referido art. 10.º, n.º 2, al. d.) do RJAT.

Assim, referir-se no articulado a actos tributários que incidem sobre o «…prédio urbano sito na freguesia do … em Lisboa, com o artigo matricial … …» e juntar aos autos liquidações relativas a diversos andares da inscrição matricial n.º … da freguesia de … equivale à falta de junção dos documentos comprovativos dos actos tributários alegados.

Por isso, o tribunal entendeu que perante tal irregularidade impunha-se o convite à correcção. A este respeito sustenta a doutrina a propósito do revogado art. 88.º (agora art. 87.º) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) que: «Em todos os outros casos, em que a correcção oficiosa não seja possível, o n.º 2, prevê que o juiz profira um despacho de aperfeiçoamento, que poderá ter duas finalidades: (a) providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias; (b) permitir a correcção de irregularidades formais no articulado, ”designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado um documento essencial (sublinhado nosso) ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”»[1]. Ou, dito de outro modo, o tribunal entendeu encontrar-se verificada uma das modalidades em que é possível o convite à correcção da petição inicial deficiente «…b) quando a acção não possa prosseguir pelo facto de a petição não vir acompanhada de certos documentos…» – ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 262.

Contudo, a Requerente não respondeu ao convite formulado pelo tribunal, circunstância que implica concluir pela violação do previsto no art. 10.º, n.º 2, al. b) e d) RJAT. Ou seja, a falta dos elementos de prova dos actos tributários respeitantes às liquidações conexas com o «…prédio urbano sito na freguesia do … em Lisboa, com o artigo matricial … …» que a Requerente sustenta terem existido e que assim não permitem a identificação dos referidos actos.

            Os documentos em que os actos tributários se plasmam são portadores de factualidade essencial às liquidações em causa, como é disso exemplo, o montante, o seu fundamento jurídico, a identificação do imóvel objecto de tais actos tributários e a taxa utilizada.

            Mais, a alegação da Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, de factos integradores da causa de pedir por remissão para as liquidações só demonstra que as mesmas integram o seu articulado. Neste âmbito sustenta a jurisprudência[2] que: «Ora, não tendo a A. junto os documentos, na sequência das notificações adrede efectuadas, outra conclusão não podia extrair-se senão a da falta, pura e simples, da causa de pedir».

            Assim, a falta de prova documental nuclear, por ausência da junção de elementos que permitam o reconhecimento dos actos tributários que são alegados, mais concretamente, a inscrição matricial sobre a qual incidem, configura uma ausência de material de facto necessário à apreciação do direito, gerador de ineptidão da petição apresentada.

            Em suma, não tendo a Requerida junto tais documentos, a conclusão não pode ser outra que o reconhecimento da excepção dilatória prevista no art. 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do previsto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, por falta de causa de pedir e da qual resulta a nulidade de todo o processado.

 

           

4. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se verificada a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e assim absolver a Requerida da instância.

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 47 864,00, nos termos do art. 97.º – A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

6. CUSTAS

Custas a suportar integralmente pela Requerente, no montante de € 2142, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2017

 

O árbitro,

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

 



[1] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, Almedina, 2010, pág. 584.

[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo n.º 235291/09.0YIPRT.C1, de 22/03/2011, relatado pelo Desembargador FRANCISCO CAETANO.