Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. João Taborda da Gama e Dr. André bacelar Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
I. Relatório
1.O Requerente A…, contribuinte n.º …, com domicílio fiscal na Rua …, n.º…, …, …-… …, apresentou, em 20 de Junho de 2016, pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com o n.º 2016…, de 2016/02/15, relativa ao exercício de 2014, no valor total de € 134.917,71, que já inclui € 25.558,71 de sobretaxa extraordinária e €2.439,05 de juros compensatórios.
2. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na apreciação da liquidação de IRS acima identificada com o fundamento em ilegalidade por vicio de violação da lei, por ter sido fundamentada na condição do requerente A… ser residente em território Português e/ou ilegalidade por violação de norma convencional, uma vez que ao abrigo do art. 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação Internacional, celebrada entre Portugal e Espanha, deverá considerar-se o Requerente como residente fiscal em Espanha, bem como da liquidação da sobretaxa extraordinária de IRS, com os mesmos argumentos.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-07-2016.
3.1.O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
3.2. Em 28-08-2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
3.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 12-09-2016.
3.3.Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:
4.1. O Requerente, jogador de futebol de profissão, foi contratado pelo B… (“B…”), por cinco épocas desportivas, em 12 de Julho de 2014, com quem na mesma data celebrou contrato de trabalho desportivo, encontrando-se anteriormente ao serviço do clube de futebol “C…”, em Espanha.
4.2. O Requerente detém nacionalidade Espanhola.
4.3. A condição de trabalhador da B… obrigou a obtenção de número de identificação fiscal Português (NIF), que nunca antes lhe havia sido atribuído.
4.4. Após a celebração do contrato de trabalho em apreço, o Requerente integrou imediatamente o estágio de preparação para a época futebolística 2014/2015 em…, Holanda, não tendo tratado pessoalmente do processo associado à obtenção do NIF.
4.5. Por razões que desconhece, em 18/07/2014, foi-lhe atribuído NIF com a qualidade de residente fiscal em território Português.
4.6. Nunca foi convicção do requerente que seria residente fiscal em Portugal durante o ano de 2014 porque, de facto, tinha e mantinha a sua residência habitual em Espanha, em Oviedo, onde dispunha de moradia que constituía a sua residência permanente e onde reside a família do requerente, designadamente pais, irmãos e um sobrinho.
4.7. O Requerente pagava os seus impostos, seguros e encargos relacionados com a manutenção da sua residência e imposto automóvel em Espanha.
4.8. Aliás, foi-lhe atribuído como domicilio fiscal em Portugal, a morada da “…”, justamente por não dispor em Portugal de um edificado (apartamento/moradia) para esse efeito, que só veio a obter, em Setembro de 2014, quando celebrou arrendamento de uma casa em … .
4.9. Por convictamente não se considerar residente fiscal em Portugal, no exercício de 2014 não apresentou qualquer declaração de rendimentos.
4.10. A sua declaração de rendimentos foi apresentada em Espanha, onde se considerava residente fiscal, com referência ao exercício de 2014.
4.11. O Requerente tendo sido contratado pelo B… em 12 de Julho de 2014 e nunca tendo estado antes em Portugal, objetivamente, não permaneceu, nem, pela natureza das coisas, podia ter permanecido, mais de 183 dias em território Português no ano fiscal de 2014, como exigia a alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do código do IRS.
4.12. E não obstante o autor viver em Portugal a 31 de Dezembro de 2014, numa casa por si arrendada e situada em …, tal não é suficiente, por si só, para permitir extrair a ilação consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do código do IRS.
4.13. Considerando-se pois não verificado qualquer dos requisitos legais de que depende a qualidade do Requerente como residente fiscal em território Português, a liquidação em apreço enferma de vício de violação da lei.
4.14. Mas ainda que assim não se entenda, verifica-se aqui um caso de dupla residência que, porque entre os Estados Português e Espanhol existe e está em vigor uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação Internacional (CDT), não pode deixar de ser resolvido mediante a sua aplicação, considerando a sua prevalência sobre a lei interna Portuguesa.
4.15. Tendo sido em Espanha que, em 2014, se fixou o centro de interesses familiares e económicos do Requerente, aí radicou, por conseguinte, o seu centro de interesses vitais e aí deve ser considerado residente non âmbito da aplicação da CDT para efeitos fiscais.
4.16. Para o caso de assim se não entender, de novo sem conceder, recorrendo-se à regra de desempate da alínea b), n.º 2 do art. 4.º da CDT, terá de determinar-se em que Estado ele permanece habitualmente para, caso essa determinação se mostre impossível, se concluir pela prevalência da nacionalidade, neste caso a Espanhola, a única que o Requerente tem.
4.17. A liquidação de IRS objeto do presente pedido de pronuncia arbitral é, pois, ilegal por violar o disposto no n.º 2 do art. 15.º do Código do IRS e na sequência o disposto na alínea a), do n.º 4 do art. 71.º do mesmo código, por violar o disposto nos n.ºs 1 e 7 do art. 13 do código IRS e a não se entender assim, violando o disposto na CDT celebrada entre Portugal e Espanha, nomeadamente o seu art. 4.º.
4.18. A liquidação da sobretaxa extraordinária é ilegal por violar o disposto no n.º 1 do art. 176.º da Lei n.º 183.º-C/2013, de 31 de Dezembro, pelo que deve ser integralmente revogada com todas as consequências legais.
5. A autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:
5.1. Em 31 de dezembro de 2014, o Requerente tinha a sua residência habitual em Portugal. Prova disso é a celebração de um contrato por 5 anos com o B…, o arrendamento de casa no Porto (distrito), bem como a deslocação da sua namorada para aí.
5.2. A detenção de um imóvel em Oviedo, a existência de aplicações financeira em Espanha e a o facto de aí residirem os seus familiares mais próximos (com os quais, o Requerente nenhum laço de dependência mantinha) e os seus amigos não são fundamento nem justificação para afastar a residência em Portugal.
5.3. Destarte, sempre se dirá que dúvidas não há de que os pais e os amigos não constituem e não fazem parte do seu agregado familiar, já a namorada, por seu turno, poderá fazer parte do seu agregado familiar e, como se veio a verificar, veio com ele para Portugal.
5.4. A delimitação da residência para efeitos fiscais obedece a critérios objetivos, em estrito cumprimento das normas jurídico-tributárias aplicáveis.
5.5. Atendendo ao que vem ante dito, considerando o acervo probatório carreado nos autos e em desabono pelo alegado pelo Requerente, temos que factualmente apenas se podem dar como provados os seguintes factos:
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A 12-07-2014, o Requerente foi contratado ao C…, por um período de 5 anos, no âmbito de um contrato de trabalho desportivo, como jogador profissional de futebol, pelo B…;
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A 18-07-2014 o Requerente entregou, no Serviço de Finanças Porto–…, pedido de inscrição no cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira como contribuinte;
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O Requerente declarou-se como residente;
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Não se declarou como residente no estrangeiro, como não residente ou como residente não habitual.
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Não nomeou representantes fiscais,
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Declarou como domicílio fiscal a Rua…, N.º…, …, …-… … .
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A 28-07-2014 o Requerente celebrou contrato de arrendamento sobre um imóvel sito na Rua…, n.º…, Freguesia de…, Concelho de …, o qual se destinava à «…habitação do ARRENDATÁRIO [Requerente] e seu agregado familiar, não lhe podendo ser dado outro fim…» (cf. cláusula 2.ª do contrato de arrendamento junto pelo Requerente.
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O mencionado contrato foi celebrado por um período de 11 meses.
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Em consonância o Requerente apresentou a 9-12-2014, via internet, o correspectivo pedido de alteração de morada do domicílio fiscal;
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Situação que apenas se voltaria a alterar a 12-09-2016 com o pedido de alteração de morada submetido no Serviço de Finanças Porto–… .
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Assim, a 31-12-2014, naquilo que ora nos interessa e naquilo que nos comanda o CIRS, no seu art.º 16.º (na redação à data dos factos), o Requerente era residente em Portugal, dispondo de uma habitação em condições que, manifesta, inelutável e insofismavelmente, refira-se, faziam supor a intenção daquele em a manter e ocupar com residência habitual,
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ou seja, desde a sua inscrição, apenas foram submetidas à alteração de cadastro meras alterações de moradas de domicílio fiscal, todas elas sitas no Distrito do Porto.
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Nunca, em momento algum, foi solicitado, através de qualquer meio, a alteração da qualificação do Requerente como residente em território nacional;
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A 31-08-2015 o Requerente foi cedido a título de empréstimo ao clube espanhol D…;
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O Requerente nunca entregou a declaração de rendimentos para o ano de 2014.
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O Requerente nunca procedeu à comunicação de alteração de morada, nomeadamente, para efeitos de notificação.
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Assim, foi notificado, através do ofício n.º …/…, de 01-09-2015, enviado por carta registada para o seu domicílio fiscal, à data, nos termos do n.º 3 do art.º 76.º do CIRS, para, no prazo de 30 dias, proceder à entrega da declaração em falta.
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O ante mencionado ofício foi devolvido com a indicação dos serviços postais de “objecto não reclamado”.
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O Requerente foi considerado devidamente notificado nos termos do art.º 43.º do RCPIT.
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A 1-09-2015 foi despoletada a Ordem de Serviço autuada com o n.º OI2015…, em virtude do Requerente, enquanto residente em território nacional, não haver tido entregue a declaração de rendimentos referente ao ano de 2014, em conformidade com o art.º 57.º do CIRS.
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Através do ofício n.º …/…, de 25-09-2015, enviado por correio registado para o domicilio fiscal do Requerente, este foi notificado do projeto de relatório e para, concomitantemente, exercer, querendo, o direito de audição prévia.
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O ofício foi devolvido com a indicação dos serviços postais de “objecto não reclamado”.
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O Requerente foi considerado devidamente notificado, a 28-09-2015, nos termos e para os efeitos da leitura conjugada do n.º 1 do art.º 43.º e do art.º 39.º ambos do RCPIT e do art.º 39.º do CPPT.
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Em virtude do Requerente não ter respondido ou entregue a declaração em falta, os serviços inspetivos da Requerida, no estrito cumprimento dos seus deveres e obrigações, deram cumprimento cabal ao normativo plasmado no n.º 3 do art.º 76.º do CIRS, convolando em definitivas as correções propostas no projeto de relatório.
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Neste conspeto, foi emitida a correspondente liquidação oficiosa, ora sindicada,
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Com efeito, no âmbito do processo inspetivo o Requerente foi considerado como residente em território nacional na medida em que:
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Era esse o enquadramento que constava no seu cadastro - concretamente no “sistema de gestão e registo de contribuintes”;
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A sua entidade patronal a “B…, NIPC…, declarou ter pago rendimentos de trabalho dependente ao contribuinte, na declaração modelo n.° 10 a que se refere a alínea c) do n.° 1 do art.º 119.° do CIRS, na qualidade de residente em território nacional; e
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Notificado para exercer o direito de audição sobre as conclusões constantes do projeto de relatório, não se pronunciou.
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Assim na liquidação oficiosa foram inscritos os rendimentos de trabalho dependente (categoria A – art.º 2.º do CIRS) colocados à disposição do Requerente pela sua entidade empregadora, B…, NIPC…, e devidamente declarados por esta última através da declaração DMR/Mod. 10;
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a qual se destina «…a declarar os rendimentos sujeitos a imposto, isentos e não sujeitos, que não sejam ou não devam ser declarados na declaração mensal de remunerações (DMR), auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes no território nacional, bem como as respetivas retenções na fonte.»
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Nela se devendo incluir «Os rendimentos pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares residentes no ano a que respeita a declaração…»
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sendo que «a retenção na fonte efetuada a não residentes deve ser comunicada através da declaração Modelo 30.»
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Sendo certo que no que respeita ao Requerente não consta sistema informático da Requerida qualquer valor declarado com base na declaração Mod. 30.
5.6. Em face do exposto, entende-se que os argumentos do Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice notoriamente erradas.
5.7. Tal como vem ante referido, a 31-12-2014, naquilo que ora nos interessa e naquilo que nos comanda o CIRS no seu art.º 16.º (na redação à data dos factos), o Requerente era residente em Portugal, dispondo uma habitação em condições que, manifesta, inelutável e insofismavelmente, refira-se, faziam supor a intenção daquele em a manter e ocupar com residência habitual, aliás em consonância com o contrato de trabalho celebrado em Portugal, habitação essa que o Requerente ocupou, pelo menos, no hiato temporal decorrido entre a assinatura do contrato de arrendamento e a transferência daquele para o clube espanhol D…, a 31-08-2015.
5.8. Carecem de qualquer sustentáculo argumentativo-juridico os considerandos do Requerente quando argumenta que a liquidação enferma de ilegalidade por violação da CDT celebrada entre Portugal e Espanha.
5.9. Em primeiro lugar, a respeito da sobretaxa extraordinária, veja-se o que dispõe o n.º 4 do art 1.º da CDT: “A Convenção será também aplicável aos impostos de natureza idêntica ou similar que entrem em vigor posteriormente à data da assinatura da Convenção e que venham a acrescer aos actuais ou a substituí-los. As autoridades competentes dos Estados Contratantes comunicarão uma à outra as modificações importantes introduzidas nas respectivas legislações fiscais”, ou seja, sem serem necessárias mais lucubrações, resulta cristalinamente que a sobretaxa de IRS vigente é abrangida pelo âmbito material da Convenção.
5.10. Considerando que estamos numa hipotética situação de conflito de ordenamentos jurídicos na medida em que ambos os Estados Contratantes o consideram como residente nos respectivos Estados, com base na alínea a) do n.º 2 do art. 4 da CDT, o requerente terá sempre de ser considerado residente em Portugal, conquanto que tem uma habitação permanente à disposição em Portugal, e, ainda que se considere que teria uma outra habitação permanente em Espanha, o que não se concede de todo, visto que entre Oviedo e Porto distam mais de 508 Km, e a habitação permanente entre estas duas cidades nunca seria compaginável com as obrigações profissionais do Requerente, sedeados na cidade do Porto, sempre se dirá que o centro de interesses vitais era em Portugal, à data dos factos, na medida em que era em território nacional que o Requerente cumpria o seu contrato de trabalho (com duração de 5 anos) e que habitava com a sua namorada o seu domicílio fiscal (com um contrato de arrendamento celebrado por 11 meses).
5.11.Também por recurso à alínea b) do n.º 2 do art. 4 da CDT, também aqui fenecem as pretensões do Requerente, como ficou provado, era em Portugal que aquele permanecia habitualmente, por força das suas obrigações laborais.
5.12. E por recurso à alínea c) do n.º 2 do art. 4 da CDT, o Requerente não fez prova que permanecesse habitualmente em Espanha.
5.13. Aliás, repisando aquilo que já vem ante mencionado, a permanência habitual em Espanha seria incompaginável com as obrigações laborais do Requerente para com a B…, visto que entre Oviedo e o Porto distam cerca de 508 Km e aquele mantinha em território nacional uma habitação própria permanente, que habitava com a sua namorada.
5.14. Ou seja, para efeitos da Convenção, e mesmo factualmente, o requerente permaneceu permanente e ubiquamente nos dois Estados.
5.15. Em face do exposto deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral.
6. Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo.
6.1.No dia 17-11-2016, pelas 14 horas, teve lugar, na sede do CAAD a audiência de julgamento, nos termos da ata que se dá por reproduzida. Terminada a reunião, por acordo das partes, o tribunal concedeu um prazo de 15 dias para a Requerente e a Requerida apresentarem alegações por escrito e com caráter sucessivo e, em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, designou o dia 11-3-2017 para o efeito da prolação do acórdão.
7. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais.
II. Saneamento
8. 1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.3.O processo não enferma de nulidades.
8.4. Não foram suscitadas exceções.
8.5.Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. Mérito
III.1. Matéria de facto
9. Factos provados
9.1.Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:
a) A 12-07-2014, o Requerente foi contratado ao C…, por um período de 5 anos, no âmbito de um contrato de trabalho desportivo, como jogador profissional de futebol, pelo B…;
b) A 18-07-2014 o Requerente foi inscrito no Serviço de Finanças Porto–…, como residente fiscal em Portugal, com domicilio na Rua …, N.º…, …, …-… Porto;
c) A 28-07-2014 o Requerente celebrou contrato de arrendamento sobre um imóvel sito na Rua…, n.º…, Freguesia de…, Concelho de…, o qual se destinava à «…habitação do ARRENDATÁRIO [Requerente] e seu agregado familiar, não lhe podendo ser dado outro fim…»;
d) O mencionado contrato foi celebrado por um período de 11 meses;
e) O Requerente apresentou a 9-12-2014, via internet, o correspetivo pedido de alteração de morada do domicílio fiscal;
f) Situação que apenas se voltaria a alterar a 12-09-2016 com o pedido de alteração de morada submetido no Serviço de Finanças Porto– … .
g) O Requerente passou a viver na casa arrendada com a
companheira e o filho deslocando-se para a casa que tinha em Oviedo Espanha
ocasionalmente, em particular quando o clube o dispensava, para ir ver os seus familiares mais próximos, pais e irmãos;
h) A 31-08-2015 o Requerente foi cedido a título de empréstimo ao clube espanhol D…;
i) O Requerente nunca entregou a declaração de rendimentos para o ano de 2014;.
j) O Requerente foi notificado, através do ofício n.º …/…, de 01-09-2015, enviado por carta registada para o seu domicílio fiscal à data, nos termos do n.º 3 do art.º 76.º do CIRS, para, no prazo de 30 dias, proceder à entrega da declaração em falta;
k) A 1-09-2015 foi despoletada a Ordem de Serviço autuada com o n.º OI2015…, em virtude do Requerente, enquanto residente em território nacional, não haver tido entregue a declaração de rendimentos referente ao ano de 2014;
l) Através do ofício n.º …/…, de 25-09-2015, enviado por correio registado para o domicilio fiscal do Requerente, este foi notificado do projeto de relatório e para, concomitantemente, exercer, querendo, o direito de audição prévia;
m) O ofício foi devolvido com a indicação dos serviços postais de “objecto não reclamado”;
n) O Requerente foi considerado devidamente notificado, a 28-09-2015, nos termos e para os efeitos da leitura conjugada do n.º 1 do art.º 43.º e do art.º 39.º ambos do RCPIT e do art.º 39.º do CPPT;
o) O Requerente não respondeu ou entregou a declaração em falta, tendo os serviços inspetivos da AT, convolado em definitivas as correções propostas no projeto de relatório;
p) Foi posteriormente emitida a liquidação de IRS n.º 2016…, de 2016/02/15.
9.2. Fundamentação da matéria de facto
A factualidade provada teve por base os documentos juntos ao processo, com exceção do ponto g) que resulta da prova testemunhal. As testemunhas depuseram, no essencial, de forma coerente, sustentada e reveladora de domínio das razões de ciência com relevo para a prestação de informação.
9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
III.2. Matéria de Direito
A questão central a decidir consiste em saber se o Requerente deverá, ou não, ser considerado residente para efeitos fiscais em Portugal no ano de 2014, nos termos e para os efeitos do art. 16.º do Código do IRS.
III.2.1. Sentido e alcance da alínea b) do n.º 1, do art. 16.º do Código do IRS
Para que melhor se compreenda a questão sub judice, cumpre salientar a importância que o conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento.
Cingindo-nos ao Código do IRS, verificamos que a residência é o critério utilizado para determinar o âmbito de aplicação do imposto (cf. art. 15.º), sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal.
Com efeito, a residência, pressupondo uma ligação forte e estável a um território específico, é o critério mais frequente para determinação da tributação universal dos rendimentos.
O n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, e com relevância para o caso em apreço, utilizava mais do que um critério de residência, determinando que: “[s]ão residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados; b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
Verifica-se, assim, que o critério previsto na alínea a) se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam 183 dias no território nacional. A al. b), por outro lado, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados. Repare-se que a existência de critérios de residência puramente artificiais, sem que tenham por base uma conexão efetiva com o território, encontram restrições à sua aplicação ou por via do Direito Internacional Público (Cf. Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 35), ou num momento posterior por via de aplicação dos ADTs (Cf. Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Third Edition, Deventer: Kluwer Law International, 1997, pp. 232-233).
Assim, a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, de forma a que já não seja possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência (Cf. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Lisboa: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 206-207).
Centrando-nos agora na al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS, com maior relevância para o caso concreto – já que não é controvertida a presença do Requerente em Portugal por menos de 183 dias – refere-se usualmente que a referida norma impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: (i) a permanência em Portugal; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.
Naturalmente, tendo por base o corpo do n.º 1 do art. 16.º do CIRS, a verificação dos referidos requisitos deve ter por referência o “ano a que respeitam os rendimentos”, sendo este o espectro temporal durante o qual deve ser verificada a residência.
No que respeita à permanência em Portugal, não será necessário discorrer sobre a verificação desde requisito, já que tanto o Requerente como a Requerida consideram que aquele permaneceu em Portugal durante uma parte do ano de 2014, mas menos de 183 dias.
Relativamente à disposição de uma habitação em Portugal, também se verifica este requisito. Como afirma Manuel Faustino, “(…) não é exigível um título de propriedade da casa, mas tão só um título que legitime a sua utilização, como o arrendamento, o usufruto, o uso e habitação ou o comodato.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 424, 99, pp. 124-125).
Ora, o Contrato de Arrendamento Habitacional com Prazo Certo, junto pelo Requerente como Doc. 14, demonstra cabalmente que este dispunha de um título jurídico bastante para utilizar uma habitação em Portugal.
Importa, então, analisar a verificação do terceiro requisito, a existência de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.
A este respeito verificamos, contudo, que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual.
Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo.
Nas palavras de Alberto Xavier “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).
Uma vez que a intenção a demonstrar se refere à manutenção e ocupação de uma residência habitual, importa determinar, como ponto prévio, o que se entende por residência habitual, para que seja claro que deve resultar da intenção do indivíduo. Ora, o conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art. 16.º deve ser lido como um todo. Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território Português. Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.
A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida. Como já sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.” (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/23/2011, proferido no processo 0590/11), bem como o Tribunal Central Administrativo Sul, referindo que “[o] conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil).” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/11/2012, proferido no processo 05810/12).
Como sustenta Manuel Faustino, o referido critério legal “(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…” op. cit., pp. 124-125 e, no /mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/24/2011, proferido no processo 876/10).
Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286).
Em todo o caso, uma vez que a lei exige, não a existência de uma residência habitual, mas a verificação de condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar uma dada habitação enquanto tal, cumpre aferir da existência de elementos que possam fazer presumir que o Requerente tinha intenção de utilizar a habitação que tinha à sua disposição em Portugal, como residência habitual.
O primeiro elemento a considerar neste contexto deverá ser a declaração do sujeito passivo (ou de alguém em sua representação) perante a Autoridade Tributária e Aduaneira (uma entidade oficial), de que pretende ser considerado residente em Portugal. Repare-se que a declaração de que a residência de uma dada pessoa se situa em Portugal não poderá ser efetuada de ânimo leve, já que deste elemento decorre a aplicação de um acervo importante de direitos e obrigações, não apenas de natureza fiscal.
Por outro lado, não se trata aqui de um entendimento formalista que pretende fazer resultar da existência de um documento todo um resultado de substância. Na verdade, nos termos do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, que instituiu o número de identificação fiscal (“NIF”), bem como as condições da sua atribuição, a inscrição para efeitos de atribuição do NIF deve ser efetuada a pedido do cidadão interessado, seu representante ou gestor de negócios, mediante declaração verbal de todos os elementos identificativos relevantes ao respetivo registo, entre os quais o domicilio fiscal e o estatuto fiscal, de acordo com as regras de conexão de residência previstas no Código do IRS (Cf. al. c) do n.º 1 do art. 9.º). Ora, uma declaração do contribuinte de que se qualifica como residente para efeitos do Código do IRS, deve considerar-se uma manifestação inequívoca da intenção que subjaz à sua permanência em Portugal. Não haverá, com efeito, qualquer outra forma mais clara ou direta de aferir a intenção de um sujeito passivo do que a vontade manifestada por este (ou em representação deste, por quem tinha poderes bastantes para esta representação). Repare-se que, tendo a inscrição como residente sido efetuada em meados de julho, nunca a residência em Portugal poderia decorrer da aplicação da al. a) do n.º 1 do art. 16.º do CIRS, i.e., a permanência em Portugal por mais de 183 dias. A qualidade de residente só poderia, assim, resultar, da aplicação da al. b) do referido artigo, ou seja, da disposição, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
Assim, uma declaração em que se manifesta a intenção de residência e que, ademais, não foi objeto de retificação, faz indubitavelmente supor a intenção de manter e ocupar um determinado local em Portugal como residência habitual. Ainda que não se seja este o único elemento a valorar, a referida declaração deverá, seguramente, ser tida em devida consideração.
No mesmo sentido, ou seja, valorizando como elemento determinante da intenção, declarações dos contribuintes com relevância fiscal, o Tribunal Central Administrativo Sul, em Acórdão, de 07/02/2012, proferido no processo 05350/12 determinou que “(…) dispunha, no dia 31 de dezembro, de habitação, relativamente à qual manifestou, expressa e inequívoca, intenção de ocupar e manter como residência habitual, própria e permanente, mediante pedido de isenção de IMI que formalizou, junto das autoridades tributárias portuguesas, em 27.11.2007, é inatacável a conclusão de que aquele, no visado ano, tinha residência em Portugal, pelo preenchimento dos requisitos exigidos no art. 16.º n.º 1 al. b) CIRS.”.
Da mesma forma também no processo n.º 64/2012-T, de 05/30/2013, proferido no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) se determinou que “[n]a verdade, perante os factos provados (o Requerente encontrava-se cadastrado como residente e a sua entidade patronal realizou a retenção do imposto à taxa aplicável às remunerações de trabalhadores residentes), a conclusão apresentava-se clara: o contribuinte era residente fiscal em Portugal, sendo assim sujeito passivo de IRS como residente fiscal em Portugal e sujeito às retenções na fonte nessa condição.”.
Vários elementos adicionais devem, contudo, ser considerados:
Desde logo, as características e termos específicos do Contrato de Arrendamento permitem supor uma presença qualificada em Portugal, e não uma permanência passageira. Trata-se, com efeito, de um contrato com uma duração 11 meses, para a habitação não apenas do Requerente mas também do seu agregado, neste se prevendo a renovação automática por períodos de 11 meses se nenhuma das partes se opuser à renovação. Este tipo de formulação aponta para intenção de permanecer num local por um período de tempo significativo e não para uma permanência ocasional.
Repare-se que o próprio Requerente, aquando da sua identificação no referido contrato de arrendamento, indica uma morada Portuguesa e não, como seria expectável relativamente a um não residente, a sua residência habitual fora de Portugal, facto que também deverá ser valorado.
Por outro lado, as características concretas em que é utilizada a habitação poderão contribuir de forma decisiva para formar a convicção sobre a intenção que presidia à utilização da mesma. São, assim, relevantes, elementos objetivos tais como a existência de mobiliário suficiente a uma habitação condigna, ou a casa manter ligações ativas, por exemplo, às redes de água, eletricidade, gás, internet, telefone (casa pronta a habitar). Ora, nenhuma prova foi apresentada no sentido de demonstrar que a habitação locada e à disposição do Requerente não se encontrava pronta a habitar, sendo de presumir o contrário já que é o próprio Requerente que admite nela ter residido durante grande parte do ano de 2014 (Cf. art. 72.º do pedido de pronúncia arbitral).
Também a utilização da morada para efeitos de recebimento de correspondência de natureza diversa deverá ser objeto de devida ponderação. Neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 09/17/2015, proferido no processo 00546/10.2BEVIS, refere que “(…) é sabido, pelas regras da experiência comum, que em documentos oficiais e particulares, é norma a indicação da morada correspondente à respectiva residência habitual (…).”. A este respeito, o contrato de arrendamento supra identificado indica o locado como local de recebimento de correspondência.
Por outro lado, devem ainda ser analisados elementos subjetivos tais como as razões que levaram o indivíduo a ocupar determinado local ou até a permanência na mesma residência de outros familiares. Ora, as razões que levaram o Requerente a ocupar uma casa em Portugal foram a celebração de um contrato de trabalho desportivo que, pela sua duração, fazia pressupor a continuidade da sua presença em Portugal, não apenas durante o ano de 2014, mas pelo menos até junho de 2019.
Repare-se que a intenção que se pretende aferir, na al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS, não é uma intenção de, no futuro, ocupar, ou não, a habitação como residência atual, mas sim, como refere Manuel Faustino uma intenção atual (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…op. cit.”p. 125), que deve ser aferida mediante manifestações externas dessa vontade.
Assim, ainda que no seu íntimo o Requerente pudesse não pretender ficar em Portugal por um período significativo, sempre em busca de melhores oportunidades de trabalho noutros clubes, tanto a celebração de um contrato de arrendamento com o conteúdo acima descrito, como os elementos de facto que decorrem da utilização do locado, como a celebração de um contrato de trabalho desportivo até 2019 são elementos capazes se fazer supor essa intenção. Adicionalmente, e como foi já decidido em diversos processos no presente Centro de Arbitragem (e.g. processo n.ºs 64/2012-T de 05/30/2013, n.ºs 37/2003-T, de 11/29/2013, 63/2014-T, de 09/15/2014), nos termos do disposto no n.º 1, do art. 74.º da LGT “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”, determinando o n.º 1 do art. 342.º do Código Civil que “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Assim, o ónus de provar a residência fora de Portugal cabia ao sujeito passivo, que não fez prova bastante desse facto. Resulta, aliás, da experiência comum considerar que alguém que passa a ser jogador de um clube de futebol (o B… ), que representa em competições e treinos, que vive no Porto com a sua namorada, é residente em Portugal.
Para efeitos da lei interna Portuguesa, em especial do Código do IRS, entende-se, assim, que o Requerente deve ser considerado residente em Portugal durante todo o ano de 2014, uma vez que cumpre os requisitos previstos al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS.
Importa relembrar que, por razões de simplicidade e procurando prevenir situações de dupla não tributação, o Código do IRS estabelecia à data dos factos, como refere Gustavo Lopes Courinha uma “unidade temporal da residência de âmbito anual” (Cf. Gustavo Lopes Courinha, A Residência no Direito Internacional Fiscal, Coimbra: Almedina, 2015, pp. 98-99). A qualidade de residente, aferida a 31 de dezembro de cada ano, implicava, à data dos factos, a residência durante a totalidade do período de imposto. Conforme refere ainda Gustavo Courinha “[n]o Direito Português, uma vez obtida e independentemente do momento em que tal ocorra, a qualidade de residente expande-se para todo o ano, contaminando os rendimentos auferidos pelo sujeito nesse ano, antes ou depois da outorga daquela qualidade, de acordo com o respectivo regime impositivo e segundo uma base universal.” (Cf. Gustavo Lopes Courinha, A Residência…op. cit., p. 102).
Apenas com a reforma do Código do IRS, operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, se passou a aceitar expressamente a residência parcial, pelo que, para efeitos da lei Portuguesa, repete-se, o Requerente foi residente fiscal em Portugal durante todo o ano de 2014.
Desta feita, sendo o Requerente considerado residente de acordo com a lei Portuguesa e, simultaneamente, de acordo com a lei Espanhola, já que este foi tributado como residente em Espanha (Cf. Doc. 16 junto pelo Requerente). Estamos, assim, em face de uma situação de dupla residência que deverá impor o recurso à Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha (“CDT”).
III.2.2. Da aplicação da CDT entre Portugal e Espanha
Embora a definição de residente seja feita com recurso aos critérios estabelecidos pela lei interna de cada Estado, como refere Rui Duarte Morais “[a]s convenções internacionais sobre dupla tributação aceitam tal competência (…) limitando-se a estabelecer regras de «desempate» que permitem qualificar um contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos (por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal.” (Cf. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Coimbra: Almedina, 2016, 3.ª Edição, p. 12.).
O artigo 4.º da CDT procura, precisamente, resolver situações de dupla residência, em que alguém tem “contactos prolongados com mais de uma ordem jurídica” (Cf. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2007, pp. 339-340), através de diversas regras especiais (de desempate) cuja aplicação determinará a residência em apenas um dos Estados que reclamam a residência fiscal de um determinado sujeito passivo.
Nos termos do n.º 2 do art. 4.º do CDT, “[q]uando, por virtude do disposto no n.º 1, uma pessoa singular for residente de ambos os Estados Contratantes, a situação será resolvida como se segue:
“Será considerada residente do Estado Contratante em que tenha uma habitação permanente à sua disposição (…)”.
A este respeito sempre será de referir que, durante o ano fiscal, o Requerente dispôs de uma habitação permanente tanto em Portugal como em Espanha. Na verdade, pelo menos a partir da celebração do Contrato de Arrendamento o Requerente passou a dispor de uma habitação permanente em Portugal, dispondo simultaneamente de uma residência à sua disposição em Espanha, como aliás, procurou demonstrar no art. 73.º do pedido de pronúncia e na prova testemunhal.
Continua o artigo dizendo que “Se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente apenas do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais);”
Ora, tendo em atenção o período relevante – o ano de 2014 - não será possível identificar um único centro de interesses vitais, mas dois centros de interesses vitais sucessivos: em Espanha, enquanto aí residia e trabalhava, em Portugal a partir da sua transferência – desportiva e pessoal – para o Porto ocorrida em Julho. Do que se trata no caso sub judice é de uma sucessão, uma substituição de um Estado por outro, não podendo ser identificado, em 2014, um mas dois centros de interesses vitais.
Dispõe então a al. b) do n.º 2 do art. 4 da CDT que:
a) Se o Estado em que tem o centro de interesses vitais não puder ser determinado (…) será considerada residente apenas do Estado Contratante em que permaneça habitualmente;
A este respeito, salienta o comentário 17. ao art. 4.º do Modelo de Convenção Fiscal Sobre o Rendimento e o Património que “(…) em caso de dúvida quanto ao local onde o interessado tem o seu centro de interesses vitais, faz inclinar o prato da balança para o lado do Estado em que permanece com maior frequência. Para este efeito, devem ser tomadas em consideração as estadas efectuadas pelo interessado não apenas na sua habitação permanente no Estado em causa, mas também em qualquer outro ponto dentro do mesmo Estado.”. Durante o ano de 2014 o Requerente passou mais tempo em Espanha do que em Portugal, quer por força da data em que mudou efetivamente a sua residência para Portugal, quer por força das deslocações regulares que foi efetuando a Espanha no mesmo período (de acordo com a prova testemunhal).
Para Klaus Vogel que “[c]ontrariamente ao que indica o Comentário ao Modelo de Convenção, o que faz pender o fiel da balança não deveria ser, contudo, meramente o local onde o indivíduo «permanece mais frequentemente» (MC Comm., loc. cit.). O que deveria ser determinado é onde o contribuinte vive normalmente.” (Cf. Klaus Vogel, On Double Taxation…op. cit., pp. 252-253). Ora, mesmo que se adotasse uma posição mais próxima do que defende Vogel, e se entendesse não ser absolutamente clara a prevalência da jurisdição espanhola, seria então aplicável o critério previsto na al. c) do n.º 2 do art. 4.º da CDT, que determina que “[S]e permanecer habitualmente em ambos os Estados, ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada residente apenas do Estado de que seja nacional;”
Deste modo, sendo o Requerente um indivíduo de nacionalidade Espanhola a residência em Espanha deverá prevalecer sobre a residência em Portugal.
Acresce que, não obstante o Comentário 10 ao art. 4.º do Modelo de Convenção OCDE apontar para um possível critério de partição do ano fiscal, não apenas Espanha apresentou observações à aplicação do referido comentário, como, na verdade, não parecem restar dúvidas da aplicação das regras de desempate acima referidas, não havendo necessidade de procurar soluções alternativas.
Assim sendo, não obstante concluirmos que o Requerente reside, para efeitos fiscais em Portugal, por aplicação da lei doméstica Portuguesa (al. b) do n.º 1, do art. 16.º do Código do IRS), consideramos, contudo, que a CDT celebrada entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha obstam a que Portugal possa tributar os rendimentos auferidos pelo Requerente, na medida em que resolve o conflito positivo de residências fiscais a favor de Espanha. Ou seja, no ano de 2014 o Requerente é considerado residente fiscal em Espanha e não-residente fiscal em Portugal.
Termos em que a liquidação sub judice é ilegal e, como tal, deve ser anulada.
III.2.3. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de anular a totalidade da liquidação impugnada com base nos fundamentos expostos em III.2.2., fica prejudicado, por inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento dos restantes vícios arguidos.
IV. Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal em julgar procedente o pedido arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação de IRS com o n.º 2016…, de 2016/02/15, relativa ao exercício de 2014, no valor total de € 134.917,71, com a consequente anulação.
V. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 134.917,71
VI. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 3.060,00
Notifique-se.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2017
Os árbitros,
Fernanda Maçãs (presidente)
João Taborda da Gama
André Bacelar Gonçalves