Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 514/2016-T
Data da decisão: 2017-02-15  IMT  
Valor do pedido: € 1.367,93
Tema: IMT - Isenção prevista no artigo 270.º do CIRE; Insolvência de pessoa singular
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DECISÃO ARBITRAL

1. RELATÓRIO

 

1.1 O A…, S.A., pessoa coletiva número …, com sede na …, …, no ..., veio, aos 26.08.2016, requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante RJAT) e do artigo 99.º do CPPT.

 

1.2. É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 18 de novembro de 2016.

1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a anulação do ato de liquidação de IMT constante do documento n.º … no valor de 1.367,93€, relativo à aquisição do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito sob o artigo …º na matriz predial da Freguesia de …, concelho de ..., que realizou no âmbito de processo de insolvência de B… e C… a correr termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... sob o nº… , liquidação e prédio que estão melhor identificados quer no pedido da Requerente quer no processo administrativo e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete

A liquidação foi objeto do Processo de Reclamação Graciosa que recebeu o número n.º…2016… . 

A Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações com base no disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, que concede uma isenção que, na interpretação que considera ser a boa, abrange também os imóveis transmitidos no âmbito de plano de insolvência ou de operações de liquidação da massa insolvente, por venda ou permuta, quando não integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou estabelecimento.

Pelo que a liquidação é, no seu entender, ilegal e peticiona, consequentemente, a sua anulação.

Mais peticiona a Requerente a condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas por força das liquidações em crise, acrescidas dos juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas vencidos contados até à data do reembolso.

 

1.5 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu aos 21.12.2016 e veio, na mesma data, juntar aos autos o processo administrativo.

 

Na resposta apresentada, a Requerida defendeu-se por impugnação, sustentando que a interpretação que a Requerente faz da citada norma do CIRE é errada.

 

Designadamente, diz, porque “esta isenção, já anteriormente prevista, abrange todos os atos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva de o insolvente ser uma empresa ou estabelecimento”.

 

Ora, continua, “os insolventes, o sujeito passivo (SP) B…, NIF … e C… NIF…, a quem o Requerente adquiriu o imóvel, são pessoas singulares”, que a atividade do SP B… cessou em 30.11.2011 e, a do SP C…, em 28.04.2004, pelo que, “na data da transmissão do imóvel (11.12.2013), há muito que os SPs não exerciam a atividade declarada, não se dedica a nenhuma atividade industrial, comercial ou agrícola, sendo assim sujeitos passivos singulares”.

 

Pelo que a Requerida conclui que deve ser julgado improcedente o pedido.

1.6 Notificadas do despacho proferido pelo Tribunal em 18.01.2017 no sentido de ser sua intenção dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações, as partes não vieram opor-se. 

 

2. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.9 do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

3. MATÉRIA DE FACTO

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

1) A Requerente adquiriu o prédio urbano, destinado a habitação, inscrito sob o artigo …º na matriz predial da Freguesia …, concelho de ..., por adjudicação, dada a qualidade de credor reclamante e detentor de garantia real (hipoteca), de 11.12.2013 no processo de insolvência de B… e C… a correr termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... sob o nº…;

 

2) A requerida notificou a Requerente da sua intenção de proceder à correção da liquidação e IMT que precedeu aquela adjudicação e notificou-a, de seguida, da liquidação datada de 11.12.2015 e com prazo de pagamento até 14.12.2015; 

 

3) A Requerente apresentou, em 21.03.2016, reclamação graciosa daquele ato de liquidação, na qual peticionou lhe fosse reconhecida a isenção prevista no artigo 270.º do CIRE;

4) A reclamação graciosa foi – precedida do direito de audição – indeferida por despacho de 20.07.2016, notificado à Requerente por ofício datado de 22 do mesmo mês;

 

Factos não provados

Não se provou que os insolventes exercessem atividade comercial.

 

Não se provou, bem assim o imóvel estivesse afeto a qualquer atividade comercial que tivessem exercido.

 

A prova destes factos cabia à Requerente, por ser matéria constitutiva do direito a que se arroga, designadamente, à isenção prevista no artigo 270.º do CIRE.

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos fundou-se nos factos alegados pela própria Requerente e, bem assim, na prova documental junta pela Requerente e no processo administrativo junto pela Requerida, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionados.

 

4. QUESTÃO DECIDENDA: DA APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ARTIGO 270.º DO CIRE ÀS AQUISIÇÕES DE IMÓVEIS DESTINADOS A HABITAÇÃO EM INSOLVÊNCIA DE PESSOAS SINGULARES

 

Cumpre então decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral sobre a legalidade da liquidação de IMT sub judice.

Vejamos:

Está em causa apreciar a legalidade do ato de liquidação que não aplicou a isenção prevista no artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas à aquisição de imóvel efetuada pela Requerente no âmbito do processo de insolvência de duas pessoas singulares sem atividade comercial.

Este artigo 270.º deste Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece, na redação atual, o seguinte:

 Artigo 270.º

Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis

 1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

As dúvidas interpretativas advêm da falta de clareza do texto deste n.º 2. Levanta-se, nomeadamente, a questão de saber se a referência a venda se reporta apenas à venda da empresa ou de estabelecimentos nela integrados ou abrange quaisquer imóveis, matéria sobre a qual existe já vasta jurisprudência quer do CAAD quer dos Tribunais Judiciais em especial ao que poderíamos denominar de amplitude da isenção de imposto aí prevista.

 

Tal jurisprudência tem vindo a entender que resulta da letra do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que o legislador incluiu na previsão da norma, não só a transmissão global do património da empresa insolvente, mas também a transmissão parcelar desse património, correspondente a um ou mais estabelecimentos da empresa insolvente e mesmo correspondente a meros imóveis (ainda que não estabelecimentos).

 

Levanta-se ainda – e no que releva para o caso em apreço – a questão de saber se a isenção se estende às aquisições de imóveis efetuadas em processo de insolvência de pessoas singulares, designadamente, quando estas não têm atividade comercial ou quando, tendo-a, o imóvel adquirido não está afeto a essa atividade.

Sobre essa questão, pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente, na decisão citada pela Requerida [1] na sua resposta e, bem assim, no Acórdão de 25.06.2013, proferida no processo 0866/13, na qual foi Relator o Conselheiro Francisco Rothes, cujo sumário se transcreve:

«I – De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do ativo da empresa. II – Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de atos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o ativo de uma empresa[2].

 

            Também neste CAAD, no Tribunal constituído no processo 13/2016, ainda que em sede de imposto de selo, se pronunciou no sentido de que a isenção [de IS prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE] só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares.

            É este o entendimento que nos parece corresponder à melhor interpretação da norma do artigo 270.º do CIRE: sendo o insolvente pessoa singular sem atividade comercial ou quando, tendo-a, o imóvel adquirido não ter sido afetado àquela atividade.

            Isto, porque se trata de uma norma que consagra um benefício fiscal, de natureza excecional, que não permite a aplicação analógica (não a mera interpretação extensiva) que, neste caso, se teria de fazer para que a isenção pudesse ser aplicada ao caso sub judice.

 

6. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido da Requerente.

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em 1.367,93€ (mil, trezentos e sessenta e sete euros e noventa e três cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

O montante das custas é fixado em 306,00€ (trezentos e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 15 de fevereiro de 2017

 

O Árbitro

 

 

 

(Eva Dias Costa)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.