Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 318/2016-T
Data da decisão: 2017-02-03  Selo  
Valor do pedido: € 48.405,08
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS.
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Decisão Arbitral

 

 

I.       RELATÓRIO

 

1.1.       A…, S.A., NIPC…, com sede na…, n.º…, …, …, …-… Maia (adiante designado por “Requerente”), veio requerer, em 09-06-2016, a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação do IMPOSTO DE SELO previsto na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo relativos ao ano de 2015 e com referência aos prédios urbanos inscritos na matriz sob o artigo U-… e U-…, da freguesia de …, concelho do Porto, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

 

1.2.       A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral anule os atos de liquidação de Imposto de Selo impugnados, e que declare o erro imputável aos Serviços, ordenando o reembolso do imposto pago, bem como as demais prestações, acrescido de juros indemnizatórios.

 

1.3.       O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-07-2016.

 

1.4.       Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 19-08-2016, não tendo as Partes manifestado vontade de recusar essa designação.

 

1.5.       Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 05-09-2016.

 

1.6.       No Requerimento Arbitral, por si oferecido, a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      Considerando que a Verba 28 da TGIS incide sobre "prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI", os prédios serão considerados como tais desde que preencham os pressupostos do artigo 6º do Código do IMI, ou seja, desde que os imóveis em causa sejam efetivamente "terreno para construção", e desde que a construção cuja edificação foi autorizada e/ou prevista se destine a habitação;

b)      No que diz respeito aos projetos aprovados relativamente aos artigos matriciais urbanos em apreço não se encontram apenas afetos a habitação nos termos do Código do IMI, pelo que apesar de haver uma autorização para construção de edificação para habitação, os mesmos também se encontram afetos a comércio e a serviços, bem como a estacionamento coberto;

c)      Assim, conclui-se que ocorreu um erro quanto aos pressupostos da liquidação, dado que a Requerida liquidou Imposto do Selo sobre imóveis que se enquadram, de acordo com a sua espécie nos termos do Código do IMI como "terreno para construção", mas que se encontram afetos a habitação, serviços, comércio e a estacionamento coberto, quando é certo que a norma de incidência real tipifica como facto gerador, no caso dos mesmos terrenos para construção, a edificação autorizada ou prevista unicamente para habitação, nos termos do Código do IMI;

d)      Acresce que o legislador, com a Lei 55-A/ 2012 e com a alteração à TGIS, pretendeu, num quadro de emergência nacional, tributar os contribuintes titulares de capacidade contributiva acrescida, mediante a tributação de imóveis de luxo;

e)      Na opção do legislador são imóveis de luxo aqueles que, tendo afetação habitacional ou tendo edificação autorizada ou prevista para habitação, nos termos do Código do IMI, tenham um VPT superior a €1.000.000;

f)       Ora, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI não são considerados bens de luxo, porquanto os mesmos constituem meras expectativas jurídicas, pelo que são considerados bens de investimento afetos a operações de promoção imobiliária;

g)      Em sede fiscal, o que se pretende é tributar a capacidade contributiva, evidenciada pelo sujeito passivo, e não uma mera expectativa jurídica, como se verifica nos presentes autos;

h)      O facto de agora a Requerida pretender liquidar Imposto de Selo nos termos da Verba 28.1 da TGIS relativamente a bens de investimento revela uma clara violação do princípio constitucional da igualdade e da capacidade contributiva;

i)       Para além de ilegais por erro quanto aos pressupostos, a liquidação recorrida é igualmente ilegal por vício de fundamentação;

j)       Assim, para sustentar a liquidação em causa, a AT teria de invocar que estamos perante um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI;

k)      Para além de se afirmar que tal não corresponde à verdade porquanto os atos de liquidação padecem de erro quanto aos pressupostos em que assentam, do ponto de vista formal é evidente que os atos liquidados carecem de fundamentação, pelo que são ilegais;

l)       Analisando as notas de liquidação de Imposto de Selo em causa, conclui-se que a fundamentação nelas contidas é inexistente, não permitindo ao contribuinte, ou a um destinatário normal, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Requerida;

m)   Os atos objeto de pedido de pronúncia arbitral estão feridos de ilegalidade que, nos termos do artigo 99.º do CPPT gera a sua anulabilidade;

n)      Tendo uma atuação ilegal da Requerida determinado o pagamento indevido do imposto, tem o contribuinte direito a ser indemnizado pela lesão que esse pagamento lhe causou, na medida em que os montantes pagos se tornaram para si improdutivos;

o)      Assim, a Requerente tem direito à devolução das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios contados nos termos do artigo 43º da LGT;

p)      Nestes termos, deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado provado e consequentemente procedente, e serem anulados os atos de liquidação de Imposto de Selo objeto do pedido;

q)      Deve também ser declarado o erro imputável aos Serviços e ordenado o reembolso do Imposto de Selo pago bem como as demais prestações, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

1.7.       A Requerida apresentou Resposta, onde apresenta defesa por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

 

a)      Contrariamente ao pretendido pela Requerente, o alvará de licenciamento dos prédios causa confirma que as edificações a construir serão prevalentemente destinadas a residências, pelo que se subsumem cabalmente a definição de terreno para construção para efeitos da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei 83-C/2013;

b)      As liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 83-C/2013, que expressamente prescreve que os terrenos para construção como elemento objetivo de incidência da norma, pelo que falece necessariamente qualquer tentativa de chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da Lei;

c)      O ato tributário de liquidação da verba 28.1 da TGIS tem caráter periódico, a sua liquidação é feita anualmente, com base em elementos pré-estabelecidos na matriz, e as liquidações, notificações e prazos de pagamento dos respetivos documentos de cobrança seguem, com as necessárias adaptações, as regras previstas para o IMI;

d)      Todos os elementos – identificação fiscal do contribuinte, ano de imposto, identificação do prédio, ano de imposto, taxa, VPT, coleta e imposto a pagar – estão expressos nas notas de cobrança para pagamento, inexistindo qualquer procedimento administrativo subjacente a cada ato de liquidação, pelo que não há qualquer violação do dever de fundamentação;

e)      Não se vê, nem a Requerente logrou demonstrar, como, e em que medida, o ato de liquidação sob impugnação violou o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa na vertente da capacidade contributiva;

f)       O legislador, com a Verba 28.1 da TGIS, introduziu um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre os prédios urbanos com afetação habitacional, de mais elevado valor, ditos de luxo, e que se traduziu na fixação de um valor mensurável – o Valor Patrimonial Tributário igual ou superior a € 1.000.000,00;

g)      O critério legislativo assentaria no facto de a propriedade de imóveis afetos a habitação de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 demonstrar uma superior capacidade contributiva do respetivo proprietário na medida em que pressupõe meios financeiros suscetíveis de serem mobilizados na aquisição de um único imóvel naquele valor para sua habitação própria;

h)      A norma da Verba 28.1 não pode deixar de se enquadrar no objetivo expresso do legislador de onerar adicionalmente os prédios habitacionais de valor mais elevado na consecução de repartir, para além dos titulares de rendimentos e pensões, também pelos titulares de determinado património imobiliário, os sacrifícios impostos pela austeridade numa conjuntura económica e financeira concreta do país;

i)       É neste enquadramento que se pode aferir a conformidade da Verba 28.1 com o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva;

j)       Nestes termos, deve ser julgado improcedente o presente pedido arbitral, com todas as legais consequências.

 

1.8.       Por despacho de 14-11-2016, este Tribunal Arbitral, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e tendo em conta que não foram suscitadas exceções, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, e definiu o dia 05-02-2017 como prazo limite para prolação da decisão arbitral;

 

1.9.       Em sede de alegações finais, a Requerente pugnou, no essencial, pela posição que sustentou no pedido de pronúncia arbitral.

 

1.10.   A Requerida não apresentou alegações finais.

 

 

***

 

 II.     SANEADOR

 

2.1. Não foram invocadas exceções.

2.2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2.3. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

 

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

        Julgam-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano situado no Lugar … (Estrada …) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/… da freguesia de … e inscrito na competente matriz predial urbana com o artigo … (cf. Docs. 3 e 4);

b)      A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano situado no Lugar da … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/ … da freguesia de … e inscrito na competente matriz predial urbana com o artigo … (cf. Docs. 5 e 6);

c)      Os referidos prédios urbanos foram objeto de uma operação de loteamento tendo sido emitido, nesse âmbito, em 18/08/2008, o alvará de licença de loteamento n.º ALV/…/…/DMU (Processo n.º …/ …/ CMP) em nome da Requerente;

d)      De acordo com o referido alvará de loteamento, os artigos urbanos inscritos na supra mencionada matriz predial urbana sob os artigos … e … que correspondem aos referidos Lote 1 e 2, respetivamente, têm uma edificação autorizada e/ou prevista, nos termos do Código de Imposto Municipal sobre Imóvel, para habitação, comércio, serviços e estacionamento coberto, conforme o seguinte quadro síntese, constante do referido alvará de licença de loteamento:

 

e)      A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo nos termos da Verba 28.1 da TGIS relativamente ao artigo U-… (Doc. n.º 1), bem como por referência ao artigo U-… (Doc. n.º 2), conforme tabela abaixo:

Descrição prédio

Ano

Data de liquidação

Valor do ato

tributário

…-…

2015

2016-4-05

€28.577,14

…- …

2015

2016-4-05

€19.827,94

 

f)       As referidas liquidações ascendem ao valor total de €48.405,08, já integralmente pago pela Requerente.

 

§2. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem outros factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

III.2.  MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questões decidendas

A questão principal a decidir no caso sub judice é a que se prende com saber se a regra de incidência contida na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo é aplicável a terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, tenha uma afetação mista – para habitação, comércio, serviços e estacionamento coberto.

Uma outra questão é a que se prende com saber se os atos de liquidação impugnados enfermam do vício de violação do dever de fundamentação.

A Requerente suscita também, a título incidental, a questão relativa à alegada inconstitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da TGIS por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Em função do sentido da decisão das questões mencionadas supra, importará ainda saber se a Requerente tem direito à reposição do imposto pago e a juros indemnizatórios.

 

§2. Regime legal e respetiva aplicação ao caso sub judice

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

•    28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

•    28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

Posteriormente, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção, nos seguintes termos:

«28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %».

A alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, entrou em vigor no dia 01/01/2014, sendo aplicável ao período de tributação a que diz respeito a liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

O texto da norma contida na Verba 28.1 da TGIS evidencia, de forma inequívoca, que o legislador apenas pretendeu atingir os imóveis com afetação habitacional, excluindo, portanto, os imóveis com outras afetações.

Tal sentido resulta também claramente do texto da Proposta de Lei nº 96/XII – 2ª, de 21/09/2012, em que se fundamenta a criação da taxa sobre propriedades habitacionais de valor mais elevado, afirmando-se que “… será criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial seja igual ou superior a um milhão de euros”.

Como bem refere a Requerida na sua resposta, “[o] critério legislativo assentaria no facto de a propriedade de imóveis afectos a habitação de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 demonstrar uma superior capacidade contributiva do respectivo proprietário na medida em que pressupõe meios financeiros susceptíveis de serem mobilizados na aquisição de um único imóvel naquele valor para sua habitação própria”.

Deste modo, conclui-se que um imóvel de valor superior a um milhão de euros, mas com afetação não habitacional, não está sujeito à regra de incidência objetiva prevista na Verba 28.1 da TGIS.

E o que dizer, então, quanto aos terremos para construção cuja edificação, prevista ou autorizada, tenha afetação mista – habitacional e não habitacional?

O valor relevante para efeitos de aplicação da norma da Verba 28.1 da TGIS é o que for determinado nos termos do disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

Assim, no caso vertente importa atender à norma prevista no artigo 45.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, sob a epígrafe “Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção”, cujo texto é o seguinte:

«1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.»

           

O legislador não prevê que na determinação do VPT de um terreno para construção sejam considerados os fatores de afetação para cada um dos fins previstos para a edificação prevista ou autorizada.

Como referem SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS, em anotação ao artigo citado, «[o] valor patrimonial dos terrenos para construção depende, em primeiro lugar e no essencial, da área de construção que for autorizada para esse terreno, valor esse que terá de situar-se entre 15% e 45% do valor da edificação autorizada. Em segundo lugar é também relevante o coeficiente de localização onde o terreno se encontra, uma vez que o valor da edificação depende, em grande medida, deste coeficiente. Finalmente, caso a edificação não ocupe todo o terreno e haja uma parte sobrante, esta terá igualmente repercussão no seu valor» [Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 214].

Deste modo, no caso dos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista com afetação mista, habitacional e não habitacional, a lei não prevê o cálculo da parte do VPT do terreno para construção correspondente à afetação habitacional, pelo que fica inviabilizada a possibilidade de aplicação da norma contida na Verba 28.1 da TGIS relativamente àqueles.

E também não existe qualquer base legal que permita à Requerida aplicar um critério de afetação preponderante. Não existe qualquer fundamento legal que permita afirmar que que sendo a área com afetação habitacional maioritária deve prevalecer esta afetação para efeito de aplicação da verba 28.1 da TGIS. Outros critérios seriam possíveis, como por exemplo o da consideração do VPT na proporção da área com afetação habitacional.

A verdade é que o legislador não prevê qualquer critério que permita aplicar a norma contida na Verba 28.1 da TGIS a terrenos para construção cuja edificação, prevista ou autorizada, tenha afetação mista. Nem em sede de Imposto do Selo, nem em sede de IMI. E não pode o intérprete substituir-se ao legislador na definição de um critério, sob pena de violação do princípio da legalidade fiscal.

Esta é, além do mais, o sentido interpretativo mais conforme com a Constituição da República, em particular com o princípio da capacidade contributiva, ínsito no princípio da igualdade. Com efeito, a interpretação adotada pela Requerida traduzir-se-ia numa tributação igual de situações materialmente distintas – imóveis com afetações diferenciadas –, reveladores de diferentes níveis de capacidade contributiva. A capacidade contributiva revelada por um imóvel de VPT igual ou superior a um milhão de euros afeto a habitação do sujeito passivo não revela idêntica capacidade contributiva à de um terreno para construção que poderá vir a ter uma edificação com várias frações, em propriedade horizontal, cada uma delas com VPT inferior a um milhão de euros, e com afetações diferenciadas. Por essa razão, o legislador circunscreveu a aplicação da Verba 28.1 da TGIS aos imóveis com afetação habitacional, o que, no quadro normativo aplicável, só poderá significar exclusiva afetação habitacional.

Deste modo, conclui-se que a norma contida na Verba 28.1 da TGIS não incide sobre terrenos para construção que não tenham afetação exclusivamente habitacional.

Assim, forçoso se torna concluir que, no caso vertente, os atos de liquidação impugnados foram praticados com base em erro quanto aos respetivos pressupostos, sendo por isso ilegais e devendo ser anulados.

Não há, pois, necessidade de este Tribunal se pronunciar sobre os demais vícios alegados pela Requerente.

§3. Pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

[…]

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido

[…]».

No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Assim, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, há lugar a reembolso do imposto pago na sequência dos atos de liquidação ilegais que são objeto do presente processo.

Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso sub judice, as liquidações enfermam de erro imputável à Requerida, pelo que se julga procedente o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser calculados pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução da presente decisão arbitral.

 

IV. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a)       Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Declarar a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo que são objeto do presente processo;

c)       Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto, até integral reembolso, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €48.405,08.

 

VI.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2 142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 03 de fevereiro de 2017

O Árbitro

 

 

 Paulo Nogueira da Costa