DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1 A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua dos…, n.º…, em Lisboa, veio aos 22.07.2016, ao abrigo ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º s 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição do tribunal arbitral.
1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, disso notificando as partes.
1.4 A 04.10.2016, veio a Requerente pedir a modificação objetiva da instância e a ampliação do objeto do pedido por forma a incluir-se no pedido de pronúncia arbitral a segunda prestação da liquidação de imposto de selo em crise, da qual, entretanto, havia sido notificada.
1.5 O Tribunal foi constituído a 18 de Outubro de 2016.
1.6 O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a legalidade da liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo referente ao ano de 2015, no valor de 23.299.90€, emitida em 05.04.2016, respeitante ao prédio sito na Avenida do … e Rua …, lote n.º…, freguesia de …, município de Lisboa, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …/… e inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo….º, com o valor patrimonial tributário, fixado em 27.02.2013, de 2.329.990,00€, estando em apreciação a questão de a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) incidir ou não sobre prédios sem afetação habitacional, nomeadamente terrenos para construção.
Muito sumariamente:
A Requerente manifesta a sua discordância com o despacho de indeferimento e com a liquidação de imposto em crise, atendendo fundamentalmente a que o prédio sobre o qual incide o imposto não é um prédio para habitação, antes um terreno para construção, não edificado, insuscetível de ser habitado e, portanto, sem qualquer “afetação”, designadamente, a “habitacional” que é exigida pela norma de incidência, pelo que não se enquadra na previsão da verba n.º 28.1 da TGIS.
Insurge-se, portanto, contra a decisão e contra o ato de liquidação em crise na medida em que se sustentam na errada relevância da “afetação habitacional” do imóvel.
Entende, bem assim, que a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS “viola claramente os princípios da igualdade perante os encargos públicos, da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, bem como da proporcionalidade (v. arts. 13º, 18º, 103º/1, 104º e 266º da CRP)” e, bem assim, “os princípios da confiança e segurança jurídica (v. arts. 2°, 9º e 18º da CRP)” e, finalmente, “o disposto nos arts. 103º e 165º/1/i) da CRP”.
Alega, bem assim, que foram omitidas pela Requerida as diligências tendentes à audição prévia do contribuinte impostas pelos arts. 45º do CPPT, 60º da LGT e 12º e 121º e segs. do NCPA e, bem assim, que, porque “a liquidação sub judice não menciona as normas legais aplicáveis, os factos a que são aplicadas e o cálculo justificativo dos conjeturais valores e demais critérios que apenas foram conclusivamente indicados”, o ato em crise padece do vício manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, o que, no seu entender, o torna ilegal, ilegalidade que acresce à invocada “inexistência de facto tributário”.
Pelo que conclui a decisão e o ato de liquidação em crise são anuláveis, por ilegais, peticionado a respetiva anulação, bem como a das notas de cobrança entretanto emitidas, e, bem assim o reembolso das quantias já pagas acrescidas dos juros indemnizatórias calculados até à data do reembolso.
1.7 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA veio aos 04.11.2016, responder e juntar documentos.
Mais uma vez, muito sumariamente:
A título de “questão prévia”, veio a Requerida invocar a “insusceptibilidade” de o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre a inconstitucionalidade da norma contida na verba 280.1 da TGIS, porquanto, no seu entender, o “não tendo o Tribunal Arbitral competência para a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas (matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional alínea a) do artigo 281.º da CRP)” o que, no seu entender, conduz à pela impropriedade do meio ou pela incompetência material do tribunal para apreciar o “thema decidendum”. Assim, será, entende, de concluir pela impossibilidade do presente tribunal arbitral decidir o presente litígio, quer se considere estarmos perante a exceção de incompetência material do tribunal arbitral ou perante exceção dilatória de impropriedade do meio, de onde, entende, decorre a absolvição da instância da Requerida, nos termos das disposições conjugadas do artigo 278.º do CPC, artigo 2.º do RJAT, 2.º da Portaria de vinculação ao CAAD e 4.º, n.º 2, al. a), do ETAF ex vi artigo 29.º do RJAT.
Por exceção, defende-se ainda a Requerida alegando a incompetência deste Tribunal incompetência para se pronunciar nos termos e para os efeitos que pretende a Requerente, quando o que aquela pretende é, a seu ver, que em face da liquidação seja sindicada a avaliação do prédio em causa.
A requerida defendeu-se, bem assim, por impugnação, pugnando pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado por entender que o prédio tem afetação habitacional, revelado pelo facto de se ter procedeu-se à avaliação do prédio em causa segundo as novas regras do CIMI, tendo nessa sequência sido confirmado que o mesmo se tratava de um terreno para construção, destinado a habitação, o que a Requerente não colocou em causa no prazo e meios ao seu dispor, tendo já precludido esse direito.
Alega, sumariamente, que consultando a Certidão do Teor do prédio urbano que está na base da presente liquidação, se verifica que o terreno para construção está afeto à habitação e que os prédios urbanos, que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo.
Entende que a classificação dos prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, está dependente do respetivo licenciamento, ou na sua falta do destino normal para o fim em causa e não da sua afetação (cf. n.º 2 do art.º 6.º do CIMI)
Despende argumentação no sentido de que a alteração introduzida com o Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que passou a ter a seguinte redação: «28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %» é uma mera interpretação ou definição do elemento lógico subjacente à exposição de motivos que serviu de base à Proposta de Lei n.º 96/XII e que tem sido de difícil apreensão, como parece acontecer no caso concreto.
Termina, aduzindo argumentos no sentido da conformidade à CRP da norma de incidência em crise.
1.8 A Requerida não juntou aos autos o processo administrativo, alegando, a esse propósito, que “aquele é composto unicamente pelas liquidações controvertidas, sendo certo que aquelas não foram objeto de qualquer fase graciosa prévia”.
1.9 O Tribunal proferiu, a 29.11.2016, despacho no sentido de indeferir a inquirição da prova testemunhal arrolada pela Requerente e de se lhe afigurar ser dispensável a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, e convidando as partes a apresentar alegações.
1.10 Notificadas, as partes não se opuseram.
1.11 A Requerente apresentou alegações a 09.12.2016, respondendo ás exceções invocadas pela Requerida.
1.12 A Requerida, a 19.12.2016, apresentou as suas alegações, nas quais mantive as posições já expostas.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.
Foi colocada em causa, pela Requerente, a competência deste Tribunal para apreciar as questões que foram submetidas à sua apreciação, pelo que cumpre, antes de mais, decidir sobre estas exceções.
Assim, alega a Requerida:
a) A incompetência do Tribunal para decidir sobre a invocada inconstitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da TGIS;
b) A incompetência do Tribunal Arbitral “para se pronunciar nos termos e para os efeitos que pretende a Requerente, quando o que aquela pretende é que em face da liquidação seja sindicada a avaliação do prédio em causa”, “estando fora da está fora das competências materiais do Tribunal Arbitral, a sindicância e/ou análise de atos de avaliação e inscrição matricial”, o que, entende, constitui exceção dilatória que prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Tratam-se de questões processuais de conhecimento prioritário, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Vejamos, pois.
a)
Sob a epígrafe de “Apreciação da inconstitucionalidade”, dispõe o artigo 204.º, da CRP, que “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados”.
Assim, impõe esta norma o dever de exame dos atos normativos eventualmente aplicáveis a um caso concreto, o que se traduz na garantia de uma decisão judicial em conformidade com a Constituição.
Consagra-se, assim, um sistema de fiscalização difusa da constitucionalidade das normas, da competência dos tribunais (de todos os tribunais – incluindo os tribunais arbitrais, que têm no artigo 209.º, n.º 2, da CRP, um suporte constitucional explícito) [1].
Pelo que se julga improcedente esta invocada exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.
b)
No que respeita à segunda das invocadas exceções, afigura-se ao Tribunal evidente que não está em causa nos presentes autos a sindicância dos atos de avaliação do prédio em causa ou de quaisquer dos elementos dessa avaliação.
A questão sub judice é, manifestamente, a de saber se o prédio assim avaliado preenche a norma de incidência e, portanto, se é ou não legal a liquidação de imposto de selo. Em causa está, designadamente, como se verá, a relevância da inscrição no campo ““o tipo de coeficiente de localização: habitação” no preenchimento da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS.
Pelo que, sem necessidade de outras considerações, também nesta matéria se julga improcedente a invocada exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
-
A ora requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto “a compra e venda de propriedades, compra de prédios para revenda, planeamento e desenvolvimento das urbanizações e construções respetivas; indústria de construção civil, empreitadas particulares e de obras públicas; participação em sociedades com o mesmo objeto ou objetos afins”
2. A ora requerente é proprietária do prédio sito na Avenida do … e Rua … lote n.º…, freguesia de …, município de Lisboa, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …/…, com a área de 1.386,25 m2;
3. O imóvel em causa está inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, sob o artigo ….º e vem descrito na matriz como “parcela de terreno para construção urbana”;
4. Na avaliação do prédio foi aplicado “o tipo de coeficiente de localização: habitação”;
5. O prédio tem o valor patrimonial tributário, determinado em 27.02.2013, de 2.329.990,00€:
6. A 05.04.2016, a Autoridade Tributária procedeu à liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS aditada pela Lei n.º 55-A/2012, com referência ao prédio descrito em 1., que recebeu o número 2016…, no valor total de 23.299,90€ e emitiu a nota de cobrança relativa à primeira das três prestações, no valor de 7.766,63€;
7. A Requerida, na pendência do pedido de pronúncia arbitral, emitiu a nota de cobrança relativa à segunda daquelas prestações de imposto resultantes daquele ato de liquidação, no valor de 7.766,63€;
Factos não provados
Com relevo para a apreciação do mérito da causa, não se provou que no imóvel em causa tivesse sido autorizada, projetada ou prevista qualquer edificação, designadamente, destinada a habitação, facto cuja prova incumbia à Requerida, por constituir facto essencial à integração na norma de incidência real o imposto e ser, portanto, constitutivo do direito a liquidá-lo.
Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A convicção sobre a matéria de facto fundou-se nas alegações do Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta quer pelo Requerente quer pela Requerida, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.
4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS
Aos olhos do Tribunal, são as seguintes as questões sobre as quais lhe cumpre decidir:
A) Para efeito da aplicação da aludida verba, se o prédio em causa, terreno para construção, sem construção autorizada ou prevista, está abrangido pela norma de incidência;
B) Se a verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 13 de Dezembro, é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade perante os encargos públicos, da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, bem como da proporcionalidade (v. arts. 13º, 18º, 103º/1, 104º e 266º da CRP)” e, bem assim, “os princípios da confiança e segurança jurídica (v. arts. 2°, 9º e 18º da CRP)” e, finalmente, “o disposto nos arts. 103º e 165º/1/i) da CRP, devendo, nesse caso, ser recusada a respetiva aplicação, o que retirará suporte legal ao ato de liquidação que, por ilegal, terá de ser anulado.
Cumpre decidir:
A) Se o prédio está abrangido pela norma de incidência:
A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
A Lei também aditou ao Código do IS o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro veio alterar a redação da norma, que passou a ser seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Nos artigos 2.º a 6.º do Código do IMI enumeram-se as espécies de prédios nos seguintes termos:
“Artigo 2.º - Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
“Artigo 3.º - Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
“Artigo 4.º - Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
“Artigo 5.º - Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2– Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”
“Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”
É no presente quadro jurídico que importa apreciar a qualificação jurídica do prédio sobre o qual incidiu o imposto em crise.
Dúvidas não existem de que o prédio “terreno para construção”. É uma qualificação que não foi colocada em causa por nenhuma das partes e que resulta do teor da respetiva caderneta predial e do confronto dos citados artigos 2.º, 4.º e 6.º do CIMI aplicável por remissão expressa da norma de incidência aplicada.
Essa norma é a verba 28.1 da TGIS que, recordemos, dispõe o seguinte: 28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Necessário é, pois, para preenchimento da norma de incidência, que o prédio seja habitacional ou, não o sendo, seja terreno para construção e que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação.
Sendo que sempre se dirá que, nesse caso, que a redação adotada pelo legislador foi infeliz e não deixa claro se a construção terá que ser exclusivamente para habitação e, assim não sendo, se pretende que a base do imposto corresponda ao valor tributário do prédio, ou apenas à parte que seja destinada a habitação (sendo que a respetiva determinação não se nos afigura viável). Não ignora o Tribunal o contexto em que a norma foi produzida, mas nem em contexto de urgência está o legislador dispensado de observar os preceitos Constitucionais, designadamente, o princípio da legalidade no sentido de tipificar com clareza os factos tributários que estão sujeitos a imposto.
O n.º 2 do artigo 5.º do CIMI vem clarificar o que entende por prédios “habitacionais” para efeitos da alínea a) do n.º 1, classificando como tal as construções licenciadas para habitação ou que na falta de licença, tenham esse uso normal, não se está a referir aos terremos para construção, mas às edificações já realizadas que serão habitacionais quando seja esse o uso licenciado pela edilidade ou quando, na falta de licença, seja essa a sua utilização normal. O critério da “utilização normal” na falta de licença não se pode extrapolar com o objetivo de adivinhar as edificações que possam vir a ser feitas nos terrenos para construção, espécie de prédio prevista na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo, como parece pretender a Requerida.
Certo que na avaliação do terreno foi utilizado pela AT o coeficiente de localização do tipo habitação, sendo que o sujeito passivo podia, de facto, ter reagido contra a aplicação deste coeficiente, não se tendo demonstrado que o tenha feito.
Não é esse, porém, o critério adotado pelo legislador nem no CIMI nem no Código do Imposto de Selo. O legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, tão só na respetiva avaliação.
A verba 28.1 da TGIS afigura-se-nos - nessa parte, pelo menos - perfeitamente clara: estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais (os da alínea a) do número 1e do n.º 2 do artigo 5,º do CIMI), os terrenos para construção (i.e., a espécie de prédio previsto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo do CIMI), desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação (ficando apenas por definir se é total ou parcialmente e, neste último caso, qual é a o valor considerado para efeitos de sujeição a tributação).
Ora, não ficou demonstrado que o terreno para construção em discussão tivesse autorização, projeto ou previsão de edificação prevista para habitação, por forma a estar sujeito a IS nos termos da Verba n.º 28.1 da TGIS.
Prova que cabia à Requerida e deveria aliás constar da fundamentação do ato de liquidação, que não foi junta aos autos. A Requerida, aliás, não veio juntar o processo administrativo alegando este não existe, o que pode apontar para que a inexistência da própria fundamentação da liquidação. O vício daí decorrente não foi, porém, expressamente arguido, muito embora a Requerente lhe tenha tocado quanto alega a falta de audição prévia, que reconduz à ilegalidade da liquidação.
Sem prejuízo disso, parece-nos, portanto, evidente que o prédio, terreno para construção relativamente ao qual não se provou ter autorização ou previsão de construção destinada a habitação, não preenche a norma de incidência do imposto que serviu de base à liquidação.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações e com este fundamento, se considera anulável o ato de liquidação, por ilegal, por não ser aplicável a verba do artigo 28.1 da TGIS ao prédio sobre o qual incidiu.
Fica prejudicado, por desnecessário, o conhecimento dos demais vícios apontados pela Requerente, designadamente, o da falta de audição prévia e o da invocada inconstitucionalidade da norma.
Do valor do processo:
O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a legalidade da liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo referente ao ano de 2015, no valor de 23.299.90€, emitida em 05.04.2016, respeitante ao prédio sito na Avenida do … e Rua …, lote n.º…, freguesia de…, município de Lisboa, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …/… e inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo ….º, com o valor patrimonial tributário, fixado em 27.02.2013, de 2.329.990,00€, estando em apreciação a questão de a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) incidir ou não sobre prédios sem afetação habitacional, nomeadamente terrenos para construção.
Na verdade, apesar do valor atribuído ao processo pela Requerente, resulta evidente da sua argumentação que o que pretendeu com o pedido de pronúncia arbitral foi a declaração de ilegalidade da liquidação de imposto de selo relativa ao prédio já identificado e ao ano de 2015, cujo valor, de 23.990,90€, foi, de harmonia com a lei aplicável, cobrado em três prestações sucessivas e iguais.
Não pode, portanto, deixar de ser este o valor do processo, que, assim, de harmonia com o disposto nos artigos o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC, vai ao diante corrigido para coincidir com o da liquidação em crise, com as consequentes implicações legais, nomeadamente em termos de custas processuais.
5. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:
Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente e, em consequência, anular o ato de liquidação de imposto de selo em crise, devendo a Requerida, por efeito da anulação, devolver à Requerente as quantias por ela já pagas acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, desde a data do pagamento de cada uma das prestações e até efetivo e integral reembolso.
Fixar o valor do processo em 23.990.90€ (vinte e três mil, novecentos e noventa euros e noventa cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
Fixar o montante das custas em 1.224,00€ (mil duzentos e vinte e quatro euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e 527.º do CPC.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2017,
O Árbitro,
(Eva Dias Costa)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
[1] Cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 797) e, no mesmo sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 246.