Decisão Arbitral
CAAD- CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA
Processo n.º 113/2013-T
Decisão arbitral
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RELATÓRIO
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A... –, SGPS, S.A., (adiante designada Requerente), pessoa colectiva n.º …, com sede …, LISBOA, requereu, em 10 de maio de 2013, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), tendo em vista :
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A declaração de ilegalidade parcial da liquidação do IRC, consubstanciada no documento n.º 2012…, relativa ao ano de 2008, na parte referente à correção dos encargos financeiros, no montante de € 692.756,89;
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Pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante do imposto que, eventualmente, a Requerente venha a suportar por desconsideração dos prejuízos fiscais correspondentes à correção efetuada na eventualidade de a decisão não transitar em julgado em tempo útil de utilização dos prejuízos fiscais.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à Autoridade Tributária (adiante Requerida).
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As partes optaram por não designar árbitro.
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Nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, os signatários foram designados pelo Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral.
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O tribunal foi regularmente constituído, em 16 de agosto de 2013, para apreciar e decidir o objecto do processo.
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No dia 23 de outubro de 2013, teve lugar, na sede do CAAD, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
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As partes prescindiram da apresentação de alegações orais, apresentando as respetivas alegações escritas
II – SANEAMENTO
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O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 al. a) e 30.º, n.º 1 do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não enferma de vícios que o invalidem nem existem questões prévias a apreciar
III – MATÉRIA DE FACTO
Factos Provados
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A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades (de que faziam parte as sociedades identificadas no artigo 1.º do pedido de pronuncia arbitral, que aqui se dá por reproduzido), sujeita, em 2008, ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).
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A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais.
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A Requerente e algumas sociedades do grupo foram alvo de inspeções tributárias relativas ao ano de 2008, ordenadas a partir dos seguintes documentos: Ordem de Serviço Externa n.º OI…, relativa aos resultados individuais da sociedade A... – …, SGPS, S.A.; Ordem de Serviço
s Externa n.º OI…, relativa ao B... SGPS, S.A.; Ordem de Serviço Interna n.º OI …, relativa ao C..., S.A.; Ordem de Serviço n.º OI…, relativa ao D..., SA; e Ordem de Serviço n.º OI…, relativa à E..., Lda.
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As referidas ações inspetivas originaram várias correções aos lucros tributáveis, que a Requerente acatou, tendo procedido às consequentes alterações às declarações de rendimentos, bem como efetuado os correspondentes pagamentos (docs. n.ºs 4 e 5 juntos com a p.i.).
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Do procedimento inspetivo efetuado à própria Requerente resultou o apuramento de que ela não havia feito acrescer ao lucro tributável referente ao ano de 2008 “o montante de € 1. 419.135,32 relativamente aos encargos financeiros com partes de capital não aceites fiscalmente de acordo com o n.º 2 do artigo 32º do EBF” (doc. n.º 3 junto com a p.i.).
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No decorrer do procedimento inspetivo a Requerente procedeu voluntariamente à regularização parcial do montante de € 717.378,43 ( mesmo doc. n.º 3).
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A Requerente não efetuou o pagamento do remanescente, no montante de € 692.756,89, respeitantes “aos encargos financeiros com partes de capital na parte respeitante a Prestações Acessórias (não remuneradas) e a Cobertura de Prejuízos” (doc. n.º 9 junto com a p.i.)
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Requerida noutras inspeções tributárias (artigos 27.º e ss do pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dão por reproduzidos), aceitou a dedutibilidade dos encargos financeiros com prestações suplementares/acessórias.
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A Requerente deduziu reclamação graciosa, em 18 de julho de 2012, onde solicitou a ilegalidade da liquidação na parte correspondente aos identificados encargos financeiros de € 692.756,89 (doc. n.º 6 junto com a p.i.)
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Em 18 de fevereiro, a reclamação graciosa foi expressamente indeferida (doc. n.º 9 junto com a p.i.)
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Na sequência deste indeferimento, a Requerente apresentou a presente ação arbitral
Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos identificados e pelas declarações das partes (não contestados ou impugnados), não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.
Não há factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
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Questões a decidir
São, em síntese, colocadas pela Requerente as questões de saber se:
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a Autoridade Tributária, ao alterar o seu entendimento sobre uma determinada situação, viola os princípios da legalidade (artigos 8.º da LGT e 266.º da CRP) e boa-fé (artigos 55.º e n.º 2 do artigo 68.º-A da LGT, 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo);
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os encargos suportados são ou não dedutíveis em termos fiscais, nos termos do artigo 32.º n.º 2 (anterior artigo 31.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
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devem ser aceites, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, como custo fiscal, para efeitos de apuramento do lucro tributável, os encargos financeiros suportados para efetuar prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares não remuneradas e cobertura de prejuízos. Dito de outro modo, se devem estes custos ser considerados indispensáveis para efeitos do prosseguimento do escopo lucrativo das sociedades e, como tal, serem dedutíveis no apuramento do lucro tributável.
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Da violação dos princípios da legalidade e boa-fé
A Requerida considera que as prestações suplementares bem como as coberturas de prejuízos devem ter um tratamento semelhante às partes de capital para efeitos de aplicabilidade do disposto no n.º 2 do art.º 32º do EBF (ex art.º 31º).
A Requerente, por sua vez, invoca que esta interpretação aplicada ao seu caso, que conduziu à correção de que resulta a liquidação adicional de IRC ora impugnada, constitui uma alteração de entendimento da Requerida sobre a matéria, atendendo à aceitação, noutras inspeções efetuadas anteriormente a empresas do mesmo grupo, o que, segundo a Requerente, se traduz numa violação dos princípios da legalidade, boa-fé, segurança jurídica e proteção da confiança (vide artigos 266.º da CRP, 8.º, 55.º n.º 2, 68.º-A da LGT e 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo).
Analisada a questão, o tribunal arbitral considera que não procede, quanto à violação dos princípios jurídicos, o alegado pela Requerente.
Esta é uma matéria que foi já objeto de decisão por parte do Tribunal Arbitral que funciona no âmbito do CAAD, nomeadamente no processo n.º 12/2013-T, em que a mesma questão foi colocada, e em que foi decidido que “os contribuintes não possuem, por regra, qualquer direito ou expetativa juridicamente tutelada, no sentido de impedirem a AT de alterar o seu entendimento sobre questões fiscais concretas, sobretudo se não possuem qualquer instrumento formal que os tutele (informação vinculativa, ofício ou despacho). A alteração do entendimento da AT não viola a boa-fé e, em geral, os contribuintes não possuem um direito a algo que, segundo a nova interpretação da AT, não está conforme com a lei.”
Ora, no caso em apreço, a Requerente não é titular de qualquer instrumento formal que titule as suas expetativas, pois apenas se verificou uma interpretação diversa por parte da Requerida no cálculo do lucro tributável de empresas em que a Requerente participa e no cálculo do lucro tributável da própria Requerente, factos que são manifestamente insuficientes para gerar uma expetativa digna de tutela jurídica.
Assim, não se tratando, no caso concreto, de uma das situações expressamente previstas na lei de vinculação da AT à informação prestada, a alteração de interpretação da Requerida não viola os princípios da legalidade, da boa-fé, da confiança e da segurança jurídica.
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Do enquadramento no artigo 32.º, n.º 2, do EBF dos encargos financeiros suportados para efetuar prestações acessórias com a natureza de prestações suplementares e cobertura de prejuízos das participadas
Nos termos do n.º 2 do artigo 32.º, em vigor à data dos factos ora sindicados “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”
No caso, a Requerente é uma SGPS que suportou encargos financeiros para efetuar prestações acessórias com natureza de prestações suplementares e entradas para cobertura de prejuízos. Se estas prestações se enquadrarem no conceito de “partes de capital”, a situação será abrangida pelo regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, excluindo-se a sua dedução fiscal.
Conforme expressamente assumido pelas partes, a vexata quaestio é, então, saber se o conceito de “partes de capital” integra apenas as participações sociais ou integra também as prestações suplementares ou, no caso, prestações acessórias que sigam o regime das prestações suplementares, bem como a cobertura de prejuízos.
A exata definição de “partes de capital” já foi amplamente tratada nos processos do CAAD n.ºs 9/2012-T, 69/2012-T, 12/2013-T, 24/2013 e 39/2013-T. No presente acórdão seguiremos o entendimento e conclusões daquelas decisões.
O Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho) bem como a demais legislação fiscal não contêm a definição de “partes de capital” para efeitos tributários. Assim, verifica-se a necessidade de aplicação do disposto no art.º 11º da LGT, que consagra as regras de interpretação das normas tributárias.
Não obstante a inexistência da aludida definição, em termos sistemáticos o legislador separa claramente o conceito de partes de capital do conceito de capital próprio no n.º 3 do artigo 45.º, na redação que lhe é dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro:
A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Ou seja, o legislador usa o conceito de capital próprio na exata aceção comercial e contabilística, o que permite concluir que, atentos aos elementos literal e sistemático, o conceito de “capital” na expressão “partes de capital” não é sinónimo de “capital próprio”, incluindo-se expressamente neste último as prestações suplementares e as coberturas de prejuízos.
Por outro lado, a inexistência de uma definição fiscal de “partes de capital”, leva o intérprete - em observância do já referido art.º 11º da LGT – a procurar essa definição no direito comercial e no direito contabilístico, atentos, neste último caso, ao modelo de dependência parcial que se estabelece entre a contabilidade e o direito fiscal no apuramento do lucro tributável.
As prestações suplementares “são entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital social da sociedade” (Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2.º vol., 1989, p. 297). No caso específico das sociedades anónimas, os sócios conferiram às prestações acessórias a natureza de prestações suplementares e, em consequência, são-lhes aplicáveis as regras previstas nos artigos 210.º a 213.º.
Nos termos do n.º 1 do artigo 210.º, as prestações suplementares só podem ser exigidas aos sócios se estiverem previstas no pacto social que deverá fixar: (i) o montante global das prestações suplementares; (ii) os sócios que ficam obrigados a efetuar prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados e (iii) o critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.
As limitações à restituição das prestações suplementares previstas no artigo 213.º constituem uma das características mais importantes – senão a mais relevante – deste instituto: as prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios quando se verifiquem as seguintes condições: (i) desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal; (ii) o sócio já tenha liberado a sua quota e (iii) não tenha sido declarada a insolvência da sociedade.
Este regime é claramente distinto da obrigação de entradas para o capital social (artigos 25.º a 30.º do CSC e regras especiais para as sociedades em nome coletivo – 176.º n.º 1, al. a), 178.º e 179.º; para as sociedades por quotas – 202.º a 208.º e para as sociedades anónimas – 277.º e 285.º e 286.º).
No mesmo sentido, as entradas realizadas para cobertura de prejuízos visam reforçar os capitais próprios e a posição financeira da empresa através da anulação de resultados transitados negativos.
Em termos contabilísticos, as prestações suplementares e as entradas para cobertura de prejuízos integram, com outras rubricas - nomeadamente o capital social -, o denominado capital próprio da entidade - interesse residual nos ativos da empresa depois de se lhe deduzir todos os seus passivos (Cfr parágrafo 49.º da Estrutura Conceptual, Aviso n.º 15652/2009 in DR nº 173 – II Série, de 7 de setembro).
No entanto, a agregação no capital próprio da rubrica de capital social, prestações suplementares e cobertura de prejuízos não significa a uniformização da sua natureza. Em caso algum, o capital próprio e o capital social são sinónimos, até porque apenas o capital social é transmissível.
De todo o exposto, conclui-se que a aplicação do regime do artigo 32.º n.º 2 do EBF aos encargos financeiros suportados com prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares e cobertura de prejuízos não tem suporte legal, uma vez que tais créditos não preenchem o conceito de partes de capital.
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Da indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações suplementares e cobertura de prejuízos
Alega também a Requerida que os encargos financeiros com as prestações suplementares e cobertura de prejuízos não são indispensáveis para a formação do lucro tributável da Requerente, nos termos do artigo 23.º n.º 1 do CIRC.
Assim, ainda que se considere ter sido violado o artigo 32.º n.º 2 do EBF, a correção não deve ser anulada porque a sua não consideração como custo decorre igualmente da violação do requisito legal de indispensabilidade previsto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
A interpretação do conceito de “indispensabilidade” tem sido objecto de vasta doutrina e jurisprudência. Pela síntese e clareza de pensamento, aderimos, sem reservas, ao enquadramento feito na decisão arbitral no âmbito do já acima referido processo do CAAD n.º 12/2013-T, de que foi árbitro TOMÁS TAVARES, onde se pode ler:
1. O art. 23.º do CIRC contém uma cláusula aberta, que carece de interpretação e aplicação ao caso concreto (sem que o Fisco possa entrar num juízo de oportunidade ou de discricionariedade técnica), pela qual só são fiscalmente aceites os custos indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
2. A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.
3. A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.
4. O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa.
5. O art. 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua atividade.
6. No que tange aos encargos financeiros, são custos fiscais os juros de capitais alheios aplicados na exploração – como indica a al. c) do n.º 1, do art. 23.º do CIRC, que na estrutura da norma (exemplos nas alíneas e princípio geral no corpo do n.º 1) se assume como a concretização do princípio geral: o juro é indispensável quando o capital alheio for aplicado na exploração.
7. O art. 23.º do CIRC quer apenas recusar a aceitação fiscal dos custos, que embora assim contabilizados pela empresa, não são na realidade custos empresariais. Trata-se de situações claramente abusivas, pois tais gastos não se inscrevem no âmbito da sua atividade – foram contraídos não no interesse da sociedade, mas para a prossecução de objetivos alheios (por exemplo, camuflar gastos pessoais dos administradores).
8. O custo fiscal exige um interesse próprio e egoístico da sociedade que regista o custo: esse interesse tem de existir autonomamente e não pode ser diluído no interesse coletivo ou do grupo.
Neste mesmo sentido, convocamos ainda o já identificado acórdão do STA n.º 107/11, onde pode ler-se:
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento (cfr o ac. do STA , de 23/9/98, AD 452/453 , pag 1057 ) e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário ( em termos discricionariedade técnica ) por parte da AT, importa, então, aferir os termos do enquadramento legal de tal conceito.
E desde logo, parece decorrer do normativo legal em apreciação que a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
E, mais adiante, continua o aresto:
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sob uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última da contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.
Do exposto, resulta que o gasto é indispensável se incorrido no âmbito da atividade da empresa, no caso, de uma sociedade gestora de participações sociais.
Estabelece o n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas[1]. Para este efeito, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2 do artigo 1.º).
Constituindo a gestão de participações sociais a atividade exercida pelas SGPS, será, à luz deste objeto social, que podemos aferir dos custos indispensáveis ou não para o desenvolvimento do seu desiderato.
Ora, a gestão destas sociedades envolve todas as operações de compra e venda das participações sociais, administração e operações de financiamento para o seu reforço ou valorização.
Como se refere no Acórdão do CAAD n.º 39/2013-T, “…o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.
Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de um participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada que regula a sua actividade.”
De igual modo, ANTÓNIO MARTINS defende que “os custos derivados do financiamento do activo produtor de rendimento devem também constituir encargos dedutíveis. Eles estão inequivocamente relacionados com a obtenção de proveitos tributáveis e, à luz do balanceamento entre proveitos e custos, não se entenderia que fossem fiscalmente desconsiderados.” (ANTÓNIO MARTINS, “Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do Código do IRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”, Revistas de Finanças Públicas e Direito Fiscal n.º 2, Ano I, p. 50).
Pelo exposto, improcede também o argumento apresentado pela Requerida relativo à dedutibilidade dos encargos com financiamento das participadas.
Em conclusão, a correção efetuada não tem fundamento legal, pelo que enferma do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.
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III. DECISÃO:
A matéria de facto é a que está transcrita supra.
O tribunal é competente e as partes são legítimas.
Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral decide considerar procedente o pedido da Requerente e, em consequência, mandar anular parcialmente o ato tributário de liquidação do IRC n.º 2012 …, relativa ao ano de 2008, na parte referente à correção dos encargos financeiros no montante de € 692.756,89.
Fixa-se ao processo o valor de € 173.182,22 e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 3 de fevereiro de 2014
Os árbitros
Manuel Luís Macaísta Malheiros
Luísa Anacoreta
Amândio Silva
[1] O artigo 4.º n.º 1 permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participação.