DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Nunes Barata e Francisco Pessoa Vaz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 07 de Junho de 2016, A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Zona…, Apartado…, …-… Anadia, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao exercício de 2011, no montante de €86.527,91, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão de acto tributário, que teve aquele como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que apurou e suportou, indevidamente, a título de Tributações Autónomas, o montante de € 86.527,91, relativas a despesas incorridas com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, que não deveriam ter sido sujeitas a tributação atenta a sua essencialidade e indispensabilidade para a obtenção dos rendimentos tributáveis da Requerente e o seu carácter “empresarial”, dado que foram incorridas com o propósito de promoção dos produtos da Requerente e da criação de maiores vendas e a existência de lucros.
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No dia 08-06-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 10-08-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 26/08/2016.
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No dia 04-10-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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No dia 16-11-2016, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A ora REQUERENTE é uma sociedade de direito português, a qual prossegue, no âmbito do seu objeto social, entre outras, a actividade de comercialização de produtos químicos para construção.
2- Relativamente ao período de tributação de 2011, a ora REQUERENTE procedeu à entrega da correspondente declaração de rendimentos (Modelo 22 de IRC), na qual apurou o montante total de €86.527,91 relativo a tributações autónomas, as quais se detalham como segue:
a. €75.531,60 - correspondentes a gastos com viaturas ligeiras de passageiros; e
b. €10.996,31 - correspondentes a gastos com despesas de representação.
3- Posteriormente, a Requerente considerou que, no que respeita aos montantes de tributação autónoma, foi apurado e suportado um montante superior ao que seria efectivamente devido, pelo que apresentou pedido de revisão de acto tributário, que foi indeferido.
4- Do despacho de indeferimento referido consta, para além do mais, que:
a. relativamente aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros “(...) não colhe, por isso, a tese vinculada pela requerente de que só existirá lugar a TA se e quando não for provado esse caráter de empresarialidade porquanto, face à formulação da norma, não é possível sufragar tal interpretação, nem tão pouco se alcança que tenha sido essa a pretensão do próprio legislador”;
b. não se coloca “(...) a questão de saber se têm ou não caráter de empresarialidade pois quanto a esse aferimento o legislador apenas o exige para a dedutibilidade dos gastos na determinação do lucro tributável”.
5- As viaturas a que se referem os gastos discriminados no ponto a. do número 2 anterior são utilizadas por comerciais e directores do grupo da Requerente cujas funções têm ínsitas actividades de comercialização, publicitação e apresentação dos seus produtos.
6- O ramo de actividade da Requerente implica a permanente deslocação de meios e pessoas aos mais diversos pontos do País.
7- O sector da construção civil não se encontra circunscrito a uma determinada região geográfica.
8- O fornecimento de produtos de construção para obras que se realizam de norte a sul do País implica deslocações por parte dos trabalhadores da Requerente aos mais variados locais de construção.
9- As deslocações relacionam-se com o fornecimento e a entrega de materiais, e com o propósito de publicitar e divulgar a marca …, bem como procurar apresentar as soluções mais adequadas para cada tipo de construções.
10- Do total das vinte e cinco viaturas ligeiras atribuídas dezoito foram atribuídas aos colaboradores com funções comerciais, designadamente técnicos comerciais, responsável de backoffice comercial e Diretor Comercial.
11- As funções dos colaboradores referidos implicavam a deslocação a clientes para efeitos de divulgação da marca e venda dos seus produtos, sendo que, de outra forma, não seria possível o desempenho de tais funções com a mesma eficiência, nem com a mesma eficácia.
12- A utilização de transportes públicos implicaria uma diminuição da sua eficiência comercial e das vendas associadas.
13- A deslocação de um qualquer colaborador comercial se de táxi, implicaria um incremento considerável dos custos associados à deslocação.
14- Relativamente às restantes sete viaturas (em relação às referidas em 10) foram atribuídas a Directores (Director Técnico, de Operações, Financeiro, Marketing e Director Geral), bem como a um técnico de assistência técnica.
15- No caso do técnico de assistência técnica as prestações de serviços respectivas, no caso do sector de actividade em questão implicam regulares deslocações a clientes e/ou a obras realizadas por estes.
16- No que se refere aos Directores as suas funções implicam, também, deslocações com bastante assiduidade a clientes, nomeadamente devido a reuniões externas frequentes no âmbito das suas funções correntes de representantes.
17- É prática do sector de actividade da Requerente a atribuição de viaturas aos Directores.
18- O sector da construção civil foi dos mais afectado pela crise financeira que se iniciou em 2008.
19- A crise do referido sector foi sentida e refletida no desempenho da Requerente.
20- As necessidades de promoção e publicidade da marca e dos produtos comercializados pela Requerente acentuou-se nos anos que se seguiram à referida crise.
21- Os colaboradores comerciais da Requerente, a quem cabiam deslocações a clientes, a potenciais clientes ou a locais de realização de eventos, tinham necessidade de usufruir de viaturas.
22- Os colaboradores da Requerente promoveram a marca desta e contactam clientes e potenciais clientes que se localizam nas mais variadas zonas geográficas do País.
23- A Requerente tinha clientes com obras de construção civil a decorrer em todo o país, e o acompanhamento dos referidos clientes e das correspondentes obras de construção era essencial para a relação de proximidade cliente-fornecedor.
24- Os encargos, no montante total de €54.981,53, subjacentes às tributações autónomas referidas na al. b) do ponto 2 supra, encontram-se devidamente contabilizados na conta SNC… (Despesas de Representação).
25- As despesas de representação referidas, incluem despesas relativas à estratégia comunicacional e de marketing previamente definido e calendarizado pelo Grupo internacional onde a ora Requerente se insere.
26- Os objetivos finais de tais estratégias incluíam potenciar o contacto entre as marcas e o público, angariar clientes e realizar vendas.
27- A realização de eventos promocionais visou a promoção dos produtos da Requerente junto de clientes e potenciais clientes.
28- As despesas de representação referidas incluem, entre outras, o arrendamento de espaços para eventos, encargos com despesas de publicidade, bem como despesas com catering dos referidos eventos.
29- A Requerente promoveu a realização de diversos seminários e cursos para profissionais da construção civil e áreas conexas, bem como a participação em diversas feiras do sector, designadamente:
a. “…” – a maior feira de construção e obras públicas em Portugal, com natureza itinerante, que percorreu várias cidades do país ao longo do ano de 2011, cujo principal objectivo era o apoio às empresas, promovendo a internacionalização do sector da construção e a exploração de oportunidades existentes no mercado internacional;
b. “…” – evento promocional para potenciar a venda do material da Requerente vocacionado para o tratamento de madeiras;
c. “…” - cuja função primordial foi destacar a construtora com maior relevo a nível nacional, que reúna pontos positivos nas mais diversas áreas, onde foi promovida a interacção entre diversas empresas e onde foi possibilitada a troca de conhecimentos e ideias, permitindo desta forma uma melhoria dos produtos Requerente, através da recolha de preferências e da observação dos critérios de selecção dos clientes;
d. “…” –a maior feira nacional de arquitectura e que em 2011 percorreu o país.
30- Tais eventos foram importantes para a difusão da marca Requerente, para adaptar os produtos às preferências dos clientes, e como forma de conseguir futuros clientes e de posicionamento face à concorrência, e a participação naqueles visou o crescimento da marca e das vendas da Requerente.
A.2. Factos dados como não provados
1- Que os colaboradores da Requerente que utilizaram as viaturas ligeiras de passageiros, não utilizassem as mesmas também para fins da sua vida pessoal.
2- Que as despesas de representação incluíssem apenas as referidas nos pontos 25 a 31 da matéria de facto provada.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Para a fixação dos factos constantes dos pontos 5 a 23 e 25 a 30 foi considerado o depoimento das testemunhas inquiridas, que depuseram sobre os mesmos revelando conhecimento directo e de forma coerente, inexistido quaisquer razões para colocar em causa a sua veracidade.
Os factos dados como não provados decorrem também da prova testemunhal produzida, que reconheceu que não estava afastada a possibilidade de utilização pessoal das viaturas em causa, sendo efectuado um controle por amostragem da utilização das mesmas, dos quais os directores estavam excluídos, e que apenas seria questionada a utilização das viaturas para fins particulares das pessoas a quem estavam atribuídas, caso alguma anomalia, por exemplo ao nível da quilometragem normal, do abastecimento de combustível ou da utilização de portagens, fosse detectada.
Pelo facto dos comerciais, técnicos e diretores, levarem as viaturas da empresa para o fim de semana, em vez de as deixarem parqueadas na empresa, só por si, já implica uma utilização em proveito pessoal, a menos que essas despesas associadas às deslocações particulares fossem debitadas e deduzidas às remunerações auferidas. Não havendo, contudo, um controlo rigoroso e sistemático, apoiado em boletins de itinerário e mapas de kilómetros, tal acerto de contas torna-se impraticável.
Relativamente às despesas de representação, decorreu também da prova testemunhal que as mesmas incluíam não só aquelas que constam dos factos provados, que corresponderiam a pouco mais 50% do valor suportado com aquelas, como outras, designadamente almoços e viagens com clientes.
B. DO DIREITO
As questões que se colocam nos presentes autos, são as de saber, em primeiro lugar, se as normas em que assenta a tributação autónoma que a Requerente contesta têm subjacente uma presunção, se, em caso afirmativo, será legalmente possível ilidir tal presunção, e, por fim, se, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.
Vejamos então.
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A tributação autónoma em questão nos presentes autos, incidiu sobre gastos da Requerente, com viaturas e despesas de representação.
A este respeito, dispunha o artigo 81.º do CIRC vigente à data do facto tributário em questão nos autos (actual artigo 88.º), no que para aqui interessa, que:
“3 - São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
b) À taxa de 5 %, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de CO2 sejam inferiores a 120 g/km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90 g/km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade. (...)
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização. (...)
7 - São tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”
Assim, e em suma, o que ora se trata é de apurar a ratio legis das previsões normativas transcritas, verificar se as mesmas assentam numa presunção e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma foi, ou não, in casu, ilidida.
Estas questões foram já tratadas no âmbito do processo 628/2014T do CAAD[1], cuja argumentação aqui se seguirá de muito perto.
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Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:
o Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);
o Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);
o Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).
Esta precisão torna-se importante porquanto se entende que, atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, será nesta sede não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.
A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.
Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.
Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[2], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.
Naturalmente que quem considere as tributações autónomas que ora nos ocupam um tributo directamente incidente sobre a despesa, concluirá que as normas sob interpretação, do artigo 81.º, números 3/a) e 7 do CIRC vigente à data do facto tributário, não integrarão qualquer presunção, formulando, directamente, o objecto da sua incidência – a despesa.
Não se considera, todavia, que seja esse o entendimento mais correcto, entendendo-se, antes, que as tributações autónomas em causa se poderão configurar como um imposto “híbrido”, incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente, e/ou tributá-los autonomamente.
Neste quadro, as tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC, que dispõe que:
“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.
Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respetiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados. Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afectado por tal dedução.
Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.
O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será, objectivamente, inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas colectivas.
Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objectivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a actual redacção, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).
Reconhecem-se aqui, assim, aquelas características que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:
a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efectiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.
Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.
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Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).
Confrontado com tal dificuldade[3], o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC[4]), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.
Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.
E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente).
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Face à conclusão que vem de se operar, cumpre então apurar se a presunção que se identificou, é, ou não, susceptível de ser ilidida.
A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil:
“As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”
Em coerência, dispõe o artigo 73.º da LGT:
“As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”.
Face ao quadro legal apontado, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada nos artigos 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT[5], quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade integral à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.
Por seu lado, a própria Administração Tributária, se assim o entender e considerar que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora[6].
Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
a) não deduzir a despesa[7];
b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária, de discutir a medida da empresarialidade da despesa;
c) provar, em concreto, a efectiva empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma[8].
Note-se aqui, até em função de alguma confusão que parece grassar, que a empresarialidade integral de que se fala aqui não se identifica com a empresarialidade a que se reporta o artigo 23.º do CIRC. Antes, o preenchimento dos requisitos do artigo 23.º do CIRC, relativamente aos gastos em questão, são pressuposto da própria tributação autónoma.
Com efeito, ao exigir que sejam dedutíveis “os encargos (...) relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos” para os sujeitar a tributação autónoma, naturalmente que o legislador está a remeter para o critério geral do artigo 23.º do CIRC, como requisito para que opere a tributação autónoma em causa.
Daí que, desde logo a “empresarialidade” (parcial) presumida pelas tributações autónomas em questão seja especial, em relação à empresarialidade do artigo 23.º, que pressupõem.
Dito de outro modo, e explicitando a articulação normativa entre os regimes em causa, de uma forma geral e como regra, o preenchimento dos critérios do artigo 23.º do CIRC conferem ao contribuinte o direito de deduzir integralmente ao lucro tributável os gastos correspondentes.
Todavia, relativamente aos gastos sujeitos a tributação autónoma, ora em causa, tal direito fica onerado com a obrigação de arcar com as correspondentes tributações autónomas, no fundo porquanto o legislador, como se viu atrás, entende que, no quadro da normalidade, que está também subjacente ao regime do artigo 23.º do CIRC, tais gastos se revestem de características especiais, que indiciam uma empresarialidade não integral, ao contrário do que acontece com a generalidade dos gastos que preencham os pressupostos do referido artigo 23.º do CIRC.
Daí que, em ordem a justificar a não incidência de tributação autónoma sobre os gastos em causa, o contribuinte haja, não de ensaiar a demonstração da verificação dos pressupostos daquele artigo 23.º, mas, antes, demonstrar para lá de qualquer dúvida razoável que, em concreto, as despesas do género em questão, que pretende deduzir integralmente sem sujeitar a tributação autónoma, tiveram uma afectação exclusivamente empresarial.
O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.
Não se subscreve assim, pelo contrário, o entendimento arguido pela AT, segundo o qual a interpretação em questão será materialmente inconstitucional por violação princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstracção, decorrentes do princípio da legalidade e também enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP.
Com efeito, inconstitucional será, salvo melhor opinião e o devido respeito, a interpretação segundo a qual estarão oneradas com tributação autónoma os gastos dedutíveis comprovadamente suportados no exclusivo interesse da empresa, já que tal, para além de integrar uma tributação sem qualquer fundamento na capacidade contributiva real, transformaria as tributações autónomas em causa num imposto exclusivamente incidente sobre a despesa (e não, sequer indirectamente, sobre o rendimento), e geraria uma situação de desigualdade efectiva, entre os contribuintes que podem retirar dos gastos em questão utilidades privadas, e aqueles que, por força da natureza da sua actividade, efectiva e demonstradamente afectam integralmente tais gastos a finalidades empresariais[9].
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Aqui chegados, torna-se necessário, então, aferir se, em concreto, a presunção da norma do artigo 81.º, n.ºs 3/a) e 7, do CIRC vigente à data do facto tributário, acima determinada, foi, ou não, ilidida.
Começando pelo n.º 3, alínea a), face aos factos provados e não provados, verifica-se que estão em causa nos autos gastos com viaturas ligeiras que não tiveram uma afectação integralmente empresarial.
Efectivamente verificou-se, resultando expressamente da prova testemunhal produzida, que a utilização das viaturas em questão pelos colaboradores da Requerente não estava limitada, exclusivamente, a finalidades profissionais, sendo possível tal utilização na vida particular daqueles, desde que dentro de determinados limites, limites esses que, relativamente aos Directores, não existiam, sequer.
Daí que não se tenha provado que os trabalhadores da Requerente que utilizaram as viaturas ligeiras de passageiros, não utilizassem as mesmas também para fins da sua vida pessoal, circunstância que obsta a que se possa considerar ilidida a presunção de empresarialidade parcial das despesas em causa, que no caso se vê confirmada.
Efectivamente, e não obstante a Requerente alegar que, ao facultar aos seus colaboradores o uso das viaturas que afecta está a prosseguir objectivos empresariais, o certo é que, concomitantemente, está a facultar a estes um rendimento em espécie, ou seja a atribuir-lhes, genuinamente, fringe benefits.
Entende-se, deste modo, que o juízo de empresarialidade subjacente às presunções em causa é de natureza objectiva, ou seja, formulado face à situação de facto tal como ela se configura na sua globalidade juridicamente relevante, e não de natureza subjectiva, atendo-se, unicamente, ao propósito do(s) sujeito(s) passivo(s) envolvido(s).
Sob a perspectiva que se entende correcta, será, então, incontornável que ao facultar a utilização das viaturas em causa, aos seus colaboradores nas suas vidas privadas, estava a Requerente também a deferir-lhes um benefício patrimonial, não tributado, facto que não podia ignorar, e colocando assim, ainda que parcialmente, o produto das despesas em causa, ao serviço de finalidades privadas e, como tal e nessa medida, não exclusivamente empresariais, situação que, como se viu, constitui, justamente, o fundamento material da tributação autónoma em causa.
Face a todo o exposto, forçoso é julgar que a Requerente não cumpriu o ónus que sobre ela impendia de ilidir a presunção de empresarialidade parcial das despesas em causa, pelo que deve, nesta parte o pedido arbitral improceder.
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No que diz respeito às despesas objecto de tributação autónoma nos termos do n.º 7 do artigo 81.º do CIRC aplicável, ficou provado que se referem também, mas não exclusivamente, às finalidades constantes dos pontos 25 a 30 dos factos dados como provados.
Não se provou, assim, resultando o contrário da prova testemunhal, que o montante de gastos que a Requerente pretende sejam subtraídos à tributação autónoma dissessem exclusivamente respeito às finalidades ali referidas, em termos de se poder considerar demonstrado, para lá de qualquer dúvida razoável, como ocorrendo em contexto exclusivamente empresarial, não incluindo outros que facultem aos seus colaboradores, órgãos sociais, sócios ou terceiros benefícios para efeitos pessoais.
Neste contexto, conclui-se, então, que não será de considerar ilidida a presunção do artigo 81.º/7 do CIRC vigente à data do facto tributário, pelo que, não se demonstrando que os gastos sobre os quais incidiu a tributação autónoma em questão tiveram uma afectação 100% empresarial, não poderão as mesmas deixar de ser objecto de incidência daquela tributação.
Face ao exposto, deverá, também na parte em causa, a presente acção arbitral ser julgada improcedente e, consequentemente, mantido o acto tributário objecto do presente processo.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter o acto tributário objecto do presente processo arbitral tributário, e condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 86.527,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 16 de Janeiro de 2017
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(José Nunes Barata)
O Árbitro Vogal
(Francisco Pessoa Vaz)
[2] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.
[3] Note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer.
[4] A discricionaridade do processo legislativo licenciaria que o legislador aplicasse o mesmo mecanismo que entendeu adequado para as despesas a favor de sociedades off-shore, a outras despesas, designadamente as aqui em questão.
[5] Sendo certo que a norma em questão será, sem dúvida, uma norma de incidência tributária objectiva, já que prevê que determinados factos – os gastos com determinados bens que se presumem de afectação mista (empresarial e particular) – implicam uma determinada obrigação de imposto.
[6] Em tal caso, de resto, dever-se-á entender que o montante eventualmente liquidado a título de tributação autónoma deverá ser anulado, e qualquer montante pago restituído/compensado, assim se afirmando, também por esta via, a patente imbricação das tributações autónomas com o regime do IRC, que integram.
[7] Não se está aqui a sustentar, evidentemente, que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete, em primeira linha, ao sujeito passivo (neste sentido, cfr. p. ex. o Ac. do STA de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11, disponível em www.dgsi.pt).
Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam “omitir despesas”. Efetivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é, precisamente, o oposto da sua omissão.
A este propósito, poderá conferir-se o Ac. proferido no processo 2714/2016T do CAAD.
[8] Esta admissibilidade não será contraditória com o reconhecimento, atrás feito, de que a presunção subjacente ao art.º 81.º/3 do CIRC vigente à data do facto tributário (actual 88.º/3), assenta num juízo de dificuldade de prova. Com efeito, a circunstância de se lograr num caso concreto uma prova difícil, não significará que a mesma não seja, por regra, difícil, e isto mesmo que no caso concreto tenha sido fácil tal prova. Ou seja, uma excepção não invalida a regra, sendo certo que até pode não ser excepção, por se ter, com efectiva dificuldade, logrado a prova.
[9] Por especialmente expressiva nesse aspecto, remete-se aqui, novamente, para a situação sub iudice no processo 628/2014T, do CAAD, já citado.