Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 350/2016-T
Data da decisão: 2017-01-12  IMT  
Valor do pedido: € 32.500,00
Tema: IMT – Isenção art.º 270º, n.º 2 do CIRE
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A…, SA, pessoa colectiva nº…, com sede na Praça …, n.º…, Porto, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º…, no valor de 32.500,00 €, com o consequente reembolso da quantia paga, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

2.    Em 30-06-2016 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira

 

3.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a Requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

4.    As partes foram notificadas dessa designação em 31-08-2016 e, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficou constituído em 21-09-2016.

 

5.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.

 

6.    Foi dispensada, com a anuência das partes, a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

* * *

 

7.    Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade da liquidação de IMT n.º…, no valor de 32.500,00 €, com a consequente restituição do montante pago e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, alegando em síntese:

 

       a)  No âmbito do processo de insolvência n.º …, que correu termos na Comarca do Porto – ..., Instância Central – 1ª Secção de Comércio-J4, adquiriu, pelo preço de 500.000,00 €, o prédio urbano composto por edifício para indústria de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, sito no …, freguesia de …, concelho da ...;

       b)  Tal prédio fazia parte do activo da sociedade insolvente “B…, Lda”.

       c)  Que, tendo apresentado a “modelo 1 de IMT” relativamente ao imóvel, juntando a declaração do administrador de insolvência para efeitos de reconhecimento da isenção prevista no n.º 2 do art. 270º do CIRE, a AT apenas reconheceu a isenção de imposto do selo, tendo procedido à liquidação de IMT.

       d) Considera que a liquidação de IMT enferma de ilegalidade por estarem preenchidos os requisitos exigidos para a aplicação da isenção de IMT prevista no art. 270º, nº 2 do CIRE.

       e)  Discorda da interpretação e aplicação que a AT faz do referido preceito legal, estribando-se em jurisprudência do STA.

       f)  Entende que a isenção prevista no n.º 2 do art. 270º é concedida atendendo aos actos considerados em si mesmos, independentemente da qualidade da pessoa ou entidade sujeita ao pagamento do imposto, aplicando-se quer à venda, quer à permuta, quer à cessão (sendo que apenas quanto a esta última se exige a transmissão da empresa ou universalidade).

       g)  Considera, assim, ser contrário ao fim pretendido pelo legislador o entendimento de que estariam excluídas de isenção do IMT as vendas de elementos do activo da empresa, ainda que integradas no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente.

       h)  Conclui, por isso, pela ilegalidade da liquidação objecto do pedido arbitral, requerendo a restituição do imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

8.    Por seu turno a Requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a)  Que o legislador apenas pretendeu manter a isenção de IMT no caso da transmissão da universalidade de bens associados ao exercício da actividade económica da empresa.

       b)  Contrariamente ao que pretende a Requerente, o facto de o preâmbulo do CIRE dispor que quanto aos benefícios fiscais se mantêm essencialmente os previstos no CPEREF, o que o legislador quis dizer, foi que a maioria dos benefícios consagrados naquele normativo ou, se se quiser, o seu núcleo fundamental, foi mantido pelo CIRE e não que todos os benefícios fiscais do CPEREF foram mantidos pelo CIRE.

       c)  Sustentando-se em informação vinculativa com despacho da Subdirectora-Geral dos Impostos da Área do Património, conclui que a venda de imóveis da empresa isoladamente não está abrangida pela isenção do n.º 2 do art. 270º do CIRE, estando, por consequência, sujeita a IMT nos termos gerais.

       d) No que respeita à situação em causa, não foram vendidos todos os imóveis de que a sociedade insolvente era proprietária, pelo que o benefício fiscal é atribuído para as empresas e empresários em nome individual e está de acordo com o “princípio da prevalência da alienação da empresa como um todo”, enunciado no preâmbulo do CIRE.

       d) Conclui, por isso, pela legalidade do acto de liquidação contestado o qual deve, assim, ser mantido, por encontrar fundamento no facto de a venda do imóvel não preencher os pressupostos do art. 270º, n.º 2 do CIRE.

.

 

* * *

 

8.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O processo é tempestivo e não enferma de nulidades.

 

       Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Atendendo às posições assumidas pelas Partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a)    A requerente adquiriu, em 29-04-2016, pelo preço de 500.000,00 €, o prédio urbano composto por edifício para indústria de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, sito no…, freguesia de …, concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e actualmente inscrito na matriz sob o artigo …;

b)    Tal prédio integrava o activo da sociedade “B…, Lda.”, a qual foi declarada insolvente no processo de insolvência n.º…, que correu termos na Comarca do Porto – ..., Instância Central – 1ª Secção de Comércio-J4, tendo outorgado a escritura pública de compra e venda, como vendedor, o administrador judicial nomeado naquele processo;

c)    Tendo em vista a realização da escritura pública de compra e venda do imóvel, a Requerente apresentou a “modelo 1 de IMT”, juntando, para efeitos de reconhecimento da isenção de IMT, a declaração do administrador de insolvência;

d)    A AT não reconheceu tal isenção, tendo procedido à liquidação do imposto, no montante de 32.500,00 €;

e)    A requerente procedeu ao pagamento do imposto;

f)    O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 29-06-2016.

 

 

1.2  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.

 

1.3  Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos, bem como das posições das partes, sendo de referir não emergir das posições assumidas por Requerente e Requerida discordância relativamente à matéria de facto, confinando-se o dissídio à matéria de direito.

 

2.    O DIREITO

 

Face às posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, a única questão a dirimir consiste em apreciar a legalidade do acto de liquidação de IMT, apurando-se se se verificou vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito de que depende a liquidação, pela não aplicação do disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE à aquisição do imóvel em causa.

 

Dispõe, o artigo 270.º do CIRE (na redacção dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro):

1.        Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

a)        As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b)        As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c)        As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

2.        Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Quer dizer, há que indagar se a isenção prevista no referido n.º 2 do art. 270º do CIRE, apenas opera relativamente a vendas, permutas ou cessão de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidades de bens (como sustenta a Requerida), ou se também se aplica relativamente a vendas, permutas ou cessão de imóveis, enquanto elementos do seu activo, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (como defende a Requerente).

 

Sobre esta dúvida interpretativa e em questão idêntica à dos presentes autos, já se pronunciaram anteriormente, de forma pacífica, reiterada e uniforme, quer o CAAD[1] quer o Supremo Tribunal Administrativo[2], em várias decisões.

 

Diz-se no Acórdão de 18-11-2015 (Processo n.º 01067/15) que “estão isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

 

Acrescentando que:

- “Os bens que integram a massa insolvente são os bens do património da empresa declarada insolvente e nenhuns outros pertencentes a outra pessoa singular ou colectiva. Por definição, os bens que são vendidos em processo de insolvência são bens do insolvente ou que, pelo menos, que foram tidos como tal. Não há qualquer venda de bens diversos dos que integravam o património do insolvente.

O legislador para garantir que assim é prevê mesmo um procedimento de reclamação para a restituição e separação de bens destinado a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos, ou aqueles de que o insolvente não seja pleno e exclusivo proprietário, ou sejam estranhos à massa ou insusceptíveis de apreensão para a massa – artº 141º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Além disso no capítulo da liquidação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas encontram-se indicações claras e precisas dos bens que podem ser vendidos nessa liquidação e daqueles que deverão ser temporária ou definitivamente excluídos da venda, só se liquidando no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre bens de que é contitular – artº 159º -, não se procedendo à venda dos bens de titularidade controversa até ao transito em julgado da sentença que defina a titularidade do direito de propriedade relativamente a esses bens – artº 160º.

 

O processo de insolvência é – artº 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – um processo de execução universal cujo fim é a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência destinado a promover a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não for possível, a liquidar o património do devedor insolvente com a subsequente repartição do produto obtido pelos credores. A massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo e ainda aqueles cuja impenhorabilidade não seja absoluta e sejam voluntariamente apresentados pelo devedor – artº 46º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - pelo que se não consegue conceber que haja bens que integrando a massa insolvente de uma empresa declarada insolvente possam ser integrados numa categoria de bens sem qualquer relação com essa empresa ou estabelecimento”

 

Não se vislumbram razões para não seguir a apontada jurisprudência.

Com efeito, o elemento literal do n.º 2 do artigo 270.º, do CIRE, determina que a isenção de IMT é aplicável quer à venda, quer à permuta, quer à cessão, sendo que apenas quanto a esta última se exige a transmissão de empresa ou universalidade.

Pelo que se perfilha o entendimento segundo o qual não estão sujeitos a IMT os actos de venda de imóveis realizados no âmbito de planos de insolvência ou de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, ainda que se tratem de “meros” elementos do activo da empresa e não de bens imóveis integrados no todo da empresa ou na transmissão global e completa de um dos seus estabelecimentos.

Donde resulta que, por estar a aquisição em causa abrangida pela norma de isenção constante do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, deverá ser julgado procedente o pedido arbitral apresentado contra a liquidação de IMT, anulando-se o respectivo acto de liquidação.

 

juros indemnizatórios

 

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no art. 24º, n.º 5 do RJAT.

 

No caso em apreço, ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise.

 

Pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.

 

***

 

3. DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

                                             a)  julgar procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação do acto tributário objecto do pedido arbitral correspondente à liquidação de IMT n.º…, no valor de 32.500,00 €;

                                             b) condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir à requerente o montante de imposto pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios;

                                             c)  condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

 

 

VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 32.500,00 € (trinta e dois mil e quinhentos euros).

 

 

CUSTAS:                         Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de   Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12-01-2017

 

 

 

O árbitro

 

 

 

António Alberto Franco



[1]     Vejam-se, a título exemplificativo: Decisão de 10-02-2016 - Processo nº 599/2015-T; Decisão de 27-10-2015 - Processo nº 99/2015-T; Decisão de 01-09-2015 - Processo nº 123/2015-T; Decisão de 09-06-2015 - Processo nº 95/2015-T.

[2]     Ver, designadamente, Acórdão de 20-01-2016 - Processo nº 1350/15; Acórdão de 16-12-2015 - Processo n.º 1345/15; Acórdão de 18-11-2015 - Processo n.º 575/15; Acórdão de 11-11-2015 - Processo n.º 968/13; Acórdão de 17-12-2014 - Processo n.º 1085/13 e Acórdão de 30-05-2012 - Processo n.º 949/11.