Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A…, LDA., com o NIF … e sede em …, requereu a constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa deduzida na sequência da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que nomeou e adiante igualmente se identificará, bem como do ato de liquidação reclamado.
Como nada disse sobre a eventual pretensão de designar árbitro, foram os signatários nomeados pelo Conselho Deontológico, nomeação que aceitaram e não teve oposição de qualquer das partes, ficando o tribunal constituído em 04 de Agosto de 2016.
A Administração Tributária (AT) respondeu, no prazo legal, defendendo-se por impugnação e juntando cópia do processo administrativo.
Dispensada que foi a reunião a que se refere o artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), por se entender, no caso, inútil, o tribunal anunciou que proferiria decisão até 04 de Janeiro de 2016 e convidou as partes a produzir alegações por escrito, o que elas fizeram, mantendo, no essencial, as posições antes manifestadas.
II – SANEAMENTO
O tribunal é competente, as partes são legítimas, dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e acham-se devidamente representadas. Não há nulidades, exceções ou questões prévias que impeçam o conhecimento do pedido.
III – MATÉRIA DE FACTO
1) FACTOS PROVADOS
a) A Requerente A…, LDA., é uma sociedade constituída em 1991 resultante de uma joit venture entre o Grupo B… e o Grupo C…, cujo capital era detido, até 20 de Julho de 2010, em 50% por cada um desses grupos.
b) Nesta última data, o grupo B… passou a deter a totalidade do capital da Requerente.
c) A Requerente dispõe de uma unidade industrial em Tondela, aí se dedicando à produção de sistemas de chaves, sistemas de segurança e de imobilização para automóveis.
c) Em 6 de Março de 1995, a Requerente e a D…, SA celebraram um contrato, válido por cinco anos, renováveis, salvo pré-aviso de um ano, em cujos termos a segunda se encarregava de promover a comercialização da produção da primeira, mediante uma comissão de 3% do valor das vendas.
d) O contrato tinha validade de 5 anos, renovável por iguais períodos sempre que, com a antecedência de um ano sobre o termo daquela vigência, qualquer uma das partes não optasse pela rescisão.
e) Assim, em Junho de 2010, estando o contrato num período de vigência cujo termo seria em 6 de Março de 2015, a Requerente rescindiu unilateral e imediatamente o mesmo contrato, por razões relativas ao reequacionamento do negócio da empresa, à sua estratégia de comercialização, designadamente, a angariação de novos mercados e novos clientes.
f) Como no contrato inicial se previa que o seu não cumprimento ou rescisão implicaria uma negociação de resolução, sem fazer referência ao modo de cálculo ou ao valor que deveria assumir a penalidade contratual resultante da rescisão unilateral, as contratantes acordaram em que a Requerente pagaria à D…, SA a quantia de € 7.072.867,71, pagamento esse que ocorreu em 2010 e foi revelado na subconta “#...– Outras penalidades contratuais”, influenciando na totalidade o resultado líquido do exercício de 2010 e o correspondente lucro tributável.
g) Para chegarem ao dito montante as partes estimaram que, entre Janeiro de 2010 e 6 de Março de 2014, a D…, SA auferiria comissões no montante de € 7.000.000,00.
h) Assim, o critério que presidiu ao cálculo do montante indemnizatório apurado no contexto da rescisão foi o de considerar as comissões que a D… SA teria direito se o contrato se cumprisse pelo prazo previsto.
i) A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva relativamente ao exercício de 2010.
j) Aquando dessa acção inspectiva, a Requerente dispunha de um dossier de preços de transferência, ao qual a Requerida não fez qualquer reparo, nem questionou a dedutibilidade daquela penalidade para efeitos fiscais.
k) Consta do relatório da inspecção que “(…) o pagamento da indemnização de €7 072 876, está associado a benefícios económicos futuros, pelo que só poderá ser considerado como gasto em 2010, a parte proporcional aos ganhos gerados, pois, não obstante ter havido a «despesa» no exercício de 2010 a mesma não representaria «gasto» na sua totalidade, naquele exercício”.
l) Concluiu a Requerida que o gasto a considerar no exercício de 2010 seria o resultante do produto entre a percentagem de 3% (valor fixado no contrato para a comissão) e o valor das vendas realizadas no período após a rescisão, que ascenderam a € 34.445.668,00, ou seja, € 1.033.370,00, corrigindo o lucro tributável para mais em € 6.039.506,67.
m) Esta correção ao lucro tributável apurado pela Requerente e outras correções ao lucro tributável e ao cálculo do imposto realizadas pela Requerida no âmbito da mesma acção inspectiva deram origem à demonstração de liquidação de IRC n.º 2015-…, à demonstração de liquidação de juros n.ºs 2015-…, 2015-… e 2015-… e à correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2015-… .
n) Por discordar da aludida correção ao lucro tributável e da correção ao cálculo do imposto, em 15 de Setembro de 2015, a Requerente deduziu reclamação graciosa.
o) Em 2 de Maio de 2016, a Requerente foi notificada da decisão de deferimento parcial da referida reclamação graciosa, tendo a Requerida mantido o entendimento de que, do valor total da indemnização paga de € 7.072.876,00, apenas o montante de € 1.033.370,00 poderá concorrer para o lucro tributável do exercício de 2010.
2) FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal assentou no exame dos documentos juntos ao processo, aqui dados por reproduzidos, e nas afirmações de parte não contrariadas pela contraparte.
3) FACTOS NÃO PROVADOS
De entre os alegados, relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.
IV – SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO
A Requerida considera que “atendendo à substância económica (n.º 3 do artigo 11.º da LGT) da operação nomeadamente à forma de cálculo do valor da indemnização (comissões projectadas com base em cenários de evolução das vendas da A…) e aos motivos que levaram à opção pelo pagamento e assunção do encargo ao Grupo C… (reequacionamento do negócio da Empresa, nomeadamente em termos de acesso a novos mercados e canais, uma optimização da sua cadeia de valor e optimização em termos estratégicos), verificamos que o pagamento do valor da indemnização de €7 072 876,71, está associado a benefícios económicos futuros, pelo que só poderá ser considerado como gasto de 2010, a parte proporcional aos ganhos gerados, pois não obstante ter havido a “despesa” no exercício de 2010 a mesma não representa “gasto” na sua totalidade, naquele exercício. Assim por aplicação da alínea a) do nº 3, do 17º do CIRC, que menciona que a contabilidade deve ser organizada de acordo com a normalização contabilística e do n.º 1, do artigo 18º, do CIRC, os rendimentos ou gastos são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento”.
A Requerida conclui que “Pelo exposto, e em obediência aos preceitos legais atrás referenciados, quanto ao valor suportado com a rescisão do contrato, no exercício de 2010, o gasto a considerar será o resultante do produto entre a percentagem de 3% (valor fixado no contrato para a comissão) e o valor das vendas realizadas no período após a rescisão, que conforme página 74, do DPT, desde Julho a Dezembro de 2010 ascenderam a 34.445.668,00, dado que o valor das comissões estaria associado ao montante das vendas. Assim o gasto a considerar no exercício de 2010 é de 1.033.3760,00 (…)”.
A Requerente defende sucintamente que à indemnização não estão associados benefícios económicos futuros e, por conseguinte, o gasto imputável ao exercício de 2010 deverá corresponder ao montante total da indemnização.
Assim, a principal questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral é a de aferir se a Requerente tem o direito de deduzir, para efeitos do cômputo do lucro tributável do exercício de 2010, o montante total de € 7.072.876,00 relativo à indemnização paga pela Requerente à D…, SA ou apenas proceder à dedução da parte proporcional aos ganhos gerados, correspondente a 3% do valor das vendas realizadas no período de Julho a Dezembro de 2010, no montante de € 1.033.370,00.
Cumpre, pois, decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral da liquidação de IRC sub judice e do acto de indeferimento parcial da reclamação graciosa que visara a anulação daquele acto de liquidação.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Código do IRC, o lucro tributável das pessoas colectivas é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do mesmo Código. O n.º 3 do mesmo artigo prevê que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas no Código do IRC e deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.
Estas normas consagram, assim, o modelo de dependência parcial entre a tributação dos rendimentos das pessoas colectivas e a contabilidade (que já se encontrava consagrado no Código da Contribuição Industrial), de acordo com o qual o lucro tributável é apurado a partir do resultado contabilístico, sendo efectuados os ajustamentos extracontabilísticos positivos ou negativos previstos na lei, para salvaguardar os objectivos e os condicionalismos próprios da fiscalidade, na sua vertente relacionada com os impostos sobre o rendimento.
Com efeito, conforme constitucionalmente instituído, a tributação das Empresas incide sobre a realidade económica constituída pelo seu lucro, razão pela qual a contabilidade, enquanto instrumento de medida dessa realidade, assume uma função fundamental no apuramento do lucro tributável.
No n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC acrescenta-se ainda que os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
Refira-se que o Código do IRC não apresenta qualquer outra norma que implique a realização de ajustamentos extracontabilisticos para determinação do lucro tributável, no que respeita à penalidade contratual em apreço, pelo que o tratamento desta em sede da tributação dos rendimentos corresponderá ao correspondente tratamento contabilístico nos termos do normativo contabilístico aplicável.
Adicionalmente, a este respeito, importa salientar que, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), sem que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo de outro decorrer diretamente da lei.
A legislação fiscal não define o que deve entender-se por regime de periodização económica, sendo este um termo próprio da contabilidade.
Assim, para o efeito, importa atender que, de acordo com o parágrafo 22 da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) aplicável em 2010, publicada pelo Aviso n.º 15652/2009, de 7 de setembro, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime do acréscimo (ou da periodização económica), sendo que através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalente de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem.
Assim, as demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas que envolveram pagamentos ou recebimentos, mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro.
Adicionalmente, no parágrafo 76 da Estrutura Conceptual do SNC, os gastos englobam as perdas assim como os gastos que resultem do decurso das atividades correntes (ou ordinárias) da entidade, sendo que estes incluem, por exemplo, o custo das vendas, os salários e as depreciações.
Acresce salientar que, nos termos do parágrafo 93 da mesma Estrutural Conceptual, os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados numa associação direta entre os custos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos, com vista a assegurar o balanceamento de custos com réditos, de modo a proceder-se ao reconhecimento simultâneo ou combinado de réditos e de gastos que resultem directa e conjuntamente das mesmas transações ou de outros acontecimentos.
Na parte final daquele parágrafo é apresentada a advertência de que a aplicação daquele conceito de balanceamento não permite o reconhecimento de itens no balanço que não satisfaçam a definição de activos ou passivos.
O parágrafo 95 da mesma Estrutura Conceptual prevê ainda a que um gasto é imediatamente reconhecido nos resultados quando o dispêndio não produza benefícios económicos futuros ou quando, e somente se, os benefícios económicos futuros não se qualifiquem, ou cessem de qualificar-se, para reconhecimento no balanço como um activo.
Por conseguinte, importa atender às condições a observar para que um dispêndio se qualifique como activo. Com efeito, a parte do valor da indemnização que não possa ser registada como gasto, terá de cumprir os critérios para reconhecimento como activo.
O parágrafo 49 define ativo como um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros, os quais correspondem ao potencial de contribuir, directa ou indirectamente, para os fluxos de caixa da entidade (que pode ocorrer por aumento dos influxos de caixa ou redução dos exfluxos de caixa).
O parágrafo 87 acrescenta ainda que um ativo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.
O conceito de probabilidade respeita ao grau de incerteza em que os benefícios económicos futuros associados ao ativo fluirão para, ou de a entidade, em função do mercado/sector em que a empresa opera, à data da preparação das demonstrações financeiras.
Neste sentido, no parágrafo 88 da Estrutura Conceptual é estabelecido que “um ativo não é reconhecido no balanço quando, relativamente ao dispêndio incorrido, seja considerado improvável que benefícios económicos fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente. Em vez disso, tal transação resulta no reconhecimento de um gasto na demonstração dos resultados. Este tratamento não implica que a intenção do órgão de gestão, ao incorrer no dispêndio, fosse outra que não a de gerar benefícios económicos futuros para a entidade, ou que a gestão dos negócios fosse mal orientada. A única implicação é a de que o grau de certeza de que os benefícios económicos fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente é insuficiente para justificar o reconhecimento de um activo”.
Nesta linha de pensamento, a rescisão contratual e a correspondente indemnização, ainda que possam visar a geração de novos rendimentos na esfera da Requerente, não significa que originaram benefícios económicos futuros.
Na verdade, o pagamento da penalidade contratual em crise não assegurou à Requerente o acesso a benefícios económicos futuros, atendendo a que visou apenas conferir-lhe a liberdade para implementar as medidas decorrentes do reequacionamento do seu negócio, optimização da sua cadeia de valor e o acesso a novos mercados e a novos canais.
Por isso, este gasto não está associado aos rendimentos a reconhecer pela Requerente nos anos seguintes, ainda que o respectivo valor tenha sido apurado tendo por referência estimativas de vendas futuras.
Na verdade, as vendas da Requerente no período de julho de 2010 a março de 2014 aos clientes anteriormente intermediados pela D… S.A. poderão ter sido muito superiores ou muito inferiores ao estimado para efeitos de determinação do montante da penalidade contratual.
Com efeito, nem o pagamento da penalidade contratual assegurava à Requerente qualquer vantagem futura (nomeadamente um determinado nível de vendas para os clientes existentes) nem seria ajustado em função das vendas futuras efectivas.
Por outro lado, a imputação deste gasto aos exercícios seguintes originaria a penalização dos resultados de exercícios em que o contrato de comercialização já não se encontrava em vigor, sendo certo que aquele gasto não esta relacionado com as vendas futuras.
Adicionalmente, importa analisar se um eventual ativo relativo à indemnização passou a ser controlado pela Requerente após a rescisão do contrato celebrado com a D…, S.A..
Quanto ao conceito de controlo, para o efeito, importa atender à Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 6, relativa aos activos intangíveis, segundo a qual uma entidade controla um ativo se tiver o poder de obter benefícios económicos futuros que fluam do recurso subjacente e puder restringir o acesso de outros a esses benefícios.
Ora, não se vislumbra, nem a Requerida comprovou, que a Requerente tivesse, na sequência da rescisão do contrato, passado a assegurar que os clientes anteriormente geridos pela D… S.A. continuariam a ser apenas seus clientes e que não poderiam adquirir produtos equivalentes a entidades concorrentes da Requerente.
Por outras palavras, a Requerente não tinha qualquer instrumento legal ou contratual que lhe garantisse que seria o fornecedor exclusivo dos produtos junto dos clientes angariados e/ou geridos anteriormente pela D…, S.A..
Aliás, a referida NCRF apresenta algumas situações em que os ativos não são controlados pela entidade, de entre os quais, importa atender particularmente ao relativo a uma carteira de clientes ou uma quota de mercado.
Não obstante a Empresa possa esperar que, devido aos seus esforços para criar relacionamentos e fidelizar clientes, estes continuarão a negociar com a empresa, na ausência de direitos legais para proteger, ou de outras formas controlar, o relacionamento com clientes ou a sua fidelidade para com a entidade, esta geralmente não tem controlo suficiente sobre os benefícios económicos esperados derivados do relacionamento e fidelização dos clientes para que tais itens (por exemplo, carteira de clientes, quotas de mercado, relacionamento com clientes e fidelidade dos clientes) satisfaçam a definição de activos intangíveis.
Em face do exposto, a indemnização em apreço não cumpria os critérios de reconhecimento como um ativo, devendo, por conseguinte, ser integralmente reconhecida como um gasto do exercício de 2010 para contabilísticos e, por conseguinte, para efeitos fiscais.
Refira-se também que o facto de, para efeitos da análise da margem operacional sobre os custos da Empresa, no dossier de preços de transferência, a Requerente ter considerado como custo apenas a proporção da indemnização que respeita a vendas de 2010, não significa que, para efeitos do apuramento do lucro tributável de 2010, a indemnização só poderia ser considera naquele montante. Na verdade, conforme mencionado no referido relatório de preços de transferência, este ajustamento foi efetuado “atendendo ao carácter excepcional da referida indemnização, e por forma a que não sejam introduzidas distorções na análise da margem operacional sobre custos da Empresa, para efeitos do teste efectuado (…)”.
Caso este ajustamento à margem operacional não fosse efectuado, o leitor do relatório de preços de transferência poderia ser levado a concluir que a margem operacional da Requerente em 2010 não se encontrava enquadrada no intervalo de plena concorrência identificado para determinar se as transações efetuadas (à excepção da indemnização) pela Requerente com entidades relacionadas cumpriam as regras de preços de transferência.
Sendo certo que esse não enquadramento advinha apenas de um facto extraordinário ocorrido no exercício de 2010 e relativo ao pagamento da penalidade contratual à D…, SA, razão pela qual se justificava o ajustamento daquela margem, considerando, para o efeito, apenas o montante das comissões que, no cenário de continuidade do contrato celebrado entre a Requerente e a D… S.A., seriam devidas pela primeira à segunda.
Adicionalmente, refira-se que, ao contrário do mencionado no relatório de inspeção tributária, o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 18.º do Código do IRC não é aplicável ao caso em apreço.
Aquela alínea determina que os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade.
Ora, a NCRF 18 relativa aos inventários exclui expressamente do custo dos inventários e, por conseguinte, do custo dos produtos vendidos, os custos de vender, nos quais se incluem as comissões por intermediação da venda.
Assim, o gasto relativo à indemnização não é um gasto suportado com as vendas, razão pela qual não lhe é aplicável o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 18.º do Código do IRC.
Termos em que se conclui que a demonstração de liquidação do IRC em apreço relativa ao exercício de 2010 enferma de vicio de violação da lei relativamente à correção à matéria colectável referente à penalidade contratual paga pela Requerente à D…, S.A., que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão da reclamação graciosa, na parte em que não conheceu dessa ilegalidade.
V. DECISÃO
Perante o exposto, decide-se:
-
Julgar procedente o pedido arbitral, e, consequentemente, anular a decisão da reclamação graciosa, bem como o ato de liquidação que a antecedeu;
-
Condenar nas custas do processo a Administração Tributária.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se em € 1.977.301,79 o valor do processo.
VIII – VALOR DAS CUSTAS
Computam-se as custas no montante de € 26.010,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Janeiro de 2017.
Os árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Maria Cristina Aragão Seia)
(João Gonçalves da Silva)
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revisto. O texto adota a ortografia anterior ao Acordo ortográfico)