Decisão Arbitral
Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Maria Forte Vaz e Armando Tavares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-08-2016, acordam no seguinte:
I.RELATÓRIO
1. A…, S.A. com número único de pessoa coletiva e de registo …, com sede em …, …, …-… … e com capital social de € 104.391.080,00 (doravante «Requerente») apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (regime Jurídico da arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente pede que seja declarada a ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios respeitantes ao exercício de 2013 no montante total de € 491.520,06, e pela condenação da AT ao reembolso do imposto já pago pela Requerente e ao pagamento de juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT, com os demais efeitos legais.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-06-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do tribunal arbitral coletivo a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, a Dra. Maria Forte Vaz e o Dr. Armando Tavares, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. A aceitação da designação foi comunicada às partes em 20-07-2016.
Não tendo as Partes manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 04-08-2016 em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
O Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios de autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, cfr. n.º 2 do artigo 19.º e n.º do artigo 29.º do RJAT, tendo o processo prosseguido com a concessão de prazo para alegações finais escritas.
Ambas as partes produziram as suas alegações finais dentro dos respetivos prazos e em que desenvolveram e atualizaram os seus argumentos.
2.No Requerimento Arbitral, a Requerente alegou, em síntese e com relevo:
a) O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a liquidação adicional oficiosa de IRC de 2013 e a respetiva liquidação de juros compensatórios que foram emitidas pela AT na sequência de ação inspetiva levada a cabo à Requerente, em 2015, e que incidiu sobre o exercício de 2013. Naquela ação inspetiva a AT negou a possibilidade de a Requerente relevar e deduzir no exercício de 2013 o montante dos benefícios fiscais resultantes da aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março (RFAI), em 2011 e em 2012 e que a Requerente não tinha podido aproveitar na sua totalidade nos ditos anos.
b) Quer em 2011, quer em 2012, considerando o valor da coleta apurada pela Requerente e em resultado do disposto no artigo 92.º do Código do IRC, formou-se uma situação de insuficiência de coleta que impediu que a Requerente pudesse usufruir plenamente do benefício do RFAI, pelo que, de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI, ter-se-ia de permitir à Requerente a dedução do valor sobrante dos benefícios em causa em 2013.
c) Por ter negado, no âmbito da aludida acção inspetiva, a efetiva dedução em 2013 do benefício do RFAI de 2011, a AT procedeu à alteração da proporção da dedução dos benefícios fiscais que tinha sido adotada pela Requerente aquando da sua autoliquidação, propugnando a final que a Requerente teria deduzido à coleta a mais, a título de benefícios fiscais e em termos líquidos, o montante de € 481.856,54, valor esse que a AT visa, pois, cobrar mediante a liquidação adicional oficiosa de IRC e sobre o qual fez incidir a liquidação de juros compensatórios igualmente impugnada.
d) A interpretação das disposições legais aplicáveis, em particular do artigo 92.º, n.º 1, do Código do IRC e do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, que levou a AT a emitir os atos sub judice mostra-se errónea e ilegal e não pode subsistir. No sentido da inadmissibilidade face à lei da posição da AT, pronunciaram-se já vários Tribunais Arbitrais constituídos junto do CAAD, nomeadamente nos processos n.º 693/2014-T, n.º 369/2015-T e n.º 370/2015-T.
e) Considera, assim, a Requerente que o problema-chave neste caso é somente o de saber se é à Requerente possível relevar em 2013 o valor do benefício fiscal decorrente do RFAI dos anos de 2011 e 2012, deduzindo efetivamente parte do referente a 2011, na medida em que a dedução nos respetivos exercícios não foi possível na sua totalidade em razão da aplicação do artigo 92.º do Código do IRC. Não se pretende discutir a sujeição do benefício do RFAI em 2011 e 2012 ao limite do artigo 92.º do Código do IRC, a qual ademais apenas teria relevância naqueles exercícios e não foi posta em causa pela Requerente.
f) Neste âmbito acrescenta a Requerente que, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RFAI, aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola que efetuem, no exercício em causa, investimentos considerados elegíveis, são concedidos determinados benefícios fiscais, entre os quais, a dedução à coleta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional: (i) 20% do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de € 5.000.000; (ii) 10% do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 5.000.000.
g) Nesta conformidade, prevê o n.º 3 do artigo 3.º do RFAI que quando a dedução dos investimentos elegíveis nos termos deste regime não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes, sendo que o único requisito do qual o legislador faz depender a possibilidade de deduzir o benefício fiscal em causa nos quatro exercícios seguintes é que se tenha verificado uma situação de «insuficiência de colecta». A possibilidade de «reportar» para os exercícios seguintes a dedução à colecta de IRC vertente do RFAI constitui uma relevante garantia para os particulares, visando assegurar a efetividade daquele benefício fiscal.
h) Uma vez que o RFAI limita a dedução à coleta de IRC a 25% do valor da mesma, mas estabelece que aquela dedução corresponde a 20% ou 10% do investimento relevante, a permissão de «reporte» pretendeu garantir que o facto de, no ano da concretização dos investimentos, o sujeito passivo apurar um montante de coleta que não permita a totalidade da dedução em causa não restringe a aplicação do benefício em causa, o qual pode ainda ter efeito nos quatro exercícios seguintes.
i) Até ao momento em que os investimentos realizados conduzissem a um substancial aumento da coleta de IRC, aqueles investimentos teriam uma diminuta relevância fiscal, pelo que não se criariam incentivos a que as empresas efetuassem novos investimentos com reflexo a curto médio prazo, sendo exatamente o efeito contrário que o RFAI pretende despoletar, consubstanciando um instrumento de política fiscal anticíclica que, mediante a promoção do investimento empresarial em determinadas regiões e da criação de emprego, visando contribuir para a revitalização da economia nacional.
j) Se o benefício de 2011 e de 2012 não tivesse sido totalmente aproveitado por os investimentos dedutíveis, nas percentagens fixadas pelo RFAI, serem superiores a 25% da coleta de IRC naqueles anos, não poderiam subsistir quaisquer dúvidas de que, pela simples e imediata aplicação do n.º 3 do artigo 3.º do RFAI, o valor remanescente poderia ser deduzido nos quatro exercícios seguintes e, por isso, no exercício de 2013.
k) A partir de 2011 e até 2012, inclusive, para além deste limite, a dedução do benefício fiscal do RFAI foi restringida não a 25% da coleta, mas sim a 10% da coleta. Em concreto, tendo o artigo 92.º do Código do IRC passado a prever que o valor de imposto liquidado não poderia ser inferior a 90% daquele que seria fixado sem a dedução de benefícios fiscais, então a dedução do benefício fiscal do RFAI deixou de poder ultrapassar 10% colecta.
l) Aplicando esta norma ao benefício consagrado no RFAI, se a dedução à coleta de IRC fixada nos termos daquele regime for em montante superior a 10% da mesma, então esta mostra-se insuficiente para a concretização daquela dedução, tal como pressupõe o n.º 3 do artigo 3.º do RFAI. Foi, precisamente, o limite vertente deste artigo 92.º do Código do IRC que conduziu a que a dedução atinente aos investimentos de 2011 e de 2012 não pudesse ser efetuada na totalidade naqueles anos. Em 2011, e também em 2012, e considerando a aplicação conjunta do RFAI e do artigo 92.º do Código do IRC, a colecta de IRC da Requerente mostrou-se insuficiente a permitir a totalidade da dedução fixada de acordo com as regras do RFAI.
m) Neste âmbito, considera a Requerente que a interpretação, imediatamente de uma perspetiva literal, mas também sistemática, do n.º 3 do artigo 3.º do RFAI só pode conduzir a uma conclusão, a de que a dedução nos quatro exercícios seguintes do valor que não puder sê-lo no exercício respeitante aos investimentos relevantes por insuficiência de coleta se aplica igualmente quando aquela insuficiência resulte da limitação plasmada no artigo 92.º do Código do IRC.
n) As normas decorrentes do artigo 92.º, n.º 1, do Código do IRC e do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI, interpretadas no sentido de impedir o reporte do benefício fiscal do RFAI para exercícios posteriores no caso ter sido pela aplicação do limite do artigo 92.º do Código do IRC que o contribuinte não pôde integralmente deduzir o benefício apurado naquele ano — negando-se a verificação de uma situação de insuficiência de coleta, tal como prevista no artigo 3.º, n.º 3, do RFAI — mostram-se inconstitucionais por violação do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição.
o) A norma do n.º 1 do artigo 92.º do Código do IRC, interpretada no sentido de impedir o reporte do benefício fiscal do RFAI para exercícios posteriores no caso de ter sido pela aplicação do limite do artigo 92.º do Código do IRC que o contribuinte não pode integralmente deduzir o benefício apurado naquele ano — negando-se a verificação de uma situação de insuficiência de coleta, tal como prevista no artigo 3.º, n.º 3, do RFAI —, mostra-se inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, vertente do artigo 2.º da CRP e consagrado no n.º 2 do artigo 266.º do mesmo compêndio constitucional.
p) Concluindo a este respeito que não deixa de ser relevante ter em conta que a partir de 2013 o limite do artigo 92.º do Código do IRC deixou de ser aplicável ao RFAI, na medida em que este passou a ser expressamente excecionado no n.º 2 daquele mesmo artigo.
3.A AT, na sua resposta, veio alegar, em síntese e no essencial que:
a) A Requerente invocou na declaração modelo 22 de IRC de 2013 o direito a deduzir um crédito fiscal a título de RFAI, de €7.849.225,59 (2011: €5.302.625,07 e 2012: €2.546.600,52), relativo a períodos anteriores, mas que corresponde aos valores dos benefícios fiscais não deduzidos naqueles exercícios por força do cálculo do resultado da liquidação, nos termos do art.º 92.º do Código do IRC, todavia, segundo a AT não é possível, neste caso em concreto, aproveitar de valores de RFAI que, por referência a anos anteriores, não tenham tido eficácia ao nível da dedução, por força do comando legal daquele preceito.
b) A não dedução dos referidos montantes não decorre de insuficiência de coleta mas, antes, da aplicação do normativo que regula o resultado da liquidação das deduções aos benefícios fiscais.
c) O n.º 3 do art.º 3.º do RFAI 2009 determinava que, “Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.”, ou seja, pode ser deduzido mas, ao montante referido na alínea a) do n.º 1, do mesmo artigo, i.e. ao montante determinado de acordo com as regras do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, pelo que a coleta a que se refere a alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do RFAI é a que resulta do ato de liquidação do IRC, processado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do respetivo Código, que consiste na aplicação da taxa do imposto à matéria coletável.
d) Resulta, para a AT, evidente da letra da lei que regula o RFAI nos períodos de 2009 a 2012, que apenas se admite a utilização num período de crédito fiscal gerado por RFAI de períodos anteriores quando a dedução no período a que se reporta o investimento não tenha sido integral (nos termos que o n.º 2 do art.º 3.º do RFAI-2009 prevê) por insuficiência de coleta e por estar definido de forma expressa não se admite qualquer outra interpretação que não seja a que respeite integralmente o texto da lei.
e) O RFAI de 2011 e de 2012 apenas estará incluído no conjunto de créditos de imposto por benefícios fiscais dedutíveis em 2013 se, e só na parte em que por insuficiência de coleta não tenha sido possível utilizar na determinação do IRC de 2011 e 2012. Tal não acontece conforme bem se demonstra no resumo das liquidações de IRC para os períodos de 2011 e 2012. O valor que a empresa reclama como crédito fiscal de RFAI reportado dos anos de 2011 e 2012 mais não é que o imposto pago a título de resultado da liquidação nos termos previstos no art.º 92.º do CIRC.
f) Ao aceitar-se reportar para os períodos de tributação seguintes o acréscimo do «resultado da liquidação», que no caso em concreto, terá a ver com a utilização [excessiva conforme art.º 92.º do CIRC] de RFAI, iria-se inutilizar o próprio artigo uma vez que se estaria primeiramente a limitar o impacto da utilização do benefício no imposto a pagar, para posteriormente, com a permissão do reporte, invalidar a própria limitação que é o objetivo contido na norma.
g) Independentemente de terem sido feitas as correções ao cálculo do imposto, decorrentes do resultado de liquidação, nos termos do artigo 92º do CIRC, nos períodos de 2011 e 2012, a dedução de RFAI não seria reportável. Neste âmbito a Administração Tributária e Aduaneira pronunciou-se num pedido de informação vinculativa à Direção de Serviços do IRC, processo com o n.º … de 2012-06-19, onde consta o entendimento da impossibilidade de reporte do RFAI correspondente ao imposto acrescido por efeito do art.º 92.º do CIRC, entendendo os Serviços que, “Independentemente de ter ou não que ser feita a correção imposta por este artigo [artigo 92.º do CIRC] o montante do RFAI que deve ser deduzido à coleta e inscrito no campo 355 do quadro 10 terá que corresponder à importância a que se refere a alínea a), subalínea i) ou ii) do n.º 1 do artigo 3.º do diploma que o regula.”, e que “…a dedução do RFAI reportável para os períodos de tributação seguintes não sofre qualquer alteração por força da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 92º do CIRC”, acrescentando ainda que “…se se mantivesse a possibilidade de reporte do montante do benefício que é acrescido na sequência da aplicação deste preceito, o efeito pretendido pelo legislador acabaria por ser totalmente neutralizado”, concluindo que na sequência da limitação mencionada, “a importância reportável para os períodos de tributação seguintes mantém-se inalterável, ainda que por força do disposto no n.º 1 do artigo 92º do CIRC, haja lugar à correção do imposto liquidado”.
h) Considerando assim a AT que o n.º 3 do artigo 3.º do diploma que aprovou o RFAI apenas prevê o reporte deste benefício quando a dedução “não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta”. Por insuficiência de coleta, e não, ou, e não também, por limitação do artigo 92.º do CIRC.
i) Acrescenta ainda que a Direção de Serviços do IRC também se pronunciou, na resposta ao pedido de informação vinculativa n.º… de 2012-12-10, no sentido da não existência de conflitualidade entre as normas que regulam o RFAI e o art.º 92.º do CIRC, na sequência de um enquadramento proposto por um sujeito passivo e que indicava que o limite da dedução específico previsto na legislação que regulava o RFAI, deveria prevalecer face ao limite geral de utilização de benefícios fiscais previstos no art.º 92.º do CIRC, até porque as limitações são aplicadas em fases diferentes.
j) Concluindo a AT que:
a. A totalidade do crédito fiscal por RFAI de 2011 e 2012 foi utilizado nas liquidações de IRC desses períodos;
b. A correção ao impacto dos benefícios fiscais conhecida como «resultado da liquidação» ocorre em fase posterior da liquidação de imposto e não influencia os benefícios fiscais utilizados, mas tão só com o efeito dessa utilização na taxa efetiva de imposto;
c. A única possibilidade legalmente prevista para que o crédito de um período seja utilizado em períodos seguintes é a insuficiência de coleta e tal facto não aconteceu nos períodos de 2011 e 2012 em que, após a dedução dos benefícios fiscais por dedução à coleta de imposto (nos limites que cada diploma prevê para o beneficio fiscal que regula) a empresa apresenta ainda imposto a pagar.
k) Finalmente, complementa que a não dedução à coleta, em 2011 e em 2012, do montante de benefícios fiscais relativos ao RFAI, por efeito do cálculo do resultado da liquidação, não pode ser imputada a insuficiência de colecta, propriamente dita, pois, o que se verificou foi produto de um efeito de um normativo com objetivo de minimizar o efeito da “erosão” na colecta provocada pela cumulação de benefícios fiscais e que os efeitos dos benefícios fiscais, enquanto medidas que introduzem exceções ao regime normal de tributação podem ser limitados nos seus efeitos, sempre que o legislador entenda que há objetivos subjacentes à tributação são de valor superior.
II.SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5.º e 6.º n.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março)
O processo não enferma de nulidades, e não foram invocadas exceções, cumprindo apreciar e decidir do mérito do pedido.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente dedica-se à extração mineira nas minas de …, conforme contrato de concessão para a exploração do depósito mineral …, …, …, …, …, … e … denominado …, celebrado entre o Estado e a Requerente em 24 de novembro de 1994, com a redação que resultou após a alteração efetuada em 18 de junho de 2004 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
b) Nos exercícios de 2011 e 2012 a Requerente preencheu os requisitos necessários para poder usufruir do benefício fiscal decorrente do RFAI, matéria não contestada pela AT.
c) Naqueles exercícios a Requerente efetuou investimentos na sua atividade que conduziram ao apuramento de dedução à coleta nos termos prescritos no RFAI.
d) Em 2011 o benefício decorrente do RFAI foi fixado em € 8.771.595,38.
e) Em 2012 o benefício decorrente do RFAI foi fixado em € 5.305.308,21.
f) Tendo em consideração os valores de coleta apresentados pela Requerente nos exercícios de 2011 e 2012, conjugados com a regra disposta no artigo 92.º do CIRC, a mesma coleta mostrou-se insuficiente para a total dedução do valor do benefício fiscal apurado de acordo com o RFAI de 2011 e 2012, tendo a Requerente reportado os valores sobrantes para os anos seguintes.
g) A Requerente relevou e deduziu os valores sobrantes à coleta de 2013, de forma proporcional e tendo em consideração os restantes benefícios apurados em 2013 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
h) A Requerente relevou na sua Declaração Modelo 22 de IRC como valor a reportar para 2013, com referência ao saldo de RFAI não deduzido no período anterior o montante total de € 7.849.225,59, correspondendo € 5.302.625, 07 a 2011 e € 2.546.600,52 a 2012 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
i) A Requerente deduziu de facto no exercício de 2013, o valor de € 3.179.117,59 referente ao reporte relativo a 2011, reportando uma vez mais o excedente (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
j) Em 2015 a Requerente foi objeto de ação inspetiva ao exercício de 2013 em sede de IRC na qual a AT sustentou, por um lado, uma correção ao valor do investimento relevante para efeitos do apuramento do benefício fiscal do RFAI com referência a 2013 e, nessa conformidade, uma correção ao montante daquele benefício, à qual a Requerente não se opôs.
k) Decorrente dessa ação inspetiva foi igualmente efetuada uma correção ao valor total e à repartição da dedução de benefícios à coleta de 2013, indicando a AT que a empresa considerou indevidamente o direito à dedução de reporte decorrente do RFAI de 2011 e 2012 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
l) A Requerente considerou uma dedução, ao cálculo de IRC de 2013, de benefícios fiscais no valor de € 13.827.561,01 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
m) O valor de € 13.827.561,01 é decomposto e calculado da seguinte forma (Cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
|
Benefícios fiscais
|
Limite de
|
Dedução 2013
|
|
declarados
|
utilização
|
declarada
|
RFAI 2011
|
5.302.625,07
|
3.456.890,25
|
3.179.117,59
|
RFAI 2012
|
2.546.600,52
|
|
0,00
|
RFAI 2013
|
2.499.568,58
|
2.499.568,58
|
2.298.719,91
|
AICEP 2012
|
3.371.805,31
|
1.857.041,44
|
1.707.821,97
|
AICEP 2013
|
13.681.054,62
|
5.056.739,06
|
4.650.413,22
|
CFEI
|
1.000.000,00
|
1.000.000,00
|
919.646,67
|
SIFIDE
|
1.165.492,89
|
1.165.492,89
|
1.071.841,65
|
Total
|
29.567.146,99
|
15.035.732,23
|
13.827.561,01
|
n) Decorrente da ação de inspeção a AT considerou as seguintes correções (Cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
|
Benefícios fiscais
|
Limite de
|
Dedução 2013
|
|
|
utilização
|
|
RFAI 2011
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
RFAI 2012
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
RFAI 2013
|
2.409.389,63
|
2.409.389,63
|
2.409.389,63
|
AICEP 2012
|
3.371.805,31
|
1.857.041,44
|
1.857.041,44
|
AICEP 2013
|
13.681.054,62
|
6.913.780,51
|
6.913.780,51
|
CFEI
|
1.000.000,00
|
1.000.000,00
|
1.000.000,00
|
SIFIDE
|
1.165.492,89
|
1.165.492,89
|
1.165.492,89
|
Total
|
21.627.742,45
|
13.345.704,47
|
13.345.704,47
|
o) A Requerente exerceu o direito de audição em 18 de dezembro de 2015 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
p) No final de 2015 foi emitido o Relatório Final de Inspeção (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) o que conduziu à emissão da liquidação adicional de IRC de 2013 e da respetiva liquidação de juros compensatórios (documentos n.º 1, n.º 2 e n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
q) A Requerente procedeu ao pagamento do montante apurado nas mesmas, num total de € 491.520,06, em 6 de abril de 2016 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
B. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
C. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre os mesmos, nomeadamente quanto ao valor do benefício fiscal do RFAI não deduzido em 2011 e em 2012 que a Requerente entende poder ser reportado e utilizado em 2013.
III.2.DO DIREITO
A. Da liquidação de IRC
Tendo em conta a factualidade supra considerada e o pedido deduzido pela Requerente, conclui-se que a questão a decidir nos presentes autos prende-se com o sentido e alcance a dar à interpretação conjugada constante dos preceitos legais contidos nos artigos 3.º, nº 3, do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março[1], e o artigo 92.º do CIRC.
No entender da Requerente e, em resumo, resulta do n.º 3 do art. 3.º do RFAI que “quando a dedução dos investimentos elegíveis nos termos deste regime não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes. Donde se mostra manifesto (…) que o único requisito do qual o legislador faz depender a possibilidade de deduzir o benefício fiscal em causa nos quatro exercícios seguintes é que se tenha verificado uma situação de insuficiência de colecta” – cfr. arts. 28.º e 29.º do requerimento inicial. Tal insuficiência de coleta de IRC pode resultar, nomeadamente, dos limites impostos pelo art. 92.º do CIRC, sendo que “(…) a interpretação, imediatamente de uma perspectiva literal, mas também sistemática, do n.º 3 do artigo 3.º do RFAI só pode conduzir a uma conclusão, a saber: a de que a dedução nos quatro exercícios seguintes do valor que não puder sê-lo no exercício respeitante aos investimentos relevantes por insuficiência de colecta se aplica igualmente quando aquela insuficiência resulte da limitação plasmada no artigo 92.º do Código do IRC” – cfr. art. 43.º do requerimento inicial.
Contrariamente, a Requerida entende, em síntese, que o direito de reporte dos benefícios fiscais decorrentes do RFAI só existirá nos casos em que a dedução no ano do investimento não tenha sido possível por insuficiência da coleta, que não a resultante da aplicação do regime do art. 92.º do CIRC. Alega a Requerida que “O legislador do RFAI não fez qualquer referência no n.º 3 do art. 3.º do RFAI, a propósito da insuficiência de colecta, que a mesma poderia advir também do cálculo do resultado da liquidação tal como previsto no art. 92.º, normativo introduzido no Código do IRC em 2005, com o propósito de reduzir o impacto na colecta das deduções efectuadas a título de benefícios fiscais. Por isso, mal se compreenderia que, por um lado, tivesse havido preocupação de reduzir o efeito dos benefícios fiscais no cálculo do IRC devido ao Estado e, por outro, se esse efeito fosse neutralizado, consentido os valores não deduzidos num determinado período de tributação pudessem sê-lo em exercícios futuros, pelo mecanismo de reporte. (…) Ao aceitar-se reportar para os períodos de tributação seguintes o acréscimo do resultado da liquidação, que no caso em concreto, terá a ver com a utilização [excessiva conforme art. 92.º do CIRC] de RFAI, iria inutilizar-se o próprio artigo uma vez que se estaria, primeiramente, a limitar o impacto da utilização do benefício no imposto a pagar, para posteriormente, com a permissão do reporte, invalidar a própria limitação que é o objectivo contido na norma” – cfr. arts. 40.º, 41.º e 46.º da resposta.
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Delimitada a questão a apreciar, cumpre analisar.
Em 2011, dispunha o artigo 3.º do RFAI, na parte que aqui interessa, o seguinte:
“Artigo 3.º
Incentivos fiscais
1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:
i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;
ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;
b) Isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período até cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante;
c) Isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante;
d) Isenção de imposto do selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.
2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.
3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.”
Em complemento, o artigo 92.º do CIRC dispunha o seguinte:
“Artigo 92.º
Resultado da liquidação
1 - Para as entidades que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90 % do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:
a) Os que revistam carácter contratual;
b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II);
c) Os benefícios fiscais às zonas francas previstos nos artigos 33.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os que operem por redução de taxa;
d) Os previstos nos artigos 19.º, 32.º e 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”
Da conjugação destas duas normas resultava que, em 2011, a dedução à coleta em que se traduzia o benefício fiscal previsto no RFAI estava sujeita não só à limitação específica prevista no supra referido artigo 3.º (“até à concorrência de 25%” da coleta), mas também à limitação prevista neste art. 92.º do CIRC (ou seja, até ao máximo de 10% da coleta que seria devida em caso de inexistência de benefícios fiscais). Significa isto que, caso a dedução permitida ao abrigo do artigo 3.º do RFAI fosse superior à permitida pelo artigo 92.º do CIRC, o limite previsto neste último normativo seria aplicável, ficando o contribuinte impedido de deduzir a totalidade do crédito a que teria direito ao abrigo do RFAI.
E foi isto que se verificou em 2011 e em 2012 relativamente à Requerente porquanto a coleta de imposto apurada em cada um desses exercícios não permitiu a dedução integral do benefício fiscal obtido nos termos do RFAI; isto é, em cumprimento da limitação imposto pelo artigo 92.º do CIRC, a Requerente não procedeu, nos exercícios identificados, à dedução integral do benefício a que teria direito. Em consequência, a Requerente considerou que o excesso não deduzido seria reportável para os exercícios seguintes, ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º do RFAI, pelo que, em 2013, deduziu à coleta apurada o montante de € 3.179.117,59, relativo ao benefício reportável de 2011. A Requerida recusou reconhecer tal importância como reportável, alegando que o benefício fiscal se esgotara integralmente em 2011, sem qualquer possibilidade de reporte para os exercícios seguintes, uma vez que nesse exercício não se verificou uma situação de insuficiência de coleta.
Ora, cumpre antes de mais referir que a limitação à dedução dos benefícios fiscais prevista no n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, com as exceções identificadas no n.º 2 do mesmo preceito do CIRC, não tem como objectivo restringir a aplicação desses mesmos benefícios. Seria, aliás, um contrassenso do legislador criar um sistema de incentivos fiscais ao investimento como os previstos no RFAI – que inclui expressamente a possibilidade de reporte para exercícios seguintes - para, depois, por outra via, recusar os efeitos práticos desse mesmo sistema de incentivos, esvaziando-o de conteúdo e anulando o efeito económico que se pretenderia obter. Na verdade, de acordo com o Relatório do Orçamento Geral do Estado para 2005 que introduziu a limitação à dedução dos benefícios fiscais, o objectivo do legislador foi instituir um “limite à redução da taxa efectiva de tributação por utilização dos benefícios fiscais”[2], assegurando, assim, uma receita mínima de imposto em cada exercício. O objetivo foi, pois, o de limitar o aproveitamento dos benefícios fiscais em determinado período de tributação, garantindo um nível mínimo de imposto a pagar pelo sujeito passivo e, consequentemente, de receita fiscal, e não o de prejudicar ou afastar o reporte de tais benefícios para exercícios futuros, sempre que tal reporte estivesse legalmente previsto.
Nessa medida, a eventual recusa do reporte dos benefícios fiscais previstos do RFAI que não sejam integralmente utilizados no período em que se realizou o investimento relevante não pode justificar-se com recurso ao artigo 92.º do CIRC.
Assim sendo, a existência ou não de direito ao reporte dos benefícios previstos no RFAI está apenas sujeita ao regime do n.º 3 do artigo 3.º do RFAI que faz depender tal direito da impossibilidade de dedução integral no exercício do investimento em virtude da insuficiência da coleta, qualquer que seja a causa dessa insuficiência. Na verdade, o legislador não delimitou ou identificou quais as situações de insuficiência de coleta que dariam lugar a tal direito de reporte, sendo que só uma interpretação ampla não limitadora permitirá assegurar o efeito útil do próprio sistema de incentivos fiscais introduzido pelo RFAI.
Como se concluiu na decisão arbitral de 01/04/2015, proferida no proc. 693/2014-T, com a qual concordamos, “sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) para atingir o objectivo visado de incentivar o investimento, a referência à possibilidade de reporte em caso de insuficiência de colecta não deverá ser interpretada com o alcance de dificultar aos contribuintes usufruírem do benefício fiscal, pois o objectivo da norma é precisamente o contrário, aumentar as possibilidades de os contribuintes poderem vir efectivamente a usufruir do benefício, que legislativamente se entende ser uma contrapartida justa do investimento.
Sendo assim, numa interpretação teleológica, que permita encontrar na lei forma de assegurar os objectivos visados legislativamente e não prejudicá-los, a possibilidade de dedução deverá existir na generalidade das situações em que a colecta de IRC disponível para usufruir do benefício fiscal não seja suficiente para o seu aproveitamenteo integral, o que não deixa de ser uma interpretação com correspondência na letra da lei, pois do artigo 92.º, n.º 1, do CIRC resulta uma diminuição da colecta disponível para usufruir de benefícios fiscais em IRC. E, por isso, quando esta colecta disponível for insuficiente para deduzir a totalidade do benefício fiscal resultante do investimento, estar-se-á perante uma situação de insuficiência de colecta para efeitos do artigo 3.º, n.º 3, do RFAI”.
Esta é, aliás, a interpretação que assegura a própria coerência do sistema fiscal porquanto, como supra referido, seria um contrassenso criar um sistema de incentivos fiscais ao investimento instituindo uma dedução à coleta até ao máximo de 25% da mesma com possibilidade de reporte para períodos de tributação seguintes, verificadas que sejam determinadas condições, para, depois, por outra via, limitar esse mesmo benefício a 10% da coleta, sem qualquer possibilidade de reporte.
Seguimos, também, aqui a orientação da decisão arbitral suprareferida, e posteriormente reiterada nas decisões arbitrais de 25/01/2016, proferidas nos procs. n.ºs 369/2015-T e 370/2015-T, em que se concluiu que “o benefício fiscal resultante do RFAI em matéria de IRC apenas pode ser utilizado na medida em que não ponha em causa o limite previsto no art. 92.º, n.º 1, do CIRC, mas não se vislumbra obstáculo legal a que a parte que não seja utilizada no ano do investimento possa ser utilizada para dedução à colecta de IRC nos anos subsequentes, até ao limite previsto no n.º 3 do artigo 3.º do RFAI”.
Assim sendo, concluímos que a liquidação contestada, com os fundamentos constantes do relatório de inspeção, enferma de vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação do artigo 3.º do RFAI. Contrariamente ao pretendido pela Requerida, não procedem as conclusões plasmadas no relatório de inspeção no sentido de que:
- “a totalidade do crédito fiscal por RFAI de 2011 e 2012 foi utilizado nas liquidações de IRC desses períodos” – cfr. pág. 9/23 do relatório de inspeção;
- “É indevida a invocação do direito a crédito de imposto por RFAI de períodos anteriores no montante de 7.849.225,59 Euro porque a totalidade do crédito de imposto por RFAI gerado em 2011 e 2012 foi consumido nas liquidações de IRC desses períodos visto que aquele crédito não resulta da insuficiência de colecta, única condição para que o mesmo pudesse existir nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do RFAI-2009” – cfr. pág. 9/23 do relatório de inspeção.
Face ao exposto, será de considerar procedente o pedido deduzido pela Requerente, devendo ser declarados ilegais e, em consequência, anulados, os atos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios respeitantes ao exercício de 2013, no valor de €491,520,06, objeto de impugnação.
B. Dos juros indemnizatórios
Resulta dos factos provados que a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional de IRC de 2013 e juros compensatórios, no total de € 491.520,06, em 06/04/2016.
Nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, pág. 342, nota 2 “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro tiver por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou)”.
Ora, no caso concreto, está inequivocamente justificado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerente uma vez que a liquidação de imposto contestada é ilegal pelo que deverá ser anulada. Por outro lado, tem a Requerente direito a reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgados.
Assiste, desta forma, à Requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, sobre a quantia de € 491.520,06, contados desde a data de pagamento até à data de processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.
IV.DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto ao pedido de anulação da liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios de 2013, ordenando-se a sua anulação; e, em consequência,
b) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre o montante de imposto indevidamente pago, às taxas legais aplicáveis, desde a data do pagamento até à data de processamento da respectiva nota de crédito.
V.VALOR DO PROCESSO
Tendo em conta o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 491.520,06.
VI.CUSTAS
Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.650,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.
Lisboa, 10 de janeiro de 2017.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs (presidente)
Maria Forte Vaz (vogal)
Armando Tavares (vogal)
[1] Mantido em vigor para os exercícios de 2011, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e de 2012 pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, respectivamente.