Decisão Arbitral
1. Relatório
1.1 A… e B…, doravante designados por «Requerentes», contribuintes n.ºs … e …, respetivamente, residentes na Rua …, n.º…, lugar de …, freguesia de …, concelho de Leiria, requereram a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 18 de maio de 2016, tem por objeto a decisão de indeferimento do Senhor Chefe da Divisão de Justiça Tributária–Contencioso da Direção de Finanças de …, de 12-02-2016, proferida no processo de reclamação graciosa n.º …2015… e a consequente anulação da liquidação adicional de IRS 2015 … e respetivos juros compensatórios, no montante de 59 424,92 € (cinquenta e nove mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e noventa e dois cêntimos), relativas ao ano de 2011.
1.3 Os Requerentes optaram por não designar árbitro.
1.4 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 24 de maio de 2016.
1.5 O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.6 Em 08 de julho de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.7 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 25 de julho de 2016.
1.8 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 26 de julho de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
1.9 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT).
1.10 Em 26 de setembro de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo na mesma data juntado aos autos o respetivo PA.
1.11 Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental e que a Requerente juntou ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, por despacho de 21 de dezembro de 2016, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma bem como a apresentação de alegações pelas Partes.
1.12 Em 15 de dezembro de 2016 procedeu-se à tomada de declarações dos Requerentes bem como à inquirição das testemunhas arroladas pelos mesmos.
1.13 Na mesma data foram produzidas alegações orais pelas Partes.
1.14 Foi designada a data de 23 de janeiro de 2017 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.
2. Saneamento
2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
2.2 O processo não enferma de nulidades.
2.3 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
2.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Posição das Partes
3.1 Dos Requerentes
Sustentam o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:
À data a que os factos remontam (ano de 2011), o Código do IRS fazia prevalecer o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT sobre o preço declarado, quando inferior, sem admissão de prova em contrário, cfr. artigo 44.º, nº 2 do Código do IRS.
Esta norma constituía, contudo, uma presunção inilidível de transmissão de imóveis pelo respetivo valor patrimonial tributário, ainda que o valor efetivamente recebido pelo sujeito passivo tivesse sido inferior, como foi no caso vertente.
A liquidação de imposto sobre a venda de um bem, cujo valor a lei presume sem admissão de prova em contrário do sujeito passivo, viola flagrantemente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º n.º 1 da Constituição da República e o princípio da capacidade contributiva, que constitui a expressão do princípio da igualdade no domínio dos impostos, consagrado no art.º 104.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O ato de liquidação é ilegal, por se fundar numa inilidível presunção da existência e valor de montantes não recebidos, sendo a referida norma (artigo 44.º, nº 2 do CIRS) materialmente inconstitucional.
O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, aditou ao CIRS o artigo 31.º-A, cujo n.º 1 refere que o valor de realização, no caso de transmissão onerosa de imóveis no âmbito de atividades empresariais e profissionais exercidas por contribuintes singulares, corresponde ao valor que servir de base à liquidação de IMT, sempre que este seja superior ao valor declarado no contrato. Porém, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, o disposto naquele preceito não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto, prova essa a efetuar de acordo com o procedimento previsto no artigo 129.º (atual 139.º) do CIRC.
Idêntico regime passou a constar do CIRC, com o aditamento dos artigos 58.º-A (atual 64.º) e artigo 129.º (atual 139.º), introduzido pelo n.º 6.º do mesmo decreto-lei.
Porém tal regime de ilisão de presunção não se aplica às mais-valias obtidas no âmbito dos rendimentos da categoria “G”, mas apenas aos ganhos obtidos por empresários em nome individual no âmbito da categoria “B” em cujo regime específico a referida norma se insere (Secção III do Capítulo II do CIRS) bem como às pessoas coletivas.
Com a reforma do CIRS de 2015, o legislador passou a admitir que, também na cédula de categoria “G”, o sujeito passivo pudesse ilidir a presunção de transmissão pelo VPT, aditando àquele artigo 44.º os seus n.ºs 5 e 6.
Anteriormente a prova em contrário ao disposto no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, não era admitida, como consta da pág. 44 do relatório final da Comissão para a Reforma do IRS: “(…) Ao nível das mais-valias imobiliárias – e diferentemente do que sucede em sede de IRC e, também, de IRS, neste caso quando tais mais-valias são tributadas no âmbito da categoria B –, a tributação em sede da categoria G não prevê a possibilidade de afastamento da regra que determina que o valor de realização corresponde ao valor a considerar para efeitos de liquidação de IMT sempre que este seja superior ao declarado. Não se vislumbrando motivos que impeçam a ilisão da referida presunção no âmbito da categoria G e podendo esse impedimento ter consequências gravosas e injustificadas para os contribuintes, propõe-se a consagração expressa de que, também neste caso, existe tal possibilidade”.
O n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, tal como foi aplicado e serviu de fundamento ao ato de liquidação ora impugnado, viola a Constituição, levando a uma diferenciação arbitrária, porque injustificada, entre transmitentes singulares e coletivos, e também entre transmitentes singulares empresariais ou profissionais e os outros.
Nada justifica, como pretende a fundamentação do ato ora impugnado, consagrar que o valor de realização nas transmissões onerosas de imóveis feitas por pessoas que não são empresários não possa em caso algum ser inferior ao valor patrimonial tributário, configurando uma grosseira violação da Constituição da República, por ofensa do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP.
Pelo que lhes deve ser permitida a possibilidade de demonstrar que os efetivos valores de venda dos imóveis não correspondem aos valores patrimoniais tributários, ou seja, que lhes deves ser permitido ilidir a presunção prevista no número 2, do artigo 44.º do Código do IRS, ao abrigo do artigo 73.º da Lei Geral Tributária que determina que as “presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
Termina, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação do despacho do Senhor Chefe da Divisão de Justiça Tributária–Contencioso da Direção de Finanças de …, de 12-02-2016, proferido no processo de reclamação graciosa n.º …2015… bem como da anulação da liquidação impugnada com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
3.2 Da Requerida
Defendendo-se, por impugnação, invoca os seguintes argumentos:
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS e na estrita aplicação desta norma e do mencionado quadro legal, a AT determinou como valor de realização, para efeitos de mais-valias enquadradas na categoria “G”, o dos VPT’s dos respetivos prédios alienados, dado que esses valores prevaleciam (porque superiores) sobre os valores dos contratos.
Em contraposição com a norma do artigo 31.º-A do CIRS, que incide sobre rendimentos obtidos no âmbito da categoria “B”, que, no seu nº 5, expressamente prevê que em caso de o VPT ser superior ao valor do contrato, aquele não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior.
Com a Reforma do IRS, aprovada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12, foram aditados ao referido artigo 44.º os n.ºs 5 e 6, aplicável aos rendimentos da categoria “G”, passando a haver uma similitude de regime, para efeitos dos “valores de realização”, entre os rendimentos da categoria “B” e os da categoria “G”, consagrando-se a hipótese, quanto a estes últimos, de afastamento do VPT mediante prova do efetivo preço da alienação.
Que a AT está sujeita ao estrito cumprimento do princípio da legalidade, nos termos do artigo 266.º da CRP, pelo que a apreciação da alegada questão da inconstitucionalidade não cabe na competência material do tribunal arbitral.
À data dos factos era aquele o sentido e alcance da norma do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS e que a AT aplicou no estrito cumprimento do princípio da legalidade.
Tendo aplicado os VPT’s em vigor (1.ª avaliação ao abrigo do CIMI) à data de 31/12/2011, porquanto o IRS é um imposto direto e periódico de caráter anual em que se tributa o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano, pelo que o período de tributação só se estabiliza no fim do ano fiscal, ou seja, a 31 de Dezembro.
Mesmo que se entendesse que os RR. poderiam, à luz do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, afastar do valor de realização o VPT, o que não aceita, ainda assim, a prova requerida não iria contribuir para a descoberta da verdade material, predominantemente assente em prova documental.
Quanto ao imóvel sito em …, os RR. declararam que o mesmo tinha sido alienado por 150 000,00 € (valor do contrato), estando-lhe associado um mútuo (com hipoteca) no valor de 100 000,00 €.
Contudo, os RR. não fizeram prova de que receberam os 150 000,00 € (preço declarado na escritura), bastando-se por apresentar demonstração do recebimento do montante de 100 000,00 € (que corresponde ao valor dos cheques bancários emitidos pelo C… inerentes ao mútuo contraído pela compradora, filha dos RR.) – docs. 4 e 5 juntos à p.i..
Não tendo consistência a argumentação dos RR. de que, por se tratar da filha, a venda foi efetuada por apenas 100 000,00 €, porque a ser assim, não se vê qual a razão porque declararam na escritura o valor de 150 000,00 €.
Quanto à alienação do prédio sito em X..., os RR. juntam cópia de um cheque no valor de 50 000,00 €, com data posterior à da alienação e que, portanto, não pode fazer a prova pretendida.
Que o cheque não foi depositado na conta do vendedor e que nenhuma prova foi feita sobre o alegado mútuo à cunhada (onde alegadamente foi depositado o cheque).
Mesmo que se entendesse que o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, à data dos factos, permitia a ilisão da presunção de que o valor do VPT prevalece sobre o valor do contrato, ainda assim a prova produzida, porque é insuficiente e pouco esclarecedora, não afastaria a prevalência dos VPT’s, determinados, numa 1.ª avaliação, ao abrigo do CIMI.
Diga-se ainda que os RR. sabiam qual era o VPT que tinha sido determinado para os prédios alienados, não tendo aqui enquadramento o alegado nos artigos 10.º e ss. da p.i..
Termina, pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei.
4. Objeto do litígio
A questão que constitui o thema decidendum reconduz-se a saber se o n.º 2 do artigo 44.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, antes da reforma operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, admitia a prova de que o valor da contraprestação previsto na alínea f), n.º 1 do mesmo artigo, enquanto valor de realização para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, era inferior ao valor patrimonial tributário, considerado para efeitos de liquidação do IMT.
5.Fundamentação
5.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
5.1.1 Em 16 de junho de 2011, os Requerentes venderam à sua filha D…, o prédio urbano sito na Urbanização …, Lote…, …, freguesia de …, concelho de Z..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo…, com o valor patrimonial tributário (VPT) de 100 985,06 €, conforme título de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, lavrado na Conservatória do Registo Predial de X... (cfr. doc. 2, junto à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
5.1.2 Foi declarado o preço de 150 000,00 € (cfr. doc. 2).
5.1.3 O imóvel foi vendido livre de ónus ou encargos, designadamente da hipoteca voluntária registada pela Ap. 6 de 2001/06/30 a favor do “Banco C…, SA”, cujo cancelamento foi efetuado no mesmo ato (cfr. doc. 2).
5.1.4 E…, a outra filha dos Requerentes, e marido F…, consentiram na venda de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 877.º do Código Civil (cfr. doc. 2).
5.1.5 Para a aquisição do imóvel, D… contraiu um empréstimo do citado banco, no montante de 100 000,00 €, ao abrigo do Regime Geral de Crédito à Habitação, regulado pelo Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro (cfr. doc. 2).
5.1.6 Como caução e garantia do empréstimo, foi constituída, a favor do mutuante, hipoteca voluntária sobre o referido prédio (cfr. doc. 2).
5.1.7 Do montante mutuado, o Banco C…, em 16-06-2011, emitiu os seguintes cheques a favor do vendedor A…:
N.º…, no montante de 56 546,33 €, depositado no mesmo banco em 20-06-2011 (cfr. doc.s 5 e 6 juntos à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido); e
N.º…, no montante de 43 453,67 €, depositado na data da emissão no referido banco em “Fundos Recebidos para Diversas Operações”, destinado à liquidação total do capital em dívida relativo ao empréstimo para habitação que, junto do mesmo banco, os Requerentes contraíram para aquisição do mesmo imóvel, logrando deste modo o cancelamento definitivo da hipoteca referida em 5.1.3 (cfr. doc.s 4 e 7 juntos à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
5.1.8 O Preço efetivo do contrato foi de 150 000,00 €.
5.1.9 Do preço ficou por pagar a importância de 50 000,00 €.
5.1.10 Foi efetuada a liquidação e cobrança do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e imposto do selo (verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), cfr. documentos únicos de cobrança n.ºs … e …, respetivamente (cfr. doc. 2).
5.1.11 O prédio (artigo … da freguesia de…) foi avaliado em 17-10-2011, nos termos do n.º 1, artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, sendo-lhe atribuído o VPT de 348 660,00 € (cfr. PA, a pág. 85, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
5.1.12 Em 04 de julho de 2011, os Requerentes venderam à sociedade que gira sob a firma “G…, SA”, NIPC…, com sede na Rua de…, n.º…, lugar de…, freguesia de…, concelho de Leiria, o prédio urbano sito na Rua …, freguesia e concelho de …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo…, com o valor patrimonial tributário (VPT) de 5 072,29 €, conforme título de compra e venda lavrado na Conservatória do Registo Predial de X... (cfr. doc. 3, junto à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
5.1.13 Foi declarado o preço de 50 000,00 € (cfr. doc. 3).
5.1.14 O pagamento do preço foi efetuado através do cheque n.º…, sacado s/C…, emitido em 30-07-2011 pelo referido montante e, em 15-09-2011, depositado na conta de H…, cunhada da Requerente, aberta no mesmo banco, para liquidação da dívida que os Requerentes tinham para com esta e seu marido I… (cfr. doc.s 8 e 9, juntos à p.i., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
5.1.15 O Preço efetivo do contrato foi de 50 000,00 €.
5.1.16 O prédio (artigo … da freguesia de …) foi avaliado em 14-10-2011, nos termos do n.º 1, artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, sendo-lhe atribuído o VPT de 83 640,00 € (cfr. doc. 1 (pág. 2), junto à p.i. e PA, a pág. 86, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
5.1.17 Em 01-04-2015 foi efetuada a liquidação adicional de IRS n.º 2015…, no montante de 59 424,92 €, já incluido de juros compensatórios na importância de 6 033,14 € (cfr. doc. 1-A, junto à p.i. e PA, a pág. 22, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido).
5.1.18 Na liquidação foram considerados como valores de realização, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a mais-valias, os VPT’s resultantes das avaliações efetuadas e referidas em 5.1.10 e 5.1.14, nos montantes de 348 660,00 € e 83 640,00 € (cfr. anexo G da declaração a pág. 65 do PA).
5.1.19 Esta liquidação foi objeto de reclamação graciosa, conforme Processo n.º …2015…, indeferida por despacho do Senhor Chefe da Divisão de Justiça Tributária–Contencioso da Direção de Finanças de…, de 12-02-2016, notificado aos Requerentes em 18-02-2016 (cfr. doc. 1, junto à p.i. e PA, a pág. 110/112).
5.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
5.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, nas posições assumidas pelas partes bem como do depoimento das testemunhas e das declarações dos Requerentes.
Relativamente à factualidade constante dos pontos 5.1.8, 5.1.9 e 5.1.5 do probatório, fundou-se o Tribunal nas declarações prestadas pelo Requerente A… bem como no depoimento da testemunha D…, filha dos Requerentes.
Quanto aos factos constantes do ponto 5.1.14 do probatório, o Tribunal fundou-se nos doc.s 8 e 9, juntos à p.i., bem como nas declarações prestadas pelo Requerente A… e ainda no depoimento da testemunha D… bem como na de H…, cunhada da Requerente B…, embora quanto a esta apenas no que tange ao empréstimo efetuado e à liquidação do mesmo.
Todas as testemunhas demonstraram conhecimento acerca da matéria em discussão nos presentes autos, revelando-se as respetivas declarações e depoimentos esclarecidos, assertivos, consistentes e espontâneos, resultado de um discurso fluído e sem dificuldades de recordar, expressar e contextualizar os factos afirmados.
5.4 Matéria de Direito (fundamentação)
Questões a decidir:
- Da ilegalidade das liquidações impugnadas; e
- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Da ilegalidade das liquidações impugnadas -
Na versão inicial do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 442.º-A/1988, de 30 de novembro, em vigor desde 01-01-1989, as mais-valias eram tributadas de modo diferente consoante os respetivos ganhos proviessem ou não do exercício de uma atividade comercial, industrial ou agrícola.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea d) do CIRS (atual artigo 3.º, n.º 2, alínea c)), as mais-valias resultantes das atividades comerciais e industriais definidas nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) eram consideradas rendimentos comerciais e industriais, seguindo-se na determinação do lucro tributável as regras estabelecidas neste código, cfr. artigo 31.º do CIRS (atual artigo 28.º).
Assim, as mais-valias realizadas eram consideradas proveitos ou ganhos, e as menos-valias custos ou perdas, cfr., respetivamente, artigos 20.º, alínea f) (atual artigo 20.º, n.º 1, alínea h) e 23.º, alínea i) (atual artigo 23.º, n.º 2, alínea l)), do CIRC.
A sua determinação era dada pela diferença entre o valor de realização líquido dos encargos que lhe fossem inerentes e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas, cfr. artigo 42.º, n.º 2 do CIRC (atual artigo 46.º, n.º 2).
O valor de realização, nos casos de venda, era o valor da respetiva contraprestação, cfr. artigo 42.º, n.º 3, alínea e) do CIRC (atual artigo 46.º, n.º 3, alínea g).
Já os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultassem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, constituíam mais-valias, cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.
O ganho sujeito a IRS era dado pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição, cfr. artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS.
O valor de realização, nos casos de venda, era o valor da respetiva contraprestação, cfr. artigo 42.º, n.º 1, alínea d) (atual artigo 44.º, n.º 1, al. f).
Porém, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevaleceriam, quando superiores, os valores por que os bens houvessem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida, cfr. artigo 42.º, n.º 2 do CIRS (atual artigo 44.º, n.º 2).
Constata-se, deste modo, a diferença na tributação das mais-valias, consoante os respetivos ganhos proviessem ou não do exercício de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, nomeadamente no que concerne ao conceito de valor de realização.
Com a reforma da tributação do património, levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, foram aditados ao CIRS o artigo 31.º-A e ao CIRC os artigos 58.º-A e 129.º
No preâmbulo do referido diploma pode ler-se: “(…) As alterações aos Códigos do IRS e do IRC têm subjacentes dois tipos de medidas das mais emblemáticas desta reforma. Por outro lado, como os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável, quer do IRS, rendimentos empresariais, quer do IRC, tornou-se necessário proceder a diversas adaptações nos respectivos Códigos, para consagração destas medidas, as quais constituem igualmente objecto do presente decreto-lei”.
É a seguinte a redação do referido artigo 31.º-A do CIRS:
«Valor definitivo considerado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis
1 — Em caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor definitivo que servir de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, ou que serviria no caso de não haver lugar a essa liquidação, é este o valor a considerar para efeitos da determinação do rendimento tributável.
2 - ………………………………………………………………………………………….
3 - ………………………………………………………………………………………….
4 - ……………………………………………………………………………………..….»
E a dos artigos 58.º-A e 129.º do CIRC:
«Artigo 58.º-A (atual artigo 64.º)
Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - ………………………………………………………………………………………….
4 - …………………………………………………………………………………………
5 - ………………………………………………………………………………………….
6 - ………………………………………………………………………………………»
«Artigo 129.º (atual artigo 139.º)
Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis
1 — O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A (atual artigo 64.º, n.º 2) não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 — A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 — O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º -A (atual artigo 64.º, n.º 2), a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 — O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 — Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior.
7 — A impugnação judicial contra a liquidação do imposto relativo à transmissão de imóveis cujo lucro tributável tenha sido fixado nos termos do artigo 58.º-A (atual artigo 64.º), ou se não houver lugar a liquidação do lucro tributável previsto no mesmo preceito legal, depende de prévia apresentação do pedido previsto no presente artigo, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 — A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.»
Com o aditamento destes artigos ao CIRS e CIRC verificou-se uma aproximação do conceito de valor de realização, constante do artigo 42.º, n.º 2 do CIRS (atual artigo 44.º, n.º 2), às mais-valias realizadas por sujeitos passivos que exercem atividades comerciais, industriais ou agrícolas bem como às pessoas coletivas sujeitas a IRC.
Porém, relativamente às mais-valias realizadas em sede deste imposto, o legislador passou a prever um procedimento tendo em vista a inaplicabilidade da presunção prevista no n.º 2 do artigo 58.º-A (atual artigo 64.º, n.º 2), através de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, cfr. artigo 129.º (atual 139.º)
O que não sucedeu, desde logo, com as mais-valias realizadas em sede de IRS pelos sujeitos passivos que exercem atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, vindo a verificar-se, mais tarde, com o aditamento ao artigo 31.º-A do CIRS dos n.ºs 5 e 6, operado pelo artigo 46.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, nos seguintes termos:
«Artigo 31.º-A
[…]
1 — ....................................................................................................................................
2 — ....................................................................................................................................
3 — .....................................................................................................................................
4 — Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º, nos n.ºs 2 e 6 do artigo 28.º e nos n.ºs 2 e 6 do artigo 31.º, deve considerar-se o valor referido no n.º 1, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
5 — O disposto nos n.ºs 1 e 4 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 — A prova referida no número anterior deve ser efectuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, com as necessárias adaptações».
Finalmente, com a reforma do CIRS, realizada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, em vigor desde 01-01-2015, foram aditados ao artigo 44.º os n.ºs 5, 6 e 7, passando este artigo a ter a seguinte redação:
«Artigo 44.º
Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;
c) No caso de afetação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a atividade empresarial e profissional, o valor de mercado à data da afetação;
d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o preço de mercado no momento do exercício;
e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, o valor de mercado na data referida;
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
3 - No caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do n.º 1 reportam-se à data da celebração do contrato.
4 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 prevalecerá, se o houver, o valor resultante da correção a que se refere o n.º 4 do artigo 29.º
5 - O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 - A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.
7 – Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte».
O aditamento dos referidos n.ºs 5, 6 e 7 ao artigo 44.º do CIRS teve por base o projeto da reforma do IRS, elaborado em setembro de 2014 pela respetiva Comissão de Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, presidida pelo Professor Doutor Rui Duarte Morais, a pág. 44 do qual se pode ler:
«5.1.11.11 Possibilidade de afastamento do critério do VPT mediante prova do preço de transmissão efetivo
Ao nível das mais-valias imobiliárias – e diferentemente do que sucede em sede de IRC e, também, de IRS, neste caso quando tais mais-valias são tributadas no âmbito da categoria B –, a tributação em sede da categoria G não prevê a possibilidade de afastamento da regra que determina que o valor de realização corresponde ao valor a considerar para efeitos de liquidação de IMT sempre que este seja superior ao declarado.
Não se vislumbrando motivos que impeçam a ilisão da referida presunção no âmbito da categoria G e podendo esse impedimento ter consequências gravosas e injustificadas para os contribuintes, propõe-se a consagração expressa de que, também neste caso, existe tal possibilidade».
Com o aditamento dos n.ºs 5, 6 e 7 ao artigo 44.º do CIRS, o legislador criou um procedimento destinado a ilidir a presunção ínsita no n.º 2, que já existia no artigo 31.º-A do CIRS para as mais-valias realizadas por pessoas singulares com rendimentos empresariais e/ou profissionais e no artigo 64.º, para as pessoas coletivas.
Feita uma súmula histórica e cronológica dos preceitos relevantes bem como dos motivos que estiveram na sua génese, passemos à análise da questão a decidir, que consiste em saber se o n.º 2 do artigo 44.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, antes da reforma operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, admitia a prova de que o valor da contraprestação previsto na alínea f), n.º 1 do mesmo artigo, enquanto valor de realização para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, era inferior ao valor patrimonial tributário, considerado para efeitos de liquidação do IMT.
E, em caso afirmativo, se os Requerentes lograram produzir tal prova.
Os rendimentos em questão são qualificados como mais-valias e não provêm do exercício, por parte dos Requerentes, de qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola, pelo que, nos termos do artigo 12.º da Lei Geral Tributária, se mostra necessário convocar a norma aplicável (artigo 44.º do CIRS) na redação em vigor à data dos factos (ano de 2011), e que era a seguinte.
«Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) - ………………………………………………………………………………………..
b) - ………………………………………………………………………………………..
c) - ………………………………………………………………………………………...
d) - ………………………………………………………………………………………..
e) - ………………………………………………………………………………………..
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
3 - ………………………………………………………………………………………….
4 - ……………………………………………………………………………………….. »
No ponto 5 do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRS, vem referido: «Na construção do conceito de rendimento tributário, contrapõe-se a concepção da fonte, que leva tributar o fluxo de rendimentos ligados às categorias tradicionais de distribuição funcional (rendimento-produto) à concepção do rendimento patrimonial, que alarga a base de incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo).
Em termos práticos, a principal diferença entre as duas concepções reside precisamente no tratamento fiscal das mais-valias, que, não sendo ganhos decorrentes da participação na actividade produtiva, são pela primeira excluídas da incidência do imposto. Ora, razões de justiça recomendam a tributação das mais-valias, que constituem acréscimos de poderes aquisitivos obtidas sem esforço ou pelo acaso da sorte e que, aliás, tendem a concentrar-se nos escalões elevados de rendimento».
Para Xavier de Bastos[1], «a mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo um dos princípios gerais da sua tributação o princípio da realização. Do princípio da realização resulta, para além do mais, que só são tributados “os acréscimos patrimoniais realizados – os que se traduzem num aumento líquido dos meios monetários do seu titular (cash basis)».
Assim, da globalidade das normas do IRS decorre que ele deve incidir apenas sobre o rendimento efetivo e, em cada ano, apenas sobre o rendimento efetivo desse ano, cfr. sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-04-2003 (Processo n.º 0320/03).
No mesmo sentido pode ler-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09-04-2013, Processo n.º 06052/12: «O valor de realização para efeitos de tributação das mais-valias em sede de IRS, quando o preço de venda declarado de prédio urbano seja inferior ao valor patrimonial tributário, este encontrado pelas regras do CIMI, é este valor o considerado como valor de realização. (…) Neste caso, se tal valor de realização foi inferior ao assim declarado, é sobre o sujeito passivo que impende o ónus dessa alegação e prova, no sentido de ilidir a presunção resultante dessa declaração».
No acórdão do mesmo tribunal superior, de 04-02-2016, Processo n.º 08157/14, pode ler-se: «É certo que a disposição constante no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS deve ser interpretada como estabelecendo uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação de IMT, na medida em que estabelece a Lei Geral Tributária que as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário cf. artigo 73.º da LGT».
Resulta claro que o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, ou seja, no ano de 2011, encerra em si uma presunção implícita de que os valores patrimoniais tributários dos prédios alienados pelos Requerentes, ou seja, os valores por que os bens foram considerados para efeitos de liquidação do IMT, correspondem aos preços declarados nos respetivos contratos.
A propósito da disposição em análise, também Xavier de Basto[2] afirma, expressamente, que «(…) deve ser interpretada no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efetivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT”, pois, caso contrário “acabaríamos por tributar não o rendimento real operado pela transmissão, mas um rendimento normal» (sublinhado nosso).
Acrescentando que, posto que a norma «se inclui na sistemática do CIRS, no capítulo da determinação da matéria tributável e não no capítulo da incidência, é materialmente uma norma de incidência, porque determina afinal, em última análise, o valor que há de ser submetido a imposto. Diríamos, pois, que neste n.º 2 o que se estabeleceu foi uma presunção sobre o valor de realização, que pode ser afastada por prova em contrário».
Presunção que, como todas em matéria de incidência tributária, admite prova em contrário, conforme artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT).
E ainda que se tratasse de uma presunção iuris et de iure, e como tal inilidível, seria sempre suscetível de ilisão, por força da mesma disposição legal.
Quanto ao facto de os artigos 31.º-A do CIRS e 64.º do CIRC já preverem a possibilidade de ilisão de presunções idênticas à constante do referido n.º 2 do artigo 44.º daquele código, já Xavier de Bastos[3] alertava não ser de aceitar um regime diferenciado para as mais-valias prediais por comparação aos rendimentos empresariais e profissionais pois «Haveria então, para rendimentos iguais tratamentos diferenciados, sem qualquer justificação válida, a dano do princípio de igualdade. Tem, pois, a nosso ver de considerar-se que o n.º 4, do artigo 44.º contém uma presunção, que pode ser afastada, provando que o valor da realização foi afinal inferior ao “valor tributário” para efeitos de um imposto patrimonial como é o IMT».
Refira-se, finalmente, que à data dos factos (ano de 2011) não se previa a aplicação do procedimento previsto no n.º 3 do artigo 139.º às situações em que fosse aplicado o número 2, do artigo 44.º do Código do IRS, pelo que não era exigível, nem legalmente possível aos Requerentes desencadear o referido procedimento no caso em apreço, podendo, é certo, lançar mão do procedimento contraditório previsto no artigo 64.º do CPPT, mas sempre como meio alternativo às vias da reclamação graciosa, impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral, cfr. n.º 1 do referido preceito.
Quanto à presunção implícita constante do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, bem como à admissibilidade da sua ilisão, pronunciou-se já o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), conforme decisão de 23-10-2015 proferida no processo n.º 107/2015, com a qual também concordamos e da qual fizemos nossas algumas expressões na mesma utilizadas.
Relativamente à prova produzida nos autos, quer a documental quer a testemunhal bem como a prestada por declarações do Requerente, é convicção do Tribunal que a mesma foi suficiente para ilidir a presunção do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS.
Com efeito, nos termos do artigo 12.º, n.º 1 do CIMT, o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
O prédio sito no concelho de Z... foi adquirido pelo valor declarado, no respetivo contrato, de 150 000,00 €, embora o preço não haja sido pago na íntegra (falta pagar 50 000,00 €), o que só por si é irrelevante para a validade do contrato, sendo o VPT determinado em 348 660,00 €, por avaliação efetuada nos termos do n.º 1, artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.
Já o prédio sito no concelho de X... foi adquirido pelo valor declarado, no respetivo contrato, de 50 000,00 €, sendo o VPT determinado em 83 640,00 €, por avaliação efetuada nos termos da mesma disposição legal.
Deste modo para a liquidação do IMT foram considerados os valores patrimoniais tributários por serem superiores aos constantes dos respetivos contratos de aquisição.
Pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º, foram esses os valores de realização que serviram de base à liquidação impugnada.
Porém da prova produzida, o Tribunal ficou convencido que os valores de realização corresponderam efetivamente aos valores constantes dos contratos.
Face ao exposto, considera-se verificado o alegado vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, o que determina a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação operada.
Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios –
A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), tendo provado ter pago a quantia liquidada, respeitante à primeira prestação.
Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA[4], sempre que procederem a reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).
Tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1 da TGIS, que justifica a anulação das liquidações impugnadas, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento de cada uma das prestações em que se dividiu o quantum liquidado, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.
***
6.Decisão
Em face do supra exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de anulação do despacho do Senhor Chefe da Divisão de Justiça Tributária–Contencioso da Direção de Finanças de…, de 12-02-2016, proferido no processo de reclamação graciosa n.º …2015…;
b) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2015…, no montante de 59 424,92 € (cinquenta e nove mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e noventa e dois cêntimos), relativas ao ano de 2011; e
c) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar as quantias indevidamente pagas pelos Requerentes, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data dos pagamentos até à data da emissão das respetivas notas de crédito.
7. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 59 424,92 €.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2 142,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 14 de janeiro de 2017.
O Árbitro,
(Rui Ferreira Rodrigues)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
[1] In “IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra, 2007, p. 32
[4] Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09