Decisão arbitral
Os árbitros, Conselheiro José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Professora Doutora Luísa Anacoreta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, SA, pessoa coletiva nº…, com sede social no Edifício…, …, nº…, … , em Lisboa, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.° e 10.° do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional do IRC referente ao exercício de 2012 (liquidação n.º 2015…), bem como dos respetivos juros compensatórios (liquidações n.º 2015 … e 2015…, ambas de 22 de dezembro de 2015).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20 de maio de 2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Conselheiro José Baeta de Queiroz, o Dr. Paulo Lourenço e a Professora Doutora Luísa Anacoreta, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 8 de julho de 2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 25 de julho de 2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 02 de outubro de 2016, a Requerente foi notificada para identificar os factos alegados a que pretendia ouvir a testemunha arrolada, tendo em conta que a utilidade da inquirição foi contestada pela Requerida, tendo informado, através de requerimento apresentado no dia 13 de outubro de 2016, que prescindia da prova testemunhal.
Posto isto, o tribunal, constatando a inexistência de razão justificativa para a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, determinou, por despacho do dia 13 de outubro de 2016, a respetiva dispensa e convidou as partes para alegarem, querendo, por escrito, no prazo sucessivo de dez dias.
A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações nos dias 25 de outubro de 2016 e 04 de novembro de 2016, respetivamente.
2. Saneador
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer exceções.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados e de interesse para a boa decisão da causa os seguintes factos:
A) A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na gestão de imóveis próprios e, subsidiariamente, na compra de prédios ou terrenos e desenvolvimento das respetivas urbanizações.
B) A atividade da Requerente concentra-se, essencialmente, na exploração do edifício de lojas, escritórios e parqueamento automóvel «…».
C) Na execução do empreendimento «…» a Requerente recorreu por várias vezes a capitais alheios, nomeadamente junto de instituições financeiras.
D) Em 20 de agosto de 2007 celebrou um mútuo com a instituição financeira B…, num montante limite de € 125.500.000,00, tendo em vista, nos termos do respetivo contrato, o refinanciamento do investimento feito no edifício «…».
E) A quantia mutuada foi utilizada para diversos fins, entre eles a liquidação ou amortização de empréstimos antes contraídos junto de várias entidades bancárias.
F) À data de 31 de dezembro de 2012, o endividamento acumulado era de € 123.657.774,16.
G) As demonstrações financeiras da Requerente incluem financiamentos concedidos ao acionista - € 32.500.000,00 - e a empresas do grupo e relacionadas - € 4.47.993,05 -, os quais não vencem juros nem têm plano de reembolso definido.
H) No exercício de 2012, a Requerente suportou encargos financeiros no montante de € 5 151 456,06.
I) A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva em relação ao exercício de 2012;
J) Na sequência da ação inspetiva, a AT efetuou uma correção ao lucro tributável da Requerente, no montante de € 1 536 776,57, por considerar não dedutíveis, para efeitos fiscais, esta parte dos gastos financeiros suportados no exercício de 2012;
K) O critério usado pela AT consistiu em calcular o saldo médio de financiamento anual da Requerente - € 36.853.269,43 – determinando a taxa do gasto efetivo de financiamento – 4,17/% -, aplicando esta taxa ao valor dos empréstimos às empresas referidas em G), e desconsiderar como custo fiscal o valor obtido - € 1.536.776,57.
L) A AT não considerou as sete faturas contabilizadas pela Requerente, emitidas por C…, com sede na Holanda, entre março e dezembro de 2012, com os números 2012001 a 2012007, no total de € 60.000,00, relativas a prestação de serviços de consultadoria.
M) Ainda que não mencionado nas referidas faturas, o número de identificação discal da C… é 850 849 263, conforme documento emitido pelas autoridades fiscais holandesas.
N) A desconsideração como gasto fiscal assentou, além do mais, em essas faturas não indicarem o NIF da emitente nem da Requerente, não descriminarem IVA nem mencionarem o tipo de tributação ou isenção de IVA, e em a emitente não ter registo de NIF no cadastro do VIES (Sistema de Informação de Trocas Intercomunitárias), não tendo os respetivos serviços sido declarados pela C… .
O) As correções mencionadas originaram a liquidação adicional nº 2015…, de 18 de dezembro de 2015, a liquidação dos juros compensatórios nº 2015… e nº 2015…, de 22 de dezembro de 2015, e ainda a liquidação de juros de mora nº 2015…, de 22 de dezembro de 2015, tudo num total de € 503. 966,72, que a Requerente pagou no dia 8 de abril de 2016.
3.2. Factos não provados
Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, que aqui se dão por reproduzidos, e em acordo das Partes.
4. Matéria de direito
São duas as questões a decidir no âmbito do presente processo:
- se devem ser considerados como gastos do exercício, para efeitos fiscais, os encargos financeiros suportados pela Requerente em relação aos financiamentos referidos em G) da matéria de facto;
- se devem ser fiscalmente consideradas as faturas aludidas em L) da matéria de facto.
4.1. A Requerente sustenta que os financiamentos obtidos junto da B… foram utilizados para pagar o passivo junto da D…, do E… e do F…, bem como para efetuar o pagamento de comissões e demais encargos, inclusive de natureza fiscal.
Na verdade, obter financiamento alheio para utilizar no âmbito da atividade e considerar como gastos os encargos financeiros suportados com essa obtenção, não levanta, por regra, qualquer questão de natureza fiscal. Porém, colocar à disposição de outras entidades do grupo disponibilidades financeiras, próprias ou alheias, sem cobrar juros não gera qualquer rendimento tributável, significa que é quebrada a regra do balanceamento que deve existir, do ponto de vista fiscal, entre os gastos e os rendimentos.
Nesta conformidade, importa chamar à colação o artigo 23º do Código do IRC, com vista a dar resposta à questão de saber se devem ser considerados como gastos os encargos suportados com o financiamento que não haveria necessidade de obter se não fossem concedidas a outras entidades do grupo as disponibilidades financeiras não remuneradas por qualquer forma.
De acordo com o disposto no artigo 23º do Código do IRC, na versão aplicável à data dos factos, "…consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…".
A análise da norma descrita permite que se conclua no sentido de que estando demonstrada a razoabilidade do gasto incorrido, bem como o seu nexo causal com a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora, aceita-se a respetiva dedutibilidade e enquadramento no artigo 23º do Código do IRC.
Conforme entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul "…a noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro" (Acórdão do TCAS, de 27 de março de 2012, Processo n 0 05312/12).
Acrescenta ainda o acórdão acima referido que "…a dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito da indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro".
Neste sentido, conforme refere a Requerente, comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida pela Requerente.
Este entendimento é, de resto, o que tem vindo a ser seguido pelos tribunais arbitrais do CAAD.
Na verdade, de acordo com o acórdão 444/2015T, “de um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajeto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma”:
- o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11[1]);
- “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Acórdão do STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);
- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.” (Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);
- o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a Autoridade Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Acórdão do TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);
- “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Acórdão do TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);
- “da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23. ° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);
- “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.
O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.
Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).
Densificados, deste modo, os critérios de apreciação da indispensabilidade dos gastos, à luz do artigo 23.º do CIRC, resta, então, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto.
Tudo visto, atendendo à corrente jurisprudencial acima mencionada e aos argumentos expostos pela Requerente e pela Requerida, pode então concluir-se que, numa análise isolada, os encargos financeiros suportados com a obtenção de financiamento destinado a ser utilizado no âmbito da atividade devem ser considerados como gasto para efeitos fiscais.
Acontece, porém, que, no caso concreto em apreço, a Requerente apenas tem necessidade de suportar uma parte de tais encargos porque, de forma livre, voluntária e em obediência a critérios de gestão que apenas a ela dizem respeito, colocou à disposição de outras entidades algumas disponibilidades financeiras, próprias ou alheias, que poderia ter utilizado para a sua atividade.
Acresce que a colocação à disposição de outras entidades de tais disponibilidades financeiras foi efetuada, como anteriormente se referiu, sem que houvesse lugar à cobrança de juros ou qualquer outra remuneração, situação que gerou o estabelecimento de uma ênfase na certificação legal de contas.
Com efeito, é inequívoco que é estranho ao objeto social da empresa a colocação à disposição de outras entidades de disponibilidades financeiras, se tivermos presente, nomeadamente, o que se encontra estatuído no artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais.
Não é, na verdade, do interesse da Requerente colocar disponibilidades financeiras à disposição de outras entidades, sem cobrar juros, ao mesmo tempo que se verifica a necessidade, ainda que parcial, de solicitar a obtenção de financiamento, tendo, para isso, que suportar os encargos financeiros daí decorrentes.
As quantias mutuadas, sem qualquer remuneração, sempre poderiam evitar que uma parte dos encargos financeiros tivesse que ser suportada.
Neste contexto, julga-se que não merece qualquer juízo de censura a posição da AT ao não considerar como gastos da atividade os encargos financeiros suportados e diretamente relacionados com as disponibilidades financeiras que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo e que poderiam te sido utilizadas no âmbito da atividade, evitando que uma parte dos encargos tivesse que ser suportada.
Isto nada tem a ver com a documentação dos encargos, que a AT não pôs em causa, nem com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, que também não foi beliscada, nem com a regularidade da contabilidade da Requerente, que a AT não pôs em crise, nem com uma presunção de que o financiamento bancário se destinou, direta e imediatamente, à concessão de empréstimos a terceiros, qua a AT também não afirmou, nem com a liberdade de que gozam os empresários de gerir as empresas segundo critérios que não cabe à AT substituir por outros.
O que se diz é que a concessão de empréstimos gratuitos a terceiros, usando as disponibilidades da Requerente – que, naturalmente, resultam dos financiamentos obtidos e dos réditos provenientes da sua atividade – não preenche o falado critério da indispensabilidade.
Ademais, a AT, para chegar ao resultado a que chegou, utilizou um critério adequado, descrito na alínea K) da matéria de facto, sendo certo que a Requerente não o critica, nem propõe outro, dizendo, apenas, que não há uma afetação direta entre o financiamento obtido e os empréstimos concedidos – o que é verdade e, repete-se, a AT não afirmou.
O que há é uma realidade económica que se traduz no seguinte: se a Requerente não tivesse concedido os falados empréstimos gratuitos, não precisaria de recorrer ao crédito na medida em que o fez.
Portanto, os encargos com esse recurso ao crédito não são gastos, no seu todo, indispensáveis.
4.2. Analise-se agora as sete faturas contabilizadas pela Requerente e emitidas pela C…, com sede na Holanda, no montante de € 60.000,00, relativas a prestação de serviços de consultadoria, que a AT não considerou como dedutíveis, designadamente, por essas faturas não indicarem o NIF da emitente nem da Requerente, não descriminarem IVA nem mencionarem o tipo de tributação ou isenção de IVA, e em a emitente não ter registo de NIF no cadastro do VIES (Sistema de Informação de Trocas Intercomunitárias), não tendo os respetivos serviços sido declarados pela C… .
A AT fundamentou a sua posição de não aceitação destas despesas como gasto fiscal no disposto das alíneas b) e g) do número 1 do entretanto revogado artigo 45º do Código do IRC, nos termos das quais «Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo contabilizados como gastos do período de tributação:
(…)
b) Os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido (…);
g) Os encargos não devidamente documentados».
Aqui não se trata de por em crise a correção da contabilidade da Requerente, ou a veracidade dos documentos em que ela assenta, ou, sequer, de questionar se os custos foram efetivamente incorridos.
Do que se trata é de os considerar ou não dedutíveis para determinação do lucro tributável.
As faturas em causa foram emitidas por uma entidade que dispõe de número fiscal, pelo que se considera verificado o requisito exigido pela alínea b) do número 1 do invocado artigo 45º do Código do IRC.
Por outro lado, as faturas nada referem quanto ao enquadramento em sede de IVA do prestador dos serviços, nem indicam o NIF do respetivo beneficiário.
Ora, de acordo com o acórdão 2390 do TCA de 14 de julho de 2014 "em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando tão só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação. Em relação à jurisprudência deste Supremo Tribunal, ficou consignado no Acórdão de 8/7/1999, proc. nº 23535, que “Os requisitos das faturas, constantes do artigo 35º, nº 5, do CIVA, não são exigências de validade formal das faturas para efeitos de IRC, mas apenas para efeitos de dedução do IVA, nos termos do artigo 19º, nº 2, do CIVA”."
Com efeito, a exigência número de identificação fiscal do adquirente residente não se punha à data dos factos, aparecendo apenas com a reforma do IRC em 2014, na redação do número 4 do artigo 23º do Código do IRC.
Conclui-se, então, que a não aceitação como gasto das despesas suportadas documentalmente nas faturas da C… não encontra fundamento nas alíneas b) e g) do nº1 do então artigo 45º do Código do IRC.
5. Decisão
Em face do exposto, acorda o coletivo dos árbitros do Tribunal Arbitral em julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que decide:
a) Manter o ato de liquidação adicional do IRC referente ao exercício de 2012 (liquidação n.º 2015…) no que se refere à não aceitação como gasto fiscal dos encargos financeiros no valor de € 1.536.776,57,
b) Manter os respetivos juros compensatórios (liquidações n.º 2015… e 2015 …, ambas de 22 de dezembro de 2015).
c) Anular o ato de liquidação adicional de IRC relativo à não aceitação como gasto fiscal das faturas emitidas pela C… (liquidação n.º 2015…) no montante de €60 000.
d) Anular os respetivos juros compensatórios (liquidações n.º 2015 … e 2015…, ambas de 22 de dezembro de 2015).
Em função dos cálculos de proporcionalidade apurados pelo Tribunal, mantém-se, assim, o ato de liquidação adicional de IRC do montante de € 484 999,44, incluindo juros compensatórios, correspondente a 96,2% do montante total.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 503 966,72 (quinhentos e três mil novecentos e sessenta e seis euros e setenta e dois cêntimos).
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7 956,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo a cargo da Requerente € 7 363,00 e o restante a cargo da Requerida.
Lisboa, 26 de janeiro de 2017
Os árbitros
José Baeta de Queiroz
Paulo Lourenço
Luísa Anacoreta
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.