Decisão Arbitral
Processo n.º 144/2013-T
DECISÃO ARBITRAL[1]
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Relatório
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A... –, Lda., sociedade por quotas com sede na …, Matosinhos, …, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva … (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 20.06.2013, um pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, visando a anulação da liquidação de Imposto do Selo n.º 2012 …, de 07.11.2012, no valor de € 26.018,74, referente a um terreno para construção de que é proprietária, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-… da freguesia de Matosinhos, concelho de Matosinhos.
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A referida liquidação, cuja cópia foi anexada ao requerimento de pronúncia arbitral, baseou-se no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (a “TGIS”), aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e na subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do art.º 6.º da mesma Lei, tendo sido oportunamente notificada à Requerente.
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A Requerente, a 12.03.2013, apresentou tempestiva reclamação graciosa no Serviço de Finanças de Matosinhos – …, que veio a ser indeferida por despacho de 30.05.2013, notificado à Requerente a 03.06.2013, mantendo-se, assim, a liquidação que suscitou o presente pedido de pronúncia.
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Fundamenta a Requerente o seu pedido na “errónea qualificação do facto tributário”, sustentando, em suma, que um “terreno para construção” onde nada se acha edificado não pode ser considerado, em caso algum, um “prédio com afectação habitacional”, nem sequer para efeitos da aplicação da verba 28.1. da TGIS, uma vez que “a generalidade dos terrenos não é vocacionada para que neles as pessoas possam habitar”.
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Para além de errónea, no juízo da Requerente a liquidação é também injustificada porquanto no terreno para construção em causa permite-se “a construção de prédio com fracções habitacionais, mas também com fracções para comércio e serviços”.
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Entende ainda a Requerente que a interpretação das normas aplicáveis seguida pela Administração Tributária e Aduaneira é inconstitucional porquanto vai no sentido de considerar “que o imposto de selo ali previsto poderia incidir sobre terrenos para construção, na medida em que nos mesmos não exista qualquer construção susceptível de efectiva utilização habitacional, e sobretudo, quando o mesmo terreno é também legalmente apto para construção de imóveis ou fracções destinados a comércio ou a serviços”, em “clara violação do princípio da legalidade e da tipicidade das normas de incidência tributária, estatuído nos n.ºs 2 e 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa”.
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Já a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida” ou “ATA”) sustenta o entendimento que o identificado terreno para construção tem “natureza jurídica de prédio com afectação habitacional”, defendendo consequentemente a manutenção do acto de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral.
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O entendimento da Requerida resulta da circunstância de não haver, em sede de Imposto do Selo, qualquer definição dos conceitos de “prédio urbano”, “terreno para construção” e “afectação habitacional” o que impõe o recurso ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (o “CIMI”), em obediência ao disposto no n.º 2 do art.º 67.º do CIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, resultando necessária a conclusão de que a noção de afectação de um prédio urbano “encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis” e se “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação”, então “a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada”.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído a 22.08.2013, sendo materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
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No dia 13.11.2013, pelas 14h, teve lugar a primeira (e única) reunião do tribunal arbitral, tendo as partes concordado não haver qualquer controvérsia quanto à factualidade dos autos, estando em causa matéria exclusivamente de direito, pelo que não viram necessidade na realização de qualquer diligência adicional, tendo prescindido de alegações orais.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.
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Matéria de facto
2.1. Factos provados
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A Requerente é a única proprietária do prédio urbano descrito sob o número ... da freguesia de Matosinhos, da Conservatória do Registo Predial de Matosinhos e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-… dos mesmos concelho e freguesia (o “Prédio”) (doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e doc. n.º 3 da reclamação graciosa constante, a fls. 16 e segs., do processo administrativo disponibilizado pela ATA, cujos teores se dão como reproduzidos).
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O Prédio está descrito como terreno para construção (doc. n.º 3 da reclamação graciosa constante, a fls. 16 e segs., do processo administrativo disponibilizado pela ATA, cujo teor se dá como reproduzido).
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Para o Prédio estava prevista a construção de edifício com fracções habitacionais, mas também com fracções para comércio e serviços, conforme evidencia o Plano de Pormenor da ..., em Matosinhos, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º .../2006, de 5 de Janeiro, publicada no Diário da República, n.º 23, I Série-B, de 1 de Fevereiro de 2006 (doc. n.º 2 da reclamação graciosa constante, a fls. 8 e segs., do processo administrativo disponibilizado pela ATA, cujo teor se dá como reproduzido).
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Ao Prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 5.203.747,25 (doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Para efeitos de determinação do respectivo valor patrimonial tributário, foi ao Prédio conferida afectação habitacional (fls. 59 e seg. do processo administrativo disponibilizado pela ATA, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º 2012 ..., de 07.11.2012, no valor de € 26.018,74, de onde consta a data limite para o pagamento: 20.12.2012 (doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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No dia 18 de Dezembro de 2012 foi outorgada escritura de constituição da propriedade horizontal relativamente ao edifício entretanto construído no Prédio, composto por 113 fracções autónomas, das quais apenas 42 se destinam a habitação, havendo uma fracção, identificada pelas letras BS, que se destina a comércio e as demais fracções foram destinadas a recolha de veículos automóveis (doc. n.º 3 da reclamação graciosa constante, a fls. 16 e segs., do processo administrativo disponibilizado pela ATA, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente, a 20.12.2012 procedeu ao pagamento voluntário da quantia constante da nota de liquidação: € 26.018,74 (fl. 58 do processo administrativo disponibilizado pela ATA, cujo teor se dá como reproduzido).
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
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Matéria de direito
3.1.1. Questão a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que a questão decidenda é, no fundo, a de saber se o Prédio, que é um terreno para construção, é um “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
3.1.2. A verba 28.1 da TGIS
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que conta com a seguinte redacção:
«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»
Com a epígrafe “disposições transitórias”, o art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e com relevo para o que cumpre decidir, estabeleceu o seguinte:
1 — Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica -se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
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Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
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Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
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Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.
3.1.3. O sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”
Não podem ser fixados o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” sem ter presente o significado do próprio vocábulo “afectação”. E esse terá de ser encontrado nos dicionários, colhendo-se neles o benefício do estudo criterioso dos lexicógrafos. Assim, “afectação”, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, é a acção de destinar alguma coisa a determinado uso e “afectar”, consequentemente, é sinónimo de destinar a um uso ou a uma função específica.
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As regras de interpretação de normas fiscais
A questão decidenda não dispensa, antes implica, que se surpreenda o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS. Na ausência de uma definição legal, quer no CIS, quer em qualquer outro diploma, tem o intérprete-aplicador desta disposição o dever de convocar as normas que regem o necessário exercício hermenêutico.
Não há verdadeiramente um regime especial de interpretação de normas tributárias. O n.º 1 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária manda observar, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam”, “as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.
Os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis são os estabelecidos no art.º 9.º do Código Civil:
ARTIGO 9º
(Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Note-se porém que a interpretação das normas, também das normas fiscais, não se esgota num exercício lexical. Não envolve apenas, nem sequer sobretudo, a dissecação vocabular. Não está pois em causa saber exactamente o que significa “prédio com afectação habitacional”, mas antes surpreender o sentido e o alcance desse conceito no âmbito do disposto na verba 28.1 da TGIS. O mesmo é dizer, sublinhe-se, que só haverá utilidade processual do esforço hermenêutico, no âmbito deste concreto pedido de pronúncia arbitral, se ele for dirigido a descortinar se o legislador, com a redacção escolhida para a verba 28.1 da TGIS, quis nela abranger os prédios urbanos qualificados como terrenos de construção com as características do Prédio.
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A “afectação habitacional” – prédios habitacionais e com afectação habitacional
A Requerida, depois de afirmar que a “afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel”, o que pensamos ser indisputado, conclui no sentido de que “o conceito de «prédios com afectação habitacional», para os efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”. Ora, com o devido respeito, é justamente esta conclusão que importa demonstrar, já que ela não nos parece uma verdade axiomática.
O n.º 1 do art.º 6.º do CIS, com preocupação taxinómica, distingue “prédios habitacionais” de “terrenos para construção”. Os primeiros serão, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta dessa licença, os que tenham como destino normal esse fim. Já os terrenos para construção, esclarece o n.º 3 do preceito a que vimos fazendo referência, são aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, com algumas excepções.
Resulta claro, pois, que um terreno para construção não é, segundo esta classificação, um prédio habitacional. A questão é agora a de saber se “prédio com afectação habitacional”, conceito usado pela verba 28.1 da TGIS, corresponde, mau grado a diversidade literal, a “prédio habitacional”, noção empregue na classificação acabada de visitar.
Afectação, pelo que aprendemos com os dicionaristas, convoca o destino dado a certo bem. Já “habitacional” é relativo a habitação, sendo esta, por sua vez, e segundo o mesmo Dicionário que vimos usando, lugar ou casa em que se vive ou mora. Ora, afectação habitacional não poderá sugerir outro sentido que não seja a acção de dar a certo bem – no caso o Prédio, que é, recorde-se, um terreno para construção – o destino de casa ou lugar onde se mora.
É sabido que o CIMI faz, em diversas disposições, uso da expressão “afectação”. Fá-lo, por exemplo:
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No art.º 3.º, quando refere, relativamente a prédios rústicos, uma utilização geradora de rendimentos agrícolas;
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No art.º 9.º, quando impõe aos sujeitos passivos o dever de comunicarem aos serviços de finanças que um terreno para construção passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda ou que um prédio passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda;
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No art.º 27.º, quando relaciona certos edifícios e construções à produção de rendimentos agrícolas.
Em todas as situações apresentadas, como se pode ver, a afectação não é referida em termos potenciais, de vocação ou de expectativa. É justamente ao contrário. Sugere um destino efectivo ou directo, para usar uma expressão a que o legislador faz apelo no art.º 27.º.
Contudo, o CIMI faz também abundante uso da expressão “afectação” quando enuncia as regras que devem aplicar-se à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos (artigos 38.º e seguintes do CIMI). Importa, então, ver se podemos extrair das regras de determinação do valor patrimonial algum elemento útil que nos permita surpreender o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”.
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A relevância das regras de determinação do valor patrimonial tributário
Sustenta a Requerida que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis” e, mais ainda, que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada”.
É certo que para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção se tem atendido, não sem aporias, à “afectação” do que nele possa ser edificado.
Contudo, como bem refere a Requerida, “a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa”, em função, justamente, do que nele possa ser construído. Por isso, como muito bem explica a Requerida, “o art. 45.º do CIMI manda separar as duas partes do terreno”: de um lado, teremos de considerar “a parte do terreno onde vai ser implantado [rectius, onde pode vir a ser implantado] o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% (…), em virtude de a construção não estar ainda efectivada”. É bom de ver que a aplicação daquela percentagem permite justamente atender à circunstância de não haver ainda construção, mas não autoriza o legislador que se ignore que o valor económico, ou de mercado, de um terreno para construção está relacionado com a sua capacidade construtiva.
Dizer o que precede não significa, porém, que o legislador sinta a necessidade de impor a tributação automática e necessária, em sede de Imposto sobre Imóveis, a todos os terrenos para construção. Basta ler o que dispõe a alínea d) do já referido art.º 9.º do CIMI:
ARTIGO 9º
(Início da tributação)
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O imposto é devido a partir:
(…)
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Do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda;
(…)
Ou seja, ainda que o legislador entenda ser razoável, como parece ser, determinar o valor patrimonial tributário de um terreno para construção levando em linha de conta a sua capacidade construtiva e, concedamos a benefício de raciocínio, a natureza ou vocação do que possa sobre ele ser edificado, não deixa de ser sintomático que tenha optado, do mesmo passo, por suspender essa tributação nos casos em que esses terrenos para construção figurem no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda. Nos casos em que, poder-se-ia também dizer, esses prédios urbanos integram um processo produtivo que tende a continuar e a produzir, a jusante, frutos também eles tributáveis.
Se o sentido primacial de “afectação”, como deixámos dito, sugere um destino efectivo, directo, dado a um determinado bem, não vemos como possa este entendimento ser infirmado pela constatação de que o legislador, no âmbito da avaliação de terrenos para construção, autoriza (a admitir que autoriza) o uso do coeficiente de afectação, tendo em vista o que nele pode vir a ser construído. Na verdade, como bem refere a Requerente, não parece razoável admitir neste cenário o recurso a normas de determinação da matéria colectável para alargar a previsão das normas de incidência.
A situação é tão mais nítida quanto é conhecido que, não obstante os critérios usados no âmbito da determinação do valor patrimonial tributário, com que a Requerente se conformou, o Prédio que nos ocupa, desde 01.02.2006, data em que passou a ser considerado prédio urbano, não era exclusivamente destinado à construção de habitações. Tanto assim é que do título constitutivo da propriedade horizontal resulta claro que das 113 fracções autónomas existentes, apenas 42 se destinam a habitação, havendo uma destinada ao comércio e as outras à recolha de veículos automóveis. O mesmo é dizer, que nem sequer em termos potenciais ou de expectativa se podia admitir que o terreno para construção em causa estaria afecto, todo ele, à construção de habitações.
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Posição adoptada
Face ao exposto, julgamos que se impõe, na interpretação do disposto na verba 28.1 da TGIS, o entendimento segundo o qual a afectação habitacional de um prédio urbano sugere que se lhe dê esse efectivo destino, ou se lhe possa directamente dar esse destino. Sendo como nos parece, um terreno para construção não está naquela verba incluído, em termos de incidência objectiva. Parece-nos pois que a um terreno para construção, pela sua própria natureza, não pode se associada uma afectação habitacional tal como a que é sugerida pela verba 28.1 da TGIS.
Não se diga que este juízo colide com a possibilidade de ver aplicado a um terreno de construção o coeficiente de afectação a que se faz referência na secção II do Capítulo VI do CIS. Na verdade, uma coisa são as regras que o legislador impõe para determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não sendo estranho que se atenda à sua capacidade construtiva e à natureza e vocação do que neles possa ser edificado, outra, bem diversa, é pretender que essas regras sejam convocadas para recortar o campo da previsão normativa das regras de incidência.
Aliás, a interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta pouco rigorosa intervenção legislativa.
Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[2]:
“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo as expressões “prédios urbanos habitacionais”, que são os que constam da alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS e “casas”, sendo manifesto que, num caso e noutro, nesses conceitos não cabem os terrenos para construção, referidos que são na alínea c) do citado preceito.
Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa, resulta com mediana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos os terrenos para construções, pelas razões supra aduzidas. Antes parece que o sentido e o alcance do conceito de “prédios com afectação habitacional” é o equivalente ao de “prédios habitacionais” mencionados na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS.
3.1.4. Da inconstitucionalidade
A Requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas da subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pelo mesmo diploma, se fossem interpretadas no sentido de que o imposto do selo ali previsto poderia incidir sobre terrenos para a construção.
Uma vez que o tribunal arbitral não acolheu essa interpretação das referidas normas, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessa questão.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de anulação da liquidação contestada, com a consequente anulação dessa mesma liquidação.
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Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 26.018,74.
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Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2013
O Árbitro
(Nuno Pombo)
[1] A redacção da presente decisão arbitral não obedece ao novo Acordo Ortográfico
[2] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.