Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2016-T
Data da decisão: 2017-01-13  Selo  
Valor do pedido: € 22.252,20
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – prédio em propriedade total
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Decisão Arbitral

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 14 de julho de 2016, decide nos termos que se seguem:

 

I.                   RELATÓRIO

1. No dia 05-05-2016, a sociedade “A…, Lda.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13-05-2016.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 29-06-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 14-07-2016.

6. No presente processo, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e inconstitucionalidade de atos de liquidação do imposto do selo praticados ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referentes ao ano de 2015, no montante total de € 22.252,20, com referência ao prédio em propriedade total sito na Av…, … a …, inscrito na matriz predial da freguesia de…, Lisboa, sob o artigo… .

7. Os fundamentos apresentados pela Requerente são os seguintes:

-        As liquidações impugnadas dizem respeito às unidades suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de … sob o artigo…;

-        O prédio em questão é composto por 11 andares e 20 frações suscetíveis de utilização independente;

-        O somatório dos valores patrimoniais tributários (VPTs) das referidas divisões suscetíveis de utilização independente ascende a € 2.225.220,00, sendo que nenhuma delas tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

-        Foi sobre o valor patrimonial tributário total das frações afetas a habitação que a AT liquidou o imposto de selo previsto na verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), à taxa de 1%.

-        Entende a Requerente que o critério da AT de considerar que é o VPT global das divisões afetas a habitação que determina a sujeição a imposto do selo é ilegal porquanto só deveria haver incidência deste imposto nos termos da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

-        E isto porque não pode a AT estabelecer como valor de referência para incidência de imposto do selo o valor total do prédio quando o legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, sendo esse o normativo aplicável às matérias não reguladas no CIS no que toca à incidência da verba 28.1 da TGIS.

-        Ora, para efeitos de IMI, cada divisão suscetível de utilização independente tem um VPT autónomo e individualizável e a liquidação é efetuada sobre esse valor; por conseguinte, o mesmo deverá suceder em sede de aplicação da verba 28.1 da TGIS na medida em que não existe qualquer disposição legal que faça corresponder ao valor patrimonial tributário de um prédio composto por vários andares ou divisões susceptíveis de utilização independente a soma das respectivas partes.

-        Acrescenta ainda que o objetivo subjacente à criação da verba 28.1 da TGIS era o de tributar os sujeitos passivos que apresentassem uma capacidade contributiva acrescida através da propriedade, usufruto ou detenção do direito de superfície de fogos de luxo, o que não sucede no caso concreto.

8. A Requerida respondeu à pretensão da Requerente defendendo-se por exceção e por impugnação.

8.1 Análise das exceções

A Requerida invoca a incompetência do tribunal e a inimpugnabilidade dos atos.

Quanto à primeira, alega que a Requerente não impugna um ato tributário, mas antes o pagamento de um ato tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança, isto é, o objeto do processo é a anulação não de um ato tributário, mas sim de notas de cobrança para o pagamento de um imposto – matéria que não consta, em absoluto, da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT, pelo que o ato objeto de pedido de pronúncia arbitral extravasaria a competência do Tribunal arbitral.

Quanto à segunda, alega que o que a Requerente impugna não são os atos de liquidação, mas sim as primeiras prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto e que estas não são impugnáveis de per si.

Ora, salvo melhor opinião, a AT peca por excesso de simplificação da petição apresentada pela Requerente. Com efeito, atendendo quer ao início da sua exposição, quer ao valor que é indicado no final e que é atribuído ao processo, constata-se que o que é efetivamente impugnado é o ato de liquidação de imposto do selo e não apenas a sua primeira prestação, calculada e comunicada ao contribuinte através dos documentos de cobrança referentes a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente. Veja-se que, logo no introito, se indica que se pretende “apresentar pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária, tendo em vista a declaração de ilegalidade do ato de liquidação cujo número é desconhecido, pois dela, a requerente, não chegou, até hoje, a ser notificada e nem tão pouco figura esse número nas notas de cobrança referentes ao imposto do selo da verba 28.1 da TGIS, do ano de 2015, a seguir indicadas. Por isso, obriga-se a presumir que o valor impugnável será 22.252,20€, por ser o que corresponde a 1% do VPT do imóvel objeto de tributação, como se alcança das citadas notas de cobrança (2.225.220,00 x 1% = 22.252,20).” Por outro lado, ao indicar o valor do processo, no final do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente indica também o valor de € 22.252,20, requerendo “a anulação do ato das liquidações”. A circunstância de a Requerente alegar não saber o número da liquidação e não o indicar não prejudica o facto de impugnar o ato de liquidação, referindo-se, ainda que indiretamente, ao mesmo e atribuindo à causa o seu valor integral. Por outro lado, a ausência dessa indicação não impediu a AT de saber a liquidação que estava em causa e de poder oferecer defesa em toda a sua plenitude.

Assim, o Tribunal entende não assistir razão à Requerida no que se refere às invocadas exceções.

8.2 Defesa por impugnação

-        O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.

-        No seu entender, decorre da análise daquele preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios.

-        Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VPT que serve de base ao seu cálculo será o VPT que a Requerente define como «valor global do prédio», pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba n.º 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2.º do CIMI.

-        A constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (ofício – circulado n.º 40.025, de 11.08.200, da DSCA), mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

-        As normas sobre procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical.

-        A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 2 do art. 4.º do CIMI e art. 1414.º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.

-        A inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta da uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade - veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio.

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

III.1. Factos provados

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano em propriedade total inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, Lisboa, sob o artigo…;
  2. O prédio é composto por onze pisos e vinte divisões com utilização independente, encontrando-se, à data dos factos tributários, constituído em propriedade total;
  3. As divisões suscetíveis de utilização independente estão afetas a habitação, com exceção da loja no rés-do-chão (cf. caderneta predial junta como documento 20);
  4. Todas as divisões suscetíveis de utilização independente têm um VPT atribuído e separadamente determinado nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º do CIMI.
  5. Nenhuma das suas partes ou andares com afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.
  6. O prédio tem um VPT total de € 3.021.390,00.
  7. O somatório dos VPTs das divisões suscetíveis de utilização independente com afetação habitacional é de € 2.225.220,00 (€3.021.390,00 - € 796.170,00 VPT da loja).
  8. Foi sobre este VPT de € 2.225.220,00 que a AT liquidou o imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral, do ano de 2015, sendo a liquidação datada de 2016/04/05.

 

III.2. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

IV. THEMA DECIDENDUM

 

A questão essencial em causa no presente processo passa por determinar, com referência a um prédio urbano não constituído em regime de propriedade horizontal, integrado por diversas áreas com utilização independente, com afetação habitacional, se o VPT relevante para efeitos da tributação em sede de imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS deve ser o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares independentes com afetação habitacional ou se, pelo contrário, deve ser tido em conta para efeitos de incidência do imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

A verba 28 da TGIS previa, à data dos factos, o seguinte:

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: (Aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro)

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (Redação da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro) - 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças (Aditada pelo artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro) - 7,5%

 

No presente processo há que decidir se o VPT relevante como critério de incidência do imposto do selo nos termos da verba 28.1 da TGIS é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, ao VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.

 

Esta questão já foi apreciada em diversos processos de arbitragem tributária, não se vislumbrando motivos para adotar entendimento diferente daquele que foi adotado em decisões proferidas anteriormente[1]. Assim:

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 67.º do CIS, quanto “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.” Reportando-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédios urbanos, importa buscar o conceito de prédio urbano no CIMI.

 

O CIMI estabelece, no artigo 2.º, n.º 1, o conceito de prédio. Define-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

 

Já o artigo 4.º do CIMI estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

 

Por sua vez, o artigo 6.º do mesmo Código procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”. Por sua vez, o n.º 2 positiva o critério utilizado para essa distinção definindo que os “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

No que concerne à questão concreta objeto da presente decisão, importa atender ao artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, nos termos do qual “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.”.

 

Por fim, nos termos do artigo 119.º n.º 1 do CIMI, “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.”

 

Conforme reconhece a doutrina, o conceito fiscal de prédio afasta-se do conceito civilista de prédio, ao contrário do que sustenta a Requerida, sendo que, “Para efeitos fiscais, o n.º 1 deste artigo [2.º do CIMI] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico.”

(Cf. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, o Imposto do Selo, Anotados e Comentados, Engifisco, 1.ª edição, 2005, pág. 101).

 

Assim, “o elemento físico vem definido pela referência a “toda a fração de território”, abrangendo águas, plantações e construções de qualquer natureza nela incorporadas ou assentes com carácter de permanência. No plano jurídico, é atribuída relevância à patrimonialidade. O bem, no sentido físico, deve ser passível de integração no património de uma pessoa singular ou coletiva. (…) O requisito do valor económico encontra-se, naturalmente, associado ao requisito da patrimonialidade, decorrendo daí a suscetibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.” (op.cit.).

 

No caso concreto, parece-nos que todos os três requisitos mencionados se verificam, na medida em que as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente objeto dos atos de liquidação em causa têm correspondência física com a realidade, integram o património da Requerente e possuem um valor económico que, quanto mais não seja, decorre do VPT que lhes foi atribuído pela avaliação realizada pela AT.

 

Assim, parece-nos que as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, preenchendo todos os requisitos para que possam qualificar como um “prédio”, em termos económicos, físicos e de patrimonialidade, deverão ser consideradas autonomamente para efeitos da incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

Acresce que, na regra de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, o legislador não entendeu relevante distinguir entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade vertical. E isto, em nosso entender, porque o que releva, em última análise, é o destino económico do imóvel, como decorre, também, do artigo 6.º do CIMI, em face dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3, da CRP. Na verdade, em termos de substância económica, não existe qualquer diferença entre um edifício em propriedade horizontal e um edifício em propriedade vertical ou total constituído por partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, justificando-se, portanto, em termos de regras de incidência – e, em particular, da regra constante da verba 28.1 da TGIS – o tratamento igual destas duas situações. Aliás, também o legislador fiscal determina esse tratamento igualitário, no artigo 119.º do CIMI, quando estabelece que o imposto deverá ser liquidado individualmente sobre cada parte ou divisão suscetível de utilização independente, tendo em consideração o VPT de cada parte ou divisão suscetível de utilização independente, individualmente considerada.

 

Resulta do exposto que deverá aplicar-se indistintamente, quer aos prédios urbanos habitacionais constituídos em propriedade horizontal, quer aos que se encontram em propriedade total ou vertical, a regra constante da verba 28.1 da TGIS, devendo o imposto incidir sobre o VPT atribuído pela Requerida, através de avaliação geral, a cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente (aliás, a Requerida emitiu, no caso objeto dos presentes autos, tantos atos de liquidação quantas as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação).

 

Em face do que antecede, e atento o facto de que nenhuma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente objeto do ato de liquidação impugnado tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, como ficou demonstrado nos presentes autos, conclui-se pela procedência do pedido da Requerente, considerando-se ilegais os atos de liquidação impugnados, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e violação do artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da verba 28.1 da TGIS, devendo os referidos atos ser anulados.

 

É de notar, por último, que o entendimento aqui defendido tem sido sufragado pelo STA, como se pode ver pelo recente Acórdão n.º 47/15, de 9/9/2015, no qual se assinalou, de uma forma clara, que, “tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” No mesmo sentido, podem ser consultados os Acórdãos do STA de 2/3/2016 (proc. 1354/15), e de 29/6/2016 (proc. 498/16). Noutro acórdão ainda, o STA refere que “a questão que incumbe decidir prende-se com a interpretação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, no sentido de definir se ela tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros. Esta questão já não é nova neste Supremo Tribunal e tem merecido uma resposta uniforme no sentido propugnado na sentença recorrida [ou seja, e como sintetiza este aresto: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.»], por todos, o acórdão datado de 04.05.2016, recurso n.º 0166/16. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016. No presente recurso não se coloca a necessidade de apreciação da norma em apreço à luz de tais princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional.” (cf. o Acórdão de 24/5/2016, proferido no rec. 1344/15).

 

VI. DECISÃO

Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de imposto do selo impugnada, com a consequente anulação.

 

Valor: em conformidade com o disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 22.252,20.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € € 1.224,00, a suportar integralmente pela Requerida nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 13 de janeiro de 2017

A Árbitro,

Raquel Franco

 

 

 

 



[1] Cfr., a título meramente exemplificativo, as decisões proferidas nos processos 50/2013T;132/2013-T;181/2013-T;182/2013-T;183/2013-T;185/2013-T;240/2013-T; 248/2013-T; 268/2013-T; 272/2013-T; 280/2013-T; 14/2014-T; 26/2014-T, 30/2014-T; 72/2014-T; 88/2014-T; 100/2014-T; 177/2014-T, 193/2014-T; 194/2014-T, 206/2014-T, 238/2014-T; 290/2014-T; 292/2014-T; 372/2014-T; 428/20014-T; 450/2014-T.