Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 249/2016-T
Data da decisão: 2017-01-09  IRC  
Valor do pedido: € 187.686,61
Tema: IRC – CFEI; artigo 15.º do EBF; Fusão por incorporação; Regime de neutralidade fiscal; Transmissibilidade de benefício fiscal.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sérgio de Matos e Sérgio Pereira da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia dois de Maio de 2016, “A…, S.A.”, doravante designada apenas como “A…” ou “Requerente”, titular do número de identificação de pessoa coletiva…, com sede na …, n.º…, em…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC do período de 2014, identificada sob o n.º 2015…, bem como do acto de demonstração de acerto de contas, identificado sob o n.º 2015…, no montante de € 187.686,61.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

                                                              i.      A liquidação sub judice fundamenta-se no facto de, alegadamente, a Requerente ter indevidamente usufruído de um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento, também designado (“CFEI”);

                                                            ii.      Isto porque, o beneficio fiscal foi cedido à sociedade B… no período de 2013, que, entretanto, se incorporou na sociedade A… mediante operação de fusão, tendo-se desta forma extinguido;

                                                          iii.      A fusão da B… na A… não configura um facto susceptível de violar a previsão normativa do artigo 4, n.º 9 da Lei nº 49/2013; 

                                                          iv.      Não podendo, por conseguinte, ser aplicada a norma sancionatória prevista para as situações de incumprimento das regras de elegibilidade das despesas de investimento, que implicaria a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado em virtude de ter usufruído do CFEI;

                                                            v.      Em virtude da transmissão do património global da incorporada para a incorporante e não obstante a extinção jurídica da sociedade incorporada, os activos da B…, incluindo aqui também os bens objecto de investimento no âmbito do CFEI, mantiveram-se na A…, mesmo que sob a veste de uma outra realidade;

                                                          vi.      De uma operação de fusão não se pode retirar como consequência, no âmbito económico, o desaparecimento da empresa fundida, mas antes uma transformação da sociedade;

                                                        vii.      Na transmissão do património global da titular do benefício para a sociedade incorporante, como ocorre no caso em apreço, deve entender-se que não obstante a extinção jurídica da sociedade incorporada, os activos desta (onde se incluem os bens objeto de investimento no âmbito do CFEI) mantêm-se na empresa à qual foram atribuídos;

                                                      viii.      Mantendo-se todos os seus direitos e obrigações, pelo facto de que a sociedade incorporante absorve tudo o que existe na incorporada;

                                                          ix.      Verificando-se, desta forma, o requisito da manutenção dos bens objecto do investimento nas situações em que esses bens são transferidos de uma empresa para a outra;

                                                            x.      Para efeitos do requisito previsto no n.º 9, do artigo 4.º, da Lei nº 49/2013, deverá considerar-se que não existiu qualquer transmissão de activos;

                                                          xi.      Tanto no plano dos direitos como na perspectiva das obrigações, a fusão mantém todas as circunstâncias que se encontravam adstritas à B…;

                                                        xii.      Não foi violado o n.º 9 do artigo 4.º da Lei 49/2013, porque a fusão não configura uma situação de não detenção pelo período de cinco anos dos activos subjacentes ao CFEI;

                                                      xiii.      Motivo pelo qual não poderá ser assacada à Requerente a consequência de proceder à reposição do beneficio fiscal usufruído no período de 2013, no montante de € 172.335,67;

                                                      xiv.      A AT procedeu, ainda, à correcção do imposto de IRC que transitou, a titulo de saldo de 2013, para o período de 2014, no montante de € 12.136,33;

                                                        xv.      À operação de fusão aqui em análise, é aplicável o disposto no artigo 73.º e seguintes do Código do IRC, que compreende o principio da neutralidade fiscal da fusão que se encontra plasmado na Diretiva 2009/133/CE;

                                                      xvi.      O motivo pelo qual a Requerente não solicitou a autorização ao Ministro das Finanças para a transmissão de benefícios fiscais, deveu-se ao facto de se tratar de uma operação sujeita ao regime da neutralidade fiscal, por se aplicar o novo artigo 75.º-A do código de IRC - já em vigor à data dos factos;

                                                    xvii.      Encontrava-se preenchida a única norma que, para o caso em apreço, deve ser tida em consideração, isto é, o n.º 1 do artigo 75.º- A do Código do IRC.

                                                  xviii.      A liquidação de imposto de IRC encontra-se ferida de ilegalidade, devendo a mesma ser anulada e o montante pago devidamente restituído.

 

  1. No dia 03-05-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 29-06-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 14-07-2016.

 

  1. No dia 30-09-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 dias.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente encontra-se colectada pela actividade de “Transporte Interurbano em Autocarros”, CAE-…, sendo tributada em sede de IRC pelo regime geral de tributação e em sede de IVA encontra-se enquadrada no regime normal mensal.

2-      Num período compreendido entre 1 de Setembro e 28 de Dezembro de 2015, os Serviços de Inspecção Tributária da Direção de Finanças de … procederam a uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, junto da Requerente, através da Ordem de Serviço credenciada pelo número OI2015… a qual teve por objecto o exercício de 2014.

3-      No âmbito da acção inspectiva, foram analisadas as declarações modelo 22 referentes aos exercícios de 2013 e de 2014, tendo os SIT apurado que a B… deduziu à coleta do IRC os montantes relativos ao Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), previsto na Lei n.º 49/2013 de 16 de Julho, referenciados no quadro de seguida reproduzido:

Descrição

2013

2014

Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento:

 

 

 - Saldo não deduzido

€ 0,00

€ 0,00

 - Dotação do período

€ 184.472,00

€ 12.136,33

 - Dedução do período

€ 172.335,67

€ 12.136,33

 - saldo que transita

€ 12.136,33

€ 0,00

 

 

4-      O benefício fiscal, usufruído em 2013 e em 2014, tem subjacente um investimento efectuado pela B…, em Dezembro de 2013, no montante de € 922.360,10, que consistiu na aquisição de 5 chassis da marca “…” e das respectivas carroçarias do modelo “…”, que deram origem a cinco autocarros matriculados e afectos à exploração a partir de Abril e Maio de 2014.

5-      No âmbito da acção inspectiva, por ofício n.º…, datado de 28 de Outubro de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a Requerente do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, concedendo, nos termos legais, a possibilidade do exercício do direito de audição, que foi exercido por parte da Requerente.

6-      A Requerente foi notificada do Relatório final de inspecção, no qual a AT não atendeu aos argumentos expostos em sede de direito de audição, mantendo as correcções aritméticas ao IRC, referentes ao ano de 2014.

7-      Do RIT consta, para além do mais, o seguinte:

a.       “O benefício fiscal usufruído pelo s.p., encontra-se regulado na Lei n.º 49/2013,“de 16 de julho, que aprova o CFEI estabelece no n.º 9 do seu artigo 4.º que: “Os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pela Lei n,º 64-B/2011, de 30 de dezembro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 38.º do Código do IRC.”- sublinhado nosso

A referida Lei, que aprova o CFEI estabelece no n.º 7 do seu artigo 3.º que: “Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais”. Realce nosso

O artigo 73.º do CIRC trata das Definições e âmbito de aplicação do Regime especial aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais.

No caso das reorganizações tratadas no art.º 73.º do CIRC aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, adiante designado por EBF, que a seguir se transcreve:

“3-É igualmente transmissível inter vivos, mediante autorização do Ministro das Finanças, o direito aos benefícios fiscais concedidos, por ato ou contrato fiscal, a pessoas singulares ou coletivas, desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício e fique assegurada a tutela dos interesses públicos com ele prosseguidos.” Sublinhado nosso.

O CFEI é um benefício fiscal de natureza automática, pois, a Lei é a fonte imediata do benefício, sem necessidade de nenhum ato de intermediação autónomo ao nível tributário que expressamente o reconheça, pelo que, forçosamente tal benefício é qualificado de natureza automática, nos termos do disposto no artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

A própria Lei que cria o CFEI decreta que, no caso de fusões, a transmissibilidade dos benefícios fiscais é efetuada mediante autorização do Ministro das Finanças.

Não cumprindo as regras de elegibilidade, nomeadamente o n.º 9 do artigo 4.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de julho, aplica-se a norma sancionatória estabelecida no artigo 8.º do mesmo diploma, que se transcreve: “Sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias, o incumprimento das regras de elegibilidade das despesas de investimento previstas no artigo 4.º, bem como no artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 6.º implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado em virtude da aplicação do presente regime, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais.” – sublinhado nosso.”.

b.      “O s.p. efetuou o investimento em 2013, porém cessou a sua atividade em 2014-09-26, sendo incorporada na Sociedade A…, SA, NIPC … de acordo com projeto de fusão por incorporação, pelo que não deteve os ativos subjacentes pelo período mínimo de cinco anos, não cumprindo o estabelecido no n.º 9 do seu artigo 4.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de julho.

Embora a fusão, com a perda de personalidade jurídica do s.p., não tenha implicado o desaparecimento da realidade económica e empresarial que ela constituía, certo é que, salvo raras exceções, o benefício fiscal é intransmissível, tal como se encontra no n.º 1 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF.

No entanto, em resultado da fusão, operação prevista no artigo 73.º do CIRC, o s.p. reorganizou-se, podendo, cumpridas as regras de elegibilidade do benefício, tê-lo transmitido, bastando para tal solicitar autorização ao Ministro das Finanças, o que não se verificou, conforme decorreu dos esclarecimentos prestados pela TOC do s.p, a qual questionada por email se a autorização referida no n.º 3 do artigo 15.º do EBF, estabelecida no n.º 7 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de julho, foi requerida, e neste caso, apresentar cópia (vide anexo 4), respondeu que “a autorização referida não foi solicitada” (vide anexo 5).

Com efeito, o s.p. realizou o investimento em 2013, foi fundido por incorporação em 2014, não solicitou qualquer autorização do Ministro das Finanças, para transmitir o benefício à incorporante (A…) de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 15.º do EBF e cessou a sua atividade em 2014-09-26.”

c.       “Ao cessar a atividade em 2014-09-26, o s.p. não deteve nem detém os ativos por um período de cinco anos, conforme dispõe o n.º 9 do artigo 4.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, pelo que, não podia usufruir do benefício fiscal (CFEI) no montante de € 12.136,33 declarado em 2014 (dotação do período de 2013, não deduzido no período) e deveria repor o benefício fiscal (CFEI) deduzido em 2013 no montante de € 172.335,67, inscrito no campo 355 do quadro 10 das respectivas declarações de rendimentos 2014 e 2013.

Assim propõe-se a correções em 2014, dos montantes acima indicados, sendo que a reposição do benefício usufruído em 2013 será ainda, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais, conforme estabelece o artigo 8.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho.”.

8-      Posteriormente, foi a Requerente notificada da respectiva liquidação, contendo as correcções propostas em sede de inspecção tributária.

9-      De acordo com o Relatório final de inspecção, estas correcções assentam nos seguintes valores:

 

Correcções IRC

Período de 2014

Correcção do imposto usufruído em 2014

€ 12.136,33

Reposição, em 2014, do imposto usufruído em 2013

€ 172.335,67

Total

€ 184.472,00

 

10-  Em 18 de Fevereiro de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, no montante de € 187.686,41.

11-  Em 4 de Agosto de 2014, a B… e a A… assinaram um projecto de fusão através do qual decidiram a incorporação por fusão da B… na A... .

12-  A B… iniciou atividade em 04-03-1985 e cessou-a em 25-09-2014 no seguimento da incorporação por fusão na sociedade A…, S.A., ora Requerente.

13-  A ora Requerente, anteriormente à operação de fusão, era a única sócia da sociedade incorporada B… .

14-  Na sequência da transmissão global do património da B… para a Requerente, resultante da fusão, a propriedade das viaturas objeto do CFEI passou a verificar-se na esfera da sociedade incorporante.

15-  A fusão atrás referida foi realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal (artigo 74.º do CIRC).

16-  Não foi solicitada qualquer autorização ao Ministro das Finanças para transmissão do benefício atrás referido à sociedade incorporante A…, ora Requerente.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Em especial, o ponto 15 dos factos provados foi reiteradamente reafirmado pela Requerente, desde o procedimento de inspecção (cfr. anexo V do RIT, e direito de audição) até à presente acção arbitral (quer no requerimento inicial, quer nas alegações), não tendo sido, em qualquer altura, posto em causa pela AT, pelo que ao abrigo do supra-referido artigo 110.º/7 do CPPT se considera o mesmo provado.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão a apreciar nos presentes autos divide-se em duas partes, a saber, uma relativa aos benefícios fiscais usufruídos em 2013, pela sociedade B…, posteriormente fundida na Requerente, e outra relativa aos benefícios fiscais usufruídos em 2014, já pela Requerente, tendo incorporada a referida sociedade B… .

            O benefício fiscal em causa é o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), regulado pela Lei 49/2013 de 16-07, que, no que para o caso releva, e para além do mais, dispõe:

-          no artigo 3.º:

o   “1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013.(...)

6 - A importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”;

-          No artigo 4.º:

o   “9 - Os ativos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, alterado pela Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 38.º do Código do IRC.”;

-          No artigo 8.º:

o   “Sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias, o incumprimento das regras de elegibilidade das despesas de investimento previstas no artigo 4.º, bem como no artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 6.º implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado em virtude da aplicação do presente regime, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais.”

Com relevo para a apreciação, da causa, por remissão do artigo 3.º/7 da referida Lei 49/2013, dispõe ainda o artigo 15.º/3 do EBF aplicável que:

“É igualmente transmissível inter vivos, mediante autorização do Ministro das Finanças, o direito aos benefícios fiscais concedidos, por acto ou contrato fiscal, a pessoas singulares ou colectivas, desde que no transmissário se verifiquem os pressupostos do benefício e fique assegurada a tutela dos interesses públicos com ele prosseguidos.”.

 

*

            Compulsada matéria de facto assente, afere-se que as correcções em causa têm subjacentes pressupostos factuais distintos.

            Assim, no que diz respeito ao ano de 2013, está em causa o benefício fiscal CFEI, relativo à sociedade B…, e liquidação de IRC dessa mesma sociedade, que considerou tal benefício.

            Já no que diz respeito ao ano de 2014, está em causa o mesmo benefício fiscal, relativo à mesma sociedade B…, na parte não exaurida por esta no ano de 2013, repercutida na liquidação de IRC, do exercício em causa, da ora Requerente, que, entretanto, incorporou por fusão a referia sociedade B… .

            Sendo distintas, assim, as situações de facto subjacentes às correcções ora em crise, deverão as mesmas ser objecto de apreciação separada.

            Começando, então, pela correcção relativa ao ano de 2013, verifica-se que, de acordo com o RIT, a AT funda a mesma nas violações do disposto:

-          No n.º 9 do artigo 4.º da Lei 49/2013, porquanto, no entender da AT, a B… cessou a sua actividade em 2014-09-26, sendo incorporada por fusão na Requerente, pelo que não deteve os activos subjacentes pelo período mínimo de cinco anos;

-           No artigo 3.º/7 da mesma Lei 49/2013 e no artigo 15.º/3 do EBF, porquanto, sempre no entender da AT, o sujeito passivo que realizou o investimento em 2013, foi fundido por incorporação em 2014, e não solicitou qualquer autorização do Ministro das Finanças, para transmitir o benefício à incorporante.

Em função da violação das referidas normas que considerou verificadas, a AT procedeu à aplicação do disposto no artigo 8.º da Lei 49/2013, determinando a reposição do benefício usufruído em 2013 pela B…, acrescido de juros compensatório majorados.

Vejamos então.

 

*

Começando pela norma sancionatória aplicada pela AT a final, verifica-se que a mesma condiciona a respectiva estatuição ao “incumprimento das regras de elegibilidade das despesas de investimento previstas no artigo 4.º, bem como no artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 6.º”.

Tal previsão, desde logo, afasta a previsão do artigo 3.º/7 da Lei 49/2013, bem como o artigo 15.º/3 do EBF, na medida em que tais normas, por um lado, não se reportam às regras de elegibilidade das despesas de investimento para o benefício fiscal em causa, e, por outro, não se contém na remissão efectuada nesse artigo 8.º, que se limita ao disposto no artigo 4.º, bem como no artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 6.º, da Lei 49/2013.

Daí que, tendo em conta que o Tribunal se terá de ater, na apreciação da legalidade do acto em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naquele, já que “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.[2], a legalidade da correcção operada ora em causa, haja de ser aferida face à norma remanescente em que aquela se funda, plasmada no n.º 9 do artigo 4.º da Lei 49/2013, reconduzindo-se portanto à questão de saber se se encontra demonstrado que os activos subjacentes ao benefício fiscal CFEI não foram detidos/e ou contabilizados nos termos legais, pelo período mínimo de cinco anos, nos termos impostos pela referida norma.

Ora, a AT sustenta tal conclusão, unicamente, na circunstância de a B… ter cessado a sua actividade em 2014-09-26, por ter sido incorporada por fusão na Requerente.

Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, não se pode ratificar tal entendimento.

Com efeito, e como a própria AT, logo no RIT, compreendeu, “a fusão, com a perda de personalidade jurídica do s.p., não (...) implica(...) o desaparecimento da realidade económica e empresarial que ela constituía”.

Efectivamente, tem sido jurisprudência dos nossos Tribunais Tributários superiores, que:

-          “A fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA nos lugares citados na sentença recorrida – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.

Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica." [3]; e que

-          “a fusão de sociedades é o acto pelo qual duas ou mais sociedades reúnem as suas forças económicas para formarem, com os sócios de todas elas, uma só personalidade colectiva, um novo sujeito económico e jurídico.

Daí que se possa afirmar, como parece tê-lo feito a A., que a fusão é, regra geral, e a situação em análise não constitui excepção, recomendada por interesses comuns às sociedades nela intervenientes, e não apenas a uma delas. (...)

É certo que se poderia argumentar que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão; todavia, também o certo é que não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.

Numa outra formulação, põe afirmar-se que com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica. [4].

            Ou seja, e em suma, o efeito normal[5] da fusão por incorporação relativamente à sociedade incorporada, não é a sua extinção fáctica, mas uma mera alteração na sua forma jurídica de funcionamento.

            Daí que, julga-se, não se possa retirar, sem mais, como é o caso, da mera ocorrência de uma de fusão por incorporação, a conclusão de que os activos subjacentes às despesas elegíveis tenham deixado de “ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos”. Dito de outro modo, a fusão por incorporação de uma sociedade, ainda que acompanhada da sua cessação de actividade para efeitos fiscais, não preenche, de per si, quer de forma directa, seguramente, quer de forma indirecta, os pressupostos do n.º 9 do artigo 4.º da Lei 49/2013. Considera-se, assim, que para que tais pressupostos se tenham por devidamente preenchidos, é necessário que se demonstre que, efectivamente, os activos em questão, tenham deixado de ser detidos e/ou contabilizados de acordo com as regras necessárias, demonstração essa que, no caso, não foi, minimamente feita.

            Como se referiu já, a própria AT, logo no RIT, denota o acolhimento do quanto se vem de expor, ensaiando, então, a argumentação de que os benefícios fiscais são, por norma, instransmissíveis, e que não foi colhida a autorização do Ministro das Finanças, nos termos prescritos pelos artigos 3.º/7 da Lei 49/2013, e 15.º/3 do EBF.

            Tal argumentação, no entanto, não é susceptível de proceder, relativamente à situação ora em apreço (benefício fiscal de 2013).

            Com efeito, e desde logo, inexiste qualquer relação lógica entre um e outro dos fundamentos invocados, ou seja, a efectiva detenção e/ou contabilização dos elementos do activo relevantes, nos termos legais, nada tem a ver com a transmissibilidade do benefício fiscal nem com a autorização do Ministro das Finanças, ou falta dela.

            Dito de outro modo, os elementos do activo podem ser detidos e contabilizados de acordo com a regras aplicáveis, sem que haja autorização do Ministro das Finanças e, dada esta, poderá verificar-se que aqueles deixem de ser detidos e/ou contabilizados nos termos correctos, pelo que da existência, ou não da autorização em questão nada se pode retirar quanto à detenção e contabilidade de tais activos.

            Por outro lado, na medida em que, como se viu já, está em causa a liquidação de IRC da B… relativa ao exercício de 2013, não se verifica qualquer situação de transmissão do benefício fiscal, já que o mesmo foi exercido na esfera do sujeito passivo que realizou o investimento elegível. Como bem a AT formulou inicialmente o problema, relativamente ao ano de 2013, a questão coloca-se, unicamente, ao nível do cumprimento das obrigações necessárias à não revogação do benefício, impostas pelo artigo 4.º/9 da Lei 49/2013, e não quanto à transmissibilidade daquele, já que, relativamente ao ano em questão, como se apontou, o benefício foi gozado pelo sujeito passivo em cuja esfera se formou. Assim, não só a questão da transmissibilidade, apenas se poderia equacionar quanto à transferência das referidas obrigações (e não do benefício, que foi gozado, em 2013, pela B…) para a Requerente, matéria que não é regulada nem pelo artigo 3.º/7 da Lei 49/2013 (que se reporta, sistematicamente, como se verá adiante, às situações do n.º 5 do mesmo artigo), nem pelo artigo 15.º/3 do EBF, e que não foi equacionada pela AT, como também, na sequência do que se viu atrás, não está feita a demonstração de que aquelas referidas condições do artigo 4.º/9 da Lei 49/2013, não foram efectivamente cumpridas, sendo que prosseguindo a entidade que gozou o benefício a sua actividade integrada na Requerente, não obsta a fusão por incorporação verificada, só por si, ao cumprimento das referidas obrigações.

            Não se verifica aqui, ao contrário do sugerido pela Requerida, qualquer interpretação restritiva das normas em causa, maxime do artigo 3.º/7 da Lei 49/2013 e/ou do artigo 15.º/3 do EBF, na medida em que, como se viu, não se verificando, no ano de 2013, uma situação de transmissão do benefício fiscal, não estará em causa a sua aplicação.

            Deste modo, não se encontrando, in casu, demonstrados os pressupostos do artigo 4.º/9 da Lei 49/2013, ou seja, que que os activos subjacentes ao benefício fiscal CFEI não foram detidos/e ou contabilizados nos termos legais, pelo período mínimo de cinco anos, e não estando em causa, no referente ao benefício fiscal de 2013, uma situação de transmissão de benefício fiscal, nem constituindo, em todo o caso, a não observância do disposto nos artigos 3.º/7 daquela Lei, e 15.º/3 do EBF, de per si e sem mais, fundamento da aplicação do artigo 8.º, também da Lei 49/2013, enferma a correcção relativa ao exercício de 2013 da B…, ora contestada, de erro nos pressupostos de facto, e consequente errada aplicação do direito, pelo deverá nesta parte proceder o pedido arbitral, determinando-se a anulação da referida correcção.

 

***

Já a correcção operada pela AT relativa ao benefício fiscal CFEI integrado pela Requerente na sua liquidação de IRC de 2014, deverá ser enquadrado em termos distintos.

Aqui, verifica-se já uma situação em que o remanescente do benefício fiscal em questão, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 3.º da Lei 49/2013, é utilizado na sequência de uma operação de reorganização em resultado de operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, nomeadamente, uma fusão por incorporação, prevista no n.º 1, al. d) daquele preceito.

Ora, o n.º 7 do referido artigo 3.º da Lei 49/2013, impõe que, nessas situações, se aplique o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Argumenta a este propósito a Requerente que o novo artigo 75.º- A, do Código do IRC, posterior à Lei n.º 49/2013 e já em vigor no período fiscal de 2014, prevê uma transmissibilidade automática dos benefícios fiscais – em situações de neutralidade fiscal, como foi o caso – ao invés do previsto no CFEI e no EBF.

Com efeito, dispõe o referido artigo 75.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro:

“Os benefícios fiscais das sociedades fundidas são transmitidos para a sociedade beneficiária, desde que nesta se verifiquem os respetivos pressupostos e seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º”.

            Entende a Requerida, por seu lado, que a referida norma, não revogou quer o artigo 3.º/7 da Lei 49/2013, porquanto será norma especial, e não se descortina uma intenção inequívoca do legislador nesse sentido, conforme impõe o artigo 7.º/3 do Código Civil, antes pelo contrário.

A resposta à questão decidenda, coloca-se, exactamente neste ponto.

Encontramo-nos numa situação de conflito de normas, que haverá de ser resolvida por meio de critérios hermenêuticos válidos.

Como se escreveu no Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 21-03-2013[6]:

“Existe uma antinomia normativa quando ocorre um conflito de normas, embora cumpra distinguir, na tipologia das antinomias, consoante as mesmas são ou não resolúveis através do recurso aos critérios hermenêuticos.

Esses critérios são os seguintes:

i) Hierarquia (lei superior derroga lei inferior);

ii) Especialidade (lei especial derroga lei geral);

iii) Cronologia (lei posterior derroga lei anterior).

Fora destes casos, haveria ainda lugar a conflitos de leis no tempo - sempre que determinada situação de facto perdure no tempo e tenha, por isso, elementos de conexão com diferentes leis -, e no espaço – quando a mesma situação tenha conexão com diferentes ordenamentos jurídicos (caso em que a resolução será obtida, em princípio, através das normas de Direito Internacional Privado). Estas dois tipos de conflitos são ainda resolúveis por critérios objetivos.

Existe, no entanto, um último tipo de antinomias cuja resolução é mais difícil – ou mesmo impossível sem intervenção legislativa -, que são aquelas que ocorrem quando, como refere BATISTA MACHADO, “o mesmo facto concreto apareça abrangido pelas hipóteses legais de normas simultaneamente em vigor no mesmo ordenamento, mas cuja aplicação simultânea é impossível por implicar uma contradição – e teremos então verdadeiros conflitos internos de normas”.

E o Autor continua:

“Conflitos ou contradições deste tipo existirão ainda quando duas ou mais normas, que se proponham resolver “a mesma questão de direito” no domínio da mesma legislação e dentro do mesmo contexto teleológico, estabeleçam para casos idênticos ou para casos juridicamente equiparáveis consequências jurídicas diferentes. Portanto, a contradição pode ser uma contradição lógica (se, p. ex., uma norma impõe certa conduta e outra a proíbe ou, em geral, se as consequências jurídicas estatuídas por duas normas para o mesmo facto são entre si incompatíveis) ou uma contradição teleológica ou valorativa.

Em qualquer dos casos, temos que assentar em que o postulado da “unidade da ordem jurídica” exige que não se verifiquem contradições entre as suas normas (pela mesma razão que exige o preenchimento das respetivas lacunas). Se uma contradição for descoberta e não for de todo possível eliminá-la pelos critérios acima referidos ou pela via interpretativa, teremos de partir da ideia de que as normas em contradição se anulam uma à outra e dar por verificada uma “lacuna de colisão.”

No caso vertente, afastando o conflito no tempo e no espaço, cumpre verificar se a antinomia detetada se resolve de acordo com algum dos critérios acima referidos – hierarquia, especialidade ou cronologia -, para, caso contrário, se concluir pela existência de um verdadeiro “conflito interno de normas” e analisar as vias possíveis para a sua resolução.”.

            No presente caso, como no analisado no parecer ora transcrito, será liminarmente de afastar o critério da hierarquia, já que estamos perante instrumentos normativos de idêntico valor.

Em ordem a resolver a antinomia normativa por meio do critério da especialidade, como propõe a AT, é necessário estabelecer validamente uma relação de especialidade entre as normas em causa, importando, portanto, averiguar se e qual a norma que efectivamente se encontra numa relação de especialidade em relação à outra

Ora, se é certo que, como sustenta a AT, a norma do artigo 3.º/7 da Lei 49/2013 se aplica a um benefício fiscal específico – o CFEI – menos certo não é que o artigo 75.º-A/1 do CIRC em questão, se aplica também a um grupo restrito de situações – situações de fusão ao abrigo do regime de neutralidade fiscal. Daí que tanto se possa dizer que o primeiro é especial em relação ao segundo (ou seja, que as situações de CFEI são excepção à regra da transmissibilidade automática dos benefícios fiscais em casos de fusão ao abrigo do regime de neutralidade fiscal), como se possa dizer que o segundo é especial em relação ao primeiro (ou seja, que a transmissibilidade automática dos benefícios fiscais em casos de fusão ao abrigo do regime de neutralidade fiscal é uma excepção à regra da transmissibilidade sob autorização do CFEI).

Ou seja: se, por um lado, a norma do artigo 3.º/7 da Lei 49/2013 reporta-se a um grupo restrito de situações abrangidas pelo artigo 75.º-A/1 do CIRC em causa, porquanto este se refere genericamente a todos os benefícios fiscais, e aquele se reporta especialmente ao CFEI, por outro, também a norma do artigo 75.º-A/1 do CIRC em causa se reporta a um grupo restrito de situações abrangidas pelo artigo 3.º/7 da Lei 49/2013, na medida em que este se refere, genericamente, a todas as reorganizações societárias em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, e aquele se refere, especificamente, a fusões realizadas ao abrigo do regime de neutralidade fiscal.

Estamos aqui, assim, perante uma situação análoga à que foi analisada no Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 21-03-2013, referido, onde se pode ler:

“na realidade, estas normas são especiais em razão de diferentes critérios e em função de diferentes destinatários, o que significa que não existe, diretamente, entre elas uma relação de especialidade.

Como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, ocorre uma relação de especialidade quando “as normas estão entre si em relação de género a espécie. Uma das normas caberia integralmente no conteúdo de outra”.

Ora, isso não acontece no caso vertente: nenhum dos preceitos contém uma regra geral – o género - da qual o outro preceito seja a espécie, apesar de ambas as normas serem especiais em razão de diferentes universos, mas não reciprocamente.

Por isso mesmo, a colisão de normas não é, tão pouco, resolvida pelo critério da especialidade.”

Esta situação foi resolvida naquele referido parecer, da seguinte forma:

“Finalmente, no que respeita ao critério cronológico, segundo o qual lei posterior derroga lei anterior, cumpre analisar a sucessão das leis em apreço. (...)

Trata-se de uma revogação (parcial) tácita que resulta da incompatibilidade entre a nova disposição e a disposição anterior, como resulta do segundo segmento do n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil (adiante designado abreviadamente CC).

Só assim não seria, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, se a lei posterior se pudesse considerar lei geral e a precedente lei especial, o que, como se referiu supra, não acontece no caso em apreço. (...)

Efetivamente, como assinala GALVÃO TELLES, “[A] revogação tácita, pela sua própria natureza, só atua na estrita medida da incompatibilidade ou contrariedade. Quer dizer, a lei anterior apenas se considera revogada naquilo em que com ela for incompatível a nova; em tudo o mais continua a vigorar; as duas coexistem, conjugando-se de maneira a formar um todo”. (...)

Conclui-se, assim, que a antinomia detetada se resolve de acordo com o critério cronológico, aplicando-se a norma posterior e afastando-se, por isso, a existência de uma “lacuna de colisão”.

           

Por outras palavras: esta lacuna só existiria se nenhum dos critérios de resolução de antinomias se pudesse aplicar, por exemplo, por se tratar de normas simultâneas.

De facto, a conclusão pela existência de uma lacuna, que poderia ser integrada (mais ou menos) livremente pelo intérprete, pressupõe que se esgotaram todas as hipóteses de conciliar as disposições opostas ou de fazer prevalecer uma sobre a outra.”

Deste modo, e pelos fundamentos ali expostos, considera-se que, também aqui, a antinomia detectada se deve resolver com base no critério cronológico.

Assim, sendo a norma do artigo 75.º-A/1 do CIRC superveniente à norma do artigo 3.º/7 da Lei 49/2013, e não existindo, como se viu, entre ambas uma relação de especialidade, deverá, por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil, prevalecer a primeira, considerando-se tacitamente revogada, no que diz respeito às fusões realizadas ao abrigo do princípio da neutralidade fiscal, a segunda, pelo que a sua aplicação, no caso, pela AT enferma de erro de direito, gerador da anulabilidade da correcção operada.

Deste modo, e pelo exposto, deverá também nesta parte, proceder o pedido de pronúncia arbitral.

 

*

Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos actos tributários objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as quantias que, relativamente aos actos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pela Requerente, se necessário em execução de sentença. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos actos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efectuados, e calculados com base no respectivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

Deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir ao Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento indevidamente feito, até ao processamento da nota de crédito, em que são incluídos.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)      Anular o acto de liquidação de IRC do período de 2014, identificada sob o n.º 2015…, bem como do acto de demonstração de acerto de contas, identificado sob o n.º 2015…, no montante de € 187.686,61;

b)      Condenar a Requerida a restituir à Requerente os montantes indevidamente pagos por força dos actos de liquidação anulados, acrescidos dos juros indemnizatórios devidos;

c)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 187.686,61, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 9 de Janeiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Sérgio de Matos)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Sérgio Pereira da Silva)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

[3] Ac. do STA de 13-04-2005, proferido no processo 01265/04, idem.

[4] Ac. do TCA-Sul de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10, idem.

[5] O que não preclude, naturalmente, a ocorrência de situações excepcionais, em que tal efeito normal não se verifique, carecendo, todavia, tais ocorrências de ser devidamente demonstradas.