Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 206/2016-T
Data da decisão: 2017-01-27  Selo  
Valor do pedido: € 65.213,11
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS; Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros, Juiz Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Nuno de Oliveira Garcia e Dr. Paulino Brilhante Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 22 de Junho de 2016 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 22 de Junho de 2016), acordam no seguinte:

 

I.          RELATÓRIO

 

1.             Em 01 de Abril de 2016, a sociedade ‘A... S.A.’, com o número de pessoa coletiva…, com sede na Rua…, …-… …(doravante abreviadamente identificada por Requerente), nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante abreviadamente designado por RJAT), formula pedido de pronúncia arbitral da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de Imposto de Selo – verba 28.1 da TGIS, relativo ao ano de 2012, efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada como a Autoridade Requerida), respeitantes aos documentos de cobrança n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante de € 11.953,25, documentos de cobrança n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante de € 19.911,60 e documentos de cobrança n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante de € 33.348,26.

2.             A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, os signatários foram designados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo a nomeação sido aceite no prazo e demais termos legalmente previstos.

3.             Em 02 de Junho de 2016, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4.             Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 22 de Junho de 2016.

5.             Deste modo, importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:

 

A)           Dos atos de liquidação contestados e dos documentos de cobrança:

5.1    A Requerente começa por levantar uma questão prévia referindo que foi notificada dos documentos de cobrança supra identificados (Documentos 1 a 9 que juntou com a PI) relativos a Imposto do Selo - verba 28 da TGIS, do ano 2012, mas que não foi notificada das liquidações de Imposto do Selo.

5.2    Refere a Requerente que as notificações das liquidações de imposto têm de ser efetuadas pela Autoridade Tributária nos termos do disposto no n.º 7 do art.° 23° do Código do Imposto do Selo (Código do IS), o qual remete para o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (Código do IMI) na parte da liquidação (artigos 113° a 118°).

5.3    Refere ainda a Requerente que a liquidação de imposto não se pode confundir com os documentos de cobrança, e que por ser da iniciativa da Autoridade Tributária, deve ser previamente notificada ao contribuinte para que exerça o direito de audição, querendo, nos termos do artigo 60. ° da Lei Geral Tributária (LGT).

5.4    Alega a Requerente que não foi notificada das liquidações com os respetivos fundamentos de facto e de direito, nem foi notificada previamente para se pronunciar sobre as mesmas em sede de direito de audição.

5.5    A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de Imposto do Selo, do ano 2012, sendo que na altura havia sido notificada apenas da primeira prestação, à qual foi atribuído o processo de reclamação graciosa n.º …2013… .

5.6    A reclamação graciosa foi indeferida pelo que a Requerente deduziu recurso hierárquico contra o mesmo ato tributário, ao qual foi atribuído o n.º …2013… .

5.7    A Requerente deduziu também reclamação graciosa contra as liquidações de Imposto do Selo de 2012, na sequência das notas de cobrança referentes às segunda e terceira prestações, às quais foram atribuídos os n.ºs …2013… e …2014… .

5.8    Nas supra-referidas reclamações graciosas foram proferidas decisões de arquivamento, com o seguinte teor: «2. Os pagamentos das referidas liquidações foram fraccionados em 3 prestações, 3. Não obstante a reclamante peticionar a anulação das liquidações de Imposto do Selo das 2as prestações de 2012, (...), o objecto da reclamação não serão as notas de cobrança emitidas, e referentes a estas prestações, mas as liquidações que lhes estão subjacentes, ou seja, as liquidações n.ºs 2012…, 2012… e 2012…, respeitantes ao Imposto do Selo — verba 28.1 da TG1C, de 2012, e relativos aos artigos urbanos n.ºs…, … e…, todos da freguesia de…, no concelho de ...; (...) 4. No entanto, e tendo por base os mesmos fundamentos, já em Junho de 2013 a ora reclamante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de Imposto do Selo da 1ª prestação de 2012, que correu termos sob o n.º …2013…, e no âmbito do qual as supra referidas liquidações, com os n.ºs 2012…, 2012… e 2012…, foram objecto de análise, tendo a reclamante sido notificada do indeferimento da reclamação. (...) Ora verifica-se que, no caso, a Administração Tributária (AT) se pronunciou, há menos de 2 anos, sobre o pedido de mesmo autor, a ora requerente, com idêntico objecto e fundamento, pelo que não existe dever de decisão por parte da AT». (Documentos 10 e 11 que juntou com a PI).

5.9    A Requerente em 05/01/2016 foi notificada do indeferimento parcial do recurso hierárquico, interposto do indeferimento da reclamação graciosa n.º …2013… .

5.10Refere a Requerente que os atos tributários cuja ilegalidade contesta são os atos de liquidação de Imposto do Selo, ao abrigo do artigo 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2012 com os n.ºs 2012…, 2012… e 2012…, não notificados à Requerente, e subjacentes às notas de cobrança.

5.11Na referida decisão lê-se que «... a liquidação de IS (verba 28), relativa ao ano de 2012 e referente aos artigos … e … (...) não se encontra correctamente efetuada na parte que liquidou IS sobre o VPT correspondente à afectação a comércio, sendo, assim, de deferir parcialmente o presente recurso hierárquico nesta parte, mantendo-se a decisão recorrida no que respeita à liquidação de IS sobre o VPT correspondente à afetação a habitação. Relativamente ao artigo … (...) deverá manter-se a decisão recorrida, porquanto a liquidação de IS foi efectuada sobre o VPT afeto a habitação» (cit.).

5.12Conclui a questão referindo que até à presente data a Requerente não foi notificada da anulação parcial das liquidações de IS quanto aos prédios artigos … e … .

 

B)           Da falta de fundamentação de facto e de direito e da violação de lei nas liquidações sub judice:

5.13Continua a Requerente alegando a ilegalidade das referidas liquidações de Imposto do Selo efetuadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, a incidir sobre o direito de propriedade dos prédios urbanos com os artigos matriciais…, … e …, da freguesia de …, concelho de ..., com os valores patrimoniais de € 1.195.324,50, € 1.991.159,63 e € 3.334.825,88.

5.14A Requerente considera que são ilegais porque os referidos prédios urbanos com os artigos matriciais …, … e … são lotes de terreno destinados a construção.

5.15À data em que os terrenos para construção foram avaliados, foi tido em conta a área total do terreno, a percentagem de área de implantação máxima permitida pelo plano de ordenamento municipal para a zona e tendo por pressuposto que aí iria ser construído edifício integralmente destinado à habitação.

5.16Quanto aos referidos prédios urbanos, não há qualquer licença, autorização ou viabilidade construtiva ou de utilização aprovada pela edilidade competente, não tendo a afetação para habitação qualquer sustentação ou suporte em licença de utilização camarária.

5.17Alega ainda a Requerente que o VPT parte erroneamente do pressuposto da existência de um edifício, não tendo ainda nenhuma obra sido iniciada ou concluída nos referidos terrenos.

5.18Pelo que, entende a Requerente que os lotes de terreno para construção (artigos U:…, … e …) estão excluídos de tributação, ao abrigo da verba 28.1 da tabela do Código do IS.

5.19Não pode dar-se como efetiva e definitiva a utilização ou destinação dos terrenos aqui em causa para habitação, sendo ilegais as liquidações do Imposto do Selo, do ano de 2012, cobrado em 2013 em 3 prestações (abril, julho e novembro).

5.20Alega ainda a Requerente que, mesmo após a alteração legal ocorrida na verba 28.1 da TGIS, com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, não há facto ou situação jurídica que estejam abrangidos por esta norma.

5.21A nova redação da referida norma não tem carácter interpretativo e teve início de vigência a 1 de janeiro de 2014, ou seja, produzindo efeitos para o futuro.

5.22Entende assim a Requerente que sendo 2012 o ano a que se reporta o Imposto do Selo, deve ser aplicada a redação anterior à Lei n.º 83-C/2013.

5.23Na anterior redação da norma em causa, a incidência objetiva do imposto era sobre prédios urbanos com afetação habitacional, sem que o Código do IS definisse prédio urbano com afetação habitacional.

5.24E mesmo por remissão para o Código do IMI (nos termos do n.° 2 do artigo 67.° do Código do IS), não se encontra a definição de prédio urbano com afetação habitacional.

5.25Considera a Requerente que, por outro lado, a expressão afetação habitacional pressupõe uma efetiva utilização e não uma mera possibilidade, potencialidade ou expectativa que o prédio possa vir a ter.

5.26Pelo que, para estar abrangido pela incidência objetiva do imposto, o prédio urbano apenas se reconduz ao prédio urbano previsto na alínea a) do n.° 1 do art.° 6.° do Código do IMI, e não aos terrenos para construção.

5.27Conclui a Requerente alegando que está posta em crise a afetação habitacional dos prédios e à data do facto tributário, a verba 28.1 da TGIS não poderia ser aplicada.

 

C)           Da alegada dupla tributação:

5.28A Requerente entende ainda, que as liquidações sub judice são também ilegais por tributarem o mesmo facto ou situação jurídica já tributado em sede do CIMI, referindo que a incidência objetiva e subjetiva é idêntica à do CIMI.

5.29Considera que existe dupla tributação, na medida em que a Requerente, na qualidade de proprietária de prédios urbanos cujo VPT é superior a € 1.000.000,00 e inscritos na matriz com a afetação de habitação, é sujeito passivo de dois impostos sobre o mesmo património real: o Código do IMI e o Código do IS (nos termos da verba 28.1 da TGIS).

5.30O que torna as liquidações do Imposto do Selo ilegais por violação do princípio da proibição da dupla tributação.

 

D)           Da inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade:

5.31Suscita por último a Requerente a inconstitucionalidade da tributação por dirigir-se apenas aos imóveis para fins habitacionais, ferindo o princípio da igualdade fiscal.

5.32Refere a Requerente a título de exemplo que são tributados os proprietários de prédios destinados à habitação que estejam arrendados, e cujas rendas são ou foram fixadas antes da entrada em vigor do RAU ou do NRAU, mas deixam-se incólumes os proprietários dos centros de negócios ou escritórios e das sedes de bancos, e mesmo de entidades, institutos e fundações públicas e ou privadas, por mais valiosos que sejam porque não se destinam a habitação.

5.33Extraindo assim que o argumento justificativo da necessidade de tributação de imóveis de luxo é falacioso e discriminatório, por apenas abranger os prédios afetos a habitação, independentemente de ser habitação própria e permanente ou de ser habitação para arrendamento, e nessa medida ser fonte de rendimentos prediais, tributados em sede de IRS/IRC.

5.34Alega a Requerente que essa situação fere princípios elementares de justiça, da não discriminação e da exigência constitucional da igualdade na tributação, a qual é escandalosamente violada quando os proprietários dos imóveis com fins habitacionais são os únicos a suportar a nova (e dupla) tributação dos imóveis em Imposto do Selo.

5.35Concluindo pela violação do princípio da igualdade dos contribuintes e a violação da não discriminação no tratamento fiscal de idênticas situações que determinam a inconstitucionalidade e, consequentemente, determinam a inaplicabilidade da Lei 55-N2012 ao caso concreto.

 

6.             Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:

6.1    A Autoridade Requerida apresentou a sua defesa por impugnação começando por se defender quanto à falta de notificação e de fundamentação dos atos tributários em apreço.

 

Da falta de notificação

6.2    Em matéria, quer de liquidação, quer de prazo de pagamento do Imposto do Selo (verba 28 da TGIS), refere a Autoridade Requerida que o Código do IS determina a aplicação, com as necessárias adaptações das regras constantes no Código do IMI.

6.3    Da leitura da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, resulta que o imposto devido pela verba 28.1 da TGIS tem carácter periódico e a sua liquidação é feita oficiosamente pela AT, com base nos elementos pré-determinados na matriz predial e o n.º 4 do artigo 38.º do CPPT dispõe que as notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efetuadas por simples via postal.

6.4    As liquidações de Imposto do Selo, verba 28, emitidas ao abrigo do regime transitório do artigo 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, tal como as agora em apreciação, deram lugar à emissão de documentos de cobrança.

6.5    Entende a Autoridade Requerida que a notificação remetida à Requerente é o documento de cobrança respetivo, efetuada nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro, do n.º 1 do artigo 119.º do Código do IMI, através do mecanismo previsto no n.º 4 do art. 38.º CPPT.

6.6    Faz menção ao Acórdão n.º 01089/09, de 20-10-2010, do Supremo Tribunal Administrativo onde se lê: «(…) a liquidação de CA e de IMI, efectuada dentro do prazo normal, não carece de notificação ao sujeito passivo, bastando o envio do documento de cobrança aludido nos artigos 22.º e 23.º do CCA e nos artigos 119.º e 120.º do CIMI para tornar a divida exigível. Essa notificação do acto de liquidação apenas se impõe quando está em causa uma liquidação “fora do prazo normal” ou quando se trata de uma “liquidação adicional”» (cit.).

6.7    Pelo que é do seu entendimento que deverá improceder a invocada falta de notificação das liquidações de Imposto do Selo, invocada pela Requerente.

 

Da falta de fundamentação

6.8    A este propósito declara a Autoridade Requerida, entre outros argumentos, que nos termos estabelecidos no nº 1 do artigo 77.º da LGT «[a]decisão do procedimento é fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (…)”, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo “A fundamentação dos actos tributários deve conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo» (cit.).

6.9    Acrescenta ainda que há que atender ao estabelecido na parte final do nº 1 do mesmo preceito, nos termos do qual pode a fundamentação «(…) consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres» (cit.).

6.10Para a Autoridade Requerida, considera-se que o ato se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos.

6.11No caso concreto, entende a Autoridade Requerida que as liquidações encontram-se devidamente fundamentadas, quer de facto, quer de direito, tendo a Requerente apresentado reclamação graciosa, recurso hierárquico e pedido junto do tribunal arbitral, revelando que não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à emissão das liquidações.

6.12Concluindo que as liquidações em causa não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo assim ser mantidos.

6.13Alega ainda a Autoridade Requerida que o que está em causa são liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal, e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.

6.14Entende a Autoridade Requerida que os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenham sido atribuídos a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto do Selo.

6.15Entende ainda que o Imposto do Selo passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário que conste da respetiva matriz nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.

6.16Continua referindo que «Não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afectação habitacional’ é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10» (cit.).

6.17Remete para o disposto no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 6.º ambos do Código do IMI e sustenta que «a noção de prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, uma vez que a finalidade da avaliação do imóvel é incorporar-lhe valor, constituindo um facto de distinção determinante – coeficiente - para efeitos de avaliação» (cit.).

6.18A Autoridade Requerida considera que o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do Código do IMI e aplicando-lhe, por conseguinte, o coeficiente de afetação que vem previsto no artigo 41º do Código do IMI.

6.19Faz ainda referência ao Acórdão nº 04950/11, de 14/12/2012, do TCA Sul, concluindo que «a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido a seguinte ordem de considerações:

a) na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art.º 9.º do Código Civil, ex vi art.º 11.º da Lei Geral Tributária (LGT);

b) o artigo 67.º, n.º 2, do CIS, manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

c) a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d) a própria verba 28 da TGIS remete para a expressão ‘prédios com afectação habitacional’, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI»

6.20Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção tal como identificados nas cadernetas prediais urbanas, foram adquiridos nessa qualidade e assim estão predialmente classificados e, por isso, entende a Autoridade Requerida que se tratam de prédios urbanos com vocação habitacional.

6.21As cadernetas prediais são claríssimas ao definir para os lotes de terreno para construção em causa, a respetiva área de implantação do edifício e de construção considerando assim a Autoridade Requerida estar patente a afetação habitacional dos edifícios.

6.22Por um lado, defende a Autoridade Requerida, o legislador (da verba 28 da TGIS) «não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI; por outro lado, a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, o qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projeto de urbanização e de construção».

6.23Considera ainda que nos termos do RJUE o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos de número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados.

6.24Muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção.

6.25Sustenta ainda a Autoridade Requerida que «numa interpretação muito cingida à letra da lei, poderia retirar-se do texto o sentido que a Requerente pretende dar-lhe, mas como a nossa jurisprudência tem declarado, não é essa a melhor interpretação da lei, sendo que na tarefa hermenêutica, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma, não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à ‘unidade do sistema’, nos termos do n.º 2 do artigo 9º do CC» (cit.);

6.26«Na verdade, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico), designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretada (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma» - cf. Baptista Machado, Introdução ao discurso Legitimador, Almedina 1983, páginas 182 e 189.

 

Da violação do princípio da igualdade

6.27Relativamente à alegada violação do principio da igualdade começa a Autoridade Requerida por referir que a Lei 55-A/2012 de 29 de outubro (em vigor a partir de 30 de outubro de 2012), veio alterar o artigo 1.º do Código do IS e aditar à TGIS, a verba 28 passando a abranger na sua incidência a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, fosse igual ou superior a 1.000.000€.

6.28A verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

6.29Para a Autoridade Requerida «a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado» (cit.), procurando buscar um máximo de eficácia, quanto ao objetivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.

6.30Assim, entende a Autoridade Requerida que se encontra legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, sendo tal medida aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.

6.31Pelo que conclui que os atos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal, devendo assim ser mantidos.

7.             Por despacho de 02 de novembro de 2016, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido dada oportunidade às partes para produzirem, querendo, alegações finais por escrito.

8.             Nenhuma das partes apresentou alegações.

 

II.         SANEAMENTO

9.             O Tribunal Arbitral é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, todos do RJAT.

10.         As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

11.         Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe agora, conhecer do mérito do pedido.

 

III.         QUESTÕES A DECIDIR

12.         Vêm colocadas ao Tribunal Arbitral diversas questões a decidir nos termos atrás descritos, incluindo questões prévias.

13.         Em rigor, as questões invocadas a título prévio, reportam-se a vícios de forma.

14.         Ora, como é jurisprudência, maxime em matéria arbitral, o presente Tribunal não carece de pronunciar-se sobre todas as questões invocadas pelas partes.

15.         Tal sucede precisamente in casu, desde logo perante os vícios de forma invocados, uma vez que o presente Tribunal Arbitral apreciará a questão de fundo – e, como se verá, em sentido favorável à Requerente, na senda, aliás, da jurisprudência do STA e do CAAD – sendo, de resto, conhecida a possibilidade de a AT poder sanar vícios formais ou emitir novos actos (revogando os anteriormente emitidos em preterição de formalidades).

16.         Tal sucede também relativamente às questões suscitadas a propósito das alegadas inconstitucionalidades, posto que estas são invocadas, necessariamente, de forma subsidiária ao vício de erro (sobre os pressupostos) de facto.[1]

 

 

IV.         MATÉRIA DE FACTO

17.         Para provar os factos alegados, a Requerente apresentou a seguinte prova documental:

17.1Documentos de cobrança das 1a, 2a e 3a prestações (abril, julho e novembro de 2013), documentos n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativo ao prédio urbano artigo … da freguesia de … (Docs. 1 a 3);

17.2Documentos de cobrança das 1a, 2a e 3a prestações (abril, julho e novembro de 2013), documentos n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativo ao prédio urbano artigo … da freguesia de … (Docs. 4 a 6);

17.3Documentos de cobrança das 1a, 2a e 3a prestações (Abril, Julho e Novembro de 2013), documentos n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativo ao prédio urbano artigo … da freguesia de …(Docs 7 a 9);

17.4Notificação de arquivamento da Reclamação graciosa n.º …2013… (Doc. 10);

17.5Notificação de arquivamento da Reclamação graciosa n.º …2014… (Doc. 11).

17.6Notificação da decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico n.º …2013… relativo à reclamação graciosa n.º …2013… (Doc. 12).

 

18.         A Autoridade Recorrida juntou o processo administrativo.

 

19.         Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a Decisão Arbitral a proferir, com base na prova documental junta aos autos:

19.1A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança das 1a, 2a e 3a prestações (abril, julho e novembro de 2013), com os n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativos a Imposto do Selo do ano 2012 do prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante total de € 11.953,25 (Documentos 1 a 3);

19.2A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança das 1a, 2a e 3a prestações (abril, julho e novembro de 2013), com os n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativos a Imposto do Selo do ano 2012 do prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante total de € 19.911,60 (Documentos 4 a 6);

19.3A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança das 1a, 2a e 3a prestações (abril, julho e novembro de 2013), com os n.ºs 2013…, 2013… e 2013…, relativos a Imposto do Selo do prédio urbano artigo … da freguesia de …, no montante total de € 33.348,26 (Documentos 7 a 9);

19.4A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de Imposto do Selo do ano 2012, à qual foi atribuído o processo de reclamação graciosa n.º …2013… (Documento n.º 12);

19.5Indeferida a reclamação graciosa, a Requerente deduziu recurso hierárquico, contra o mesmo ato tributário, ao qual foi atribuído o n.°… 2013… (Documento n.º 12);

19.6A Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações de Imposto do Selo de 2012, às quais foram atribuídos os n.ºs …2013… e …2014… Documentos 10 e 11);

19.7A Requerente foi notificada do arquivamento da Reclamação graciosa n.º …2013… (Doc. 10);

19.8A Requerente foi notificada do arquivamento da Reclamação graciosa n.º …2014… (Doc. 11);

19.9A Requerente foi notificada da decisão de deferimento parcial do Recurso Hierárquico n.º …2013… relativo à reclamação graciosa n.º …2013… (Doc. 12).

 

20.         Não há factos não provados com relevância para a Decisão Arbitral a proferir.

 

V.         DO DIREITO APLICÁVEL

            Como acima ficou assente, o presente Tribunal Arbitral irá debruçar-se, e decidir, relativamente ao invocado vício de erro (sobre os pressupostos) de facto e de direito da aplicação da verba 28.1 da TGIS, tal como foi feita pelas liquidações de Imposto de Selo em crise. Tal questão respeita, pois, ao teste da subsunção dos imóveis qualificados como terrenos para construção à redação original da verba 28.1 da TGIS, teste esse que foi já objeto de extenso tratamento jurisprudencial, tanto nos tribunais tributários como, especialmente, em sede arbitral, diga-se. No presente processo está, assim, em causa a definição do âmbito de incidência objetiva da verba n.º 28.l. da TGIS, na redação dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de outubro. Mais concretamente, importa determinar se os terrenos para construção podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos «com afectação habitacional» (cit.).

Uma vez que, conforme referido, se trata de tema recorrente em sede arbitral, sempre com semelhantes ou mesmo análogos contornos factuais e de direito, seguir-se-á, pois, o entendimento sufragado nos Acórdãos 49/2013-T de 18 de setembro de 2013, 53/2013-T de 2 de outubro, 231/2013-T de 3/2/2014, Processo nº 7/2014-T, de 3 de julho, 56/2014-T de 31 de julho, 210/2014-T de 30 de julho, Processo nº 125/2015-T, de 12 de outubro, todos do CAAD, bem como o Acórdão do STA de 9 de abril de 2014 no Processo n.º 1870/2013, a que se seguiram vários outros, todos de teor semelhante e disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.

Importa, assim, começar por firmar que, como é defendido pela jurisprudência, não tendo o legislador definido o conceito de prédios (urbanos) com afetação habitacional, e em conformidade com o artigo 67.º do Código do IS, a interpretação deste conceito deve ser seguidamente procurada no Código do IMI. Resultando do artigo 6.º do Código do IMI a clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do IS (ie., verba 28.1 da TGIS, na sua redação original) como prédios urbanos com afetação habitacional.

Efetivamente, de acordo com o Código do IMI (para o qual remete o artigo 67.º do Código do IS), os prédios urbanos dividem-se em categorias, como seja (a) habitacionais, (b) comerciais, (c) industriais ou para serviços, (d) terrenos para construção e (d) outros.  Ora, os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI). Por sua vez, os terrenos para construção são os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI). O Código do IMI oferece, inequivocamente, uma definição de prédios habitacionais e de terrenos para construção, como duas diferentes espécies de prédios urbanos…[2]

Com efeito, e apesar do Código do IMI não ser expresso relativamente conceito «prédio urbano com afectação habitacional», a verdade é que tal expressão – afetação – pressupõe que o prédio tem uma efetiva utilização para fins habitacionais, o que implica, necessariamente, que não se está perante um mero terreno para construção. Como sustentado na Decisão Arbitral, proferida no Processo n.º 42/2013-T em 18 de outubro de 2013, que aqui se acompanha:

«não podemos confundir uma ‘afectação habitacional’ que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma ‘afectação habitacional’. Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afectação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados). Pelo que não se nos afigura bastante para ser enquadrável na norma de incidência objetiva em apreço que exista a expectativa de um prédio urbano vir a ter uma afectação habitacional, ou de ter a potencialidade de vir a ter uma afectação habitacional» (cit., itálico nosso).

De resto, e restando alguma dúvida, dever-se-á procurar com o sentido da expressão «prédios com afetação habitacional», começando, naturalmente, pelo ratio legis da Lei 55/2012, de 29 de outubro. Neste âmbito, e conforme resulta patente da discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 96/XII (Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012, a criação de uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação, que está na base da aprovação da Verba do Imposto do Selo em apreciação, integra um conjunto de medidas cujo objetivo declarado se prendia com a criação de um sistema fiscal mais justo e equitativo, em que os contribuintes fossem chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva.  Com este objetivo, foi, assim, proposta a criação de uma taxa especial, tendo o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referido na discussão:

«Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação desta taxa adicional especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez em Portugal que é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa que será de 0,5 a 0,8 em 2012, e de 1% em 2013, incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013» (cit., itálicos nossos).

Deste modo, o que foi proposto aos deputados e estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo. Em suma, visou-se o alargamento da base tributável mediante a criação de uma taxa especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação, entendidos como «as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros», ou seja, conclui-se que a realidade que se visa tributar são as casas (ou seja, os imóveis onde se habita), e não outras realidades como sejam os terrenos para construção. Por isso, não resulta controverso afirmar-se que o conceito mais próximo do ratio legis e do próprio teor literal da expressão ‘prédio com afectação habitacional’ é manifestamente o conceito de ‘prédios habitacionais’ tal como definido no n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI, abrangendo os edifícios e construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

De resto, tal conceito introduzido pela Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, seria substituído com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) que alterou a redação da n.º 28.1 da TGIS passando a referir-se, quanto à incidência objetiva, a conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Este entendimento, de acordo com o qual os terrenos para construção não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redação originária), como prédios urbanos com afetação habitacional, foi, também, já sufragado pelos tribunais tributários, que têm na sua generalidade entendido que:

«[A]tendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro» – cfr. Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos nºs 1870/13 e 48/14, em 9 de abril 2014, nos processos nºs 270/14, 271/14 e 272/14 em 23 de Abril de 2014 e no processo n.º 046/14, em 14 de maio de 2014, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Contra o exposto, não pode sequer proceder o entendimento da Entidade Requerida que a expressão utilizada pelo legislador «afectação habitacional» é mais ampla que a expressão «prédios destinados a habitação». Efetivamente, a “afectação habitacional” pressupõe que a habitação seja a utilização normal dada ao prédio face às suas características atuais e reais, ou seja, implica que o prédio seja efetivamente destinado a habitação (o que pressupõe, naturalmente, que se trate de um prédio, já edificado), quando nos terrenos para construção existe a mera expectativa, a potencialidade, dessa afetação. A Entidade Recorrida pretende recorrer à alusão a uma vocação habitacional, mas essa vocação é, evidentemente, meramente potencial, mais se acrescentando que uma coisa é vocação, outra bem diferente é afetação.

            Em conclusão, concorrendo que todos os elementos de interpretação da lei no sentido de que prédio com afetação habitacional significava prédio habitacional, é manifesto que as liquidações ora impugnadas enfermam de erro (sobre os pressupostos) de fato e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da verba n.º 28.1 da TGIS, são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de prédios habitacionais.

 

Em face do exposto, conclui-se pela anulação dos atos de liquidação objeto da presente ação arbitral.

 

*

VI.         DECISÃO

a)      Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os atos de liquidação de Imposto do Selo, efetuados ao abrigo do artigo 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2012 (mas cobrado em 2013 em 3 prestações) e aos artigos matriciais …, … e …, da freguesia de …, concelho de ....

b)     Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €2.448,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 65.213,11, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

            Notifique-se.

                       

Lisboa, 27 de janeiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Nuno de Oliveira Garcia)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Paulino Brilhante Santos)

 

 

 

 



[1] O que não impede que se referia que o Tribunal Constitucional já se tenha pronunciado sobre a não inconstitucionalidade da norma em questão à luz precisamente do Princípio da Igualdade, ainda que numa situação fatual com contornos não totalmente coincidentes com os do presente aresto. Assim, vide acórdão n.º 620/2015, emitida pela 2.ª Secção no processo n.º 305/15 (Relator: Cons. João Cura Mariano) em 3 de Dezembro de 2015.

[2] Densificando o conceito veja-se o seguinte trecho: «um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime de jurídico que regula as edificações urbanas ou o fracionamento de prédios rústicas, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo de, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efectiva concretização» cfr. decisão arbitral proferida no Processo 49/2013-T, em 18 de Setembro de 2013, disponível in www.caad.pt (itálico nosso).