Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 172/2016-T
Data da decisão: 2017-01-20  IRC IVA  
Valor do pedido: € 248.548,60
Tema: IVA e IRC - Método indireto; competência do tribunal arbitral; repetição de procedimento de inspeção externa.
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Acordam os Árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Árbitro Presidente), António Alberto Franco e Clotilde Celorico Palma, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A…– , Lda., pessoa colectiva n.º…, com sede na Av…, n.º…, … andar, …-…, Lisboa (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 18-03-2016, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o art. 102.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA n.º 2015 … (201112T), 2015 … (201206T), 2015 … (201209T), 2015 … (201212T), de Juros Compensatórios n.º 2015 … (201112T), 2015 … (201206T), 2015 … (201209T), 2015 … (201212T) e, bem assim das respectivas Demonstrações de Acerto de Contas n.ºs 2015 …, 2015 …, 2015 …, 2015 …, 2015 …, 2015 …, 2015 …, 2015 …, com um valor total de 227.798,18 € (duzentos e vinte e sete mil, setecentos e noventa e oito euros e dezoito cêntimos) e de IRC n.º 2015 …, Juros Compensatórios n.º 2015 … e de Juros de Mora n.º 2015 …, com um valor total a pagar de 20.750,42 € (vinte mil, setecentos e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos), com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. Em 21-03-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

3.2. Em 18-05-2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo sido arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-06-2016.

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a) Desde, pelo menos, o dia 27 de Novembro de 2012, que a Requerente, na sequência de solicitações da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais da Direcção-Geral dos Impostos (DSIFAE), tem prestado informações e procedeu, inclusivamente, à entrega de declarações de substituição para efeitos da correcção de alegados erros e incorreções;

b) Só em Fevereiro de 2013 foi notificada do Despacho n.º DI2013…, de 18 de Fevereiro de 2013, ao abrigo do qual foi objecto de uma acção de inspecção externa levada a cabo pela mesma Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais da Direcção-Geral dos Impostos (DSIFAE), para consulta, recolha e cruzamento de dados, relativamente aos anos de 2010, 2011 e 2012;

c) No âmbito dessa inspecção foi visitada por técnicos daquela DSIFAE, com quem realizou várias reuniões e prestou os esclarecimentos solicitados, corrigiu situações e procedeu à apresentação de várias declarações de substituição;

d) Através do Ofício n.º …/2013 do DSIFAE, datado de 18 de Setembro de 2013, foi a Requerente notificada do encerramento da inspecção realizada ao abrigo do Despacho n.º DI2013…, que terá ocorrido em 12 de Setembro de 2013;

e) Decorrido cerca de um ano, foi a Requerente notificada das Ordens de Serviço n.º OI2013… e OI2013…, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, informando que se iriam deslocar à sua sede técnicos daqueles serviços com vista à consulta, recolha e cruzamento de dados, referente aos anos de 2011 e 2012, no âmbito de acção externa, referente a IRC e IVA;

f) Como decorre dos termos do relatório de inspecção, notificado à Requerente, os SIT da DF de Lisboa, iniciaram os actos inspectivos – decorrido novamente um período próximo de um ano – nos dias 14 de Março de 2015 (ao exercício de 2011) e 15 de Março de 2015 (ao exercício de 2012);

g) Em resultado desta inspecção, foram efectuadas correcções em sede de IVA, no valor de € 138.000,00, quanto ao exercício de 2011, e de € 64.251,88, relativamente ao exercício de 2012 e, em sede de IRC, no valor de € 71.803,74;

h) Os actos inspectivos terão sido dados por concluídos em 4 de Setembro de 2015 e na sequência do relatório final de inspecção externa a Requerente foi notificada dos actos de liquidação em apreciação;

i) Decorre do art. 63.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária e do art. 36.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, que não é admissível, sem factos novos, realizar-se novo procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, com o que se pretende assegurar ao contribuinte que não possa ser alterada a definição jurídica da sua situação efectuada na sequência da conclusão do procedimento de inspecção externo, com base em factos que foram apurados pela Administração Tributária durante a inspecção;

j) Uma vez que as correcções efectuadas na sequência da inspecção que findou com a notificação do relatório de inspecção de 5 de Outubro de 2015, não se baseiam em quaisquer “factos novos”, a actuação da Administração Tributária, ao elaborar o novo relatório de inspecção e praticar os actos subsequentes, não se compagina com tal regime legal – constituindo clara e grosseira violação dos referidos artigos 36.º, n.ºs 2, 3 e 4, do RCPIT e do 63.º, n.º 3, da LGT - e ofende o direito da Requerente a não ver alterada a situação jurídica definida na sequência da primeira acção inspectiva (que não tem a Requerente conhecimento de ter findado) ou, pelo menos, da segunda acção inspectiva;

k) Não obstante, as inspecções tributárias referidas – quais sejam aquelas iniciadas em 2012, em 2013 e 2014 –, são manifestamente ilegais, por violação do princípio da legalidade tributária, do interesse público e da proporcionalidade;

l) Atendendo a que a Administração Tributária não respeitou os limites temporais máximos para a conclusão dos procedimentos de inspecção - legalmente consagrados e que têm como objectivo a salvaguarda do direito à intimidade da vida privada e, bem assim, o princípio da segurança jurídica - agiu à margem da legalidade, violando o artigo 103.º, n.º 2, da CRP;

m) Tendo também violado os próprios deveres e competências, decorrentes do ignorado interesse público;

n) E violado o princípio da proporcionalidade, precisamente na medida em que, ao atingir o núcleo fundamental dos direitos da ora Requerente – mediante a instauração e prática de três inspecções tributárias com o mesmo objecto, extensão e conteúdo –, sem lei que o habilitasse (mas que pelo contrário o reprova);

o) Ainda que se considerasse devido o imposto liquidado à Requerente, ainda assim haveriam de ser anulados os juros compensatórios apurados e liquidados conjuntamente com aquela colecta, com pretenso fundamento no retardamento na sua liquidação;

p) O que sustenta no facto de o direito (e, portanto, a liquidação) a juros compensatórios só existirá quando, por facto imputável ao sujeito passivo – a título de culpa, portanto –, se retarde a liquidação de imposto ou a mesma seja efectuada em montante inferior ao devido;

q) Estando a Administração Tributária onerada com o dever de demonstrar o pressuposto da liquidação de juros compensatórios, o que implica que a culpa tem de ser apreciada ou, pelo menos, objecto de ponderação por parte da Administração Tributária, e exteriorizada na fundamentação dos actos tributários, o que não se verificou no caso em apreço;

r) As liquidações de juros compensatórios em análise são ilegais, por manifesta ausência de culpa do sujeito passivo ou, pelo menos, da respectiva ponderação, prova e fundamentação da conclusão a que chegou a Administração Tributária, e por preterição de formalidade legal essencial, pelo que, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA, deverá, também, ser anulada;

s) Conclui, por isso, a Requerente pela ilegalidade das liquidações objecto do pedido arbitral, requerendo a restituição dos impostos pagos e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta invocando, em síntese, o seguinte:

a) Verifica-se a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade da liquidação e IRC n.º 2015 … e das consequentes liquidações de juros compensatórios e de juros de mora impugnadas pela Requerente, uma vez que tais liquidações têm a sua origem na aplicação de métodos indirectos por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável;

b) Tal incompetência resulta do disposto no n.º 1 do art. 2.º do RJAT e do art. 2º, alínea b), da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março;

c) Com efeito, nos litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de liquidação por aplicação de métodos indirectos, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, impõe-se, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes (art.s 2.º e 111.º da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (art. 20.º da CRP) e da legalidade (art. 3.º, n.º2, 202.º e 203.º e 266.º, n.º 2, da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no art. 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT;

d) Será inconstitucionalmente vedada, por força dos referidos princípios constitucionais, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente;

e) Da acção realizada pela DSIFAE não resultou qualquer acto de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou de qualquer acto de fixação da matéria colectável, de determinação da matéria colectável ou de fixação de valores patrimoniais;

f) Face ao previsto no art. 2.º do RJAT, o Tribunal Arbitral não dispõe de competência material para apreciar a legalidade de qualquer acto praticado no âmbito do procedimento realizado pela DSIFAE;

g) De qualquer modo, sempre se impunha a precedência obrigatória de pedido de revisão apresentado nos termos dos art.s 86.º, n.º 5 e 91.º da LGT, quanto à liquidação de IRC impugnada, pelo que se deve concluir pela inimpugnabilidade do acto de liquidação de IRC, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa;

h) Considerando as excepções invocadas o montante indicado pela Requerente na petição inicial deve ser alterado, devendo fixar-se como valor da causa o montante de € 227.798,18;

i) Ao abrigo das ordens de serviço OI2013… e OI 2013…, que tiveram origem no ofício n.º …/2013 da DSIFAE, foi realizada ação de inspecção externa à actividade da Requerente, que incidiu sobre os exercícios de 2011 e 2012, respectivamente, as quais se iniciaram em 14/04/2015 e 15/04/2014 e concluíram em 04/09/2015;

j) A DSIFAE, ao abrigo do despacho SI2013…, procedeu à consulta, recolha e cruzamento de dados da Requerente, cuja acção teve essa única finalidade;

k) Na sequência desta acção da DSIFAE, a Requerente entregou declaração de alterações de IVA, declarações de IVA e regularizou alguns montantes devidos em sede de IVA;

l) Por não ter a Requerente regularizado outros valores em falta e para apuramento dos mesmos, foi necessária a abertura das ordens de serviço supra mencionadas, com vista à verificação do cumprimento das obrigações tributárias, à indagação de factos tributários não declarados e à promoção do sancionamento das infracções tributárias;

m) A DSIFA não procedeu às correcções que se impuseram e que deram origem às liquidações aqui em causa, nem calculou os valores concretamente;

n) Tal apuramento cabe, nos termos do art. 16.º, n.º 1, c), do RCPITA, às unidades orgânicas desconcentradas, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial;

o) A actuação da DSIFAE teve um âmbito meramente parcial, nos termos definidos pelo art. 95.º do RCPITA, em virtude de existirem divergências no VIES relativamente à Requerente;

p) Do mesmo modo, também o procedimento de inspecção realizado ao abrigo das ordens de serviços supra mencionadas foi meramente parcial;

q) O que não se permite é que um sujeito passivo seja alvo de diversos procedimentos de inspecção de âmbito geral, respeitantes aos mesmos impostos e anos;

r) O âmbito e a extensão do procedimento de inspecção não coincidiu na sua totalidade com os da acção realizada pela DSIFAE, sendo que as finalidades de ambas foram absolutamente distintas;

s) Esta falta de identidade finalística legitima e torna legais os procedimentos de inspecção tributária nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art. 63.º da LGT, não proibindo este preceito a possibilidade de realização, a um mesmo sujeito passivo, de tipos de procedimentos inspectivos externos distintos quanto aos fins, quanto ao âmbito ou quanto à extensão;

t) No presente caso não resultou para a Requerente qualquer incómodo ou prejuízo repetido pelo procedimento de inspecção realizado pela Direcção de Finanças de Lisboa;

u) A admitir-se a existência da ilegalidade alegada pela Requerente, sempre a mesma deveria redundar em mera irregularidade, uma vez que apenas no segundo procedimento de inspecção foi proferida decisão com efeitos jurídicos externos, aplicando-se o princípio do aproveitamento do acto;

v) Conclui, por isso, a Requerida pela legalidade dos actos de liquidação contestados pela Requerente que deverão, assim, ser mantidos.

 

6. Por despacho de 24-07-2016, foi dispensada a reunião do art. 18.º do RJAT e fixado o dia 03 de Dezembro como data limite para a prolação da decisão arbitral, prorrogada para 03-02-2017, por despacho de 29-11-2016.

 

7. As Partes produziram alegações, tendo sido concedida à Requerida a possibilidade de exercer o contraditório às alegações apresentadas pela Requerente.

 

II-SANEAMENTO

 

8. 1. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.3. O processo não enferma de nulidades.

8.4. A cumulação de pedidos é legal.

8.5. Foi suscitada pela Requerida a incompetência material do tribunal arbitral para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, bem como do pedido de declaração de ilegalidade do procedimento realizado pela DSIFAE.

Pretende, ainda, seja alterado o valor do pedido, na procedência das aludidas excepções.

 

Cumpre apreciar tais excepções.

 

8.5.1. Incompetência do tribunal arbitral

 

Defende a Requerida estar vedado ao tribunal arbitral conhecer do pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC uma vez que esta tem a sua origem na aplicação de métodos indirectos, por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável. Invoca, para o efeito, o disposto no n.º 1 do art. 2.º do RJAT e do art. 2.º, alínea b), da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março.

Com efeito, este último diploma, que determina o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, excepciona da competência do tribunal arbitral as “… pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

Sucede que nem do pedido arbitral, nem da leitura de todo o articulado inicial, se pode concluir que a Requerente pretenda ver apreciada qualquer ilegalidade relativa à determinação da matéria colectável, muito menos do procedimento da sua fixação ou quantificação com recurso a métodos indirectos.

A Requerente pretende, antes, ver apreciada a verificação e declaração da ilegalidade do acto tributário de liquidação, por vícios próprios deste acto (no caso, fundando-se na irrepetibilidade do procedimento de inspecção).

Fazendo-se uma similitude com o pressuposto da existência de reclamação prévia de revisão da matéria tributável na “impugnação com base em mero erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos”, previsto no n.º 1 do art. 117.º do CPPT, diz o Conselheiro Lopes de Sousa em anotação ao mesmo -anotação n.º 5 - que “se o contribuinte … invocando  … outros vícios do acto de liquidação, que não tenham a ver com as matérias que têm de ser objecto de revisão, não há obstáculo a que o tribunal conheça desses outros vícios, relativamente aos quais não se verifica a falta do pressuposto processual que constitui o prévio pedido de revisão”.

É o que entendemos ocorrer também no caso em apreço.

Aliás, ainda que pudessem ser submetidas à apreciação do tribunal arbitral pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, nunca seria exigível à Requerente, como pressuposto prévio do pedido arbitral, como a Requerida sustenta, a apresentação de pedido de revisão da matéria tributável, por não ser esse o seu pedido.

Não sendo posta em causa pela Requerente a decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos, nem a sua quantificação, mas apenas a declaração de ilegalidade do acto de liquidação do imposto, nada obsta a que este tribunal aprecie o pedido, por ser competente para o efeito (veja-se, no mesmo sentido, decisão arbitral proferida no Proc. 198/2015-T do CAAD).

Improcede, assim, a invocada excepção.

 

Sustenta a Requerida que, do mesmo modo, é o tribunal incompetente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade do procedimento realizado pela DSIFAE.

Mais uma vez sem razão.

Com efeito, a Requerente pretende apenas ver declarada a ilegalidade do acto de liquidação e não do procedimento realizado pela DSIFAE.

Circunstância que a Requerida parece reconhecer quando no art. 30.º da resposta alega, a este propósito, “que a Requerente nem sequer identifica o acto ou actos que entende serem ilegais e com que fundamento”.

É sabido que, à semelhança do que ocorre no processo de impugnação judicial, qualquer ilegalidade poderá servir de fundamento ao pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação no pedido arbitral, consubstanciando, na versão da Requerente, o procedimento da DSIFAE, um acto prévio àquela liquidação.

Pelo que, efectivamente, apenas está em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação.

Improcede, assim, também neste ponto, a alegada excepção.

Fica, desse modo, prejudicada a apreciação do pedido de alteração do valor da causa.

 

III.DO MÉRITO

 

III.1. Matéria de facto

9.1. Tendo presente que o tribunal apenas selecciona os factos que considera pertinentes para o julgamento da causa, os quais são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica (art. 123.º, n.º 2, do CPPT e o art. 607.º, n.º 2, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a)             Ao abrigo do despacho SI2013…, de 18-02-2013, técnicos da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais da Direcção-Geral dos Impostos (DSIFAE) deslocaram-se às instalações da Requerente, aí tendo consultado, solicitado e recolhido elementos, relativos aos anos de 2011 e 2012.

b)             Aquele serviço remeteu à Requerente o ofício n.º …/2013, de 18-09-2013, com o seguinte teor:

- “Assunto: Encerramento de ação inspetiva. Para conhecimento informo V. Exas. que a ação inspetiva para a consulta, recolha e cruzamento de elementos, referente ao Despacho SI2013… de 2013/02/28, foi concluída em 2013/09/12, conforme documento anexo”.

c)             Ao abrigo das ordens de serviço OI2013… e OI2013…, foi realizada acção de inspecção à Requerente, referente aos anos de 2011 e 2012, no âmbito de IRC e de IVA, as quais se iniciaram, respectivamente, em 14-04-2014 e 15-04-2014 e concluíram em 04-09-2015.

d)             Consta do relatório de inspecção elaborado na sequência do referido procedimento de inspecção que “a abertura da presente ordem de serviço teve como origem o ofício n.º …/2013 da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais da Direcção-Geral dos Impostos (DSIFAE). A DSIFAE procedeu à consulta, recolha e cruzamento de dados na sociedade A…, no âmbito do despacho DI2013…, que recaiu sobre os exercícios de 2010, 2011 e 2012”.

e)             Diz-se, também no mesmo relatório de inspecção que, “no decurso da ação inspetiva efetuada pela DSIFAE, a empresa procedeu à apresentação de declaração de alterações … procedeu à entrega de declarações de IVA dos períodos de 2010/12T a 2012/12T. A DSIFAE apurou ainda diversas outras irregularidades, parte das quais foi regularizada voluntariamente … Foram ainda constatadas diversas outras irregularidades que não foram regularizadas pelo Contribuinte, facto que justifica a abertura das presentes ordens de serviço”.

f)              Em resultado da inspecção foram efectuadas correcções em sede de IVA e de IRC;

g)             A Requerente procedeu ao pagamento dos impostos liquidados.

h)             O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 18-03-2016.

 

9.2. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada.

 

9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

A) Quanto à ilegalidade das liquidações impugnadas

A) 1- Dos requisitos legais dos procedimentos inspectivos

O art. 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), vem acolher o critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos, esclarecendo que o procedimento é interno “quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos”, sendo externo “quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”.

No caso concreto estamos perante procedimentos de inspecção externos.

Com efeito, a inspecção só será qualificável como interna quando foi efectuada com base em documentos não obtidos através de actos inspectivos exteriores aos serviços, pelo que, face a esta classificação, a actividade da AT subjacente ao acto impugnado assume as características de procedimento de inspecção externo, matéria que, no caso, não é controvertida.

Importa, assim, em especial para o caso sob análise ter em consideração as disposições relativas à inspecção tributária para aferir se, realmente, como invoca a Requerente, houve ou não preterição das formalidades legais acolhidas.

A este propósito, cumpre analisar o disposto no art. 63.º da Lei Geral Tributária, cujo actual n.º4 (anterior n.º3) passamos a reproduzir e que vem consagrar o princípio da irrepetibilidade do procedimento inspectivo; “4 - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.” Um dos propósitos fundamentais desta norma reside na salvaguarda do princípio da segurança jurídica, de forma a garantir os direitos e garantias dos contribuintes, ao vedar, sem a existência de factos novos, a possibilidade de realização de novo procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação.

Por outro lado, de acordo com o consignado nos n.ºs 2, 3 e 4, do art. 36.º do RCPIT, o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, só podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses em circunstâncias excepcionais devidamente tipificadas na lei e obedecendo a determinadas formalidades nela previstas.

A continuidade do procedimento inspectivo é reafirmada no art. 53.º do mesmo diploma, cujo n.º1 determina que “a prática dos actos de inspecção é contínua, só podendo suspender-se em caso de prioridades excepcionais e inadiáveis da administração tributária reconhecidas em despacho fundamentado do dirigente do serviço”, mas sem prejuízo dos prazos legais de conclusão do procedimento previstos naquele diploma (n.ºs 2 e 3 deste normativo).

Note-se que a própria ampliação do procedimento inspectivo não prejudica a regra da continuidade, tendo aquela de ser decidida antes de o procedimento terminar. A ampliação tem de ser uma “prorrogação” e não uma reabertura ou renovação de um procedimento já terminado, não se admitindo por maioria de razão, como vimos, um novo procedimento inspectivo sobre os mesmos factos, sob pena de se violar frontalmente o princípio jurídico da irrepetibilidade do procedimento inspectivo.

Tal como determinam os art.s  61.º e 62.º do RCPIT, os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento, sendo que, para conclusão do procedimento de comprovação e verificação, é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.

Não há, assim, qualquer cobertura legal para, depois de elaborado o referido relatório e da “conclusão do procedimento de inspecção”, ser levado a efeito outro procedimento inspectivo sobre os mesmos factos, efectuada uma reanálise dos elementos recolhidos durante o procedimento de inspecção externa e elaborado um novo relatório, não se admitindo a reabertura do procedimento.

Conforme salienta o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no seu Acórdão n.º 879/15, de 12 de Outubro, o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

São diversos os princípios enunciados e previstos na lei que regem o procedimento inspectivo, mas está em causa, essencialmente, no presente caso, o aludido princípio da irrepetibilidade do procedimento inspectivo, tendo em vista o respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes no contexto do respeito do princípio da segurança jurídica.

Com efeito, o art. 55.º da LGT, em sintonia com o art. 266.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que “a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

Concretizando o «princípio da legalidade», o art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável, por via do art. 2.º, alínea c), da LGT], preceitua que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos”.

A questão da admissibilidade dos procedimentos praticados deve ser apreciada sob esta perspectiva.

Tendo situações similares já sido analisadas pela Jurisprudência do CAAD, vejamos de seguida quais as conclusões a que se chegou.

A)2- Da jurisprudência do CAAD

   
Quer no Proc. n.º 14/2012-T quer no Proc. n.º 198/2015-T, se conclui pela repetição do
procedimento inspectivo em situações idênticas à controvertida, com fundamento na violação das aludidas disposições legais.

Vejamos.

No Processo n.º 14/2012-T a Requerente alegava, em suma, que a “reanálise dos papéis de trabalho produzidos aquando da inspecção ao ano de 2001” que a AT invocou como meio de obtenção dos elementos em que se baseou a liquidação referida era ilegal, quer se entenda que se trata da reabertura de um anterior procedimento de inspecção, proibida pelos arts. 36.º, 62.º, n.º 2, do RCPIT e 63.º, n.º 4, da LGT, quer se entenda que constitui uma segunda inspecção externa relativa àqueles impostos e ao ano de 2001, que é também proibida por este art. 63.º, n.º 4, da LGT.

A questão essencial objecto deste processo reconduzia-se a saber se a AT, depois de concluído um procedimento de inspecção tributária e de ter notificado uma liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2001, que se baseou em alterações à matéria colectável, pode proceder a novas alterações e proceder a nova liquidação daquele imposto, relativa ao mesmo ano, com base em análise interna dos elementos recolhidos naquele procedimento.

Concluiu o CAAD pela violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento inspectivo, dando razão à Requerente ao invocar a falta de previsão legal para “reabrir, reanalisar, modificar ou promover aditamentos a quaisquer relatórios de inspecção finalizados, concluídos, fechados (e com eles, fechado também o procedimento inspectivo em causa)”, como fundamento de ilegalidade da referida «reanálise», estando em causa a violação do disposto no art. 36.º, n.ºs 2, 3 e 4, do RCPIT e no art. 63.º, n.º 3, da LGT (na redacção inicial, actual n.º 4). Como conclui, a violação destas normas constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação daquele acto procedimental, nos termos do art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto na alínea c) do art. 2.º da LGT.

Tal como o CAAD salientou, o objectivo da proibição constante do n.º4 do art. 63.º da LGT é, em primeira linha, evitar que um mesmo contribuinte ou obrigado tributário seja sobrecarregado mais que um vez com os incómodos que as acções de fiscalização externas são susceptíveis de lhe provocar.

Mas, como nota, conjugando esta norma com as do art. 36.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, em que, como vimos, se estabelece que “o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início” e apenas pode ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas circunstâncias aí taxativamente indicadas (sem prejuízo da suspensão nos caso previstos), conclui-se que os efeitos daquela proibição de, sem “factos novos”, se realizar novo procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, são amplificados, pois da globalidade deste regime legal resulta uma garantia para o contribuinte de que não pode ser alterada a definição jurídica da sua situação efectuada na sequência da conclusão do procedimento de inspecção externo, com base em factos que foram apurados pela AT durante a inspecção.

Assim, nota-se que se inutilizaria toda a relevância da fixação de prazos máximos para conclusão do procedimento de inspecção caso se entendesse que a AT podia, depois de elaborado o relatório da inspecção e concluído o procedimento, elaborar novos relatórios com base nos elementos recolhidos durante a inspecção.

Por outro lado, como ainda se realça, o alcance garantístico do referido deste regime é confirmado, de forma patente, pelo art. 64.º do RCPIT, no qual se prevê a possibilidade de ampliação da proibição de alteração da posição jurídica assumida no relatório da inspecção, através do sancionamento das conclusões do relatório da inspecção, que impede a AT de “proceder relativamente à entidade inspeccionada em sentido diverso do teor das conclusões do relatório nos três anos seguintes ao da data da notificação destas, salvo se se apurar posteriormente simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente relevantes relativos ao objecto da inspecção” (n.º 4 deste art. 64.º).

Assim, o contribuinte tem direito a que, depois de elaborado o relatório da inspecção externa e concluído o respectivo procedimento, não seja alterada a regulação da sua situação jurídica efectuada com base nos factos apurados na inspecção, sem que existam “factos novos”.

Por sua vez, no Processo n.º 198/2015-T, estava fundamentalmente em análise, para os efeitos que por ora nos ocupam, a alegada ocorrência de duas inspeções externas sobre o mesmo sujeito passivo, imposto e período tributário, em violação do artigo 63.º, n.º 3, da LGT, na redacção à data dos factos.

Atendendo ao facto de as matérias tratadas e os argumentos que sustentavam a posição das partes serem essencialmente os mesmos, que são referidos no Processo n.º 14/2012-T (ver supra), o Tribunal remeteu para esta decisão e conclui no mesmo sentido, dando razão à Requerente.

A)3- Enquadramento da situação controvertida 

Analisado o enquadramento jurídico, a jurisprudência existente e os factos dados como provados, conclui-se que há, de facto, na situação controvertida, repetição do procedimento
de inspecção.

Na verdade, compulsada a legislação, constata-se que não existe qualquer norma que preveja que se possam fazer duas inspecções externas visando os mesmos sujeitos e impostos: uma para colher dados e a outra para extrair consequências da primeira. O facto de a primeira entidade ser diferente não releva para o efeito. Como ficou consignado a este propósito, no Acórdão do CAAD n.º 198/2015-T, “Não colhe, pois, a argumentação da Requerida de que a ação inspetiva efetuada pela DSIFAE, ao abrigo dos despachos (…) se destinou à preparação prévia do procedimento inspetivo a efetuar em momento posterior sendo certo que nos termos do art. 11.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, o procedimento de inspeção tem, na realidade, “um caráter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria tributária”, não estando previsto carácter preparatório para com outros procedimentos inspetivos o que, aliás, sempre seria contrário ao princípio constitucional da eficiência da administração decorrente do art. 267.º, n.º5, da Constituição da República Portuguesa”.  

No caso dos autos, apesar de a segunda inspecção externa em apreço se limitar aos anos de 2011 e 2012, a verdade é que em relação aos impostos destes anos há repetição, não se fundamentando o segundo relatório em factos novos. Com efeito, desde logo, como vimos, é a própria AT a reconhecer que foram realizadas duas inspecções externas. Como refere a AT, a primeira inspecção externa foi concluída tendo em vista, no seu entendimento, a consulta, recolha e cruzamento de dados no âmbito dos impostos IVA e IRC (relativos a
2010, 2011 e 2012). De seguida, como reconhece a AT, nos articulados que apresentou, foi reaberto outro procedimento externo para retirar ilacções da inspecção anterior (cfr. ponto 83 das alegações da AT e a contestação).

Diga-se, aliás, que tal factualidade resulta expressamente do relatório deste último procedimento onde se justifica a sua instauração com essa mesma circunstância, dizendo-se: "a abertura da presente ordem de serviço teve como origem o ofício n.º …/2013 da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais da Direcção-Geral dos Impostos (DSIFAE). A DSIFAE procedeu à consulta, recolha e cruzamento de dados na sociedade A…, no âmbito do despacho DI…, que recaiu sobre os exercícios de 2010, 2011 e 2012". E, mais à frente, que “no decurso da ação inspetiva efetuada pela DSIFAE, a empresa procedeu à apresentação de declaração de alterações … procedeu à entrega de declarações de IVA dos períodos de 2010/12T a 2012/12T. A DSIFAE apurou ainda diversas outras irregularidades, parte das quais foi regularizada voluntariamente … Foram ainda constatadas diversas outras irregularidades que não foram regularizadas pelo Contribuinte, facto que justifica a abertura das presentes ordens de serviço”.

Conclui-se, assim, que na situação sub judice estamos perante uma violação dos referidos arts. 36.º, n.ºs 2, 3 e 4, do RCPIT, e do 63.º, n.º 4, da LGT, entendidos não só com o seu alcance procedimental, mas também do direito à segurança jurídica que da conjugação dos respectivos regimes emana.

A violação destas normas constitui vício de violação de lei e acarreta a anulação das liquidações sub judice de IVA e de IRC, juros compensatórios e respectivas Demonstrações de Acerto de Contas.

B) Do pagamento de juros indemnizatórios

Como resulta dos factos provados [ponto g)], tendo a Requerente procedido ao pagamento da totalidade dos montantes liquidados e juros compensatórios, veio requerer o reembolso do indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do art. 43.º, n.º1, da LGT.

 

Nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, pág. 342, nota 2 “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro tiver por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou)”.

No caso dos autos, está inequivocamente justificado o pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que as liquidações impugnadas são ilegais, por erro imputável os serviços.

 

Por outro lado, tem a Requerente direito a reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos referidos artigos 24.º n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», o que deverá ser determinado em execução de julgados, atentas as limitações deste tribunal em matéria de pedidos condenatórios.

 

Assiste, desta forma, à Requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, sobre os montantes indevidamente pagos, contados desde a data do pagamento até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar improcedentes as excepções de incompetência material deste Tribunal Arbitral suscitadas pela Requerida;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e de IRC impugnados e, nesta sequência,

c)      Anular os actos de liquidação de IVA, de juros compensatórios e respectivas Demonstrações de Acerto de Contas e de IRC;

d)      Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre o valor total indevidamente pago, às taxas legais aplicáveis, desde a data do pagamento até à data do processamento da respectiva nota de crédito;

e)      Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €4.896,00.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 248.548,60 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.896,00 € nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Janeiro de 2017

 

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(António Alberto Franco)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)