DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1. A…, S.A., contribuinte n.º…, com sede na Avenida …, n.º…, …, em Lisboa (adiante designada “Requerente”), apresentou em 29/07/2016, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, referente à aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (Tabela Geral), no valor total de € 4.258,98 (quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e noventa e oito cêntimos) a um prédio de que é proprietária.
1.2. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 30/08/2016, como árbitro singular o signatário desta decisão.
1.3. No dia 19/10/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4. Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 19/10/2016, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5. Em 22/11/2016 a AT apresentou a resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, na qual solicitou, ainda, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, bem assim, a produção de alegações escritas sucessivas.
1.6. Tratando-se de uma questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral em 22/11/2016 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas sucessivas e agendou a data para prolação da decisão final.
1.7. Em 02/12/2016, a Requerente apresentou alegações escritas sucessivas.
2. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral (e nas alegações escritas subsequentes) e a da AT na sua resposta.
Em síntese, a Requerente alega que:
a) O prédio encontra-se matricialmente descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou seja, não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal e, por isso, corresponde a um único artigo matricial.
b) Entendeu a AT que, para efeitos da liquidação de Imposto do Selo, 14 em 19 andares ou divisões com utilização independente têm afectação habitacional e o somatório dos respectivos valores patrimoniais tributários perfaz o montante de € 1.277.664,92.
c) Ou seja, segundo a AT, para um prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, o critério para a determinação do Imposto do Selo é o valor patrimonial tributário global dos andares ou divisões destinados a habitação.
d) Não obstante, de acordo com o principio da universalidade do valor patrimonial tributário, a avaliação efectuada nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) tem plena aplicação nos restantes impostos, incluindo no Imposto do Selo.
e) A própria lei estabelece expressamente, na parte final da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, que está em causa o “(…) valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.”.
f) Na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio, mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.
g) Por isso não refere, nem distingue, neste âmbito, a propriedade total e a propriedade horizontal, relevando sim a verdade material subjacente à existência enquanto prédio urbano e à respectiva utilização.
h) Neste sentido, para efeitos de tributação em sede de IMI, cada unidade independente, mesmo que integrando um mesmo prédio, é considerada separadamente, sendo-lhe atribuído um valor patrimonial próprio e sendo tributada autonomamente.
i) Aliás, o prédio em causa é exemplo da possibilidade de um prédio urbano ser composto por varias unidades independentes, sendo que umas têm afectação habitacional e outras afectação não habitacional.
j) Tem entendido a jurisprudência arbitral que, no caso de prédio urbano sem propriedade horizontal constituída, mas com andares ou divisões com utilização independente de afectação habitacional, o Imposto do Selo à taxa de 1% aplica-se a cada andar ou divisão, se igualar ou ultrapassar individualmente o montante de € 1.000.000,00, e não à globalidade do prédio ou a uma grande parte dele.
k) Ou seja, se um andar ou divisão com utilização independente de afectação habitacional tiver, de forma individualizada, valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, é sujeito à taxa de 1%, não havendo cobrança sobre todo o prédio ou sobre a soma dos valores patrimoniais dos andares ou divisões com utilização independente e afectação habitacional.
l) Por outro lado, a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio que não impõe sequer uma nova avaliação para efeitos de realidade tributária.
m) De outro modo, a norma de incidência dependeria exclusivamente do regime jurídico civil escolhido pelo proprietário: se mantivesse o prédio em propriedade total, seria tributado; se adoptasse o regime de propriedade horizontal, evitaria essa tributação.
n) Ora, a divergência formal entre propriedade total e propriedade horizontal não pode implicar um tratamento fiscal arbitrário e mais desfavorável às realidades prediais habitacionais independentes.
o) Em face do exposto, perante dois prédios idênticos é ilegal fazer incidir Imposto do Selo somente sobre o que não tem propriedade horizontal; seria tratar as duas situações iguais de forma diferente, desrespeitando, assim, o princípio da igualdade e da justiça fiscais.
Doutro modo, a AT, defendendo-se por excepção e por impugnação, sustenta que:
Por excepção:
Da incompetência do tribunal arbitral
a) Alega a AT que a Requerente não impugna o acto tributário de liquidação, mas sim o pagamento de três prestações do acto de liquidação constantes de notas de cobrança.
b) Ou seja, o objecto do processo é a anulação não de um acto tributário), mas sim de notas de cobrança para o pagamento da 1.ª, 2.ª e 3.ª prestação de um imposto.
c) Matéria que não consta, em absoluto, da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do artigo 2.º do RJAT.
d) Pelo que o acto objecto do pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do tribunal arbitral.
Da inimpugnabilidade dos actos
a) Refere, ainda, a AT que a Requerente impugna as prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto.
b) No entanto, o Imposto do Selo a que se refere a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial.
c) Motivo pelo qual, o pagamento de uma das prestações da liquidação efectuada ao abrigo do disposto na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral não consubstancia um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança do imposto liquidado.
d) Verifica-se, assim, que existe uma única liquidação e o seu pagamento é concretizado em prestações, o que não permite a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar.
e) Entende, pois, a AT que os documentos de cobrança em apreço não são impugnáveis de per si, razão pela qual deve a excepção invocada ser procedente e a AT ser absolvida do pedido.
Por impugnação:
a) A Requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.
b) À totalidade do prédio está atribuído um valor patrimonial tributário de € 1.513.964,92 a avaliação do prédio em causa no presente processo ocorreu em 2011 e foi efectuada nos termos do Código do IMI, não tendo a Requerente apresentado qualquer reclamação, nem solicitada nova avaliação.
c) Segundo a AT, a sujeição ao Imposto do Selo da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral [1] resulta da conjugação de dois factos, a saber, a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.
d) Acrescenta, ainda, que o conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, estabelecendo o seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio.
e) Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio.
f) Nesta medida, para efeitos de IMI e de Imposto do Selo, a Requerente não é proprietária de fracções autónomas, mas sim de um único prédio.
g) Pretende, assim, a Requerente que a AT considere, para efeitos de liquidação do Imposto do Selo, que exista uma analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal.
h) Ora, a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.
i) Por outro lado, o facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, porquanto o facto determinante da sua aplicação é o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.
j) Outra interpretação violaria a letra e o espírito da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto constitucionalmente consagrada.
k) Segundo a AT, é inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, segundo a qual o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou andar ou divisão a divisão, e não globalmente.
l) Acrescenta, ainda, a AT que que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade.
m) Nesta medida, as normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical.
n) Conclui a AT que existem fundamentos razoáveis para que o legislador tivesse tributado esta realidade económica capacidade que suportem o diferente tratamento de situações que legalmente são diferentes, não havendo nisso qualquer violação do princípio constitucional da igualdade.
4. OBJECTO DO PEDIDO
No caso em apreço, as questões a decidir são:
-
Conhecer das excepções de incompetência do tribunal arbitral e de inimpugnabilidade dos documentos de cobrança;
-
Determinar se Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares, ou antes, sobre o valor tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:
5.1.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Rua …, n.º … a n.º…, tornejando para a Rua dos …, n.º … a n.º…, inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa sob o artigo matricial n.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … (da extinta freguesia da …).
5.1.2. O prédio encontra-se em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e é composto por 6 pisos e 19 divisões com utilização independente, sendo que apenas 14 se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário, determinado ao abrigo do Código do IMI, varia entre € 60.000,30 e € 166.391,43.
5.1.3. O prédio em causa foi inscrito na matriz em 2010 e o somatório dos valores patrimoniais tributários das mencionadas fracções autónomas afectas a habitação ascende a € 1.277.664,92, tendo cada uma delas individualmente, um valor patrimonial tributário inferior a € 1.000.000,00.
5.1.4. A Requerente foi notificada do acto de liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2015, efectuada ao abrigo da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor de € 4.258,98 (quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), a saber:
IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO
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DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
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VALOR PATRIMONIAL
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TAXA (%)
|
COLECTA
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PRESTAÇÃO
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2016…
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U-…-AFD
|
60.000,30
|
1%
|
600,00
|
200,00
|
2016 …
|
U-…-AFE
|
60.000,30
|
1%
|
600,00
|
200,00
|
2016 …
|
U-…-AFURT
|
65.174,15
|
1%
|
651,74
|
217,26
|
2016 …
|
U-…-1D
|
90.419,68
|
1%
|
904,20
|
301,40
|
2016 …
|
U-…-1E
|
90.419,68
|
1%
|
904,20
|
301,40
|
2016 …
|
U-…-…-107
|
96.268,38
|
1%
|
962,68
|
320,90
|
2016 …
|
U-…-2º
|
95.746,90
|
1%
|
957,47
|
319,17
|
2016 …
|
U-…-2D
|
89.887,98
|
1%
|
898,88
|
299,64
|
2016 …
|
U-…-2E
|
89.887,98
|
1%
|
898,88
|
299,64
|
2016 …
|
U-…-3º
|
95.746,90
|
1%
|
957,47
|
319,17
|
2016 …
|
U-…-3D
|
166.391,43
|
1%
|
1.663,91
|
554,65
|
2016 …
|
U-…-4º
|
96.472,88
|
1%
|
964,73
|
321,59
|
2016 …
|
U-…-4D
|
90.624,18
|
1%
|
906,24
|
302,08
|
2016 …
|
U-…-4E
|
90.624,18
|
1%
|
906,24
|
302,08
|
5.1.5. Em 29/07/2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao processo em apreço.
5.1.6. À data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao processo em apreço, estavam a pagamento os documentos de cobrança correspondentes à segunda prestação, que se venceram no final do mês de Julho de 2016, sendo ainda vincendos os documentos de cobrança correspondentes à terceira prestação, que se venceram no final do mês de Novembro de 2016.
5.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
6. O DIREITO
6.1. DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
E DA INIMPUGNABILIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO
Pese embora a AT autonomizar as excepções invocadas, verifica-se que os factos invocados para fundamentar uma e outra são os mesmos, pelo que serão aqui simultaneamente apreciadas.
Assim,
A AT fundamenta a sua pretensão, no que à excepção de incompetência do tribunal arbitral diz respeito, no facto de não ter sido impugnado um acto tributário, mas antes o pagamento de uma prestação de Imposto do Selo consubstanciadas nas respectivas notas de cobrança.
O objecto de processo corresponde, assim, segundo a AT, não à anulação de um acto tributário, mas sim de uma mera nota de cobrança.
Ora, na óptica da AT, esta matéria não se subsume no âmbito de competência dos tribunais arbitrais tributários, prevista no artigo 2.º do RJAT, extravasando, assim, o objecto do pedido de pronúncia arbitral o âmbito de competência do tribunal arbitral.
Vejamos.
Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Já no que respeita à vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.
Nesta medida, a competência da instância arbitral encontra-se, assim, delimitada, pela portaria de vinculação da AT à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). [2]
De acordo com o disposto no artigo 2.º da referida portaria, a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (actualmente, AT) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nas quais expressamente se incluem as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Conclui-se, assim, que o processo arbitral tributário tem por objecto, mediato ou imediato, o acto tributário de liquidação, enquanto acto de determinação do quantitativo do imposto a pagar (colecta), por aplicação de uma taxa à matéria colectável.
Ora, a apreciação das excepções suscitadas depende, por isso, da questão de saber se a Requerente impugna o acto de liquidação de Imposto do Selo ou se, pelo contrário, se limita a impugnar cada uma das prestações de Imposto do Selo de per si.
Prosseguindo.
Nos casos em que o imposto deva ser pago em prestações, a liquidação é notificada ao sujeito passivo conjuntamente com a notificação para pagamento de cada uma das prestações, apenas podendo ser impugnada na sua totalidade e não prestação a prestação. [3]
A este respeito, sustenta José Casalta Nabais que “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) A liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta.”. [4]
Para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar.
Dispõe, ainda, o n.º 7 do artigo 23.º do Código do Imposto do Selo que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.
No mesmo sentido, estabelece o n.º 5 do artigo 44.º do Código do Imposto do Selo que “havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere a verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”.
Ou seja, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 113.º do Código do IMI, “a liquidação (…) é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte”, devendo o imposto ser pago, em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, respectivamente, em função do seu quantitativo. [5]
Em suma, e pela conjugação das disposições legais acima referidas, é possível concluir que o Imposto do Selo é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial. [6]
Desta feita, a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado.
Dito isto,
Da análise ao pedido de pronúncia arbitral resulta que a Requerente requer a constituição do tribunal arbitral com vista “(…) à anulação de liquidação de Imposto do Selo ao abrigo da Verba TGIS 28,1, com base em erro sobre os pressupostos de Direito e consequente ilegalidade do acto (…)”.
Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, a que correspondem as respectivas prestações de pagamento.
Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a AT, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não cada uma das prestações de imposto do selo individualmente consideradas.
Tanto assim é que a Requerente, na delimitação do objecto da acção arbitral, circunscrevem a instauração do respectivo processo à anulação da liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2015.
Mais, a Requerente solicita expressamente que “Os efeitos da presente accção devem estender-se às três prestações, que decorrem da mesma tributação, bem como a qualquer outra liquidação que possa vir a ocorrer sobre os próximos anos de imposto.”.
Assim, pese embora a Requerente associe o acto tributário de liquidação à(s) prestação(ões) de Imposto do Selo, procedendo à sua junção e identificação, o certo é que não circunscreve o objecto do pedido de pronúncia arbitral a nenhuma das prestações de Imposto do Selo em particular, mas sim à liquidação do Imposto do Selo considerada no seu conjunto.
Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela AT relativamente à incompetência do tribunal arbitral, bem como à inimpugnabilidade dos actos, pelo que se julga improcedente a verificação das excepções em apreço.
6.2. DA INCIDÊNCIA DA VERBA N.º 28.1 DA TABELA GERAL
No caso em apreço, a questão fundamental sob apreciação pelo tribunal arbitral consiste em saber se o acto tributário de liquidação de Imposto do Selo é ilegal, por errónea interpretação e aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, aditada pela Lei n.º 55-
-A/2012, de 29 de Outubro, ao considerar que o valor patrimonial tributário de um prédio urbano constituído em regime de propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente afectos a habitação que releva para efeitos de incidência é constituído pelo valor resultante do somatório do valor patrimonial tributário imputado a cada um daqueles andares ou divisões.
Sobre esta matéria é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo [7] (STA) e, bem assim, a jurisprudência arbitral, que indicamos, a título de exemplo, nos processos n.º 277/2013-T, n.º 291/2013-T, n.º 35/2014-T, n.º 464/2014-T, n.º 639/2014-T, n.º 724/2014-T, n.º 245/2014-T, n.º 152/2015-T e n.º 21/2015-T, que acompanhamos. [8]
De acordo com a factualidade assente, a AT liquidou Imposto do Selo por considerar que o valor patrimonial tributário do prédio urbano constituído em regime de propriedade total, é superior a € 1.000.000,00, atendendo ao somatório do valor patrimonial tributário de cada um dos 14 andares ou divisões com utilização independente afectas a habitação, que compõem o referido prédio.
Senão vejamos.
De acordo com o disposto na Verba n.º 28 da Tabela Geral, integram o campo de incidência do Imposto do Selo:
“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%. [9]
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%”.
São assim pressupostos de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral os prédios urbanos, com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz e utilizado para efeitos de liquidação de IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
No entanto, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afetação habitacional.”, que aqui nos interessa.
Ora, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, por referência à Verba n.º 28 da Tabela Geral veio, ainda, estabelecer várias alterações ao Código do Imposto do Selo, designadamente, quanto à sua liquidação e pagamento, remetendo expressamente para as regras previstas no Código do IMI [10] com as devidas adaptações, prevendo-se igualmente no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo que, “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.
Da análise às referidas normas, verifica-se, assim, que o conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral não se encontra definido no Código do Imposto do Selo, nem na citada Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, nem tão pouco no Código do IMI, cujas normas são de aplicação subsidiária, atento o disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.
É, pois, inequívoco que um prédio em propriedade total ou em regime de propriedade vertical constitui um prédio urbano, nos termos do disposto no n.º 1 dos artigos 2.º e 4.º do Código do IMI, aplicáveis subsidiariamente, sendo certo também que, quer para efeitos de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral, quer para efeitos de classificação de prédios urbanos [11], o legislador não faz distinção entre prédios constituídos em propriedade vertical e em regime de propriedade horizontal (tal como mencionado nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 50/2013-T, e n.º 132/2013-T), sendo pressuposto tributário da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral os prédios urbanos que efectivamente já estão afectos a habitação, porquanto o que releva é a utilização efectiva e actual de cada um dos prédios.
Qual será então o valor patrimonial tributário relevante no caso de prédios urbanos em regime de propriedade total composto por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente com “afectação habitacional”, para efeitos de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral?
Conforme resulta da própria Verba n.º 28.1 da Tabela Geral e do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o Imposto do Selo incidirá sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
Vejamos, assim, qual o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
O valor patrimonial tributário de cada prédio é determinado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do IMI, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMI.
No caso de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, cada andar ou divisão com utilização independente que o integra é igualmente sujeito a avaliação, sendo-lhe atribuído um valor patrimonial tributário a cada um daqueles andares ou divisões, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º e 38.º do Código do IMI.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMI estabelece que “as matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identificação dos proprietários (…)”, preceituando, ainda, o seu n.º 3 que, “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”, e, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Código do IMI, é sobre aquele valor patrimonial separadamente considerado que será apurado e liquidado o IMI em relação a cada andar ou parte com utilização independente que integram um prédio urbano em regime de propriedade vertical ou total, atenta a autonomia de cada uma daquelas unidades.
Este entendimento é ainda partilhado por J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas [12] segundo os quais, “Um outro aspecto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuído a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes. Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer a referência a cada uma destas partes como deve fazer referência expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas. Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em regime de propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. (…) Porém, como cada uma destas unidades pode ser objeto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respetivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial a cada uma delas.” [sublinhados nossos].
Por outro lado, e tal como evidenciado na decisão arbitral proferida no processo n.º 194/2014-T, que também acompanhamos, “o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respetivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.
Assim a cada prédio, nos termos conceptualmente definidos pelo artigo 2.º do CIMI, corresponde um único artigo na matriz (nº 2 do artigo 82.º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (…), “cada andar ou andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário (…).
Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente, de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fração (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica.”.
Tendo presente que à luz do Código do IMI, os andares ou divisões com utilização independente que compõem um prédio urbano em regime de propriedade total ou vertical são tributados autonomamente, uma vez que o IMI é liquidado individualmente sobre o valor patrimonial tributário atribuído a cada daqueles andares ou divisões com utilização independente, atenta a relevância da sua autonomia, necessariamente, os princípios e as regras terão de ser os mesmos em sede de Imposto do Selo (mormente, no que se preceitua quanto à inscrição na matriz e liquidação de IMI), quer por assim o impõe a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral in fine, quer por aplicação subsidiária, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.
Consequentemente, e, no pressuposto que o legislador em causa “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. o preceituado no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil (“CC”), por remissão do artigo 11.º da LGT), só estão abrangidas pela norma de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral os andares, partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
Assim, e conforme referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 132/2013-T, “O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional, possua um VPT superior a € 1.000.000,00” e não quando este valor resulta do somatório do valor patrimonial tributário imputado a cada andar ou divisão com utilização independente.
Tal como mencionado, igualmente, na decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-
-T, “O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS. Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.”.
Por todo o exposto, não podemos concordar com o entendimento da AT.
De facto, se é a própria norma disposta na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral in fine que determina que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o que releva para efeitos de incidência tributária é o valor patrimonial tributário individualizado para cada uma das partes, andares ou divisões com utilização independente sobre o qual é liquidado o IMI anualmente, ou seja, a liquidação do Imposto do Selo obedece às regras previstas no Código do IMI, por remissão expressa da mencionada Verba n.º 28 da Tabela Geral e do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.
Tanto assim é que, a AT para liquidar a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, sob exame, parte de cada um daqueles andares ou divisões com utilização independente, fazendo incidir a respectiva taxa sobre o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma daquelas divisões com afectação habitacional, de acordo com as normas do Código do IMI, para depois somar aquele valor patrimonial tributário.
A interpretação no sentido de que o que releva na norma de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral é o valor patrimonial tributário imputado a cada das partes autónomas, andares ou divisões com utilização independente com afectação habitacional e não o valor resultante da soma daqueles valores patrimoniais tributários é a que resulta igualmente da sua ratio legis, conforme impõe o n.º 1 do artigo 9.º do CC, aplicável por força do disposto no artigo 11.º da LGT.
Com efeito, na apresentação e discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª [13] na Assembleia da República, o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais, declarou o seguinte:
“É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013” [sublinhados nossos].
A este propósito, acompanhamos a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T ao referir que “O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.
A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta, pois, na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.
Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”.
Por todo o exposto, e de acordo com a factualidade assente, o valor patrimonial tributário de cada um dos 14 andares ou divisões com utilização independente afectos a habitação, que integram o prédio constituído em propriedade total e, que foi determinado segundo as regras do Código do IMI, é inferior a € 1.000.000,00, não estando assim reunidos os pressupostos de tributação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral.
Pelo que a liquidação de Imposto do Selo, objecto do presente processo de pronúncia arbitral, no montante de € 4.258,98 (quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), padece do vício de violação do disposto na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral e do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, por erro sobre os seus pressupostos de direito, declarando-se assim a respectiva ilegalidade, com a consequente anulação do mesmo.
7. DECISÃO
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal a liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, com todas as consequências legais;
b) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios;
c) Condenar a AT a restituir à Requerente o Imposto do Selo indevidamente pago;
d) Condenar a AT em custas.
8. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 4.258,98 (quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
9. CUSTAS
Custas a suportar pela AT, no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2016
O árbitro,
(Hélder Filipe Faustino)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
[2] Cfr. a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
[3] Vide a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27/2015-T, disponível em www.caad.org.pt.
[4] “Direito Fiscal”, 3.ª Edição, Almedina, 2005, pág. 318 citado na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 736/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.
[5] Cfr. alínea c) do, n.º 1, do artigo 120.º do Código do IMI.
[6] Neste sentido, veja-se ainda a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 408/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.
[7] A título exemplificativo, destacamos o Acórdão proferido no processo n.º 047/15, de 09/09/2015, nos termos do qual: “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”, disponível em www.dgsi.pt
[8] Cfr. Andreia Gabriel Pereira, “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 235 e ss.
[9] Redacção esta que foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sem que, contudo, tenha grande
relevância para o caso em apreço.
[10] Cfr. artigo 23.º, n.º 7, artigo 44.º, n.º 5, artigo 46.º, n.º 5 e artigo 49.º, n.º 3 do Código do Imposto do Selo.
[11] Cfr. artigo 6.º do Código do IMI (também de aplicação subsidiária).
[12] “Os Impostos sobre o Património Imobiliário e O Imposto do Selo, Comentados e Anotados”, págs. 159 e 160.
[13] Disponível no Diário da Assembleia da República DAR, I Série n.º 9/XII/2012, de 11/10/2012.