DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1. A…– Sociedade de Investimentos Imobiliários, SA, contribuinte n.º…, com sede na Av…, …, …, em Lisboa (adiante designada “Requerente”), apresentou em 25/07/2016, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, referentes à aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (Tabela Geral), no valor total de € 26.989,99 (vinte seis mil, novecentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos) a um prédio de que é proprietária.
1.2. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 26/08/2016, como árbitro singular o signatário desta decisão.
1.3. No dia 19/10/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4. Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 19/10/2016, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5. Em 17/11/2016 a AT apresentou a resposta, solicitando a dispensa de realização da reunião descrita no artigo 18.º do RJAT e prescindindo de produzir quaisquer alegações.
1.6. Tratando-se de uma questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral em 18/11/2016 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.
1.7. Em 02/12/2016, a Requerente veio também prescindir de produzir quaisquer alegações.
2. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.
Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.
Em síntese, a Requerente alega que:
a) A Verba n.º 28.1 da Tabela Geral aplica-se apenas aos prédios urbanos habitacionais. Não se aplica aos prédios que se enquadrem em mais do que uma das espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).
b) Relativamente aos prédios urbanos em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral aplica-se apenas a cada uma das unidades susceptíveis de utilização independente afectas ao uso habitacional, relativamente às quais, separadamente, se verifique a condição de aplicação da referida verba, relativamente ao respectivo valor patrimonial tributário.
c) Nos termos do Código do IMI, nos prédios urbanos em regime de propriedade total, as matrizes prediais indicam, separadamente, o valor patrimonial tributário de cada uma das unidades susceptíveis de utilização independente que os compõem.
d) Nesses prédios não existe uma referência única à afectação do prédio, fazendo-se essa referência, apenas, separadamente relativamente a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.
e) Nesses prédios o IMI é liquidado, também separadamente, para cada uma dessas unidades susceptíveis de utilização independente.
f) Ora, a razão do legislador seria pervertida se, ao abrigo da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, fosse permitida a tributação de pequenas habitações de média ou baixa qualidade, cada uma com um valor patrimonial de pouco mais de € 100.000,00, como se de habitações de luxo se tratasse, apenas porque o prédio em que se incluem não está constituído em regime de propriedade horizontal e nele existem mais de dez habitações desse tipo.
g) Com efeito, a interpretação que se defende é a única compatível com as boas regras de hermenêutica jurídica resulta ainda evidente do próprio facto de a AT proceder à liquidação do Imposto do Selo separadamente para cada um dos andares.
h) Pois só existe afectação habitacional para cada um dos andares separadamente e não para o prédio no seu todo.
i) O valor patrimonial tributário para efeitos de IMI é o valor de cada um dos andares separadamente e não o valor patrimonial tributário total do prédio.
j) Por outro lado, a opção pelo enquadramento da situação concreta destes autos, na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral resultaria, ainda, na flagrante e grave violação dos princípios constitucionalmente consagrados, da igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal.
Doutro modo, sustenta a AT que:
a) À data, a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do Código do IMI, no âmbito da avaliação geral, ao prédio urbano constante do artigo … da matriz predial urbana da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, descrito como “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, com 15 pisos e 57 andares susceptíveis de utilização independente, com valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00.
b) Com referência ao ano de 2015, em cumprimento da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral [1], cuja norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do Código do IMI com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, e afectação habitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança com vista ao pagamento da liquidação em causa.
c) Acrescenta que o conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, estabelecendo o seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio.
d) Ora, um “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente” é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios.
e) Já quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o inscrito na caderneta predial como “valor patrimonial total”.
f) Assim, estando correcta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos serviços, que se limitaram a actuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.
g) No que respeita à alegada violação dos princípios da igualdade contributiva e da proporcionalidade, sustenta a AT que pese embora a liquidação de Imposto do Selo, nas situações previstas na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, se processe de acordo com as regras do Código do IMI, o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber: aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme o artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI.
h) Para a AT, o que resulta da letra da lei é que o legislador pretendeu tributar com a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral os prédios enquanto uma única realidade jurídico-
-tributária.
i) Ora, de acordo com a informação matricial, encontrando-se o prédio em regime de propriedade total (não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio), é o valor patrimonial tributário global do prédio que deve, pois, relevar, pelo que o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito deverá ser julgado improcedente.
j) Por outro lado, entende a AT, que a previsão da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.
k) A constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação, mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.
l) Acrescenta, ainda, a AT que que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade.
m) Nesta medida, as normas dos procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical.
n) Resulta, assim, do facto de a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral incidir sobre a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, claramente, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.
o) Conclui a AT que também a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal, decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras.
4. OBJECTO DO PEDIDO
No caso em apreço, a questão que a Requerente pretende ver decidida consiste em saber se a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares, ou antes, sobre o valor tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente.
5. MATÉRIA DE FACTO
5.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:
5.1.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Loures sob o artigo matricial n.º U-… e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … (da extinta freguesia de…).
5.1.2. O prédio encontra-se em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e é composto por 15 pisos e 57 divisões com utilização independente, sendo que apenas 36 se encontram afectas a habitação, cujo valor patrimonial tributário, determinado ao abrigo do Código do IMI, varia entre € 145.384,88 e € 326 677,63.
5.1.3. O prédio em causa foi inscrito na matriz em 2010 e o somatório dos valores patrimoniais tributários das mencionadas fracções autónomas afectas a habitação ascende a € 8.096.930,23, tendo cada uma delas individualmente, um valor patrimonial tributário inferior a € 1.000.000,00.
5.1.4. A Requerente foi notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2015, efectuados ao abrigo da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, sobre os andares e divisões com utilização independente afectas a habitação, no valor global de € 26.989,99 (vinte seis mil, novecentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), a saber:
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AA”, no valor de € 485,17;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AB”, no valor de € 681,43;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AC”, no valor de € 658,37;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AD”, no valor de € 510,83;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AE”, no valor de € 484,63;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AF”, no valor de € 676,63;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AG”, no valor de € 661,55;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AH”, no valor de € 514,13;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AI”, no valor de € 486,90;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AJ”, no valor de € 675,69;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AK”, no valor de € 659,02;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AL”, no valor de € 510,81;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AM”, no valor de € 488,08;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AN”, no valor de € 680,37;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AO”, no valor de € 659,76;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AP”, no valor de € 513,64;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AQ”, no valor de € 1.077,03;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AR”, no valor de € 1.080,35;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AS”, no valor de € 1.078,84;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AT”, no valor de € 1.081,53;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AU”, no valor de € 1.077,21;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AV”, no valor de € 1.079,56;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AW”, no valor de € 1.077,77;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AX”, no valor de € 1.080,14;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AY”, no valor de € 1.087,52;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-AZ”, no valor de € 1.088,94;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-BA”, no valor de € 1.082,77;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-BB”, no valor de € 1.081,85;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-S”, no valor de € 485,86;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-T”, no valor de € 678,40;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-U”, no valor de € 658,75;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-V”, no valor de € 512,98;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-W”, no valor de € 485,17;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-X”, no valor de € 677,73;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-Y”, no valor de € 657,50;
· Documento n.º 2016 …, referente ao andar ou divisão com utilização independente identificada por “U-…-Z”, no valor de € 513,08.
5.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
6. O DIREITO
Da incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral
A questão a decidir consiste em saber se os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo são ilegais, por errónea interpretação e aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ao considerar que o valor patrimonial tributário de um prédio urbano constituído em regime de propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente afectos a habitação que releva para efeitos de incidência é constituído pelo valor resultante do somatório do valor patrimonial tributário imputado a cada um daqueles andares ou divisões.
Mais, se as liquidações do Imposto do Selo padecem, ainda, do vício de inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal.
Sobre esta matéria é já abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo [2] (STA) e, bem assim, a jurisprudência arbitral, que indicamos, a título de exemplo, nos processos n.º 277/2013-T, n.º 291/2013-T, n.º 35/2014-T, n.º 464/2014-T, n.º 639/2014-T, n.º 724/2014-T, n.º 245/2014-T, n.º 152/2015-T e n.º 21/2015-T, que acompanhamos. [3]
De acordo com a factualidade assente, a AT liquidou Imposto do Selo por considerar que o valor patrimonial tributário do prédio urbano constituído em regime de propriedade total, é superior a € 1.000.000,00, atendendo ao somatório do valor patrimonial tributário de cada um dos 36 andares ou divisões com utilização independente afectas a habitação, que compõem o referido prédio.
Senão vejamos.
De acordo com o disposto na Verba n.º 28 da Tabela Geral, integram o campo de incidência do Imposto do Selo:
“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%. [4]
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%”.
São assim pressupostos de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral os prédios urbanos, com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz e utilizado para efeitos de liquidação de IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
No entanto, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afetação habitacional.”, que aqui nos interessa.
Ora, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, por referência à Verba n.º 28 da Tabela Geral veio, ainda, estabelecer várias alterações ao Código do Imposto do Selo, designadamente, quanto à sua liquidação e pagamento, remetendo expressamente para as regras previstas no Código do IMI [5] com as devidas adaptações, prevendo-se igualmente no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo que, “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.
Da análise às referidas normas, verifica-se, assim, que o conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral não se encontra definido no Código do Imposto do Selo, nem na citada Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, nem tão pouco no Código do IMI, cujas normas são de aplicação subsidiária, atento o disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.
É, pois, inequívoco que um prédio em propriedade total ou em regime de propriedade vertical constitui um prédio urbano, nos termos do disposto no n.º 1 dos artigos 2.º e 4.º do Código do IMI, aplicáveis subsidiariamente, sendo certo também que, quer para efeitos de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral, quer para efeitos de classificação de prédios urbanos [6], o legislador não faz distinção entre prédios constituídos em propriedade vertical e em regime de propriedade horizontal (tal como mencionado nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 50/2013-T, e n.º 132/2013-T), sendo pressuposto tributário da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral os prédios urbanos que efectivamente já estão afectos a habitação, porquanto o que releva é a utilização efectiva e actual de cada um dos prédios.
Qual será então o valor patrimonial tributário relevante no caso de prédios urbanos em regime de propriedade total composto por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente com “afectação habitacional”, para efeitos de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral?
Conforme resulta da própria Verba n.º 28.1 da Tabela Geral e do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o Imposto do Selo incidirá sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
Vejamos, assim, qual o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
O valor patrimonial tributário de cada prédio é determinado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do IMI, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMI.
No caso de um prédio em regime de propriedade total ou vertical, cada andar ou divisão com utilização independente que o integra é igualmente sujeito a avaliação, sendo-lhe atribuído um valor patrimonial tributário a cada um daqueles andares ou divisões, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º e 38.º do Código do IMI.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMI estabelece que “as matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identificação dos proprietários (…)”, preceituando, ainda, o seu n.º 3 que, “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”, e, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Código do IMI, é sobre aquele valor patrimonial separadamente considerado que será apurado e liquidado o IMI em relação a cada andar ou parte com utilização independente que integram um prédio urbano em regime de propriedade vertical ou total, atenta a autonomia de cada uma daquelas unidades.
Este entendimento é ainda partilhado por J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas [7] segundo os quais, “Um outro aspecto que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuído a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes. Nestes casos, a inscrição matricial não só deve fazer a referência a cada uma destas partes como deve fazer referência expressa ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas. Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em regime de propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. (…) Porém, como cada uma destas unidades pode ser objeto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respetivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial a cada uma delas.” [sublinhados nossos].
Por outro lado, e tal como evidenciado na decisão arbitral proferida no processo n.º 194/2014-T, que também acompanhamos, “o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respetivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.
Assim a cada prédio, nos termos conceptualmente definidos pelo artigo 2.º do CIMI, corresponde um único artigo na matriz (nº 2 do artigo 82.º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (…), “cada andar ou andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário (…).
Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente, de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fração (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica.”.
Tendo presente que à luz do Código do IMI, os andares ou divisões com utilização independente que compõem um prédio urbano em regime de propriedade total ou vertical são tributados autonomamente, uma vez que o IMI é liquidado individualmente sobre o valor patrimonial tributário atribuído a cada daqueles andares ou divisões com utilização independente, atenta a relevância da sua autonomia, necessariamente, os princípios e as regras terão de ser os mesmos em sede de Imposto do Selo (mormente, no que se preceitua quanto à inscrição na matriz e liquidação de IMI), quer por assim o impõe a Verba nº 28.1 da Tabela Geral in fine, quer por aplicação subsidiária, por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.
Consequentemente, e, no pressuposto que o legislador em causa “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. o preceituado no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil (“CC”), por remissão do artigo 11.º da LGT), só estão abrangidas pela norma de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral os andares, partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
Assim, e conforme referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 132/2013-T, “O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional, possua um VPT superior a € 1.000.000,00” e não quando este valor resulta do somatório do valor patrimonial tributário imputado a cada andar ou divisão com utilização independente.
Tal como mencionado, igualmente, na decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-
-T, “O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS. Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.”.
Por todo o exposto, não podemos concordar com o entendimento da AT.
De facto, se é a própria norma disposta na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral in fine que determina que o Imposto do Selo incide “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o que releva para efeitos de incidência tributária é o valor patrimonial tributário individualizado para cada uma das partes, andares ou divisões com utilização independente sobre o qual é liquidado o IMI anualmente, ou seja, a liquidação do Imposto do Selo obedece às regras previstas no Código do IMI, por remissão expressa da mencionada Verba n.º 28 da Tabela Geral e do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.
Tanto assim é que, a AT para liquidar a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, sob exame, parte de cada um daqueles andares ou divisões com utilização independente, fazendo incidir a respectiva taxa sobre o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma daquelas divisões com afectação habitacional, de acordo com as normas do Código do IMI, para depois somar aquele valor patrimonial tributário.
A interpretação no sentido de que o que releva na norma de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral é o valor patrimonial tributário imputado a cada das partes autónomas, andares ou divisões com utilização independente com afectação habitacional e não o valor resultante da soma daqueles valores patrimoniais tributários é a que resulta igualmente da sua ratio legis, conforme impõe o n.º 1 do artigo 9.º do CC, aplicável por força do disposto no artigo 11.º da LGT.
Com efeito, na apresentação e discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª [8] na Assembleia da República, o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais, declarou o seguinte:
“É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013” [sublinhados nossos].
A este propósito, acompanhamos a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T ao referir que “O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.
A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta, pois, na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.
Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”.
Por todo o exposto, e de acordo com a factualidade assente, o valor patrimonial tributário de cada um dos 36 andares ou divisões com utilização independente afectos a habitação, que integram o prédio constituído em propriedade total, e, que foi determinado segundo as regras do Código do IMI, é inferior a € 1.000.000,00, não estando assim reunidos os pressupostos de tributação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral.
Pelo que, os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, objecto do presente processo de pronúncia arbitral, no montante total de € 26.989,99, padecem do vício de violação do disposto na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral e do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, por erro sobre os seus pressupostos de direito, declarando-se assim a ilegalidade daqueles atos de liquidação, com a consequente anulação dos mesmos.
Com efeito, fica assim prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nomeadamente, o alegado vício de inconstitucionalidade, por ter sido declarada a ilegalidade das liquidações supra identificadas, por vício substantivo que impede a renovação dos actos, assegurando-se eficazmente a tutela dos direitos da Requerente, de harmonia com o preceituado no artigo 124.º do CPPT [9].
7. DECISÃO
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo, constantes dos identificados documentos de cobrança, com todas as consequências legais.
8. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 26.989,99 (vinte seis mil, novecentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
9. CUSTAS
Custas a suportar pela AT, no montante de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.
Notifique.
Lisboa, de 7 de Dezembro de 2016
O árbitro,
(Hélder Filipe Faustino)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
[2] A título exemplificativo, destacamos o Acórdão proferido no processo n.º 047/15, de 09/09/2015, nos termos do qual: “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”, disponível em www.dgsi.pt
[3] Cfr. Andreia Gabriel Pereira, “As «Casas de Luxo» e o Imposto do Selo. Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 5 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 0993/14, Relator Cons. Francisco Rothes”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano VII, N.º 4, Julho de 2015, pp. 235 e ss.
[4] Redacção esta que foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sem que, contudo, tenha grande
relevância para o caso em apreço.
[5] Cfr. artigo 23.º, n.º 7, artigo 44.º, n.º 5, artigo 46.º, n.º 5 e artigo 49.º, n.º 3 do Código do Imposto do Selo.
[6] Cfr. artigo 6.º do Código do IMI (também de aplicação subsidiária).
[7] “Os Impostos sobre o Património Imobiliário e O Imposto do Selo, Comentados e Anotados”, págs. 159 e 160.
[8] Disponível no Diário da Assembleia da República DAR, I Série n.º 9/XII/2012, de 11/10/2012.
[9] Subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.