Decisão Arbitral
I. Relatório[1]
a) Partes e pedido de pronúncia arbitral
1. A…, SA, pessoa coletiva n.º…, com sede no …, n.º…, …-… Lisboa (a seguir designada por Requerente), apresentou em 14.07.2016, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral contra a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS), verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), respeitantes ao ano de 2015, objeto dos documentos de cobrança com as referências de identificação n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, dos quais resultou um valor global de coleta de €52.615,70.
b) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que aceitou o encargo.
3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 04.10.2016.
c) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente pede a declaração de ilegalidade de vinte e quatro atos de liquidação do Imposto do Selo, verba 28.1. da TGIS, respeitantes ao ano de 2015, objeto dos documentos de cobrança com as referências de identificação n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, com a indicação de coleta, cada um, de €2.467,30, n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, com a indicação de coleta, cada um, de €824,90, e n.º 2016…, com a indicação de coleta de €795,00, no montante total de €52.615,70, requerendo “a consequente anulação, com todas as consequências legais, por os mesmos violarem o normativo constante da verba n.º 28.1 da TGIS” e que “seja a requerida condenada a reembolsar a requerente das quantias pagas a título de imposto do selo, verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano de 2015, acrescidas dos juros moratórios e indemnizatórios”.
5. A AT apresentou resposta em que peticiona a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e a manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de liquidação impugnados.
6. Por despacho de 9.11.2016, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º e no art. 19.º do RJAT, decidiu que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, por não se mostrarem presentes as circunstâncias e finalidades previstas nas diversas alíneas do n.º 1 deste dispositivo. Mais decidiu, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, dispensar a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente expostas as posições das partes nos respectivos articulados.
Foi fixado como termo do prazo para prolação da decisão arbitral o dia 9 de dezembro de 2016.
d) Questão a decidir
7. A questão a resolver sobre o mérito do litígio atinente à pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações de IS impugnadas consiste em determinar se, para efeitos da incidência da verba 28.1 da TGIS, anexa ao Código do Imposto do Selo, nos casos de um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, se deve atender ao valor patrimonial tributário (VPT) total do prédio resultante da soma dos valores patrimoniais tributários dos diversos andares ou divisões com afetação habitacional, como subjaz às liquidações impugnadas, ou se se deve antes conferir relevo ao valor patrimonial tributário individual de cada andar ou divisão com afetação habitacional, como invoca a Requerente na sua PI, com consequente violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, das liquidações controvertidas.
II. Saneamento
8. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar o thema decidendum indicado (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, bem como têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e encontram-se devidamente representadas.
9. A cumulação de pedidos relativa às liquidações impugnadas é admissível em face do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, dada a procedência dos pedidos depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, designadamente a normatividade resultante da verba 28.1 da TGIS e das disposições legais do Código do Imposto do Selo (CIS) que a enquadram.
10. O processo não padece de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que cabe proferir decisão final sobre a substância do litígio.
III. Decisão da matéria de facto e respectiva motivação
11. Examinada a prova documental produzida, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é proprietária do prédio urbano, não submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º…, …, Loures, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de … e …, concelho de Loures, sob o artigo … (cfr. a caderneta predial urbana junta a fls. 1 a 18 do procedimento administrativo tributário, a seguir PA, e como doc. n.º 1 - lcralmenteeo valor patrimnonial de cada uma das ditas divisnetes aos andafes ou disià PI).
II. O referido prédio urbano constitui um “prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente”, com o “valor patrimonial total” de €5.261.570,00, sendo composto por 12 pisos, com 24 divisões com utilização independente, afetas a habitação, com os seguintes valores patrimoniais tributários individuais (conforme consta da referida caderneta predial):
RC D
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82.490,00€
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2º D
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246.730,00€
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5º D
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246.730,00€
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8º D
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246.730,00€
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RC E
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82.490,00€
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2º E
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246.730,00€
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5º E
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246.730,00€
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8º E
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246.730,00€
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RC F
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82.490,00€
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3º D
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246.730,00€
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6º D
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246.730,00€
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9º D
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246.730,00€
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RC P
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79.500,00€
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3º E
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246.730,00€
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6º E
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246.730,00€
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9º E
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246.730,00€
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1º D
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246.730,00€
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4º D
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246.730,00€
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7º D
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246.730,00€
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10º D
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246.730,00€
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1º E
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246.730,00€
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4º E
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246.730,00€
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7º E
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246.730,00€
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10º E
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246.730,00€
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III. Com referência ao ano de 2015 foram efetuadas, em 05.04.2016, as liquidações de Imposto do Selo, objeto dos documentos de cobrança com as referências de identificação n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, com a indicação, cada um, de coleta de €2.467,30 e de 1.ª prestação de €822,44, n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, com a indicação, cada um, de coleta de €824,90 e de 1.ª prestação de €274,98, e n.º 2016…, com a indicação de coleta de €795,00 e de 1.ª prestação de €265,00, relativamente a cada uma das vinte e quatro divisões suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação acima identificadas em II, tendo na base o total do valor patrimonial das vinte e quatro divisões com afetação habitacional, que corresponde a €5.261.570,00 mediante a aplicação da taxa de 1% estabelecida pela verba 28.1 da TGIS ao valor patrimonial tributário de cada uma das divisões, tudo conforme documentos juntos como docs. n.ºs 2 a 25 à PI que aqui se dão por reproduzidas.
IV. Em todos os documentos acima identificados consta a menção: “Valor Patrimonial do prédio - total sujeito a imposto: 5.261.570”.
V. A Requerente procedeu em 22.4.2016 ao pagamento da 1.º prestação do imposto resultante das liquidações objeto dos documentos identificados em III, no montante total de €17.538,74, conforme cópias de consultas de notas de cobrança a fls. 19 a 90 do PA e comprovativo da operação de pagamento ao Estado junto como doc. n.º 26 à PI.
12. Não existe qualquer outra factualidade relevante para a decisão de mérito em atenção às possíveis soluções de Direito que caiba considerar como não provada.
13. A convicção do Tribunal sobre a factualidade dada como provada resultou do exame do PA e dos documentos não impugnados, que constam dos autos, conforme se especifica em cada um dos pontos do probatório acima enunciados, não existindo, de qualquer modo, dissídio entre as partes sobre a matéria de facto.
IV. Do Direito
a) Alegações das partes
14. Para sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade das liquidações controvertidas, a Requerente, na sua PI, alega, no fundamental, o seguinte:
i) é ilegal o entendimento da AT ao considerar, em relação a um prédio em propriedade vertical, que o critério para a determinação do imposto do selo da verba 28 da TGIS é o VPT global do prédio, independentemente deste ser composto por divisões destinadas a habitação, de utilização independente (arts. 13.º e 15.º da PI);
ii) “A sujeição ao imposto de selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS é determinada pela conjunção de dois factos: a afetação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a 1.000.000.00€”, pelo que “tratando-se de prédios com as características já descritas, a sujeição a imposto de selo é determinada, não pelo VPT dos prédios, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões suscetíveis de utilização independente” (arts. 16.º e 17.º da PI);
iii) salienta-se na decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T que: “para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização”; “considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo” (arts. 20.º e 32.º da PI);
iv) “só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a 1.000.000€”, não podendo, pois, a AT “considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio”, pelo que os “critérios adotados pela AT violam os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal” (arts. 24.º a 26.º da PI);
15. Pelo seu lado, na sua resposta, sustenta a AT, no essencial, o seguinte:
i) o que está em causa é uma liquidação “que resulta da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária” (art. 5.º da resposta);
ii) Decorre do conceito de prédio definido no art. 2.º, n.ºs 1 e 4 do CIMI que “um “prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente” é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios” (art. 8.º da resposta);
iii) O art. 12.º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais (art. 9.º da resposta);
iv) “muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2º do CIMI” (art. 19.º da resposta).
v) “De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efetua-se anualmente, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”, pelo que: “Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total (não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do n.º 4 do artigo 2º do CIMI resulta que só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios), é o VPT global do prédio que deve, pois, relevar” (arts. 24.º e 25.º da resposta);
vi) “a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações”, pois a “propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”, porquanto “a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 4 do art. 2º do CIMI e art. 1414º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária” (arts. 27.º, 28.º e 39.º da resposta);
vii) bem se decidiu na decisão arbitral proferida no processo n.º 668/2015-T que: “De uma interpretação literal do artigo 2.° do CIMI, dúvidas não restarão de que partes de prédios que não estejam em propriedade horizontal não integram, para efeitos de IMI, o conceito de prédio” e “Consequentemente, se as partes de prédios, para efeitos de IMI, não são prédios, então não o serão também para efeitos de IS. Logo, o facto tributário é a propriedade do prédio, no seu todo, conforme decorre do conceito constante do artigo 2.° do CIMI” (art. 48.º da resposta).
16. Expostos os argumentos das partes, cumpre apreciar e decidir, para o que é conveniente começar por expor o quadro legal pertinente.
b) Quadro jurídico
17. O quadro jurídico imediatamente relevante para a decisão respeita à verba n.º 28.1 da TGIS, que foi introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, com a redação determinada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, cujo teor é o seguinte:
“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI- 1%”.
18. Para além desta proposição normativa diretamente aplicável, é ainda relevante, em termos hermenêuticos, considerar o disposto nos seguintes preceitos:
- no n.º 7 do art. 23.º do CIS, nos termos do qual: “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”;
- no n.º 5 do art. 44.º do CIS, segundo o qual: “Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI”;
no n.º 5 do art. 46.º do CIS, nos termos do qual: “Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o documento de cobrança é emitido nos prazos, termos e condições definidos no artigo 119.º do CIMI, com as devidas adaptações”;
- no n.º 2 do art. 67.º do CIS, segundo o qual: “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.
19. Dadas as remissões efetuadas pelos preceitos citados no ponto anterior para as regras contidas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), bem como em atenção às alegações das partes nos seus articulados, tem ainda interesse ter presente as seguintes disposições do CIMI, na redação aplicável ratione temporis (antes das alterações promovidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03 e do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1.8):
- o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI: “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”;
- o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI: “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respetivo valor patrimonial tributário”;
- o art. 92.º do CIMI, cujos n.ºs 1, 2 e 3 estabelecem, respectivamente, o seguinte: “A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz”; “Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal”; “Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética”;
- o n.º 1 do art. 119.º do CIMI que estabelece que: “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios”.
c) Apreciação do Tribunal
20. A resolução do litígio objeto dos presentes autos, em atenção ao thema decidendum em apreciação (vd. supra n.º 7), depende da definição do “valor patrimonial tributário constante da matriz” “igual ou superior a €1.000.000” “por prédio habitacional” que se deve ter por aplicável nos casos dos prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o que implica, evidentemente, desenvolver a adequada interpretação da norma de incidência objectiva (cfr. art. 1.º, n.º 1 do CIS) constante da verba 28.1 da TGIS, acima transcrita, de modo a fixar, na base das diretrizes hermenêuticas resultantes do art. 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 9.º do Código Civil, os exatos sentido e alcance da referida proposição normativa em relação ao caso sub judice.
21. Consabidamente, a interpretação e concretização da verba n.º 28.1 da TGIS em relação a prédios na situação dita de “propriedade vertical” foi já objecto de numerosos julgamentos arbitrais neste CAAD (como o patenteia a convocação de decisões de tribunais arbitrais realizada pelas partes nos seus articulados – vd. supra n.ºs 14, iii) e 15,vii)), bem como da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (vd. primeiramente o acórdão de 09.09.2015, proc. n.º 047/15, que acompanhou muito de perto a decisão arbitral proferida no proc. n.º 724/2014-T, tendo aquele acórdão sido depois seguido nemine discrepante por exemplo pelos acórdãos de 2.3.2016, proc. n.º 01354/15, de 27.04.2016, proc. n.º 1534/15, de 4.5.2016, proc. n.º 0166/16, de 25.05.2006, proc. n.º 1344/15), pelo que se trata de matéria cujos contornos normativos se encontram perfeitamente delineados, estando, pois, bem definidas as soluções plausíveis da questão de Direito que se controvertem na discussão da causa.
22. Pois bem, este Tribunal entende, tal como se consignou nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 451/2014-T e 518/2014-T, cuja fundamentação essencial se continua a subscrever, que a solução hermenêutica que se deve considerar válida para os prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente é que a incidência do imposto do selo nos termos da verba n.º 28.1 da TGIS não se afere em razão do valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário individualizado dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, mas sim em função do valor patrimonial tributário individualizado de cada um desses andares ou divisões com afetação habitacional. Para citar a formulação que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo veio a consagrar (vd. o acórdão de 09.09.2015, proc. n.º 047/15): “Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação”.
23. Naturalmente, a consubstanciação do juízo hermenêutico assim indicado exige a devida especificação das razões jurídicas que o escoram (cfr. arts. 123.º e 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), art. 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a), c) e e) do RJAT), o que se passa a realizar.
24. O ponto fulcral que importa destacar, tendo em atenção o elemento literal, vetor decisivo para a fixação do “pensamento legislativo”, mesmo que a interpretação não deva cingir-se simplesmente ao texto legal (arts. 9.º, n.º 1 do Cód. Civil e 11.º, n.º 1 da LGT), prende-se com as referências constantes da verba 28 da TGIS a “prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000” e a “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.
25. Por força destas formulações, seja quanto à incidência objetiva, com a remissão para o “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a remissão para o “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo da verba n.º 28 da TGIS assenta numa remissão para a regulação sobre o valor patrimonial tributário que se estabelece no CIMI.
26. Trata-se aqui de técnica legislativa que caracteriza incisivamente o funcionamento desta verba n.º 28 da TGIS, como resulta de o legislador ter mesmo determinado, de modo genérico, que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI” (n.º 2 do art. 67.º do CIS), bem como de se verificarem, em vários preceitos do CIS respeitantes a esta verba, remissões particulares para disposições do CIMI (cfr. os arts. 2.º, n.º 4, 5.º, n.º 1, al. u), 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3 do CIMI).
27. Ora, em atenção às remissões constantes da verba n.º 28.1 da TGIS para a regulação estabelecida pelo CIMI, quando se perspetiva o enquadramento jurídico-fiscal dos prédios urbanos em propriedade total com andares ou partes suscetíveis de utilização independente, é indispensável ter em conta o disposto no acima citado art. 12.º, n.º 3 do CIMI, nos termos do qual: “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respetivo valor patrimonial tributário”.
28. Resulta desta disposição do CIMI que os andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente possuem um valor patrimonial tributário específico e próprio, que é objeto de inscrição autónoma na matriz predial – assim sucede, justamente, com o prédio em causa nos presentes autos conforme consta da caderneta predial reportada no ponto n.º II do probatório.
29. Nestes termos, o CIMI prevê expressamente a autonomização, para efeitos de IMI, dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, que, embora integrados no mesmo artigo matricial, são objeto de inscrição matricial separada e autónoma e de valor patrimonial tributário distinto e autónomo (conforme resulta do citado n.º 3 do art. 12.º do CIMI). Note-se que a relevância desta autonomização dos valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente é de tal modo assumida pelo legislador do CIMI que se prevê especificamente como fundamento de reclamação de incorreção das inscrições matriciais a “não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma” (al. h) do n.º 3 do art. 130.º do CIMI).
30. Pois bem, dado que a verba n.º 28.1 da TGIS estabelece, nos termos das remissões que incorpora, que na tributação do direito de propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre prédios urbanos com afetação habitacional se atende, para efeitos de incidência, “ao valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, e, para efeitos de matéria coletável, ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, então, nos prédios urbanos em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, não se pode deixar de ter em consideração o valor patrimonial tributário próprio de cada andar, em conformidade com o previsto no n.º 3 do art. 12.º do CIMI, pois é esse quer o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI quer o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
31. Nesta decorrência, e com isto convoca-se o elemento sistemático da interpretação, estatui o art. 119.º, n.º 1 do CIMI, aplicável por força do n.º 5 do art. 46.º do CIS, que os documentos de cobrança do imposto do selo discriminam os andares ou partes de prédio com utilização independente, reportando-se em termos individualizados às partes suscetíveis de utilização autónoma e não ao prédio como um todo único.
32. Desta forma, dado que as partes de um prédio em propriedade total de utilização independente com afetação habitacional são objeto de inscrição separada na matriz predial, possuem valor patrimonial tributário próprio constante da matriz e envolvem a liquidação e a emissão de documento de cobrança de modo individualizado, tudo conforme determinam as soluções do CIMI (respetivos arts. 12.º, n.º 3 e 119.º, n.º 1), o mesmo tem que valer para o IS da verba n.º 28 da TGIS, dada a expressa remissão, efetuada nesta verba (sem prever sequer o tradicional caveat “com as devidas adaptações”), para o disposto no CIMI em relação ao valor patrimonial tributário constante da matriz e ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
33. Contra isto, não se julga ser procedente o argumento apresentado pela Requerida (vd. supra n.ºs 15, iv) e v)) de que, para efeitos de IS, releva o prédio na sua totalidade, pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme previsto no n.º 4 do art. 2.º do CIMI. É que, se é certo que a verba n.º 28.1 da TGIS se reporta a prédios urbanos e, por força do acima citado art. 2.º, n.º 4 do CIMI, só são qualificadas como prédios em sede de IMI as frações autónomas em regime da propriedade horizontal, é igualmente inquestionável que o legislador da verba n.º 28.1 da TGIS construiu o plano de incidência tributária e de determinação da matéria coletável na base do valor patrimonial tributário que é utilizado para efeitos de IMI, sendo que, como acima se referiu, nos termos do art. 12.º, n.º 3 do CIMI, no que concerne aos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, o VPT utilizado é o valor patrimonial tributário individual de cada andar ou parte de prédio. Daí que a aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS exija, para recorrer a uma fórmula já citada que é adotada no próprio CIMI (vd. al. h) do n.º 3 do art. 130.º do CIMI), a “discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma”.
34. Julga-se, aliás, que a consideração individualizada dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente e do respectivo VPT é a solução que mais se coaduna com os objetivos que parecem ter presidido ao legislador histórico do imposto do selo da verba 28.1 da TGIS, pelo menos em atenção aos elementos disponíveis (ainda que parcos) de trabalhos preparatórios respeitantes à Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª[2] que esteve na base da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.
35. É que na discussão na generalidade (vd. DAR, I Série, nº 9/XII/2, de 11/10/2012, p. 32[3]) desta Proposta de Lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em representação do Governo proponente, pronunciando-se sobre a “criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” declarou o seguinte: “Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.
36. Ora, o uso simultâneo, com valor sinonímico, das formulações “prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor”, “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” e “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” parece indiciar visarem-se locais de habitação de mais elevado valor. Com efeito, constitui significado socialmente típico de “casa” o de local ou unidade de habitação, pelo que se pode inferir que o legislador teve em vista habitações, sejam elas prédios unos, fracções autónomas ou andares ou divisões independentes. Deste modo, a incidência para efeitos da verba n.º 28.1 da TGIS e a aferição do “valor patrimonial tributário constante da matriz” “igual ou superior a €1.000.000” pautar-se-ia pela consideração particular de cada “habitação”, em ordem a tributar as “casas de luxo” (prédios, moradias, apartamentos) que o legislador parece ter tido em vista para o seu assumido objectivo de “efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”[4].
37. Justamente, num prédio com andares ou divisões independentes são estas as unidades habitacionais, não o prédio em conjunto.
38. Acrescenta-se ainda que se julga que esta interpretação da verba n.º 28.1 da TGIS, nos termos da qual, em caso de prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, se deve atender ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afectação habitacional constante da matriz, é a que melhor se coaduna com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva (cfr. art. 13.º e art. 104.º, n.º 3 da CRP), e que, por isso, mais perfeitamente se adequa à ratio legis que parece ter presidido à criação desta verba da TGIS para tributação em IS de – e só de – “propriedades de elevado valor destinadas à habitação”.
38. É que, para efeitos da lógica regulativa própria do CIMI e, logo, desta verba n.º 28.1 da TGIS, atenta a remissão legal para aquele diploma (vd. supra n.ºs 25 e 26), é inquestionável uma equiparação jurídico-tributária dos prédios em propriedade total ou vertical, com andares susceptíveis de utilização independente, com os prédios em propriedade horizontal, com fracções autónomas, como se demonstra pelo seguinte: i) as regras de inscrição da Declaração Modelo 1 aprovada pela Portaria n.º 1282/2003, de 13. 11 – quadro V linhas 49 e 50 e Anexo II – envolvem um preenchimento em termos idênticos dos prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e dos prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal; ii) são atribuídos valores patrimoniais tributários próprios a cada parte susceptível de utilização independente de prédio em propriedade total nos mesmos moldes em que isso ocorre para cada fracção autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal (arts. 12.º, n.º 3 e 93.º do CIMI); iii) são objecto de discriminação individualizada nos competentes documentos de cobrança as partes de prédios susceptíveis de utilização independente nos mesmos termos em que isso ocorre com as fracções autónomas (arts. 119.º, n.º 1 e 2.º, n.º 4 do CIMI).
39. Nestes termos, dado que é o próprio CIMI, para que em termos gerais remete a regulação relativa à verba n.º 28 da TGIS (vd. supra n.ºs 25 e 26), que equipara a situação das partes de prédios susceptíveis de utilização independente com as fracções autónomas, o sentido normativo acima atribuído à verba n.º 28.1 da TGIS é o que mais perfeitamente cumpre com o princípio da igualdade, pois, importa reconhecê-lo, numa perspectiva de capacidade contributiva para efeitos da tributação patrimonial em apreço, não existe diferença relevante entre a propriedade de um prédio com unidades independentes com certos valores patrimoniais tributários próprios e um prédio em propriedade horizontal com fracções autónomas com os mesmos valores patrimoniais tributários próprios.
40. Entende-se, em suma, em face do exposto, que, no que concerne a prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, para efeitos da aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS se deve atender exclusivamente ao valor patrimonial tributário constante da matriz que é próprio de cada andar ou divisão com afectação habitacional, pelo que só há lugar à incidência do imposto se alguma das partes ou divisões com utilização independente habitacional possuir um VPT igual ou superior a €1.000.000,00.
d) Aplicação ao caso sub judice
41. Cabe, agora, proceder à aplicação ao caso sub judice da solução indicada quanto à interpretação da verba 28.1 da TGIS, estabelecendo o diálogo entre os factos provados e o Direito relevante.
42. A este propósito, em face da factualidade dada como provada no n.º II do probatório, verifica-se que nenhum dos andares de utilização independente com afectação habitacional do prédio identificado no n.º I do mesmo probatório, possui valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00.
43. Nestes termos, como o valor patrimonial tributário de cada um dos indicados andares de utilização independente com afectação habitacional é inferior ao valor que se prevê na verba n.º 28 da TGIS, segue-se que tais andares não se subsumem na norma de incidência tributária constante desta verba, pelo que as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação nos termos do art. 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o que se decide.
e) Dos juros indemnizatórios
44. Peticiona, ainda, a Requerente a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no montante, respeitante à primeira prestação, de €17.538,74 (vd. facto dado como provado no n.º V do probatório), bem como dos respectivos juros indemnizatórios[5].
45. Prescreve a alínea b) do art. 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 deste mesmo art. 24.º do RJAT.
46. Determina o art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estabelecendo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT, que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
47. Dado que, no caso em apreciação, se verifica a ilegalidade das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos de Direito, que é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, nas liquidações praticadas, procedeu à incorreta interpretação e aplicação ao caso da disposição constante da verba 28.1 da TGIS, tem a Requerente direito, em conformidade com os arts. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso das prestações tributárias pagas em excesso no montante de €17.538,74, e aos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT, calculados sobre a indicada quantia desde 22.4.2016 (cfr. facto provado sub n.º V), à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até integral reembolso do montante pago.
V. Decisão
Termos em que se decide:
i) julgar procedente o pedido formulado no presente processo arbitral tributário e, em consequência, declarar ilegais e anular as liquidações de Imposto de Selo reflectidas nos documentos de cobrança com as referências de identificação n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 201…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, no montante total de €52.615,70;
ii) julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que o pagamento foi efetuado até à data do seu integral reembolso;
iii) condenar a AT nas custas do processo.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de €52.615,70, que constitui o montante total da coleta resultante das liquidações cuja anulação se peticionou.
VII. Custas
De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do RCPAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido de anulação dos atos tributários objecto dos autos.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de dezembro de 2016.
O Árbitro
(João Menezes Leitão)
[1] Segue-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efectuadas.
[3] Consultável igualmente em:
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37245.
[4] Cita-se a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª .
[5] A Requerente faz igualmente referência a juros moratórios, mas supõe-se que se tratará de fórmula de estilo, pois de nenhuma mora da Requerida é possível falar antes do trânsito da decisão do presente processo arbitral.