Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 127/2016-T
Data da decisão: 2016-11-22  Selo  
Valor do pedido: € 13.688,35
Tema: IS – FIIAH; artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro; retroactividade da lei fiscal.
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Decisão Arbitral

 

I - RELATÓRIO                                      

 

1.        Em 4 de Março de 2016,  A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A., NIPC…, com sede na Rua …, n.º …, …-… Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação de B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, com o NIPC…, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.        A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª C… e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª D… e Dr.ª E… .

3.        O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 18 de Março de 2016.

4.        Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal, por um lado, a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios, n.º…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, no montante global de € 13.688,35 (treze mil, seiscentos e oitenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).

5.        Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.

6.        O signatário aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 23 de Maio de 2016, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do Tribunal Arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.        A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 22 de Junho de 2016.

8.        Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição (tácita) manifestada pelas partes, notificadas para o efeito, o Tribunal entendeu, através do despacho que proferiu a 14 de Setembro de 2016, dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

9.        Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou o dia 23 de Novembro de 2016 como data para a prolação da decisão arbitral, tendo, ainda, advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.º…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, no montante global de € 13.688,35 (treze mil, seiscentos e oitenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), nos seguintes fundamentos:

 

a)        Inicia, a Requerente, a sua exposição mencionando que «O Fundo aqui representado pela sua sociedade gestora […] é um organismo de investimento colectivo, configurando como um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional (“FIIAH”), objecto de subscrição particular. (…) No contexto da sua actividade, no decurso do ano 2013, o Fundo adquiriu ao Banco F…l, S.A., (…) os bens imóveis (…) todos afectos a habitação. No âmbito das referidas operações, o Fundo beneficiou da isenção de Imposto do Selo legalmente consagrado, à data, para as operações de aquisição de prédios urbanos ou fracções autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, quando operadas por um FIIAH.» Sucede que, «(…) na sequência das operações de alienação dos referidos bens imóveis, a AT despoletou dois processos de liquidação de Imposto do Selo, sustentando que o Fundo havia conferido àqueles um destino diferente do atribuído aquando do acto de aquisição dos mesmos e que, como tal, a isenção de Imposto do Selo aplicada havia caducado.»

b)        Ora, alude a Requerente, em prol da sua posição que «na sequência da crise económica despoletada em 2008, diversas entidades depararam-se com constrangimentos de ordem creditícia, os quais se traduziram em verdadeiros óbices no cumprimento dos compromissos assumidos perante instituições financeiras e de crédito.» Com efeito, «em face da necessidade premente de conceber uma resposta eficaz e imediata face à conjuntura económico-financeira, o legislador introduziu no ordenamento jurídico português a figura dos FIIAH, tendo consagrado o regime especial aplicável aos mesmos (cfr. artigos 102.º e seguintes da Lei n.º 64-4/2008, de 31 de Dezembro – Orçamento do Estado para 2009);» Ou seja, «em matéria tributária, o legislador concedeu aos FIIAH uma panóplia de benefícios fiscais, substancialmente mais expressivos do que os previstos para os restantes fundos de investimento imobiliário;».

c)        Continua aludindo que, «(…) [d]a isenção de Imposto do Selo prevista no n.º 8 do artigo 8.º do regime especial em análise,» resultava evidente que «a aplicação daqueles benefícios fiscais, em Imposto do Selo, na esfera dos FIIAH não se encontrava subordinada a qualquer condição de cariz temporal, bastando, para o efeito, a mera observância do facto tributário, i.e. o acto de aquisição do direito de propriedade sobre os imóveis.» Nesta sede, «o Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) introduziu alterações relevantes ao regime fiscal aplicável aos FIIAH, estabelecendo, nomeadamente, novos condicionalismos para a atribuição de benefícios fiscais às operações realizadas por este tipo de fundos de investimento imobiliário;» nomeadamente através do aditamento dos n.º 14 ao referido artigo 8.º «que veio determinar que, para efeitos de aplicação da isenção de Imposto do Selo acima expendida, “considera-se que prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)” – norma aditada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013;»

d)        Mais refere, a Requerente, que «no âmbito destas alterações, o legislador previu, ainda, uma norma de carácter transitório, dispondo que as novas regras, além de serem aplicáveis aos prédios urbanos adquiridos pelos fundos de investimento a partir de 1 de Janeiro de 2014, deveriam ser, igualmente, aplicáveis a “ (…) prédios que tenham sido adquiridos por FIAAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014” (sublinhado nosso) – cfr. artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013.»

e)        Continuando no sentido de que «a alteração promovida pelas normas acima descritas assumiu assim um carácter marcadamente retroactivo, estipulando condições ou requisitos adicionais para a aplicação de benefícios fiscais a operações realizadas no passado – as quais haviam já beneficiado daqueles benefícios.», pelo que, «nestes termos, a norma transitória acima expendida atenta manifestamente contra o princípio da não retroactividade da lei fiscal e, ainda, contra o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, todos constitucionalmente consagrados (…)»

f)         Mais refere, a Requerente, que «De facto, na situação em análise, o legislador alterou o regime legal aplicável e, na respectiva norma transitória, veio condicionar a atribuição dos benefícios fiscais já concedidos no passado à observância dos (novos) requisitos e condições – os quais não se encontravam previstos no momento em que os actos tributários foram praticados e em que foi atribuído o benefício fiscal de isenção de Imposto do Selo àqueles actos. O novo regime gerou assim uma situação mais onerosa na esfera do Fundo – que adquiriu os imóveis ao abrigo do anterior regime, beneficiando da isenção de Imposto do Selo (e de IMT) – impondo um novo enquadramento legal ao facto tributário verificado no passado, sem que o Fundo pudesse “adequar a sua actuação de acordo com as novas regras”. Esta é uma situação inaceitável e manifestamente abusiva, que não pode proceder», defende a Requerente.

g)        Acrescentando, ainda que «De facto, este “novo” enquadramento aplicado às aquisições de imóveis realizadas em 2013, é manifestamente prejudicial para o Fundo, defraudando todas as suas expectativas e impedindo-o de “adequar” as suas decisões – com efeito, caso fosse inaplicável a isenção de Imposto do Selo (e de IMT) às operações de aquisição em análise, certamente o Fundo não teria efectuado esse investimento.»

h)        Concluindo no sentido de que «Em face do exposto, importa inferir que a norma que fundamentou as liquidações sub judice – i.e. o artigo 236.º da Lei n.º 82-C/2013, de 31 de Dezembro – atenta contra o princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal, conforme consagrado no artigo 103.º, n.º 3 da CRP. E, por conseguinte, deverá aquela norma ser desaplicada, no caso concreto, por manifesta inconstitucionalidade, sendo consequentemente anulados os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice.»

i)          Paralelamente, à invocada inconstitucionalidade, entende, ainda a Requerente que «os actos de liquidação do Imposto do Selo que constituem o objecto do presente pedido não incluem, de forma clara e suficiente, a necessária fundamentação de facto e de direito.»

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Contra a pretensão da Requerente, defende-se a Requerida, por impugnação, mencionando, em síntese:

a)        Por um lado, e «em primeiro lugar, há que ressalvar que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, as isenções de IMT e de IS, exigiam, respectivamente: (i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e, (ii) que a transmissão tivesse por objecto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”.»

b)        Continuando, especificamente no caso em apreço, alude a Requerida que « não foi dado ao imóvel o destino previsto na lei, a afectação ao arrendamento.»

c)      Com efeito, entende a Requerida que «Na verdade, o objetivo para a atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT e IS aos FIIAH foi estabelecido claramente desde o início. As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento. Ou seja, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. As liquidações ora impugnadas tiveram precisamente como fundamento o facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente daquele que originou a atribuição do benefício fiscal.»

d)     Mais aduz, a Requerida, que, «No ordenamento jurídico-administrativo português, por razões de segurança jurídica o regime regra de invalidade dos atos administrativos é a mera anulabilidade, a qual assegura que, padecendo um ato de vício que implique a sua anulabilidade, decorrido determinado hiato temporal sem que a sua validade seja atacada, tal ato se converte definitivo, tornando-se assim válido.» Assim, «os actos de liquidação na medida em que não violam o conteúdo essencial do direito fundamental, mas apenas o princípio da legalidade tributária, são meramente anuláveis. Contudo, no caso em apreço os actos impugnados foram praticados de acordo com a lei em vigor não se verificando qualquer violação dos princípios constitucionais.»

e)        No que respeita à alegada inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei de Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), considera a Requerida que por força das alterações introduzidas por este diploma, «a partir de 1 de Janeiro de 2014: a) a isenção de IMT e IS e dos imóveis integrados em FIIAH é alargada até 2015; b) passou a ser exigida prova da existência de contrato de arrendamento para habitação permanente para efeito de cumprimento do pressuposto de afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente.» Na verdade, «estas alterações aplicam-se aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de Janeiro de 2014. Relativamente aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, o prazo de 3 anos conta-se a partir de 01.01.2014. Ou seja, a lei estabelece um período transitório para aplicação das alterações para que o novo requisito estabelecido na lei apenas seja aferido para o futuro, expressamente consagrando que a contagem do prazo de 3 anos a que se refere a lei nova para a celebração do contrato de arrendamento apenas ocorre após a vigência da lei nova.»

f)         Mais refere, a Requerida, a este respeito que: «A lei nova não altera os pressupostos, as condições de atribuição e de reconhecimento do benefício fiscal de isenção de IMT e de IS, havendo apenas a previsão legal do tempo e do modo de cumprimento de um requisito legal previamente estabelecido. Pelo que se infere, com facilidade, que a isenção em questão não deixou simplesmente de vigorar: o que sucedeu, apenas, foi que foram estabelecidos meios de prova que visaram concretizar um requisito legal previsto de forma indeterminada com total e absoluto respeito pelo princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança.»

g)        «Razão pela qual não se pode afirmar que se verifica qualquer violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, nomeadamente, através de imposição superveniente de quaisquer condições determinantes da caducidade do direito à isenção de IMT ou de IS que não estivessem inicialmente previstas.»

h)        Com efeito, «A nova redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da protecção da confiança e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido, estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo”.»

i)          Concluindo no sentido de que «não se verifica, no caso em apreço qualquer situação de retroactividade da lei fiscal (…)», pelo que, é assim «manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente. Sem embargo das alterações legislativas introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra nos termos do artigo 14º do EBF. Aliás, a caducidade da isenção por falta de pressupostos de atribuição já se encontrava expressamente consagrada no artigo 14.º/2 do EBF, limitando-se o 2, do EBF, o artigo 8.º, n.º 16 do regime a estabelecer um prazo definido cuja contagem apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova.»

j)         Finalizando a sua fundamentação, pronunciando-se no sentido de que «improcede assim o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pois não se verifica qualquer erro na actuação da entidade requerida, muito menos um erro imputável aos serviços, ficando assim afastada a aplicação do artigo 43.º da LGT.»

 

IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram as posições expostas pelas partes, os documentos e o processo administrativo juntos aos autos.

 

a.        Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A)      A Requerente na qualidade de sociedade gestora e em representação de B…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para arrendamento Habitacional adquiriu, através de escritura pública de compra e venda, ao Banco F…, S.A., os seguintes bens imóveis, todos afectos a habitação:

Data de aquisição

Artigo matricial

Freguesia

23.12.2013

U-…-BS

União das freguesias de … e …

23.12.2013

U-…-AE

23.12.2013

U- …-U

23.12.2013

U-…-P

23.12.2013

U-…-AE

20.09.2013

U-…-NA

20.09.2013

U-…-CL

20.09.2013

U-…-CJ

20.09.2013

U-…-AO

23.12.2013

U-…-BN

União das freguesias de … e …

23.12.2013

U-…-V

23.12.2013

U-…-N

(cfr. Documentos n.º 13 e 14 juntos com a petição inicial);

 

B)      No âmbito das aquisições acima identificadas, o Fundo beneficiou da isenção de Imposto do Selo, ao abrigo do n.º 8 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH; - cfr. Documentos n.º 13 e 14 juntos com a petição inicial -;

 

C)      A 24 de Novembro de 2015, através do Ofício n.º…, de 2015.11.17 do Serviço de Finanças do Concelho de ...- … -, Direcção de Finanças do ... - foi o Fundo notificado para exercer, querendo, o direito de audição que lhe assistia, nos termos do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, relativamente «à perda das isenções constantes nos n.º 6 a 8 do artigo 8.º do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro», respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial da União das freguesias de … e …, sob o artigo …, fracção BS, por venda do mesmo, a 06.05.2015, a G…, ou para, nos termos do artigo 39.º do CPPT, solicitar as guias para pagamento do imposto, no montante de € 1.942,40, acrescidos dos respectivos juros compensatórios na quantia de € 41,51, perfazendo a quantia global de € 1.983,91 (mil novecentos e oitenta e três euros e noventa e um cêntimos).  – cfr. Doc. n.º 15 junto com a petição inicial –;

 

D)      No dia 15.12.2015, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 1.983,91, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 1 e 27 juntos com a petição inicial- ;

 

E)      No início de Dezembro de 2015, o Fundo foi notificado, através do ofício n.º…, de 2015.11.30, do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – do projecto de liquidação de Imposto do Selo, «efectuadas com fundamento na caducidade da isenção concedida ao abrigo da alínea a) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, uma vez que não destinou o prédio […-AE, freguesia…] exclusivamente a arrendamento para habitação e vendeu em 25.09.2015;» no montante de € 1.032,00, a título de imposto, e € 7,58, a título de juros compensatórios, e para, querendo, exercer o direito de audição que lhe assiste ao abrigo do artigo 60.º da LGT  - cfr. Doc. n.º 16 junto com a petição inicial –;

 

F)       No dia 15.12.2015, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 1.039,58, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 2 e 28 juntos com a petição inicial- ;

 

G)     No início de Dezembro de 2015, o Fundo foi notificado, através do ofício n.º…, de 2015.11.30, do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – do projecto de liquidação de Imposto do Selo, «efectuadas com fundamento na caducidade da isenção concedida ao abrigo da alínea a) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, uma vez que não destinou o prédio […-U, freguesia…] exclusivamente a arrendamento para habitação e vendeu em 19.10.2015;» no montante de € 1.392,00, a título de imposto, e € 6,56, a título de juros compensatórios, e para, querendo, exercer o direito de audição que lhe assiste ao abrigo do artigo 60.º da LGT.  - cfr. Doc. n.º 17 junto com a petição inicial –;

 

H)      No dia 14.01.2016, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 1.398,56, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 3 e 29 juntos com a petição inicial- ;

 

I)         No início de Dezembro de 2015, o Fundo foi notificado, através do ofício n.º…, de 2015.11.30, do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – do projecto de liquidação de Imposto do Selo, «efectuadas com fundamento na caducidade da isenção concedida ao abrigo da alínea a) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, uma vez que não destinou o prédio […-P, freguesia …]  exclusivamente a arrendamento para habitação e vendeu em 29.10.2015;» no montante de € 944,00, a título de imposto, e € 3,41, a título de juros compensatórios, e para, querendo, exercer o direito de audição que lhe assiste ao abrigo do artigo 60.º da LGT.  - cfr. Doc. n.º 18 junto com a petição inicial –;

 

J)        No dia 14.01.2016, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 947,41, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 4 e 30 juntos com a petição inicial- ;

 

K)     No início de Dezembro de 2015, o Fundo foi notificado, através do ofício n.º…, de 2015.11.30, do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – do projecto de liquidação de Imposto do Selo, «efectuadas com fundamento na caducidade da isenção concedida ao abrigo da alínea a) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, uma vez que não destinou o prédio […-AE, freguesia …] exclusivamente a arrendamento para habitação e vendeu em 09.10.2015;» no montante de € 1.064,00, a título de imposto, e € 6,18, a título de juros compensatórios, e para, querendo, exercer o direito de audição que lhe assiste ao abrigo do artigo 60.º da LGT.  - cfr. Doc. n.º 19 junto com a petição inicial –;

 

L)      No dia 14.01.2016, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 1.070,18, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 5 e 31 juntos com a petição inicial- ;

 

M)    O Fundo foi notificado, através do ofício n.º …/…/2015, de 2015.11.18, do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – da liquidação adicional de Imposto do Selo, «resultante de ter alienado a fracção “NA”, o imóvel com o artigo …, sito na freguesia e concelho de …, adquirida em 20.09.2013, por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.», no montante de € 928,00, a título de imposto do Selo e € 13,83, a título de juros compensatórios - cfr. Doc. n.º 20 junto com a petição inicial –;

 

N)      Em Janeiro de 2016, o Fundo deu autorização de débito ao Banco F… no montante de € 941,83, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 6 e 32 juntos com a petição inicial- ;

 

O)      O Fundo foi notificado, através do ofício n.º …/…/2015, de 2015.11.18, do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – da liquidação adicional de Imposto do Selo, «resultante de ter alienado a fracção “CL”, o imóvel com o artigo …, sito na freguesia e concelho de …, adquirida em 20.09.2013, por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.» no montante de € 728,00, a título de imposto do Selo e € 2,63, a título de juros compensatórios - cfr. Doc. n.º 21 junto com a petição inicial –;

 

P)       Em Janeiro de 2016, o Fundo deu autorização de débito, ao Banco F…, no montante de € 730,63, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 7 e 33 juntos com a petição inicial- ;

 

Q)      O Fundo foi notificado, através do ofício n.º …/…/2015, de 2015.11.18, do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – da liquidação adicional de Imposto do Selo, «resultante de ter alienado a fracção “CJ”, o imóvel com o artigo …, sito na freguesia e concelho de…, adquirida em 20.09.2013, por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.» no montante de € 840,00, a título de imposto do Selo e € 4,90, a título de juros compensatórios - cfr. Doc. n.º 22 junto com a petição inicial –;

 

R)      Em Janeiro de 2016, o Fundo deu autorização de débito ao Banco F… no montante de € 843,50, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 8 e 34 juntos com a petição inicial- ;

 

S)       O Fundo foi notificado, através do ofício n.º…/…/2015, de 2015.11.18, do Serviço de Finanças de…– Direcção de Finanças de ... – da liquidação adicional de Imposto do Selo, «resultante de ter alienado a fracção “AO”, o imóvel com o artigo …, sito na freguesia e concelho de …, adquirida em 20.09.2013, por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.» no montante de € 840,00, a título de imposto do Selo e € 6,81, a título de juros compensatórios - cfr. Doc. n.º 23 junto com a petição inicial –;

 

T)      Em Janeiro de 2016, o Fundo deu autorização de débito ao Banco F… no montante de € 886,81, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 9 e 35 juntos com a petição inicial- ;

 

U)      A 15 de Janeiro de 2016, o Serviço de Finanças do Concelho de ...- … - Direcção de Finanças do ..., notificou o Fundo, através do Ofício n.º…, de 2016.01.12 para exercer, querendo, o direito de audição que lhe assistia, nos termos do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, relativamente «à perda das isenções constantes nos n.º 6 a 8 do artigo 8.º do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro», respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial da União das freguesias de … e …, sob o artigo …, fracção “BN”, por venda do mesmo, a 27.11.2015, a I…, ou para, nos termos do artigo 39.º do CPPT, solicitar as guias para pagamento do imposto, no montante de € 1.401,60 acrescidos dos respectivos juros compensatórios na quantia de € 7,07. – cfr. Doc. n.º 24 junto com a petição inicial -;

 

V)      No dia 29.01.2016, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 1.408,67, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 10 e 38 juntos com a petição inicial -;

 

W)    O Fundo foi notificado, em meados de Janeiro de 2016, através do ofício n.º…, de 2016.01.18 do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – do projecto de liquidação de Imposto do Selo, «efectuadas com fundamento na caducidade da isenção concedida ao abrigo da alínea a) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, uma vez que não destinou o prédio […-V, freguesia …] exclusivamente a arrendamento para habitação e vendeu em 12.11.2015;» no montante de € 1.056,00, a título de imposto, e € 7,87, a título de juros compensatórios, e para, querendo, exercer o direito de audição que lhe assiste ao abrigo do artigo 60.º da LGT.  - cfr. Doc. n.º 25 junto com a petição inicial –;

 

X)      No dia 29.01.2016, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 1.063,87, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 11 e 36 juntos com a petição inicial- ;

 

Y)      O Fundo foi notificado, em meados de Janeiro de 2016, através do ofício n.º…, de 2016.01.18 do Serviço de Finanças de …– Direcção de Finanças de ... – do projecto de liquidação de Imposto do Selo «efectuada com fundamento na caducidade da isenção concedida ao abrigo da alínea a) do n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, uma vez que não destinou o prédio […-N, freguesia…] exclusivamente a arrendamento para habitação e vendeu em 14.12.2015;», no montante de € 1.368,00, a título de imposto, e € 5,40, a título de juros compensatórios, e para, querendo, exercer o direito de audição que lhe assiste ao abrigo do artigo 60.º da LGT. - cfr. Doc. n.º 26 junto com a petição inicial –;

 

Z)       No dia 29.01.2016, o Fundo procedeu ao pagamento da quantia de € 1.373,40, a título de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios. – cfr. Doc. n.º 12 e 33 juntos com a petição inicial -.

 

VI. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VII. Fundamentos de direito

 

Nos presentes autos, a questão fundamental que se coloca é a de saber os actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo do disposto no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, sindicados nos presentes autos são ou não ilegais.

 

1.                  Por forma a respondermos convenientemente à questão que nos é colocada, entendemos pertinente alcançar, desde logo, o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) aprovado através do artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12 (LOE2009), com o objectivo de, após a crise económica despoletada em 2008, auxiliar diversas entidades, com dificuldades no cumprimento de compromissos assumidos perante instituições financeiras e de crédito.

 

2.                  Assim, e nesta sequência foi introduzido no ordenamento jurídico português, o regime especial dos FIIAH, prevendo, assim, o artigo 104.º da LOE2009, o seguinte:

 

«1 - A constituição e o funcionamento dos FIIAH, bem como a comercialização das respectivas unidades de participação, regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março, alterado pelos Decretos-Leis n.os 252/2003, de 17 de Outubro, 13/2005, de 7 de Janeiro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, e subsidiariamente, pelo disposto no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, 52/2006, de 15 de Março, 219/2006, de 2 de Novembro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, com as especificidades constantes dos artigos seguintes» (negrito e sublinhado nosso)

 

3.                  Na verdade, da panóplia de especificidades previstas no regime, é de relevar, apenas, as que, com interesse para os presentes autos, se encontram consagradas no n.º 8 do artigo 8.º do regime, e que segundo as quais, se previa que:

«8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º».

 

4.                  No entanto, e de acordo com a evolução legislativa na matéria das isenções de que os FIIAH e SIIAH poderiam beneficiar, a Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, no seu artigo 235.º vem proceder ao aditamento dos n.º 14 a 16 do artigo 8.º, passando estes a prever que:

«14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»

 

5.                  Aditamentos estes, subordinados e dependentes da norma transitória prevista pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, a qual dispunha no sentido de que:

«

1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»

 

6.                  Ora, posta esta cronologia e a evolução histórica do regime especial dos FIIAH, passaremos, então, à interpretação das normas em causa, suportando-nos nos princípios gerais que norteiam esta tarefa, em conformidade com o disposto no artigo 9.º do Código Civil (CC) aplicável ex vi do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada de acordo com os princípios gerais de interpretação.

 

7.                  Assim, em respeito às regras gerais de interpretação, podemos constatar que a isenção do Imposto do Selo prevista no n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e SIIAH apenas tem lugar quando se verificam reunidos os seguintes pressupostos:

a)        Todos os actos praticados pelos FIIAH;

b)       Conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que:

i)     Ocorram por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos;

ii)   OU, ocorram por força do exercício da opção de compra pelo arrendatário até 31.12.2020.

 

8.                  Significa isto que a Requerente, enquanto FIIAH, tem direito ao benefício fiscal em causa – isenção de Imposto do Selo - desde que cumpra as condições legais estabelecidas para a sua atribuição.

 

9.                  I.e, a isenção de Imposto do Selo em causa está influenciada e dependente dos factos e das circunstâncias face às quais é concedida, resultantes da previsão e estatuição normativa do artigo 8.º, n.º 8 do Regime dos FIAHH.

 

10.              No entanto, e tratando-se de um benefício fiscal, é necessário trazer à colação, o disposto no n.º 2 do artigo 14.º da Lei Geral Tributária (LGT) segundo o qual:

«Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito

 

11.              Na verdade, e em conformidade com esta norma legal, aplicável também ao regime jurídico dos FIIAH, aqui em causa, o benefício fiscal previsto no n.º 8 do artigo 8.º do regime especial dos FIIAH – isenção de Imposto do Selo – para ser aplicável à data da sua atribuição, era necessário que o interessado, aqui a Requerente, revelasse à Administração Tributária os pressupostos da sua concessão, nomeadamente, e aqui especificamente, que:

 - se tratava de actos praticados por FIIAH;

 - tais actos eram conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente,

 - e que esta transmissão ocorria por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, ou do exercício da opção de compra pelo arrendatário até 31.12.2020.

 

12.              Assim sendo, diverge-se da Requerente quando afirma que, à data da concessão do benefício fiscal aqui em causa, «o Orçamento do Estado para 2014 (…) introduziu alterações relevantes ao regime fiscal aplicável aos FIIAH, estabelecendo novos condicionalismos para a atribuição de benefícios fiscais às operações realizadas por este tipo de fundos de investimento imobiliário

 

13.              A verdade, é que os condicionalismos estiveram, ab initio, presentes no regime – Vide n.º 8 do artigo 8.º do regime especial - não tendo sofrido qualquer modificação com as alterações introduzidas pela LOE 2014.

 

14.              Com efeito, e regressando aos factos dados como provados nos presentes autos, constatamos que a Requerente adquiriu, entre 20.09.2013 e 23.12.2013, doze imóveis, os quais alienou posteriormente.

Vejamos,

Data de aquisição

Artigo matricial

Freguesia

alienação

23.12.2013

U-…-BS

União das freguesias de … e …

06.05.2015

23.12.2013

U- …-AE

25.09.2015

23.12.2013

U- …-U

19.10.2015

23.12.2013

U-…-P

29.10.2015

23.12.2013

U-…-AE

09.10.2015

20.09.2013

U-…-NA

Por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.

20.09.2013

U-…-CL

Por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.

20.09.2013

U-…-CJ

Por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.

20.09.2013

U-…-AO

Por escritura realizada no Cartório Notarial de Lisboa, de H…, registada sob o n.º …/1.

23.12.2013

U-…-BN

União das freguesias de … e …

27.11.2015

23.12.2013

U-…-V

12.11.2015

23.12.2013

U-…-N

14.12.2015

 

 

 

15.              Assim sendo, resulta dos factos apurados e dados como assentes, que os actos de liquidação em apreço respeitam a imóveis, que foram alienados, pela Requerente, no ano de 2015, pelo que, à luz do regime jurídico dos FIIAH aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12. (LOE 2009), ou das alterações perpetuadas pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12 (LOE 2014), a isenção de IS concedida ab initio à Requerente acabou por caducar, 

 

16.              … em virtude de esta não ter logrado demonstrar à Administração Tributária, como lhe competia, atento o disposto no n.º 2 do artigo 14.º da LGT, que houve uma transmissão por força da conversão do direito de propriedade num direito de arrendamento ou que foi exercido o direito de opção de compra pelo arrendatário.

 

17.              Face ao exposto, tendo em consideração que os actos de liquidação de Imposto do Selo sindicados nos presentes autos foram efectuados ao abrigo do disposto no n.º 8 do artigo 8.º do Regime especial – tributário - dos FIIAH, cuja redacção foi inalterada desde a sua aprovação, mantendo os seus pressupostos à data da aquisição dos imóveis pelo Fundo, é entendimento do Tribunal arbitral que os actos de liquidação em causa são legais, em virtude de a isenção concedida ter caducado com a alienação dos imóveis, fora das situações previstas no artigo 8.º, n.º 8 do Regime dos FIAHH, pelo que não assiste razão, quanto a este argumento, à tese da Requerente.

 

18.              Prosseguindo, no sentido da questão suscitada pela Requerente respeitante à retroactividade ou não das normas introduzidas pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe «Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIIAH»

 

19.              Ora, a Lei do OE 2014, como já referimos, aditou ao artigo 8.º, os números 14 a 16, nos termos que aqui retomamos:

“14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.o 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

 

20.              Na verdade, da leitura destes preceitos legais resulta que nenhuma das situações especificamente neles previstas (ou pelo menos, não foram alegados quaisquer factos nesse sentido), tem aplicação no caso em apreço, porquanto, reportando-se a norma transitória, prevista no artigo 236.º da LOE 2014, ao disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, cuja previsão é inaplicável à presente situação, a discussão da retroactividade da norma em causa não tem cabimento no âmbito do presente processo.

 

21.              Por último, e no que toca à alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação, sustenta a Requerente que os actos de liquidação de Imposto do Selo, controvertidos nos presentes autos, padecem do vício de falta de fundamentação, sendo por isso, anuláveis.

Vejamos, se assim é.

 

22.              Quanto à matéria da falta de fundamentação, entende o presente Tribunal arbitral ser de fazer alusão ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2015, no âmbito do processo n.º 0406/15, que, de forma clara e transparente, aduz o seguinte:

«É inquestionável que a administração tributária tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos contribuintes, em conformidade com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT. Fundamentação que há-de ser expressa, pela exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, para permitir a apreensão dos factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, para possibilitar o conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo a que a decisão constitua a conclusão lógica dos motivos invocados como sua justificação.

É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a essa concreta decisão. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão. Razão por que o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto.

(…)

Contudo, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação formal, com a valia ou validade dos fundamentos invocados (fundamentação substancial). Com efeito, na avaliação da correcção formal do acto não se coloca a questão da valia ou correcção dos fundamentos aduzidos, mas só a sua suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão. Uma coisa é saber se a administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; e outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa. »

23.              Complementarmente, e ainda, quanto ao tema da falta de fundamentação, é expresso no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.06.2013, proferido no processo n.º 0867713, em termos que se perfilham absolutamente, que:

«Não sofre dúvida que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP (art. 268º) - vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss., tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e no art. 77º nºs. 1 e 2 da LGT.

E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta» (ac. deste STA, de 2/2/06, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

 

E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.

 

Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).


Em suma, as características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas das exigíveis para a chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.»

 

24.              Ora, da análise dos actos de liquidação de Imposto do Selo constata-se que daqueles constam as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos factos tributários, assim como as operações de apuramento da matéria tributável, pelo que, em consequência não pode ser imputável a estes actos qualquer vício de falta de fundamentação, uma vez que os actos contêm os elementos legalmente exigíveis.

 

25.         Face a tudo o exposto, é entendimento deste Tribunal que se encontra destituída de fundamento a pretensão da ora Requerente.

 

VIII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, pela improcedência do pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo e respectivos juros compensatórios, n.º…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, no montante global de € 13.688,35 (treze mil, seiscentos e oitenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), devendo os mesmos ser mantidos na ordem jurídica.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 13.688,35 (treze mil, seiscentos e oitenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos), nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

  

Notifique-se.

 

Lisboa, 22  de Novembro de 2016

 

***

O Árbitro

 

 

 

 

(Jorge Carita)