Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 773/2015-T
Data da decisão: 2016-05-03  IRS  
Valor do pedido: € 2.570,06
Tema: IRS – União de Facto
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Decisão Arbitral

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, Advogado, solteiro, contribuinte fiscal n.º…, residente na …– …, lote …, …, …, em Leiria, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação n.º 2015 … de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativo ao ano 2013, no valor de €4.785,88.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 4 de Janeiro de 2016 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 2 de Março de 2016.

 

A AT respondeu, defendendo a improcedência do pedido.

No dia 11 de Abril de 2016, realizou-se, com as Partes, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta que se encontra junta aos autos, tendo sido inquiridas as testemunhas apresentadas e realizadas alegações finais.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    A 29 de Maio de 2014, o Requerente apresentou declaração conjunta, sob o quadro legal da união de facto, com o sujeito passivo B, B… de IRS – cfr. documento n.º 3;

 

B)    Da declaração conjunta apresentada resultou um valor de reembolso, a favor do contribuinte Requerente, no montante de €2.169,92 – cfr. documento n.º 4;

 

C)    Mediante notificação electrónica datada de 17 de Junho de 2014, a AT comunicou ao Requerente o seguinte – cfr. documento n.º 5:             

 

 

“A declaração de rendimento relativa ao ano de 2013, com a identificação J0…/…, foi selecionada para análise por ter(em) sido detectada(s) a(s) seguinte(s) situação(ões): Não cumprimento pelos sujeitos passivos, de requisitos legais da união de facto.”

 

D)    Mediante requerimento de 4 de Julho de 2014, o Requerente pronunciou-se quanto à divergência suscitada pela AT, conforme documento n.º 6;

 

E)    Na sequência de tal requerimento, o Requerente foi notificado pela AT da Informação/Projecto de Alteração de Rendimentos conforme despacho de 23 de Outubro de 2014 (documento n.º 7);

 

F)     Sobre tal projecto de alteração oficiosa da declaração de rendimentos, o Requerente exerceu o direito de audição prévia mediante requerimento de 6 de Novembro de 2014, conforme documento n.º 8.

 

G)   Mediante despacho datado de 10 de Novembro de 2014, procedeu-se à alteração oficiosa do “rendimento líquido de IRS para o valor de 73687.77, conforme apurado no ponto II”, tudo nos exactos termos de tal despacho cujo teor se dá aqui expressa e integralmente por reproduzidos para os devidos efeitos legais (cfr. documento n.º 9).

 

H)   Foi emitida liquidação oficiosa na qual se apurou o valor devedor pelo Requerente no montante de €2.615,96, sendo €2.570,06 referente a liquidação de IRS dos rendimentos de 2013 e €45,90 correspondente a juros compensatórios (documento n.º 1);

 

I)      A 2 de Janeiro de 2015 foi o Requerente notificado da liquidação oficiosa de rendimentos de IRS do ano de 2013, através do documento de cobrança n.º 2015…, no valor de €2.615,96;

 

J)      A 2 de Março de 2015, o Requerente procedeu ao pagamento do valor da liquidação objecto de impugnação (cfr. documento n.º 10);

 

K)   O Requerente e a Sra. B… não são casados, mas vivem, desde (pelo menos) o ano de 2007 a esta parte, de forma ininterrupta, como se de marido e mulher se tratassem (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…);

 

L)    O Requerente e a Sra. B… residem no …, …, Rua …, …, …, …, em Leiria – documento n.º 12 a 17);

 

M)  Desde o ano 2007 que o Requerente e a Sra. B… partilham casa, cama e mesa, em condições idênticas às de um casal unido pelo matrimónio - (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…);

 

N)    Ambos os contribuintes partilham e comungam esforços e economias, partilhando o proveito comum das suas actividades profissionais e rendimentos - (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…);

 

O)   É naquela morada que ambos os contribuintes (Requerente e a Sra. B…) recebem e convivem com os amigos do casal – (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…);

 

P)     O Requerente e a Sra. B… partilham férias, fins-de-semana e períodos de lazer conjuntamente, em condições análogas às dos cônjuges unidos matrimonialmente – (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…).

 

Q)   No ano de 2007, a Sra. B…, embora mantivesse o seu domicílio fiscal em …, já residia em Leiria (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…;

 

R)    Nomeadamente, nos anos de 2007 e até ao ano de 2009, a sra. B…, que exerce a actividade profissional de professora, leccionava no …, em Souselas, alternando a sua residência entre a morada que mantinha em … e a morada sita em …, conforme a conveniência dos seus afazeres profissionais – (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…);

 

S)     Porém, todos os fins-de-semana no referido período de 2007 a 2009, residia na morada sita em …– (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…);

 

T)    Desde 2009 e até à presente data, a Sra. B… reside exclusiva e ininterruptamente na morada sita em …, Rua da …, …, …, …, Leiria, com o Requerente (depoimentos das testemunhas Sra. C… e Sr. D…);

 

U)    Mais, desde o dia 28 de Abril de 2011 que a Sra. B… alterou o seu domicílio fiscal para a dita morada – cfr. documento n.º 11;

 

V)    Já o Requerente tem o seu domicílio fiscal e reside na citada morada desde, pelo menos, o ano de 2005, data em que adquiriu a citada fracção que constitui quer o domicílio fiscal quer a habitação própria e permanente do casal – cfr. documentos n.º 12 e 13;

 

W)  É ao sujeito passivo B que que ao longo dos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 vem a ser facturado o fornecimento de telefone, internet e TV cabo respeitante à morada e residência do casal sita em Rua da …, …, …, …, Leiria – cfr. documentos n.º 15;

 

X)    E é o Requerente quem ao longo dos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013 vem a ser facturado o fornecimento de água e de gás respeitante à morada e residência do casal sita em Rua …, …, …, …, Leiria – cfr. documentos n.º 16;

 

Y)    O Requerente e a Sra. B…) são pais de um filho menor (E… NIF …) desde o dia 22 de Janeiro de 2013 – cfr. doc. n.º 17;

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova testemunhal produzida e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), o Tribunal baseou a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas.

Neste contexto, considera-se que os depoimentos produzidos pelas Testemunhas Sra. C… e Sr. D… revelam que o Requerente e a Sra. B… tem uma relação amorosa que se reporta ao ano de 1999, e que vivem em união de facto desde, pelo menos, o ano 2007.

Também os documentos juntos aos autos, em especial, o documento n.º 14, revela que a mulher do Requerente tinha na morada do Requerente centralizadas as suas contas relativas a comunicações.

Pelo exposto, o Tribunal está convencido que o Requerente e a sua mulher vivem como casal, unidos de facto, há certamente mais de 5 anos, desde a verificação do facto tributário sub judice.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se o Requerente poderia apresentar a declaração de IRS relativamente ao ano 2013, em conjunto, com a Sra. B…, ao abrigo do artigo 14.º do Código do IRS.

A este propósito, o Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:

  1. O Requerente e a Sra. B… (doravante mulher) vivem sob o regime da união de facto, há mais de 2 anos, razão pela qual devem beneficiar do regime fiscal equiparável aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens;
  2. Reza o n.º 6 do artigo 19.º da LGT que “A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.”;
  3. Deve relevar e sobrepôr-se o critério material – de os contribuintes se encontrarem efectivamente em situação de união de facto – ao critério meramente formal resumido à mera coincidência do domicílio fiscal, critério este que, quanto à demonstração dos respectivos pressupostos – vivência efectiva do casal em situação análoga à dos cônjuges –, efectivamente nada revela;
  4. É que, a comunicação da alteração do domicílio fiscal reporta-se unicamente ao âmbito formal da relação jurídico-tributária que a administração mantém com o contribuinte ao nível da comunicação dos actos, não podendo tal comunicação assumir efeitos substantivos nem materiais sobre a situação tributária dos sujeitos passivos, mormente impeditiva de determinado regime tributário;
  5. Por outro lado, a identidade do domicílio fiscal encerra uma mera presunção da união de facto, o que claramente não impede a demonstração, por qualquer outro meio probatório legalmente admissível, da união de facto;
  6. Aliás, o n.º 1 do artigo 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, dispõe que a prova da união de facto pode ser demonstrada por qualquer meio legalmente admissível, excepto se existir qualquer disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica;
  7. Mais ainda, não olvidando que o artigo 14.º do Código do IRS é uma norma de incidência tributária, a mesma terá sempre de admitir prova em contrário como claramente o determina o artigo 73.º da LGT.
  8. Assim, sendo o n.º 2 do artigo 14.º do Código do IRS uma norma de incidência pessoal-tributária, a presunção que aí se encerra terá sempre de ser susceptível de ilisão.
  9. Aliás, tal possibilidade de ilisão veio a ser plasmada na Lei fiscal mediante a redacção que foi conferida ao artigo 13.º do Código do IRS, ao introduzir os seus inovatórios números 10 a 13, não só dispondo sobre tal possibilidade de ilidir a dita presunção, como também a forma e os meios legalmente admissíveis e ainda, por último, a distribuição do ónus da prova.
  10. Mais ainda, a alteração do domicílio fiscal não se pode assumir como elemento constitutivo do direito a optar pelo regime de tributação, nem a omissão de tal formalidade constitui fundamento para o não reconhecimento desse mesmo direito.
  11. Antes a falta de comunicação do domicílio do contribuinte versa uma questão de eficácia dessa mesma mudança que não afecta a substância ou a materialidade do conceito legal de domicílio fiscal plasmado no n.º 1 do artigo 19.º da LGT.
  12. Em abono de tudo o quanto se vem a referir, em situação análoga à dos autos, cita-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07.04.2011, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: “I) - O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82° do C. C.. embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no artº 59º da LGT. II) -O domicílio dos contribuintes pode e deve ser rectificado oficiosamente com base nos elementos que estavam ao dispor da administração tributária em observância do disposto no n°6 do referido normativo porque se trata exactamente disso: de um poder -dever, destinado antes do mais a proteger a verdade tributária em concretização também do dito princípio da colaboração consagrado no artº 59º da L.G.T.. III) -Vivendo o Requerente em união de facto com outra pessoa, preenchendo os pressupostos constantes da lei respectiva, podiam optar, como fizeram na declaração de rendimentos entregue, pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens e, visto que existia identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos, tudo está em conformidade com a lei (art° 14° n°s 1 e 2 do CIRS). “
  13. Também neste sentido o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 19.02.2015 proferido nos autos de processo n.º 08313/14, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário, por sábio e pertinente, se transcreve: ”I – As pessoas que vivem em união de facto necessitam, para beneficiar do direito a serem tributadas segundo o regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens estabelecido no artigo 14.º do CIRS, de comprovar que essa união de facto perdura há, pelo menos, dois anos, que possuíram durante esse período de tempo o mesmo domicílio fiscal e apresentarem declaração de rendimentos assinada por ambos os sujeitos passivos unidos de facto. II – Sendo o domicílio fiscal das pessoas singulares, em regra, o local da residência habitual e, consequentemente, esta residência habitual o lugar determinado para o exercício de direitos e cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (art. 19.º, n.º 1, al. a), Lei Geral Tributária), é essa identidade que deve ser respeitada pelo sujeito passivo e é essa a identidade que deve ser respeitada pela Administração Fiscal, designadamente para apurar se estão ou não preenchidas as condições que a lei exige para que duas pessoas que vivem em união de facto beneficiem do regime consagrado no artigo 14.º n.º 1 do CIRS. III – Não sendo a comunicação da alteração de domicílio fiscal um elemento constitutivo do direito referido em I-, não pode a omissão dessa formalidade constituir fundamento para o não reconhecimento desse mesmo direito. IV – Tendo resultado provado que, quando os Requerentes apresentaram as declarações conjuntas de rendimentos para efeitos de IRS, viviam há mais de vinte anos em condições análogas às dos cônjuges e que ao longo de todos esses anos ambos residiram na mesma casa, devem julgar-se verificados os requisitos plasmados no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS”.
  14. Desta feita, o Requerente e a mulher vivem efectivamente em união de facto, há mais de dois anos e, ainda que se entenda que não existisse identidade do domicílio fiscal por idêntico período de tempo – sem conceder – sempre lhes deveria ser possível fazer a demonstração de tal realidade.
  15. Por conseguinte, e na medida em que se mostram preenchidos os respectivos pressupostos legais, podiam optar, como efectivamente o fizeram na declaração de rendimentos de 2013, pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
  16. Em consequência, deve ser pago ao Requerente o montante referido no artigo precedente e que soma o valor de €4.785,88, acrescido de juros de mora calculados desde 29 de Maio de 2014 sobre a quantia de €2.169,92 e desde 2 de Março de 2015 sobre a quantia de €2.615,96, até efectivo e integral pagamento.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. Nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do Código do IRS, a aplicação do regime de tributação dos sujeitos passivos casados às pessoas que vivem em união de facto depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei que, de acordo com o art. 1º da Lei nº 7/2001, de 11/05, tem de ser “…há mais de dois anos”.
  2. Segundo o disposto no artigo 14.º do Código do IRS:

“1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo  regime  de  tributação  dos  sujeitos  passivos  casados  e  não separados judicialmente de pessoas e bens.

2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.

3 - No caso de exercício da opção prevista no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias””

19.  O Artigo 19.º da LGT, por sua vez, dispõe o seguinte:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica.

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária. (…)

8 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor. (…)”

20.  Finalmente, o art. 2º- A da Lei 7/2001 de 11/05:

“Prova da união de facto

1-      Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.

2-      No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles. (…)”

  1. Verifica-se pois, em vista ao quadro legal aplicável, que, segundo as normas de incidência pessoal do Código do IRS: as pessoas que, vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens; a aplicação de tal regime depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.
  2. A lei respectiva, supra citada, por seu lado dispõe que são consideradas em união de facto as pessoas que vivam em condições análogas ás dos cônjuges há mais de dois anos. Por último, a união de facto pode ser provada por qualquer meio de prova legalmente admissível, nomeadamente por declaração emitida pela junta de freguesia competente, sendo que tal declaração deverá ser acompanhada por uma declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem nessas circunstancias há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
  3. Perante o quadro legal do regime jurídico que o Requerente pretende fazer valer, constata-se que não resultam provados os requisitos supra elencados, e exigidos na lei.
  4. Dos autos resulta, ao invés, que não se verifica a identidade de domicílio fiscal dos contribuintes.
  5. A lei faz depender a aplicação do regime da união de facto em sede de incidência pessoal de IRS da identidade do domicílio fiscal – artigo 14.º n.º 2 C.IRS.
  6. Perante a obrigação de comunicação de mudança de domicílio, sob pena de ineficácia da mesma, enquanto tal não for comunicado – cfr. os n.°s 1, 3 e 4 do artigo 19.°, n° 1, da LGT, não é aplicável o estatuído no artigo 1.°, n.° 2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio “pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.
  7. Ora, o suposto sujeito passivo B. não comunicou a alteração do domicílio fiscal, juntamente com o A., nem a comunicou “há mais de anos” (por referência ao exercício de 2013).
  8. Independentemente dos motivos que alega, e da documentação que junta, não procedeu à exigida comunicação, tornando assim ineficaz a suposta – que não provada – vivência em comum.
  9. Aliás, sempre importaria perceber, porque motivo, só agora os sujeitos passivos em causa apresentam declaração conjunta, uma vez que segundo pretendem, já se encontravam em união, como se de marido e mulher se tratassem.
  10. Como vem sendo decidido superiormente, vide Acórdão do STA Sul, proferido em 22/01/2015, proc. 06655/13:

“2. A lei faz depender a aplicação do regime da união de facto em sede de incidência pessoal de IRS da identidade do domicílio fiscal – art. 14º nº 2 C.IRS, ao contrário do que vem dito na sentença da 1ª Instância. O conceito usado pelo legislador na norma de incidência pessoal de IRS supra referida é o de domicílio fiscal, e não qualquer outro, como residência do agregado familiar, morada habitual, paradeiro ou outro.

3. A lei estabelece que é "obrigatória (...), a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária" e "ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária" (n°s 3 e 4 do mesmo inciso legal). Sendo assim, entende-se que perante a obrigação de comunicação de mudança de domicílio, sob pena de ineficácia da mesma, enquanto tal não for comunicado – cfr. os n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, não é aplicável o estatuído no artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio - «pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos».”

  1. Coligindo, a aplicação do regime a que se refere o art. 14.º n.º 1 do CIRS, depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei civil (2 anos) e durante o período de tributação (2013), conforme estabelecido no n.º 2 do mesmo artigo.
  2. O n.º 1 do artigo 14.º remete para a lei civil, mais concretamente para a Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio, enquanto que o n.º 2 acrescenta um requisito especial imprescindível para que os sujeitos passivos possam beneficiar da tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens - a identidade de domicílio fiscal.
  3. Não basta o preenchimento e respectiva prova dos requisitos da união de facto (n.º 1 do artigo 14.° do Código do IRS), torna-se necessária, ainda, a identidade de domicílio fiscal durante os dois anos anteriores e durante o período de tributação (n.º 2).
  4. Tudo em consonância e conjugação com o estabelecido noutras normas fiscais aplicáveis - artigos 130.º n.º 7 do Código do IRS, 19.º n.º 2 da LGT e 43.° n.º 1 do CPPT.
  5. Os sujeitos passivos tinham a obrigação de alterar o seu domicílio fiscal para que o mesmo fosse oponível à AT.
  6. Quanto ao alegado em 63. B) da PI, e sem conceder, não pode, em circunstância alguma, o A. pretender que, acaso a liquidação sub judice venha a ser anulada, lhe seja devido reembolso no valor indicado no doc. 4 junto à PI;
  7. Com efeito, se vier a ser considerada válida a declaração constante do documento n.º 3, será esta objecto de liquidação, cujo valor, poderá, ou não, coincidir com o valor estimado no exacto momento de submissão da declaração (valor este indicado automaticamente pelo sistema e que não consubstancia uma liquidação, mas uma mera operação transitória - informação que, de resto, é prestada também automaticamente pelo sistema).
  8. Assim como improcederá o pedido de pagamento de juros de mora, porquanto estes são devidos apenas no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado – como resulta inequívoco do artigo 43.º, nº 4 e do artigo 102.º, nº 2, ambos da LGT.

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IRS sub judice é ou não ilegal será necessário verificar se a declaração de rendimentos de IRS apresentada conjuntamente pelo Requerente e pela Sra. B…, ao abrigo do artigo 14.º do Código do IRS, deve ser aceite mesmo se durante esse período de tempo não partilharam o mesmo domicílio fiscal.

Vejamos o que deve ser entendido.

Dispõe o artigo 14.º do Código do IRS, na redacção vigente à data dos factos, o seguinte:

“Artigo 14.º 
Uniões de Facto

1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.

3 - No caso de exercício da opção prevista no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias. “(Redacção do DL 198/2001 de 3 de Julho)

Por sua vez, dispõe a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, no seu artigo 1.º o seguinte:

“Artigo 1.º Objecto

1 - A presente lei adopta medidas de protecção das uniões de facto. Ver jurisprudência

2 - A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos. 

 

Por último, estabelece-se na alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 7/2001 que as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas nessa Lei, têm direito à aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

 

Em face das disposições mencionadas, dir-se-á que, para que as pessoas que vivem em união de facto beneficiem do regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, é necessário:

  1. Comprovarem a união de facto há pelo menos 2 anos;
  2. Terem o mesmo domicílio fiscal durante 2 anos;
  3. Assinarem conjuntamente a declaração de rendimentos.

 

Tendo em conta os factos carreados para os autos e a prova produzida, considera-se que o Requerente vive com a mulher (Sra. B…) desde o ano 2007, tendo a declaração de IRS relativa ao ano 2013 sido assinada conjuntamente por ambos.

O Requerente e a mulher não tinham à data da apresentação da declaração de IRS sub judice o domicílio fiscal na mesma morada nos 2 anos anteriores.

 

Contudo, de acordo com os factos carreados para os autos e a prova efectuada, entende-se que o Requerente vivia de facto em união com a mulher, sendo o domicílio fiscal de ambos, no sentido de local da residência habitual, o mesmo desde o ano 2007.

Na verdade, conforme resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 8313/14, de 19 de Fevereiro de 2015, “ainda que o conceito de domicílio fiscal e a sua fixação não sejam idênticos ao conceito e exigências de determinação de residência habitual tal como o mesmo se mostra determinado no artigo 82.º do Código Civil, e aquele primeiro não possa deixar de ser entendido como um domicílio especial, “o lugar determinado para o exercício de direitos e cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias” e, consequentemente, independentemente do estipulado na Lei civil, o certo é que o legislador a estabelecer como regra essa identidade entre um e outro, dentro de uma lógica natural (é natural que o local próprio de exercício de direitos e cumprimento de deveres fiscais seja o local onde habitualmente o sujeito passivo reside) e, mais uma vez, de coerência e unidade do sistema jurídico (se o domicílio (“voluntário geral”) é no lugar de residência habitual (ou em qualquer um dos lugares que alternadamente resida ou até onde resida ocasionalmente – artigo 82.º n.º 1 e 2 do Código Civil) compreende-se que tenha sido este o que primeiramente também foi atendido, por uma questão de coerência e uniformidade do sistema jurídico, pelo legislador tributário para efeitos de regra de domicílio fiscal).

Em consequência do exposto, a AT esta obrigada a respeitar a identidade entre domicílio fiscal e residência habitual, para apurar se estão ou não preenchidas as condições que a lei exige para que duas pessoas que vivem em união de facto beneficiem ou não do regime previsto no artigo 14.º do Código do IRS.

A obrigatoriedade de comunicação de domicílio fiscal e da sua alteração prevista nos n.º 3 e 4 do artigo 19.º não tem a virtualidade de obstar à prova de uma verdadeira união de facto. Na verdade, a falta de comunicação e alteração do domicílio fiscal apenas produz efeitos ao nível da sua eficácia, que não afecta a substância, e ao nível contra-ordenacional - (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 8313/14, de 19.02.2015, processo n.º 4550/11, de 7.04.2011 e 5655/12. De 5.03.2015).

Considerando que o artigo 19.º da LGT dispõe que o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local da sua residência habitual, entende-se que se encontra verificada a condição legal prevista, no caso em análise, uma vez que resultou provado que o Requerente e a mulher vivem em condições análogas à dos cônjuges, há cerca de 6 anos.

Em suma, tendo, no caso concreto, sido feita prova de que o Requerente e a Sra. B… vivem em condições análogas à dos cônjuges, há mais de 5 anos, quando apresentaram a declaração conjunta de IRS, residindo sempre ao longo desses anos na mesma casa, em comunhão de vida, não pode deixar de julgar-se verificados os requisitos plasmados no artigo 14.º, n.º 1 e 2 do Código do IRS.

 

Em consequência, impõe-se a anulação do acto de liquidação de IRS sub judice, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios do Requerente, uma vez que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável a erro da Requerida, nos termos previstos no artigo 43.º e 100.º da LGT.

 

Relativamente ao pedido de pagamento de juros de mora, tal como alega a AT, os juros de mora apenas são devidos no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, como resulta do artigo 43.º, n.º 4 e do artigo 102.º, n.º 2, ambos da LGT.

 

IV.             DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)    Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IRS referente ao ano 2013;

 

B)    Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao Requerente o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;

 

 

C)    Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €€2.570,06.

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Maio de 2016

 

A Árbitro

 

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)