DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Manuela do Nascimento Roseiro e Pedro Nuno Ramos Roque, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 01 de Outubro de 2015, "A…, SGPS, S.A.", titular do número de identificação fiscal …, com sede social sita na Rua …, n.º…, no Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) com o n.º 2013…, bem como das liquidações dos respectivos juros compensatórios titulados pelos n.ºs 2013… e 2013…, e ainda da demonstração de acerto de contas constante da compensação n.º 2013… .
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
i. que se verifica caducidade do direito à liquidação;
ii. que a fundamentação da AT não é clara, sendo mesmo obscura, já que não é perceptível para um destinatário normal, do tipo bonus pater familiae, porquanto não se consegue compreender as razões de facto e de direito que levaram a AT a concluir pela não-dedutibilidade dos encargos;
iii. que a recusa da AT de dedução de encargos, devidamente contabilizados e comprovados, é ilegal, pelo que devem os correspondentes montantes, ser aceites como custo fiscal do exercício, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, pelo que que o indeferimento da reclamação graciosa bem como a liquidação de IRC de 2009 subjudice, bem como as liquidações de juros compensatórios subjacentes, estão feridas de ilegalidade por vício de violação da Constituição e da Lei e erro sobre os pressupostos de facto sobre os quais assentam;
iv. a liquidação decorrente das acções de inspecção a cada uma das sociedades dominadas afecta interesses e direitos inscritos na respectiva esfera jurídica sem que lhes tenha sido notificado, pelo que a Requerente entende que o acto não pode consolidar-se na ordem jurídica nem na esfera das sociedades dominadas sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 268.º da CRP.
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No dia 02-10-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 23-11-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10-12-2015.
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No dia 01-02-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 13-05-2016, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, reunião essa que teve continuação no dia 24-05-2016 e onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente e onde foi prorrogado por 2 meses o prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi prorrogado por mais 2 meses o prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
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Foi fixado o dia 08 de Outubro de 2016 para a prolação de decisão final.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades constituído, em 2009, por si e pelas 19 sociedades dominadas identificadas no quadro infra, optou, em sede de IRC, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos Artigos 69.º, 70.º e 71.º, todos do Código do IRC (anteriores Artigos 63.º, 64.º e 65.º).
2- No decurso de acções inspectivas efetuadas às sociedades dominadas, foram apuradas correcções nos seus lucros tributáveis, tendo como consequência a correcção do lucro tributável do grupo calculado na sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados na esfera individual das sociedades dominadas, em cumprimento das normas aplicáveis no âmbito do RETGS.
3- As liquidações de IRC e de juros compensatórios em causa na presente acção arbitral resultam das conclusões alcançadas no procedimento de inspecção tributária, credenciado pela Ordem de Serviço no OI2013…, no âmbito da qual foram efectuadas correcções técnicas à Declaração Periódica de Rendimentos de IRC (Modelo 22) submetida pela Requerente em nome e relativa ao grupo fiscal com opção pelo RETGS, para o período fiscal de 2009.
4- As correcções ao lucro tributável do grupo ascenderam a €7.348.278,46, pelo que os resultados fiscais constantes da declaração modelo 22 do grupo aumentaram de € 6.685.611,82 (valor declarado) para € 14.033.890,28 (valor corrigido).
5- A ora Requerente, face à decisão projectada de indeferimento da reclamação graciosa, foi notificada para exercer o direito de audição, o que o fez, tempestivamente.
6- As liquidações objecto do presente processo arbitral tributário foram enviadas e entregues, em 21/12/2013, na caixa postal electrónica VIA CTT.
7- Não obstante, o Serviço de Finanças do Porto … decidiu procedeu, em 27/12/2013, à notificação pessoal, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 38.º do CPPT, daqueles mesmos actos de liquidação.
8- Nesse mesmo dia, na morada sita na Rua …, n.º…, no Porto, foi assinada certidão de notificação dos actos tributários em questão, por U…, constando, na referida certidão, no espaço reservado à identificação da pessoa notificada, o nome daquele seguido da menção, entre parêntesis, “funcionário”.
9- O referido U… foi, em todo o ano de 2013, trabalhador dependente da sociedade “G… HOLDING SA”.
10- A sede da ora Requerente e da sociedade, sua dominada, “G… HOLDING SA”, era, à data, comum às duas sociedades situando-se, a mesma, na Rua …, …, …-… Porto.
11- A notificação da Requerente efectuada por meio da Via CTT foi recepcionada no dia 07-01-2014.
12- A Requerente apresentou, oportunamente, reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º …2014… (IRC/2009) (…/2014).
13- A Requerente prestou garantia bancária, datada de 27-04-2014, por forma a suspender o processo de execução fiscal a que subjazem as dívidas em causa.
14- A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa, e apresentou, oportunamente, o respectivo Direito de Audição.
15- Por despacho de 18/06/2015, notificado à Requerente em 7 de Julho de 2015, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada
16- O procedimento externo de inspecção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2011… relativo à “K…SA”, teve o seu início, de acordo com o disposto no n.º 3 do Artigo 51.º do RCPIT (actual RCPITA), em 04/09/2012 com a assinatura daquela credencial, tendo ultrapassado o prazo de 6 meses.
17- O procedimento externo de inspecção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2012…, relativo à “Q…”, teve o seu início em 18/07/2013 e a sua conclusão em 25/11/2013.
18- O procedimento externo de inspecção credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2013…, relativo à “T… SA”, teve o seu início em 18/02/2013 e a sua conclusão em 14/06/2013.
A.2. Factos dados como não provados
1- Que U… fosse, à data de 27/12/2013, empregado da Requerente.
2- Que os representantes legais da Requerida ou algum seu empregado tenha tido conhecimento do acto de notificação de 27/12/2013, realizado na pessoa de U…, antes de 01/01/2014.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Os factos dados como não provados devem-se à prova em sentido contrário produzida, no caso do primeiro, tendo-se verificado, conforme reconhece a própria AT (cfr. artigos 31 e 33 da resposta), que U… era funcionário da sociedade “G… SA”, e à ausência de prova a seu respeito, no caso do segundo.
B. DO DIREITO
Como primeira questão, e precedente na ordem de conhecimento dos vários vícios imputados aos actos tributários objecto da presente acção arbitral, argui a Requerente a verificação da caducidade do direito à liquidação, por esta lhe ter sido notificada para lá do prazo fixado no artigo 45.º/1 da LGT.
Em causa está, no caso sub iudice, aferir se a notificação operada na pessoa de alguém que não era funcionário da notificanda, mas que se encontrava no local da sede desta, e era funcionário de uma empresa que integrava o grupo de sociedades por ela encabeçado, tem, ou não, a virtualidade de interromper o prazo do referido artigo 45.º/1 da LGT, produzindo efeitos na esfera jurídica da Requerente.
A este propósito, é o seguinte o quadro legal com relevância para o caso:
- Artigo 38.º do CPPT:
“5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário.
6 - Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal.”
- Artigo 41.º do CPPT:
“1 - As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
2 - Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.”
- Artigo 223.º do Código de Processo Civil:
“1 - Os incapazes, os incertos, as pessoas coletivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º. (...)
3 - As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.”
- Artigo 231.º do Código de Processo Civil:
“1 - Frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.”
- Artigo 246.º do Código de Processo Civil:
“1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto na subsecção anterior, com as necessárias adaptações.”
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Conforme resulta dos factos provados, a AT, procedeu a duas notificações das liquidações sub iudice:
- uma, no dia 21/12/2013, através da caixa Via CTT da Requerente, notificação essa que foi recepcionada a 07/01/2014;
- outra, no dia 27/12/2013, na pessoa de U…, trabalhador dependente da sociedade “ G… HOLDING SA”, sociedade esta que faz parte do grupo de sociedades encabeçado pela Requerente, e que tem sede no mesmo local desta.
É a respeito desta última notificação que se colocam dúvidas, acerca dos efeitos que a mesma possa ter na esfera jurídica da Requerente.
De acordo com o artigo 41.º/1 do CPPT, “As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.”, dispondo, ainda o n.º 2 da mesma norma que “Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.”.
Esta norma é coerente com o regime do Código de Processo Civil, cujo artigo 223.º dispõe, no seu n.º 1, para além do mais, que “as sociedades (...) são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes”, e no seu n.º 3 que “As pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.”.
De ambos os regimes resulta que a regra (a preferência legal) é a de que as pessoas colectivas sejam notificadas nas pessoas dos seus representantes legais. Subsidiariamente, tais regimes toleram que as pessoas colectivas sejam notificados na pessoa de qualquer empregado que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva.
No caso, e para além da notificação por Via CTT, nos termos da primeira parte do artigo 41.º/1 do CPPT, a AT, usando a prerrogativa do artigo 38.º/5 do mesmo Código, optou por proceder também a uma notificação por contacto pessoal.
Note-se, desde logo, que estando em causa uma notificação por contacto pessoal, serão inaplicáveis as normas do Código de Processo Civil próprias da citação por via postal, maxime, as do artigo 228.º, em especial do n.º 2, que prevê a possibilidade de a carta ser entregue a qualquer pessoa que se encontre na residência ou local de trabalho do citando e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
Antes, estando em causa uma notificação por contacto pessoal, a mesma terá de ser feita por contacto directo com o citando, como impõe o artigo 231.º/1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 241.º/1 do mesmo código, sendo que, por força do disposto nos já citados artigos 41.º/2 do CPPT e 223.º/3 do Código de Processo Civil, as pessoas colectivas se considerarão representadas pelos seus administradores ou gerentes e, subsidiariamente, por qualquer empregado que se encontre no local onde normalmente funcione a administração ou gerência.
Em concreto, não há qualquer dúvida que a notificação realizada no dia 27/12/2013 não se deu na pessoa de qualquer administrador da Requerente, assim como não há, também, qualquer dúvida que se deu no local onde normalmente funciona a administração daquela.
Verifica-se, conforme decorre da matéria de facto dada como provada, que a pessoa que recepcionou aquela notificação de 27/12/2013, não era empregado[1] da Requerente.
Face a tais factos, e ao disposto nos supra-referidos artigos 41.º do CPPT, e 223.º, 231.º/1 e 241.º/1 do Código de Processo Civil, não se poderá concluir que a Requerente foi notificada no dia 27/12/2013.
Não obstará à conclusão referida, a circunstância alegada pela AT, e provada, de que a pessoa notificada ter a qualidade de empregado de uma sociedade integrante do grupo encabeçado pela Requerente. Com efeito, e a própria AT tem noção disso (cfr. artigo 46. da Resposta), “Por imperativo legal (...), só a ora Requerente, na esfera do grupo de sociedades, poderia ser, como foi, destinatária das liquidações impugnadas porquanto só ela é o “sujeito passivo de facto” e a responsável principal pelas prestações pecuniárias do grupo”.
Também não obstará à mesma conclusão a circunstância, igualmente alegada pela AT e dada como provada, de que a pessoa notificada tenha aposto a sua assinatura, quando numa certidão na qual constava, após o seu nome, a menção “funcionário”. Com efeito, nada se tendo apurado quanto às circunstâncias concretas em que se deu a assinatura da certidão em causa, e, portanto, nada se podendo concluir a esse respeito, o certo é que, mesmo que a pessoa em causa tenha, no fundo, enganado o agente da AT que procedeu à notificação, arrogando-se falsamente uma qualidade que não detinha, não existe qualquer norma no nosso ordenamento jurídico que permitisse vincular a Requerente a tal actuação fraudulenta de alguém que, objectivamente, lhe é terceiro, sendo que tal hipotética ocorrência poderia, quando muito, fundar uma pretensão de responsabilidade do prejudicado – no caso a AT – relativamente ao autor de tal fraude.
No fundo, essa figurada situação, de dolosamente a pessoa efectivamente notificada se ter feito passar por alguém com qualidade para representar quem se pretendia notificar, reconduzir-se-ia a uma situação de representação sem poderes, sendo que, a este propósito, o art.º 260.º do Código Civil, refere que “Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos”, e o art.º 268.º/1 do mesmo Código, prescreve que “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.”, normas de onde emerge um princípio geral, segundo o qual quem contacta com uma pessoa que se apresenta como podendo praticar actos com efeitos na esfera jurídica de terceiros, tem o ónus de se assegurar da real qualidade de tal pessoa, sob pena de, não existindo tal qualidade, os actos praticados serem ineficazes em relação ao putativamente representado.
A supra-retirada conclusão de que a Requerente não se poderá considerar notificada pela notificação de 27/12/2013, não colide – julga-se – com o decidido no Acórdão do STA de 29/10/2014, proferido no processo 00726/11[2], citado pela AT, desde logo porquanto na situação ali julgada estava em causa uma notificação efectuada por via postal (enquanto nos presentes autos está em causa uma notificação por contacto pessoal), o que justifica, por exemplo, a fundamentação do decidido, para além do mais, no n.º 6 do artigo 45.º da LGT (que rege relativamente às notificações por via postal registada, e não por contacto pessoal), e depois porque naquele processo estava em causa uma questão relacionada com a regularidade formal da notificação (carta registada simples em vez de carta registada com A/R),e nos presentes autos está em causa a notificação feita a um terceiro, que não o contribuinte.
Também por não estar em causa uma questão de regularidade formal da notificação, não se poderá colocar a questão da aplicação no presente caso da doutrina do Acórdão do TCA Sul de 05-03-2015, proferido no processo 03578/09[3], igualmente invocado pela AT.
Antes, será caso de aplicação do decidido no Ac. do TCA-N de 10-01-2008, proferido no processo 00028/03[4], citado pela Requerente, onde se pode ler para além do mais, que “Não é válida e eficaz a notificação da liquidação de uma sociedade na pessoa de um terceiro, que não faça parte do quadro da empresa; tratando-se de um profissional liberal e trabalhador independente, que não um empregado daquela, não cabe na previsão do artº 41º do CPPT.”.
Deste modo, não se considerando notificada a Requerida, pela notificação operada pela AT a 27/11/2013, na pessoa de U…, nem se provando a chegada ao conhecimento daquela o teor de tal notificação antes de 01/01/2014, tendo em conta o prazo de caducidade do artigo 45.º/1 da LGT e a data do facto tributário (31/12/2009), haverá que concluir pelo decurso daquele referido prazo de caducidade, uma vez que, ao contrário do sustentado pela Requerida, os procedimentos inspectivos às sociedades do grupo encabeçado pela Requerente, são, por falta de norma que o permita, insusceptíveis de fazer suspender aquele prazo.
Com efeito, e desde logo, a Requerida não demonstrou, sequer, que as ordens de serviço daqueles procedimentos inspectivos foram notificadas à Requerente, facto indispensável para que se preenchesse o primeiro dos pressupostos do artigo 46.º/1 da LGT. Por outro lado, como decorre do artigo 49.º do RCPIT, a notificação da ordem de serviço do procedimento inspectivo apenas é dirigida ao sujeito passivo ou obrigado tributário (e não a terceiros, ainda que numa relação de grupo), pelo que, para efeitos do artigo 46.º/1 da LGT se terá de entender que apenas essa notificação suspende o prazo de caducidade, e apenas relativamente ao destinatário de tal notificação.
De resto, a própria Requerida reconhece (artigo 45. da Resposta) que “no cumprimento daquelas normas fiscais, procederam os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças do Porto, à emissão da Ordem de Serviço no OI2013… no sentido de dar a conhecer à ora Requerente as correções efetuadas na esfera individual de cada uma das sociedades dominadas (incluindo a sociedade dominante na sua esfera individual) e, ainda, através da emissão daquela Ordem de Serviço, promover a liquidação adicional de IRC do período de tributação de 2009 o que veio a ocorrer a partir da elaboração do “DOCUMENTO DE CORREÇÃO” nº … de 16/12/2013”.
Deste modo, tendo decorrido o prazo consagrado no artigo 45.º/1 da LGT e não tendo sido, dentro do mesmo, sido notificado o acto de liquidação à Requerente, e não se verificando qualquer causa suspensiva do referido prazo, haverá que concluir pela caducidade do direito à liquidação.
Como se escreveu no Ac. do STA de 17/12/2014, proferido no processo 01875/13[5], “a caducidade do direito à liquidação torna inválido o acto tributário impugnado, acarreta a sua anulabilidade, e, constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei.”, pelo que deverá o pedido arbitral proceder, anulando-se os actos tributários objecto da presente acção arbitral.
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A Requerente peticiona também o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art. 24.º do RJAT.
No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.”[6]
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.
Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T[7] “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”
Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso, o pedido arbitral procede por verificação da caducidade do direito à liquidação da AT.
Conforme decorre da norma transcrita, o direito a indemnização por garantia indevida apenas se verifica se aquela for mantida por período superior a 3 anos, a menos que se verifique que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
No caso, a Requerente prestou garantia bancária, datada de 27-04-2014, pelo que ainda não passaram 3 anos.
Relativamente ao erro imputável aos serviços, escreveu-se no Ac. do STA de 12-02-2015, proferido no processo 01610/13[8]:
“No caso, porém, a situação não é de simples falta de notificação da liquidação, mas é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.
No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.
Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.”.
E, mais adiante, no mesmo Acórdão:
“Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533..)”.
Deve, face ao exposto, improceder o pedido relativo à indemnização por prestação de garantia indevida.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular os actos tributários objecto da presente acção arbitral tributaria; e
b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 11.628,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 815.451,40, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 11.628,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 08 de Outubro de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Maria Manuela do Nascimento Roseiro – vencida, com declaração de voto)
O Árbitro Vogal
(Pedro Nuno Ramos Roque)
Declaração de voto
Face à factualidade identificável nos autos, discordei da interpretação jurídica adoptada pelos Ilustres Colegas no presente caso.
Fundamentando o meu voto:
1. Está em causa a apreciação da legalidade da liquidação de IRC resultante de correcções técnicas à Declaração Periódica de Rendimentos de IRC (Modelo 22), submetida pela Requerente como sociedade dominante de um grupo fiscal, com opção pelo RETGS. O grupo é constituído pela Requerente e dezanove sociedades dominadas. As correcções ao lucro tributável do grupo derivam das correcções efectuadas relativamente à Requerente e a seis das sociedades dominadas na sequência de inspecções tributárias, umas internas, outras externas.
Em todos os casos foram elaborados Relatórios devidamente notificados às sociedades respectivas, para exercício de audição prévia. As respectivas respostas foram analisadas nos Relatórios finais que fixaram as correcções que vieram a estar na base da liquidação, em causa nos autos. O Relatório referente ao efeito no grupo das correcções relativas a cada uma das sociedades agrupadas, foi notificado à Requerente para exercício de audição prévia, através do ofício nº …/…, de 23 de Agosto de 2013, e, sem que tivesse havido o exercício do direito de audição, foi transformado em Relatório final de Inspecção tributária, datado de 13 de Dezembro de 2013, objecto de despacho superior em 16 de Dezembro de 2013.
2. As correcções em causa deram origem a liquidação nº 2013…, de 18 de Dezembro de 2013, que, conjuntamente com as liquidações de juros, a demonstração de acerto de contas e declaração de compensação, foi enviado à Requerente via caixa postal electrónica VIA CTT em 21 de Dezembro de 2013. Para além disso, o Serviço de Finanças de Porto … procedeu, em 27 de Dezembro de 2013, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 38.º do CPPT, a notificação pessoal na sede da Requerente, existindo uma certidão de notificação na pessoa de U…, que a assinou, identificado como funcionário da Requerente (PA, fls. 111).
A Requerente alega que em 2013 só tinha um funcionário, V…, que se encontrava de férias na altura da notificação da liquidação efectuada na sede e que a pessoa que recebeu a referida notificação, U…, não é seu representante ou empregado, tendo-se limitado a colocar a notificação ao cuidado da assistente do Conselho de Administração da A…, que se encontrava de férias durante esse período, como aliás acontece todos os anos entre o Natal e o início do novo ano (alegações da Requerente) e a Administração só veio ater conhecimento da situação em 7 de Janeiro de 2014.
Confirmou-se nos autos que, durante o ano de 2013, U… era funcionário administrativo da “G… HOLDING SA” (uma das sociedades dominadas que em 2009 integrava o grupo de sociedades de que a Requerente é a dominante), e tinha sede no mesmo local que esta - Rua…, …, …-…Porto.
3. A utilização pela Requerida não só de transmissão electrónica da liquidação como de notificação efectuada por contacto pessoal, através de funcionário da Requerente, é permitida pela lei. O artigo 38º, nº 5, do CPPT permite a sua utilização não apenas nos casos em que seja prevista na lei, como “quando a entidade que a elas proceder o entender necessário”. Significa isto que a “notificação pessoal, que se efectua como a citação pessoal que aqui se refere, é a que é efectuada através de contacto pessoal com o notificando ou aquela que é efectuada em pessoa diversa do notificando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, que nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada a citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (…)” [9].
4. Parece-nos de realçar que a notificação por contacto pessoal não representa uma desvalorização relativamente à carta registada com aviso de recepção, prevista no nº 1 do artigo 38º do CPPT (como meio mais solene de notificação dos actos tributários) - a sua não utilização em primeira linha resulta de se revelar mais dispendiosa mas a sua utilização até se deve presumir mais idónea para contactar com o destinatário.
Ou seja, a previsão de que “as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada” visa impedir a utilização de meios menos idóneos e deve ser interpretada restritivamente, não afastando a possibilidade de utilização das regras da citação pessoal previstas nos nºs 5 e 6. Este tipo de notificação pode revestir a forma de contacto pessoal, através de funcionário, com o citando, assim como a citação com hora certa ou através de afixação com posterior advertência.[10]
5. Presume-se que o citando teve oportuno conhecimento da notificação mesmo quando o aviso é assinado por terceiro, admitindo-se, porém, prova da não entrega (artigo 233º – actual 225º - nº2, c), e nº 4 do CPC). [11] Na verdade, o facto de o CPC prever, no caso de frustração de citação pessoal por contacto do funcionário judicial (actual artigo 231º), as diligências referidas nos artigos 232º e 233º deve ser interpretado em conjunto com o nº 4 do artigo 225º [12] e outras normas do CPC e CPPT.
O artigo 41º (nos nºs 1 e 2) do CPPT prevê que “As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.”, e que “Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade”. (sublinhados nossos)
Tal como do artigo 223º (antes 231º) do CPC resulta que a citação e notificação das pessoas colectivas e as sociedades devem ser feitas na pessoa dos seus legais representantes, mas “consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração” (cf. nº s 1 e 3 do artigo, sublinhado nosso)[13].
Do que fica dito acima (ponto 4.) sempre se deverá entender que a forma de notificação por contacto pessoal pode coexistir com outra forma de notificação pessoal por a entidade notificante o considerar útil ou necessária.
6. Quanto à invocação de falta de qualidade de trabalhador da Requerente da pessoa que recebeu a notificação pessoal feita pelo funcionário da Requerida, verifica-se que resulta dos autos que a mesma é indicada como tendo relação laboral com uma das sociedades dominadas do grupo de sociedades em causa, abrangida pelas correcções que estão na base da liquidação, e com sede no mesmo local da Requerente, podendo indiciar que os recursos humanos ao serviço das empresas do grupo não funcionam de forma estanque. Essa convicção pode ser objectivamente reforçada com o facto de o local onde funciona a sede da Requerente, sociedade dominante de um grupo de 19 sociedades, ter a respectiva a porta aberta no momento em que foi realizada a notificação (época próxima do Natal).
7. Aliás, neste aspecto particular, parece-me justificada a aplicação ao caso da doutrina afirmada no Acórdão proferido pelo STA, em 2 de Julho de 2003, no proc. nº 344/03, considerando-se que cabia efectivamente à sociedade assegurar mesmo nesta época uma forma de poder receber qualquer notificação, não apenas de correspondência postal mas de qualquer comunicação trazida pessoalmente por funcionário mandatado para o efeito. Para mais quando concluímos acima que uma notificação por contacto pessoal não é “um menos” mas “um mais” face à notificação postal. Ora a pessoa mantida pela(s) sociedade(s) do grupo na sede comum e que assinou a notificação enquanto trabalhador da Requerente terá colocado a correspondência no local afecto à administração da Requerente, não sendo imputável à Requerida que, aparentemente, todos os trabalhadores e dirigentes da Requerente, sociedade dominante do grupo de sociedades objecto das correcções tributárias, tenham estado de férias desde pelo menos 27 de Dezembro e 7 de Janeiro.[14] De resto não considero que a Requerente tenha conseguido provar que o trabalhador, ainda que formalmente ligado apenas a uma das sociedades do grupo, não trabalhava também para a Requerente – como admitiu ao colocar a sua assinatura na notificação (e não apareceu a negá-lo na inquirição de testemunhas).
8. Acresce que também considero que, a ter havido alguma irregularidade, a notificação chegou ao conhecimento da Requerente, produzindo efeitos, designadamente a título de interpelação para pagamento do imposto (Acórdão do STA de 29/10/2014, proc. 0726/11). Ou seja, porque quando se trata de aferir da caducidade do direito à liquidação, a notificação visa apenas garantir que o acto foi praticado dentro do prazo para o exercício desse direito, a notificação havida seria suficiente para demonstrar a prática do acto dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação, de acordo com o art. 45.º, n.º 6, da LGT (cf. Ac. do STA citado, proc. 0726/11)[15]. E não nos convence a argumentação que rejeita a aplicação da doutrina do referido Acórdão ao presente caso, com fundamento de que naquele estava em causa uma notificação efectuada por via postal enquanto no caso dos autos se trata de notificação por contacto pessoal. É que, como visto acima, a notificação por contacto pessoal é um meio ainda mais idóneo do que a realizada por via postal, não se compreendendo que a primeira satisfaça o dever de comunicação (ou sua tentativa) do acto tributário de liquidação e a deslocação pessoal de um funcionário da AT à sede da sociedade não.
9. Também creio que, decorrendo a liquidação em discussão nos autos de correcções possibilitadas por elementos recolhidos em inspecções externas incidentes sobre diversas sociedades do Grupo, haveria – caso não colhesse o ponto de vista já exposto sobre a validade da notificação - que ponderar o respectivo efeito na suspensão do prazo de caducidade. Parece ser prática habitual que as inspecções internas da sociedade dominante suscitem inspecções externas nas sociedades dominadas que vêm a ter como efeito correcções reflectidas em liquidação adicional de imposto a notificar à dominante, pelo que se justifica a suspensão de prazo de caducidade enquanto decorrem aqueles procedimentos de inspecção externa. As notificações de início de inspecção são feitas às sociedades alvo da inspecção para se preparem para a mesma e para marcar claramente o início do prazo suspensivo, parecendo que não se justifica a sua notificação expressa à sociedade dominante. Aliás a Requerente parece não ter suscitado essa questão, mas sim a necessidade de as sociedades dominadas serem também notificadas da liquidação a final, havendo pelo menos a presunção de que esse conhecimento existe.
10. Em suma, considero que atenta a situação de facto e conjugadas as diferentes normas aplicáveis ao caso, a presente decisão me parece acolher uma interpretação das normas relativas a notificação demasiado restritiva, que colide com a respectiva ratio legis, pelo que teria considerado improcedente a invocação de caducidade e apreciado o Pedido quanto às restantes invocadas ilegalidades da liquidação.
8 de Outubro de 2016
Manuela Roseiro
[1] No sentido de uma interpretação estrita do conceito de empregado, pode-se contrastar o teor das normas dos artigos 41.º/2 do CPPT e 223.º/2 do Código de Processo Civil, com o teor das normas dos artigos 228.º/2 do Código de Processo Civil (que fala em qualquer pessoa) e do artigo 40.º/2 do RCPIT (que fala em empregado ou colaborador).
[2] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.
[9] Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, vol. I, p. 373 e p. 401. O Autor refere o artigo 233º, nº 2, alínea c) e 4 do CPC (hoje equivalente ao artigo 225º).
[10] Seguimos de perto Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. I vol. p. 374.
[11] Jorge Lopes de Sousa, ibidem, pp. 373 e 402.
[12] “Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento”.
[13] O nº 3 foi aditado ao anterior artigo 231º do CPC pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 1/12 (Reforma do Processo Civil autorizada pela Lei nº 33/95, de 18/08), dando-se conta no preâmbulo da necessidade de facilitar a notificação das pessoas colectivas - cf , fls. 7780 (11) e (12).
[14] Pertinentes nos parecem também as considerações feitas no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02 (embora proferido relativamente a diferente situação, quando o Decreto-Lei nº 7/96, de 7/2 eliminou o aviso de recepção na notificação por carta registada da liquidação prevista então no nº 2 do artigo 87º do CIRC): “Com efeito, independentemente de se considerar a liquidação do imposto em causa como um acto receptício, ou seja, que, levado ao conhecimento do contribuinte, só se considera perfeito após a notificação (assim, José Manuel M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª ed., Coimbra, 1972, pág. 418), o certo é que, integrando-se o acto de notificação em procedimento pendente, em curso perante a Administração Fiscal, o domicílio fiscal do contribuinte, necessariamente fixado, afasta, em termos de plausibilidade, o risco de ausência ocasional – para mais tratando-se de ente colectivo – e, de qualquer modo, sempre o interessado dispõe da possibilidade de ilidir a presunção de oportuna recepção da carta, demonstrando que esta, sem culpa da sua parte, não foi recebida nas instalações da respectiva sede (irrelevando, obviamente, a alegação, ocorrida no caso concreto, de alteração da sede, em todo o caso não comunicada oportunamente à Administração Fiscal).”
[15] Aí se concluiu: “O facto de, perante uma notificação irregular (a carta registada foi enviada e recebida, mas sem que obedeça ao formalismo legalmente imposto, designadamente o aviso de recepção), não se ter dado como provado o efectivo conhecimento do acto notificando pelo seu destinatário – o que determinou a revogação da sentença que considerou caducado o direito de impugnar o mesmo acto –, não impede que se considere a notificação suficiente para demonstrar a prática do acto dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação (cf. art. 45.º, n.º 6, da LGT), não podendo argumentar-se em sentido contrário com uma pretensa violação do caso julgado”. (Sumário, ponto II).