DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Ramos Alexandre e Cláudia Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 07 de Agosto de 2015, A…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede à …, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação do IVA em excesso, apurado nas declarações periódicas referentes aos doze períodos mensais compreendidos entre Janeiro e Dezembro de 2013, no valor de € 62.821,67, e da decisão Reclamação Graciosa apresentada em 05-12-2014, visando a anulação parcial dos actos de autoliquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que tendo procedido a uma revisão de procedimentos, e considerando verificados os pressupostos para a declaração de ilegalidade das autoliquidações aqui em causa (de Janeiro a Dezembro de 2013), a Requerente apresentou, em 05-12-2014, reclamação graciosa contra os actos tributários de autoliquidação, com vista a «autorizar o reembolso (ou regularização), ao abrigo dos disposto no artigo 131.º do CPPT, a favor da Requerente, do IVA liquidado em excesso no período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2013, no montante de € 62.821,67, sustentando que, no âmbito da actividade de produção, comercialização e distribuição de bebidas e outras actividades conexas, por motivos comerciais, realiza entregas adicionais, a clientes e potenciais clientes, de produtos por si comercializados, com vista a promover a comercialização dos seus produtos, pelo que tendo liquidado IVA relativamente à entrega de bónus a clientes na compra de mais (ou outros produtos), prática que designa de “bónus cruzados”, seguindo o que considera ser entendimento da AT, mas que reputa carecer de fundamento legal.
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No dia 07-08-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 20-10-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10-11-2015.
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No dia 17-12-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 28-01-2016, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente dedica-se à produção, comercialização e exportação de bebidas e outros produtos, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal.
2- Por motivos comerciais, no mercado da comercialização de bebidas está enraizada uma prática generalizada da entrega gratuita de produtos a actuais e a potenciais clientes.
3- Tais entregas visam um fim eminentemente promocional dos produtos e das marcas da ora Requerente, assente numa política comercial diversificada de estratégia de fidelização dos actuais clientes e de captação de novos clientes, e inserem-se nos "usos comerciais" e práticas comerciais do sector em que a Requerente se insere.
4- É usual as empresas do sector de bebidas efectuarem esse tipo de entregas aos seus clientes actuais e potenciais.
5- No período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2013, a Requerente liquidou IVA nas referidas entregas de produtos por si designadas de "bónus cruzados" (v.g. bónus de cerveja "…" de 0,25 litros na aquisição de cerveja "… " de 0,33 litros; bónus de cerveja "…" de 0,33 litros, mediante a aquisição da mesma cerveja em barril de 50 litros; bónus de refrigerantes "…" na aquisição de refrigerantes "…"), considerando-as como ofertas.
6- Em tais entregas, a Requerente liquidou o IVA sobre o preço de tabela do produto entregue, na medida em que as enquadrou como ofertas para efeitos de IVA.
7- As entregas gratuitas em causa eram mencionadas na própria factura de venda dos produtos ("bónus cruzado dentro da factura") ou numa factura autónoma, a qual fazia referência a uma factura inicial de venda “bónus cruzado fora da factura").
8- A informação da quantidade e do tipo de produto entregue era mencionada no documento (factura) enviado ao cliente, não sendo referido nesse documento o preço do produto nem o respectivo imposto liquidado pela Requerente.
9- Os produtos objecto das referidas entregas gratuitas destinaram-se a ser vendidos pelos beneficiários das referidas entregas.
10- A Requerente apresentou, em 05-12-2014, Reclamação Graciosa pugnando pela anulação parcial dos actos de autoliquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") que entendeu em excesso, apurado nas declarações periódicas referentes aos períodos mensais compreendidos entre Janeiro e Dezembro de 2013, no montante total de € 62.821,67.
11- Em 27-05-2015, através do Ofício n.º…, datado de 26-05-2015, foi a Requerente notificada do indeferimento expresso daquela Reclamação Graciosa, com os fundamentos constantes do Despacho exarado no Parecer n.º …/2015.
12- Da decisão da referida Reclamação Graciosa consta, para além do mais, o seguinte:
“IV .1.3. Apreciação
27. Tomando em consideração as alegações produzidas pela Reclamante verifica-se que a questão aqui controvertida consiste em aferir qual a qualificação jurídico-tributária das entregas efetuadas pela Reclamante aos seus clientes. ou seja, se devem ser consideradas bónus ou ofertas, e em consequência apurar se as mesmas se encontram sujeitas a tributação em sede de IVA, ou se pelo contrário, se encontram excluídas da mesma.
28. Sucede que após análise da matéria subjacente à Reclamação Graciosa, entendemos não assistir razão à Reclamante, conforme melhor se demonstrará
29. Face à questão controvertida, importa efetuar, a titulo prévio, a destrinça entre os conceitos de ofertas e bónus, uma vez que, dependendo da qualificação efetuada, o regime a aplicar em sede de IVA será distinto.
30. No que concerne aos bónus, os mesmos devem ser entendidos como os bens que são atribuídos mediante a aquisição de determinados produtos, os quais são da mesma natureza e espécie destes, e que nessa medida, devem considerar-se enquadrados no disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA e, em consequência, ser excluídos da base tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços. pelo que não são objeto de tributação efetiva em IVA
31. Tal acontece, nomeadamente, com os denominados bónus de quantidade (rappel), consubstanciados nos bens atribuídos a título gratuito pela quantidade de compras efetuadas pelo cliente, desde que os produtos que constituem o bónus sejam da mesma natureza dos bens adquiridos (iguais aos vendidos pelo sujeito passivo tradicionalmente designado por "Leve 3 e pague 2 ").
32. Bónus estes que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º da Portaria n.º 497/ 2008, de 24 de junho, estão excluídos do conceito de oferta.
33. Tal não sucede com os denominados "bónus cruzados".
34. Neste caso, ao contrário do que sucede com os bónus de quantidade, o produto atribuído é diferente do efetivamente adquirido pelo consumidor, podendo consistir em artigos previamente colocados na mesma embalagem, assim como, podem referir-se a atribuição posterior de um produto diferente, designadamente, através da inclusão de um cupão no interior da embalagem.
35. Independentemente da forma de distribuição, os bónus cruzados não cabem no disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 16 ° do CIVA, integrando-se no conceito de oferta.
36. No que se refere às ofertas, estas encontram-se sujeitas a tributação em sede de IVA, salvo se forem consideradas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 3 e do n.º 7 do artigo 3.º, ambos do CIVA.
37. De facto, este preceito procede à equiparação a operações onerosas, das transmissões gratuitas de bens, quando relativamente aos mesmos, tenha havido dedução total ou parcial de IVA, sendo nessa medida, tributáveis em sede deste imposto, excluindo, no entanto, de tributação as amostras e as ofertas de pequeno valor em conformidade com os usos comerciais.
38. Precisamente com o intuito de esclarecer os conceitos indeterminados de "usos comerciais" e de "pequeno valor" a então denominada Direção Geral dos Impostos (atual Autoridade Tributária e Aduaneira), emitiu a Circular n.º 3/87, de 9 de fevereiro, posteriormente alterada pela Circular n.º 19/89,de 18 de dezembro, onde se consagrou o entendimento que se considera como tal o valor que não ultrapasse os 3.000$00 (IVA excluído), considerando-se ainda, em termos globais, que o valor de tais ofertas não poderá exceder 5/1000 do volume de negócios com referência ao ano anterior.
39. De facto estes conceitos indeterminados não se encontravam especificamente previstos na lei (nem sequer a nível comunitário, já que, neste ponto a própria Diretiva IVA recorre a uma cláusula geral), pelo que era natural o seu preenchimento por parte da Administração Fiscal.
40. Não obstante, e porque a AT veio impor determinados limites, nomeadamente, sem atender aos diversos setores de atividade e respetivas práticas comerciais, recorrendo a um mero regulamento interno, sem valor reforçado, esta questão foi alvo de discussão em termos jurisprudenciais, culminando com a publicação do Acórdão da 2ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 21 de março de 2007, no âmbito do processo n.º 1180/06.
41. Este Acórdão veio considerar inconstitucional a fixação de limites máximos para as denominadas ofertas de pequeno valor, excluídas de tributação, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 3 e do n.º 7 artigo 3.º do CIVA. através de uma circular da então DGCI (atual AT), uma vez que, tratando-se de matéria inserida na reserva relativa da Assembleia da República, a mesma vem estabelecer regras de incidência objetiva sem que as mesmas decorram de diploma emanado pela Assembleia de República, traduzindo-se num mero regulamento interno sem eficácia para terceiros, nos quais se incluem os sujeitos passivos e os tribunais.
42. Na sequência da jurisprudência emanada pelo Acórdão do STA acima citado, a Circular 19/89 vigorou até 31 de dezembro de 2007, tendo o legislador optado, através da Lei n.º 67-A/2007, de 21 de dezembro, por acolher os mencionados conceitos em diploma legislativo, através da publicação da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho.
43. Esta Portaria veio concretizar qual o correto sentido de amostras e de ofertas para efeitos de IVA e também esclarecer o que se deve entender por "pequeno valor" e a "conformidade com os usos comerciais", reiterando o entendimento constante da circular anteriormente referida, e acabando com a incerteza implícita na redação da norma em causa.
44. A questão aqui em análise já foi, igualmente , objeto de apreciação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente, e mais recentemente, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º C-581/08, no caso EMI Group, Ltd , no qual se pretendia a apreciação por parte daquele tribunal da questão da interpretação a efetuar relativamente aos "conceitos de «amostras» e de «Ofertas de pequeno valor» que figuram no artigo 5.º, n º 6, segundo período, da Sexta Diretiva 771388/CEE, do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado".
45. Decorre do mencionado Acórdão que é entendimento do TJUE que os Estados - Membros gozam de uma margem de livre apreciação no âmbito da delimitação dos referidos conceitos, sendo-lhes legítimo, nomeadamente, no que concerne às ofertas, fixar valores máximos para a qualificação das mesmas, como de pequeno valor, seja em termos unitários ou para o cômputo das ofertas efetuadas anualmente à mesma pessoa, excluindo-as de tributação.
46. Assim sendo, só pode concluir-se que a solução adotada pelo legislador português está conforme com o direito comunitário.
47. As ofertas, tal como as amostras, traduzem-se num ato de transmissão gratuita de um bem, concretizando-se tal ato numa liberalidade do ofertante, sem que haja por parte do ofertado qualquer contraprestação.
48. No entanto, ao contrário do que sucede com as amostras (n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, concretizadas no artigo 2° da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho) poderão ser constituídas, quer por bens comercializados e/ou produzidos pela própria empresa, quer por bens produzidos por terceiros exclusivamente para esse efeito.
49. Isto significa que, as ofertas podem respeitar a outras categorias de bens, diferentes daquelas que foram transacionadas pela empresa no âmbito da sua atividade, tendo natureza diversa dos produtos adquiridos pelo cliente.
50. No caso de serem consideradas de pequeno valor, conforme definido no já mencionado n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, concretizado no artigo 3.º da referida Portaria, as ofertas de pequeno valor, assim como as amostras, ficam excluídas de tributação em sede de IVA, ainda que se tenha procedido à dedução do respetivo imposto suportado a montante.
51. A contrario sensu, se ultrapassarem algum dos mencionados limites, ficarão sujeitas a tributação, havendo obrigatoriedade de liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta, salvo, se não tiver sido exercido o direito á dedução do correspondente imposto suportado a montante.
52. Neste caso, se estiverem em causa bens que se encontrem desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação.
53. Importa realçar que para além dos limites quantitativos, o legislador refere ainda que é necessário que estejam em conformidade com os usos comerciais, o que deixa implícita a ideia que as mesmas devem ter em vista a realização de um fim comercial - a promoção e divulgação da imagem da empresa e dos seus produtos.
54. Acresce que, quando estamos perante transmissões de bens sujeitas a imposto de acordo com a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, o valor tributável das operações é determinado nos termos do disposto na aliena b) do n.º 2 do artigo 16º do mesmo diploma legal.
55. Neste caso para a determinação do valor tributável deverá considerar-se o preço de compra, no caso dos bens oferecidos terem sido adquiridos a terceiros, ou o preço de custo se forem produzidos pelo próprio ofertante reportados ao momento da realização das operações (transmissão gratuita).
56. No que concerne às obrigações que impendem sobre o sujeito passivo, por força do disposto no n.º 7 do artigo 36.º do CIVA, deve ser elaborado um documento que contenha a data, a natureza da operação, o valor tributável, a taxa de imposto aplicável e o montante do mesmo, devendo, igualmente, tais operações ser relevadas na respetiva declaração periódica.
57. Quanto à relevação contabilística, determina o nº 1 do artigo 4.º da Portaria que "os sujeitos passivos devem contabilizar em contas apropriadas as amostras e ofertas, registando separadamente os bens que constituam existências próprias e aqueles que sejam adquiridos a terceiros.".
58. Por outro lado, dispõe o nº 3 do artigo 37º do CIVA que, nestes casos, não é obrigatória a repercussão do imposto, suportando os sujeitos passivos o montante do IVA devido, entregando-o nos cofres do Estado.
59. Caso contrário, deverá emitir a respetiva fatura nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29º do CIVA.
60. Tendo em conta as considerações gerais tecidas e aplicando-as ao caso em análise, facilmente se conclui que não se vislumbra assistir razão à Reclamante.
61. Com efeito, conforme decorre do requerimento de Reclamação Graciosa (veja-se pontos 9.º e 46.º), bem como, das faturas juntas como Documentos n ° 1 e 2, os bens entregues pela Reclamante aos seus clientes, traduzem-se em produtos de natureza diversa daqueles que foram vendidos, devendo entender-se que estamos perante ofertas concedidas aos clientes.
62. Razão pela qual, o sujeito passivo não obstante qualificar tais entregas como bónus cruzados, atribuiu-lhes o tratamento previsto para as ofertas, com todas as implicações dai decorrentes, nomeadamente, ao nível da repercussão do imposto e dos requisitos de emissão das faturas.
63. Efetivamente, ao contrário do que defende a Reclamante, um dos traços distintivos entre as duas figuras aqui em causa (bónus e ofertas), é precisamente a natureza dos bens entregues aos clientes a título gratuito.
64. Pelo que, não se concebe como pretende fazer crer o sujeito passivo, que essa distinção assente no facto dos bónus se encontrarem desprovidos do "animus donandi", característico das ofertas, uma vez que aqueles têm subjacente propósito comercial, de promoção das vendas e de fidelização e angariação de clientes, estando por isso relacionados com a atividade comercial da Reclamante.
65. De facto, quer um quer outro configuram instrumentos de promoção de vendas, tal como, os descontos, vouchers, amostras, etc.
66. Sendo certo que, apesar desse desígnio último, em nenhum dos casos se encontra afastado o caráter gratuito da entrega dos bens, o que pressupõe a inexistência de qualquer contrapartida por parte do respetivo destinatário.
67. Por outro lado, considerando estarmos perante ofertas, importa analisar os demais requisitos legalmente previstos, nomeadamente, a exigência de que sejam conformes aos usos comerciais.
68. Neste ponto, não obstante a Reclamante não o demonstrar de forma cabal, admite-se que o procedimento adotado para promover as vendas, porque em termos gerais se mostra como transversal a todos os setores de atividade, e porque as ofertas se traduzem em produtos produzidos pela própria, poderão ser consideradas conformes aqueles usos.
69. Por outro lado, ainda que o sujeito passivo não faça referência a esta questão, poderia equacionar-se a hipótese de tais produtos serem excluídos de tributação pelo facto de se enquadrarem no conceito de ofertas de pequeno valor.
70. Sucede que, face aos documentos juntos pela Reclamante, constata-se que as entregas efetuadas não preenchem os requisitos cumulativos previstos no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA e no n.º 2 do artigo 3.º da Portaria nº 497/2008, de 24 de junho, pelo que, não é possível configurar tais operações como ofertas de pequeno valor para efeitos de exclusão de tributação em sede de IVA.
71. Assim sendo, afigura-se que o procedimento adotado pela Reclamante de liquidação do imposto relativo a estas operações, é o adequado, estando de acordo com a correta interpretação das normas jurídicas internas e comunitárias, que se encontram plasmadas na doutrina administrativa emanada pela AT, anteriormente referida.
72. Cabe ao sujeito passivo, na liberdade do exercido da sua atividade comercial, optar pelos meios que considere mais adequados e eficazes para atingir os objetivos pretendidos, devendo ter em consideração, entre outras, as implicações fiscais subjacentes às mesmas.
73. Nesse sentido, tendo o sujeito passivo optado pela entrega de bens com natureza distinta, como admite na sua Reclamação Graciosa, considerando-os para efeitos de tributação como ofertas, razão pela qual liquidou IVA pela transmissão dos mesmos, não pode vir agora pretender que os mesmos sejam sujeitos a um enquadramento diverso daquele que decorre do próprio CIVA e que é aplicável aos demais sujeitos passivos.
74. Muito menos se admite que os mesmos sejam qualificados como bónus de quantidade, como parece decorrer dos pontos 29.º e 50.º, onde refere que se trata da "( .. .) entrega de mais produto pelo mesmo preço (. . .)" e que "Sem prejuízo do acima exposto, acresce ainda que, se, alternativamente, a Reclamante optasse por faturar o valor do produto que pretende atribuir como bónus e concedesse, ao mesmo tempo, um desconto de valor idêntico ao valor do bónus, não haveria obrigação de se proceder a qualquer liquidação de IVA naquela transmissão.".
75. De facto, os bónus de quantidade traduzem-se na entrega de produto igual ao vendido, apresentando-se como uma figura muito próxima da do desconto, já que a oferta de uma unidade adicional de determinado produto equivale, no fundo, a um desconto correspondente de 50% no valor desse mesmo produto, encontrando-se excluídos de tributação em sede de IVA.
76. O que não sucede, como já explicitado, com os bónus cruzados.
77. No caso concreto, não subsistem quaisquer dúvidas que não estamos perante bónus de quantidade, nem o próprio sujeito passivo o admite.
78. Com efeito, embora a alínea b) do n ° 6 do artigo 16.º do CIVA se refira a " bónus", sem efetuar qualquer distinção entre as várias categorias dos mesmos, é entendimento unânime e resulta da própria lei que essa expressão não pode ser interpretada em sentido lato, abrangendo todo e qualquer tipo de bónus.
79. É o que sucede com os denominados bónus cruzados, os quais, conforme decorre da interpretação do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, em conjugação com o disposto no n.º 3 do artigo 4º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, não se encontram excluídos do conceito de oferta, tal como sucede com os bónus de quantidade, encontrando-se sujeitos ao mesmo regime daquelas.
80. Pelo que, ainda que se considere estarmos perante bónus cruzados, a verdade é que, os mesmos, à semelhança das ofertas que não sejam de pequeno valor, encontram-se sujeitos a tributação em sede de IVA, devendo ser tidos em consideração para efeitos de apuramento do valor tributável.
81. Pelo exposto, conclui-se que a autoliquidação do IVA efetuada pela Reclamante não padece dos vícios invocados, estando não só conforme ao direito interno, como com os princípios estruturantes do sistema comum de IVA, incluindo o principio da neutralidade, devendo manter-se nos precisos termos em que foi efetuada.”
A.2. Factos dados como não provados
1. O IVA liquidado em excesso relativamente às situações referidas nos pontos 5 a 9 dos factos dados como provados ascendeu a € 62.821,67.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Em especial, os factos elencados nos pontos 2 a 8, foram corroborados pelas testemunhas inquiridas, respectivamente Director Financeiro, Directora de Assessoria Fiscal, e Comercial da Requerente, que, não obstante a relação profissional que mantêm com aquela, depuseram de forma clara e objectiva, demonstrando conhecimento directo dos factos em questão.
O facto dado como provado no ponto 9, foi afirmado logo pela primeira testemunha inquirida, e confirmado pelas restantes, constituindo um facto instrumental e complementar dos alegados pela Requerente, considerado nos termos das als. b) e c) do artigo 5.º do Código de Processo Civil.
O facto dado como não provado, deve-se à ausência de prova bastante a seu respeito, designadamente no que diz respeito à quantificação do valor em questão. Com efeito, embora a Requerente sustente que o IVA liquidado em excesso ascendeu àquele valor, conforme listagem que apresenta, não se poderá afirmar, com base nessa mera listagem, que o mesmo corresponde à realidade.
B. DO DIREITO
Conforme resulta do próprio texto da decisão da reclamação graciosa, acima parcialmente transcrita, “a questão aqui controvertida consiste em aferir qual a qualificação jurídico-tributária das entregas efetuadas pela Reclamante aos seus clientes. ou seja, se devem ser consideradas bónus ou ofertas, e em consequência apurar se as mesmas se encontram sujeitas a tributação em sede de IVA, ou se pelo contrário, se encontram excluídas da mesma”.
Foi esta, efectivamente, a questão apreciada e decidida no acto primário que constitui o objecto da presente acção arbitral tributária, e é a solução encontrada para tal questão pela AT que cumpre ora verificar se passa o crivo da legalidade.
Vejamos, então.
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Essencialmente, como decorre da decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, entendeu a AT que “o produto atribuído é diferente do efetivamente adquirido pelo consumidor”, pelo que as situações em causa no presente processo arbitral “não cabem no disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 16 ° do CIVA, integrando-se no conceito de oferta.”.
Ora, ressalvado o respeito devido, detecta-se logo aqui um primeiro lapso de raciocínio, já que – conforme foi afirmado inequivocamente pelas testemunhas, e constitui, inclusive, facto notório – a Requerente é uma produtora, que vende, não ao consumidor, mas a grossistas e retalhistas que, esses sim, vendem os produtos daquela ao consumidor.
Por outro lado, consequência disto e igualmente importante, conforme foi exaustiva e pormenorizadamente explicado pelas testemunhas inquiridas, verifica-se que os produtos objecto de entrega gratuita em questão na presente acção arbitral, se destinam não a ser oferecidos pelo adquirente, aos consumidores finais, mas – antes – a serem vendidos por aquele a estes.
Daí que, a ênfase na análise da questão decidenda, se deva colocar não na circunstância de os produtos que constituem os bónus serem – ou não – diferentes daqueles que comercialmente justificaram a sua atribuição, mas, antes, nos concretos contornos da justificação e destino da atribuição daqueles bónus.
Com efeito, estando em causa, como é o caso, entregas gratuitas que se justificam pela aquisição de determinadas quantidades de produto, e que se destinam, não a ser consumidas, nem a ser objecto de oferta gratuita, haverá que concluir que, o que ocorre na realidade – independentemente da apresentação comercial que for dada (e as testemunhas ouvidas relataram, detalhadamente, as motivações comerciais do procedimento adoptado) – é que o preço de aquisição do conjunto (produto base mais produto oferta), é descontado, por se cumprirem determinadas condições.
Dito de outro modo, o que se verificou estar subjacente à situação sub iudice, é que a Requerente, aos seus clientes, faz a seguinte proposta: se for comprada determinada quantidade do produto A, vendo-lhe, pelo mesmo preço, essa quantidade desse produto, mais uma quantidade adicional do produto B.
Verifica-se, portanto, que o preço final fixado, não é o preço unicamente das quantidades do produto A transaccionadas, mas, antes, o preço descontado da quantidade do produto A, mais a quantidade do produto B, não se compreendendo como é que a natureza diferente dos produtos abrangidos possa fundadamente obstar, como pretende a AT, à fixação de um preço global descontado.
De resto, sendo os produtos que constituem os designados bónus em causa destinados a ser vendidos ao consumidor final, e não transmitidos gratuitamente a estes, a sua tributação separadamente da transmissão global em sede de IVA, como resulta do entendimento adoptado pela AT na decisão da reclamação graciosa, levaria à obtenção de um acréscimo patrimonial injustificado para o Fisco, na medida em estaria a receber IVA sobre a totalidade do valor dos produtos oferecidos, quer da parte do ofertante (no caso da Requerente), quer, posteriormente, da parte do beneficiário da oferta, aquando da venda dos produtos aos seus clientes, o que, para além de tudo mais, seria directamente atentatório do principio estruturante da neutralidade do IVA.
Não estamos assim, ao contrário do entendido na decisão da reclamação graciosa, perante qualquer “ato de transmissão gratuita de um bem, concretizando-se tal ato numa liberalidade do ofertante, sem que haja por parte do ofertado qualquer contraprestação”. Pelo contrário; a transmissão não foi gratuita, antes onerosa (tendo como contraprestação um preço global descontado), nem se verifica que à mesma assista qualquer espírito de liberalidade.
Não se pode em caso algum perder de vista a justificação de, nas ofertas, como bem se refere na decisão da reclamação graciosa, “a determinação do valor tributável deverá considerar-se o preço de compra, no caso dos bens oferecidos terem sido adquiridos a terceiros, ou o preço de custo se forem produzidos pelo próprio ofertante reportados ao momento da realização das operações (transmissão gratuita).”. Tal justificação, salvo melhor opinião, radicará na circunstância de, tendo sido suportado, e consequentemente deduzido, IVA na aquisição ou produção da oferta, deverá tal dedução ser neutralizada, pela liquidação do mesmo montante, aquando da transmissão gratuita. Esta ratio tem subjacente, evidentemente, o subsequente consumo da oferta ou, no limite, a sua transmissão isenta a jusante.
Ora nada disso, como se apurou, é o que se verifica no caso.
Antes, e ao contrário do que se julgou na decisão da reclamação graciosa, considera-se que a situação em causa nos autos, tem a mesma substância, e deverá ter o mesmo tratamento, que os chamados bónus de quantidade, por, na realidade, serem essencialmente a mesma coisa.
Com efeito, nada nos textos legais aplicáveis, permite ratificar as conclusões da AT, segundo a qual “os bónus de quantidade traduzem-se na entrega de produto igual ao vendido” e “Quando são diversos os produtos oferecidos, não pode considerar-se verificada uma redução da contraprestação efectiva”, conclusões essas que não tem qualquer fundamento material e se louvam, exclusivamente, em doutrina da própria AT, sendo que não só a natureza da entrega em bónus em questão no presente processo obsta à equiparação em causa, como, pelo contrário, a requer.
É que, como se refere na própria decisão da reclamação graciosa, os bónus de quantidade apresentam-se “como uma figura muito próxima da do desconto, já que a oferta de uma unidade adicional de determinado produto equivale, no fundo, a um desconto correspondente de 50% no valor desse mesmo produto”, que é, justamente e como se viu, o que ocorre no presente caso, não obstando à natureza de desconto a circunstância de a encomenda global não ser constituída por produtos de natureza uniforme[1].
Assim, embora, como também se afirma na decisão da reclamação graciosa, “a alínea b) do nº 6 do artigo 16.º do CIVA se refira a " bónus", sem efetuar qualquer distinção entre as várias categorias dos mesmos, é entendimento unânime e resulta da própria lei que essa expressão não pode ser interpretada em sentido lato, abrangendo todo e qualquer tipo de bónus”, a verdade é que nenhuma razão material existe, como se viu, para excluir a concreta situação sub iudice do âmbito da norma referida, incluindo a circunstância de que “os bens entregues pela Reclamante aos seus clientes, traduzem-se em produtos de natureza diversa daqueles que foram vendidos” antes, pelo contrário, havendo razões substanciais que corroboram a subsunção de tal situação à norma em causa.
Deste modo, e face ao exposto haverá que concluir que a decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente enferma de erro no enquadramento jurídico dos factos em apreço, gerador de anulabilidade que cumpre declarar, pelo que deverá proceder, nessa parte, o pedido arbitral.
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A decisão da reclamação graciosa não esgota, todavia, o objecto da presente acção arbitral, que tem ainda como objecto mediato os actos de autoliquidação efectuados pela Requerente, cuja ilegalidade funda o pedido de condenação da AT a reembolsar à Requerente o IVA liquidado em excesso nos períodos em causa.
Nesta parte já não poderá, contudo, o pedido arbitral proceder.
Como resulta dos factos provados e não provados, não se apurou que o montante de imposto a reembolsar à Requerente fosse aquele que ela reclama, ou outro qualquer.
Deste modo, não podendo o Tribunal determinar qual o concreto valor do imposto indevidamente pago pelo Requerente, não poderá proceder o pedido de reembolso formulado, e ter-se-á que concluir que em face da anulação da decisão da reclamação graciosa, deve o Tribunal determinar que o processo seja devolvido à Autoridade Tributária e esta se pronuncie sobre o montante total da regularização peticionada.
Efectivamente, tal decorre, desde logo, da obrigação da AT “Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral”, consagrada na al. a) do n.º1 do art.º 24.º do RJAT, bem como do próprio efeito anulatório da presente decisão, que, retirando da ordem jurídica o acto decisório da reclamação graciosa, e os que dele dependem, faz retornar o procedimento à fase imediatamente anterior à decisão daquele pedido, assistindo à AT o dever legal de o decidir, em respeito do caso julgado que se formar, ou seja, e no caso, do entendimento de que a circunstância de “os bens entregues pela Reclamante aos seus clientes, traduzem-se em produtos de natureza diversa daqueles que foram vendidos”, não obsta a que a situação em questão seja enquadrada na previsão da alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada em 05-12-2014;
b) Julgar improcedentes os restantes pedidos arbitrais formulados;
c) Condenar as partes nas custas do processo, no montante de €2.448,00, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em €1.224,00 a parte a cargo da Requerente e em €1.224,00 a parte a cargo Requerida
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 62.821,67, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima ficado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 21 de Março de 2016
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(José Ramos Alexandre)
O Árbitro Vogal
(Cláudia Rodrigues)
[1] Diga-se, em todo o caso, que se considera que, ao contrário do que foi dito na decisão da reclamação graciosa, nas situações de bónus de quantidade, tal como aqui, não haverá, em rigor, uma exclusão “de tributação em sede de IVA”. O que ocorre é que a base da tributação é o preço pago pelo conjunto (quantidade base mais oferta).