Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 537/2015-T
Data da decisão: 2016-03-07  Selo  
Valor do pedido: € 15.062,20
Tema: IS – Partes de prédio suscetíveis de utilização independente - Verba nº 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo
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                                                        DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I – Relatório                

 

1. No dia 06.08.2015, o Cabeça-de-Casal da Herança de A…, NIF …, com domicílio na …, … Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação de nove atos de liquidação de imposto do selo respeitantes de 2014 (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), no valor total de € 15.062,20 efetuadas pela Requerida em 20.03.2015, referente ao prédio sito na… , …, freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo número …-U, que integra a referida herança indivisa.

 

O Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida a pagar-lhe juros indemnizatórios sobre o imposto que, em consequência desses atos, tiver sido indevidamente pago.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 4.11.2016.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. Os impostos foram liquidados individualmente sobre os valores patrimoniais tributários (VPT) dos andares ou partes suscetíveis de utilização independente do prédio sito na …, …, freguesia …, concelho de Lisboa, pertença da herança indivisa de A… .
  2. O prédio compreende um total de dez andares e divisões com utilização independente cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 18.700,00 e € 260.970,00 e perfaz, no total, € 1.524.920,00
  3. Dispõe a verba n.º 28.1 da TGIS que pela propriedade de cada prédio urbano com afetação habitacional cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000, incide imposto do selo sobre o seu VPT utilizado para efeito de IMI.
  4. Tratando-se de um prédio como o dos autos, que integra andares ou divisões com utilização independente, a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT desses andares ou divisões.
  5. Aliás, nos termos do CIMI, cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial (art.º 12.º n.º 3 do CIMI).
  6. E é precisamente ao “VPT constante da matriz” que o texto da lei manda atender para determinar a incidência do imposto do selo da verba n.º 28 da TGIS.
  7. Sendo o VPT de cada um dos andares constantes da matriz, nos termos do CIMI, inferior a € 1.000.000, não incide o imposto do selo da verba n.º 28.1 da TGIS, aqui impugnado.
  8. Os atos de liquidação ora impugnados são ilegais por violação da norma de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS.
  9. Ademais, não poderia constituir causa dessa incidência, porventura, a falta de constituição em regime de propriedade horizontal de um prédio constituído por habitações independentes.
  10. A forma jurídica da propriedade do prédio não pode ser determinante dessa incidência.
  11. Sendo um imposto sobre o património imobiliário, o imposto do selo da verba n.º 28 da TGIS tributaria diferentemente a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por duas pessoas diferentes:
  12. Excluiria da incidência aquele que tem a titularidade de um património imobiliário habitacional de maior valor, mas disperso por vários imóveis, enquanto tributa aquele que tem um património imobiliário de menor valor concentrado num só.
  13. Ora, não sendo a concentração ou a dispersão imobiliária um critério de capacidade contributiva ou qualquer outro critério legítimo de tributação, é forçoso concluir que a norma de incidência da verba n.º 28 da TGIS anexa ao CIS, nessa interpretação, seria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade inscrito do art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEPÇÃO:

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, face ao disposto no art.º 2.º do RJAT para apreciar a legalidade de uma prestação do ato de liquidação, que não é em si nenhum ato tributário,
  2. Não havendo qualquer dúvida, até por todos os documentos a ele juntos, que o Requerente impugna, exclusivamente, as notas de cobrança que constituem a 1.ª prestação do imposto do ano de 2014, relativo ao imóvel.
  3. Termos em que conclui pela manifesta incompetência material do Tribunal Arbitral, e pela procedência da exceção aduzida.

 

  1. POR IMPUGNAÇÃO,

 

e.       Com referência ao ano de 2014, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efetuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja respetiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, afetação habilitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança para o pagamento da 1.ª prestação das liquidações em causa.

  1. Ora, o que está aqui em causa são notas de cobrança que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.

g.      O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.

h.      Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios.

i.        Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VP que a ora Requerente define como «valor global do prédio».

j.        Em cumprimento do disposto no artigo 119º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.

k.      E estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal.

  1. Carece de sustentação legal a tese defendida pelo Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.
  2. O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere.
  3. A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.
  4. Na verdade, consta da caderneta predial que o prédio se encontra em regime de propriedade total, composto por várias partes suscetíveis de utilização independente.
  5. Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI.
  6. Do exposto, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos.
  7. Tudo o que está agora a ser defendido nesta sede arbitral já foi objeto de informação vinculativa por parte da AT, com despacho de concordância de 11.2.2013 do Substituto Legal do Diretor-Geral da Autoridade Tributária.
  8. Pelo que, temos necessariamente de concluir que as notificações efetuadas do pagamento de prestação do imposto não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo assim ser mantidas.

 

5. As Requerentes responderam por escrito à exceção suscitada pela Requerida, em síntese, nos termos seguintes:

  1. Tal como resulta da petição inicial dos presentes autos – desde logo do seu introito, mas também do seu pedido – a pretensão anulatória formulada pelo ora Requerente dirigiu-se contra os 9 atos de liquidação de imposto do selo, no valor global de € 15.062,20, todos emitidos em 20 de Março de 2015.
  2. Por isso mesmo, o Requerente não dirigiu o seu pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação contra nenhuma das três prestações de pagamento das liquidações de imposto do selo de 2014, isoladamente, como a AT afirma, mas sim contra os atos de liquidação a que todas aquelas se referem, no caso no valor conjunto de € 15.062,20, que corresponde justamente à soma dos valores patentes em todas elas sob a coluna designada “coleta”.
  3. Como também é natural, não é exigível ao ora Requerente que anexe ao pedido que apresentou em juízo todas as notas para pagamento das 1ªs, 2ªs e 3ªs prestações do imposto do selo relativo a 2014, tanto mais que todas são idênticas entre si e todas estão na posse da administração tributária que as emitiu.
  4. De resto, à data do pedido o requerente não tinha ainda sequer recebido nota para pagar as terceiras prestações do imposto do selo relativo a 2014, pelo que não poderiam estas ser anexas ao respetivo requerimento.
  5. Mas também porque, tendo o ora Requerente sido regularmente notificado dos 9 atos de liquidação do imposto do selo de 2014, emitidos em 20 de Março de 2015, não se lhe poderia exigir que tivesse de aguardar pelo vencimento de todas as prestações de pagamento para só então poder exercer a sua garantia de sindicar em juízo a legalidade das liquidações.
  6. E caso tudo soçobrasse, sem conceder, uma vez que na presente data a AT já notificou o Requerente de todas as subsequentes prestações, sempre deverá a exceção suscitada decair por força do disposto no artigo 278.º, n.º 3, do CPC.

 

 

6. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e ainda nos princípios da celeridade, da simplificação e informalidade processuais.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Se se verifica a incompetência do tribunal arbitral para a declaração de ilegalidade dos atos objeto do presente processo.

b) Se são ilegais e em consequência devem ser anuladas as liquidações objeto do presente processo.

 

II. Saneamento

 

 

9. Exceção de incompetência do tribunal arbitral.

 

Na petição inicial o Requerente, expressamente, indica como objeto do pedido de pronúncia arbitral as liquidações de imposto de selo que identifica expressamente. Acresce que, indica a soma do valor das liquidações efetuadas pela Requerida que corresponde ao valor do processo indicado.

Assim sendo, dúvidas inexistem de que os atos objeto do presente processo são as liquidações de imposto de selo, sendo também inquestionável que a apreciação da legalidade das mesmas se incluem na competência do Tribunal arbitral, nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do RJAT.

Em consequência, julga-se improcede a exceção suscitada pela Requerida.

 

II – A matéria de facto relevante

 

10.Consideram-se provados os seguintes factos:

 

10.1 O cabeça de casal da herança indivisa de A…, foi notificado de nove atos de liquidação de imposto do selo respeitantes de 2014 (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), no valor total de € 15.062,20 efetuadas pela Requerida em 20.03.2015, referente ao prédio sito na …, …, freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo número …-U, que integra a referida herança indivisa.

10.2 Os impostos foram liquidados individualmente sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes suscetíveis de utilização independente nos seguintes termos:

a)      Artigo n.º …-U-…-…, imposto de € 2.149,10 sobre o VPT de
€ 214.910,00;

b)     Artigo n.º …-U-…-…, imposto de € 1.730,20 sobre o VPT de
€ 173.020,00;

c)      Artigo n.º …-U-…-…, imposto de € 1.177,90 sobre o VPT de
€ 117.790,00;

d)     Artigo n.º …-…-…, imposto de € 2.315,10 sobre o VPT de
€ 231.510,00;

e)      Artigo n.º …-U-…-…, imposto de € 1.810,10 sobre o VPT de
€ 181.010,00;

f)       Artigo n.º …-U-…-…, imposto de € 2.609,70 sobre o VPT de
€ 260.970,00;

g)      Artigo n.º …-U-…-R/C, imposto de € 984,20 sobre o VPT de
€ 98.420,00;

h)     Artigo n.º …-U-…-1º, imposto de € 1.125,60 sobre o VPT de
€ 112.560,00; e

i)       Artigo n.º …-U-…-2º, imposto de € 1.160,30 sobre o VPT de
€ 116.030,00.

 

10.3 O prédio compreende um total de dez andares ou divisões com utilização independente e cada uma destas partes foi objeto de avaliação autónoma por parte da Administração Fiscal, que fixou os respetivos valores patrimoniais tributários entre € 18.700,00 e € 260.970,00 e perfaz, no total, € 1.524.920,00.

10.4 Desses dez andares e divisões, nove são afetos a habitação, cujo VPT total perfaz
€ 1.506.220,00.

10.5 Em 11.11.2015 o Requerente pagou a 3ª prestação das liquidações em causa, no valor total de 5020,7 €.

 

Relativamente a factos alegados pelo Requerente, com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

Entende-se pertinente observar que o Requerente não provou e nem sequer alegou ter pago os valores respeitantes à primeira e segunda prestação referentes às liquidações sub judice.

Na petição inicial não se encontra qualquer alusão ao pagamento da primeira e segunda prestações e (coerentemente) do pedido formulado também não consta pedido de restituição de imposto mas apenas “a condenação do Estado a pagar juros indemnizatórios ao ora impugnante sobre o imposto que, em consequência desses actos, tiver sido indevidamente pago.”

Em 19.01.2016 apresentou requerimento alegando e provando ter pago as terceiras prestações de imposto, mas do pedido de pronúncia arbitral, nem de qualquer requerimento posterior qualquer alegação do pagamento das primeiras e segunda prestação. Do mesmo modo, não consta dos autos prova de tais pagamentos.

Nesta medida, tais pagamentos não podem ser dados como provados.

 

11. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

12.Estabelece a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo que fica sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI: 1%.

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%”.

 

13. O artigo 67º, nº 2 do CIS estabelece que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

Dispõe o artigo 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Estabelece, ainda, o artigo 92º do mesmo código:

“1-A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.

2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal.

3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”

 

Por sua vez, estabelece o artigo 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]

Escrevendo sobre esta norma, dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas:  “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).

Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]

Afigura-se, assim, que o artigo 12º, nº 3, do CIMI, é aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no artigo 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo.

 

14. Relativamente a prédios urbanos em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em substância, a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal. Na perspetiva da tributação destas realidades, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.

 

Efetivamente, no regime dos arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos artigos 43º, nº2 do código.

 

15. A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente, mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se serão consideradas individualmente as suas partes independentes.

No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência, deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

No segundo caso, o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente mas, apenas e tão só, relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.

A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não se harmoniza com a sua própria tese de que, nestes casos, a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e não cada uma das suas partes autónomas.

 

16. A questão já foi apreciada em diversas decisões arbitrais[4], que foram no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.

Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédios urbanos”, em conjugação com o artigo 2º, nº 4 do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente, parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.

Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode ser determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.

Assim, o legislador ao referir “prédio habitacional”, no que respeita a prédios com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, só poderá ter tido em mente cada uma destas frações e não o prédio na sua globalidade.

 

17.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado nas várias decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.

Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:

a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

 

18. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.

 

19. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei, não podendo, em consequência, deixar de ser anuladas.

 

20. Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida a pagar os respetivos juros indemnizatórios sobre o imposto que, em consequência desses atos, tiver sido indevidamente pago.

 

Vejamos.

 

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Por outro lado, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, havendo que apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT].

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações objeto do presente processo imputável às Requerentes, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

-IV- Decisão

 

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral:

a)         Decretar a anulação das liquidações objeto do presente processo.

b)         Condenar a Requerida a pagar juros indemnizatórios à taxa legal sobre as quantias pagas referentes às liquidações anuladas, contados desde a data do pagamento até à do processamento das notas de crédito.

 

 

Valor da ação: € 15.062,20 (quinze mil e sessenta e dois euros e vinte cêntimos) nos termos do disposto no art.º 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 07.03.2016

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro



[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o artigo 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".

Apontando também no mesmo sentido, o artigo 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “prédio ou parte de prédio urbano objeto da avaliação geral”.

[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, págs. 159-160.

[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola e ao Código da Contribuição Autárquica.

Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO  MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592 e  na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo  ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique  alguma variação do valor tributável  a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.

 

[4] Entre outras, as proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 18 1/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, 177/2014-T, 396/2024-T, 461/2015-T e 474/2015-T, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.

[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.

 

[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).