Decisão Arbitral
I. Relatório
A…, Lda, pessoa coletiva nº…, com sede na…, nº…, …, …-…, Lisboa (doravante designada por requerente), apresentou em 30/07/2015 um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 31/07/2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31-08-2015.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação. Estas aceitaram a designação do árbitro indicado, pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 28-10-2015.
Em 3-11-2015 foi proferido despacho arbitral, nos termos do artigo 17º do RJAT, e em conformidade foi a ATA notificada para apresentar a sua Reposta, a qual foi apresentada nos autos em 1-12-2016, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Em 7-12-2015 a Requerida apresentou nos autos requerimento para junção do Acórdão nº 590/2015, do Tribunal Constitucional, proferido em 11-11-2015.
Em 15-12-2015 foi proferido despacho arbitral, dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, no qual se fixou prazo para as partes apresentarem, querendo, as suas alegações escritas e fixou data para prolação da decisão arbitral até 15-02-2016. Em 11-01-2016 e 27-01-2016 vieram as partes, respetivamente Requerente e Requerida, apresentar as suas alegações, as quais se dão por integralmente reproduzidas.
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A Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo emitida com referência ao ano de 2014 e ao prédio identificado nos autos, a qual deu origem aos três documentos únicos de cobrança (DUC) juntos como documentos 1, 2 e 3 em anexo ao pedido arbitral, respetivamente com os números 2015…, 2015 … e 2015…, correspondentes às três prestações de IS liquidado, no valor de €7.286,05 cada, o que resulta no valor global anual de €21. 858,15.
O valor de imposto de selo (IS) liquidado e impugnado no presente pedido arbitral reporta-se ao ano de 2014 e é referente ao prédio urbano designado como “terreno para construção”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das …, concelho e distrito de Lisboa, sob o artigo matricial nº…, com o VPT de €2.185.815,12 determinado em 2012, como consta da caderneta predial, junta aos autos como documento nº 4. O prédio descrito consiste, assim, numa parcela de terreno para construção de edificações com diferentes afetações a habitação e comércio.
A liquidação de imposto foi praticada fazendo aplicação da verba n.º 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo e com o artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, com a redação introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de dezembro (LOE para 2014), a qual prevê a tributação em IS da “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1 000 000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”
A Requerente pede a declaração de ilegalidade dessa liquidação com fundamento em inconstitucionalidade da norma contida na referida verba 28.1, pelo que reclama a anulação do ato tributário e respetivas notas de cobrança relativas às três prestações processadas, com todas as legais consequências, incluindo a condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios.
A Requerente não se conforma com a liquidação de imposto impugnada. Para fundamento do seu pedido, desenvolve um conjunto de argumentos, dos quais se conclui em síntese que não se conforma com a nova redação da norma contida na verba 28.1 da TGIS, introduzida pela LOE para 2014, por entender que a mesma viola princípios constitucionais, nomeadamente, o princípio da igualdade constitucional. Invoca, ainda, argumentos em defesa da tese da inconstitucionalidade da verba 28.1, no que toca aos terrenos para construção, por entender que põe em causa o princípio da capacidade contributiva, por traduzir uma dupla tributação do mesmo facto e uma clara desconsideração do objeto social das pessoas coletivas que desenvolvem a atividade económica de construção e investimento em bens imóveis, residenciais e não residenciais, destinados a venda ou a arrendamento, como é o caso da ora Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) contrapõe, na sua resposta e nas alegações apresentadas, que a liquidação é legal porquanto resulta expressamente da letra da lei, por força da alteração introduzida pela LOE para 2014, que também os terrenos para construção se preencherem as condições legalmente previstas estão sujeitos à incidência do imposto de selo, a partir de 01-01-2014. Acresce que, na perspetiva da ATA não subsiste qualquer violação de princípios constitucionais da qual resulte o alegado vício de inconstitucionalidade.
Em reforço da sua alegação e de todos os argumentos por si desenvolvidos na resposta e alegações apresentadas, a ATA invoca a jurisprudência constitucional, com particular destaque para o Acórdão proferido em 15-11-2015, que veio juntar aos autos, o qual se refere especificamente à verba 28 e 28.1 da TGIS, tendo decidido “não julgar inconstitucional a norma constante da verba 28. E 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55 –A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual u superior a €1.000.000,00.”
Conclui pugnando pela legalidade do ato tributário e consequente improcedência do pedido arbitral.
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O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
Note-se que decorre do pedido e da causa de pedir aduzidos que a pretensão da Requerente assenta na alegada inconstitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da TGIS quando aplicada aos terrenos para construção. É neste pressuposto que Requerente fundamenta o seu pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação do imposto de selo relativo ao ano de 2014 e ao prédio descrito nos presentes autos. O pedido de ilegalidade do ato de liquidação de imposto de selo, no caso dos presentes autos, dependerá necessariamente da prévia apreciação e decisão, pelo Tribunal Arbitral, da (in) constitucionalidade da norma em apreço.
Ao Tribunal Arbitral não cabe conhecer da inconstitucionalidade de normas tributárias, porém, atendendo ao pedido formulado pela Requerente, pretendendo a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo sub judice”, é de considerar que o tribunal arbitral é competente para conhecer desse pedido, apesar de tal declaração de ilegalidade depender da não aplicação da norma em causa, com fundamento na alegada inconstitucionalidade. Os Tribunais Arbitrais têm competência para não aplicar, no caso concreto, normas legais com fundamento na sua inconstitucionalidade bem assim como para aplicar normas legais cuja inconstitucionalidade tenha sido invocada. Pelo que o tribunal é competente em razão da matéria.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo, não enferma de nulidades.
II. Matéria de facto
1. Factos que se consideram provados
a) A Requerente, no ano de 2014, era proprietária do terreno para construção, sito na freguesia das …, concelho e distrito de Lisboa, identificado pelo artigo matricial n.º…, como resulta do documento n.º 4, junto em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
b) Este terreno tinha à data de referência para a liquidação impugnada (ano de 2014), o valor patrimonial tributário (VPT) de € 2.185.815,12;
c) O prédio urbano em causa consiste numa parcela de terreno para construção, com afetação destinada à construção de edifícios habitacionais e comércio (cfr. documento nº 4 supra referido);
d) A Requerente foi notificada, no portal das finanças, dos documentos únicos de cobrança para pagamento de cada uma das três prestações do imposto do selo liquidado, no valor de €7.286,05 cada, com datas limite de pagamento em abril (1ª), julho (2ª) e novembro (3ª) - (cfr. documentos nºs 1, 2 e 3, juntos em anexo com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) A liquidação de imposto de selo (IS) impugnada, foi efetuada ao abrigo da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, na quantia de €21.858,15 relativa ao ano de 2014, com referência ao prédio supra descrito;
f) A Requerente pagou as primeiras duas prestações de imposto liquidado, conforme comprovativos de pagamento juntos em anexo ao pedido arbitral;
g) Em 30-07-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral (sistema informático do CAAD);
h) A requerente pagou, também, a 3ª prestação do imposto liquidado, conforme comprovativo junto aos autos em 18-12-2015.
2. Factos que se consideram não provados
Não há factos não provados a considerar, com relevância para a decisão final.
3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.
III. Matéria de direito
A questão que é objeto do presente pedido arbitral é a de saber se a tributação dos terrenos para construção, com edificação autorizada ou prevista para habitação, nos termos expressamente previstos na norma contida na verba 28.1 da TGIS (com a redação introduzida pela LOE para 2014) é ou não ilegal, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, nos termos alegados pela Requerente.
Para decisão da questão para a qual este tribunal arbitral foi constituído há que ter em conta a evolução da lei e as alterações introduzidas pela LOE para 2014.
1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %.
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:
1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.
3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.”
Utilizou-se na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária, nestes precisos termos, que é o de “prédio com afectação habitacional”.
Designadamente no CIMI, que em várias normas do Código do Imposto do Selo introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28 [artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], não é utilizado um conceito com aquela designação.
Porém, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2014, alterou a redação daquela norma (verba n.º 28.1), dando-lhe a seguinte redacção:
28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %
No caso em apreciação o período a que se refere a liquidação de imposto impugnada respeita ao ano de 2014, com período de pagamento em 2015, faseado em três prestações, vencidas em abril, julho e novembro. Logo, a resolução do presente caso tem de obedecer à versão da lei em vigor ao tempo do facto tributário, a qual ampliou a base de incidência do imposto, passando a referir-se a prédios habitacionais e a terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação.
Assim o conceito de prédio para efeitos de incidência do imposto de selo está, agora, mais de acordo com o conceito de prédio consagrado no CIMI.
2. Conceitos de prédios utilizados no CIMI
No IMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º nos seguintes termos:
Artigo 2.º
Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Artigo 3.º
Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Artigo 4.º
Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º
Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
À luz do teor das normas supra descritas e tendo em conta a letra da lei atualmente em vigor, ou seja, a redação da verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de dezembro (LOE para 2014), o conceito de prédio contido na norma de incidência do imposto abrange os terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja para construção de habitação.
Como se sabe, conclusão diferente se extraía da versão anterior, como amplamente tem sido reconhecido pela jurisprudência arbitral, bem assim como pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Mas a atual redação da norma contida na verba 28.1 não deixa margem para dúvida, resultando clara a intenção do legislador ampliar o âmbito de incidência da norma de modo a abranger também os terrenos para construção, desde que autorizados ou licenciados para construção de habitação.
Nesta conformidade a questão da incidência ou não de imposto de selo sobre os terrenos para construção está hoje resolvida, clara e expressamente pela lei, o que nos leva a concluir que a solução do caso em apreço se alcança pela aplicação da norma infra constitucional, nos exatos termos agora em vigor.
Apesar disso, e face às questões suscitadas pela Requerente, importa apurar se subsistirá alguma razão de natureza constitucional que imponha a sua não aplicação ao caso concreto. O Tribunal Arbitral está vinculado à lei, devendo esta ser interpretada em conformidade com as regras de interpretação e aplicação da norma jurídica e em conformidade com a Constituição.
3. Normas sobre interpretação das leis
O artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:
Artigo 11.º
Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.
Os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:
Artigo 9.º
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Tendo como referencial os princípios decorrentes das normas supra citadas, cumpre apreciar a sua aplicação ao caso concreto.
4. Aplicação ao caso concreto
A grande alteração introduzida pelo legislador com a LOE para 2014 consistiu na alteração do conceito de referência para incidência do imposto, o qual deixou de ser o de “prédio com afetação habitacional”, tendo o legislador alterado e alargado o âmbito da incidência aos prédios habitacionais ou terrenos para construção, desde que, a edificação autorizada ou prevista seja para habitação, nos termos do disposto no CIMI.
Tal norma afigura-se clara e não permite qualquer dúvida sobre os propósitos do legislador incluir os terrenos para construção cuja edificação se destine a habitação no âmbito de incidência do imposto. Neste sentido, o prédio em causa nos presentes autos cumpre as condições legais para a sua qualificação como objeto de incidência de imposto.
É certo que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas o aplicador da norma jurídica não pode alcançar uma interpretação que se afaste ou mesmo contrarie o que claramente resulta daquela. Deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, de modo a alcançar a “ratio legis”, o sentido e alcance da norma, caso esta suscite dúvidas sobre o pensamento do legislador.
O legislador foi claro na intenção de introduzir no âmbito de incidência da norma contida na verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, se a edificação prevista ou autorizada for a habitação. As razões de política fiscal, subjacentes a este normativo, podem ser criticáveis mas afiguram-se claras, partindo do ponto de partida expresso nos trabalhos preparatórios, os quais apontam no sentido de tributar os prédios de maior valor patrimonial, destinados a habitação (construída ou a construir) de “luxo”. Isso mesmo explica o valor elevado a que o legislador recorreu como critério quantitativo a partir do qual se verifica a incidência do imposto.
Mas, alega a Requerente que a norma em causa, tal como resulta da atual versão, viola princípios constitucionais, devendo, por isso, não ser aplicada e a liquidação de imposto anulada. Invoca em favor deste seu entendimento a Decisão Arbitral proferida no processo 744/2014, que juntou aos autos como documento nº7. Alega ainda que, contrariando a pretensão da ATA, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 590/2015, de 15-11, declara a não inconstitucionalidade da norma contida na verba 28 e 28.1, mas com referência a um caso concreto distinto do que se discute nos presentes autos. Por fim, entre outras razões que invoca nas suas alegações, conclui que se trata apenas de uma decisão isolada do Tribunal Constitucional que não vincula o tribunal arbitral na sua decisão.
O Tribunal Arbitral não está vinculado pela decisão contida no Acórdão do Tribunal Constitucional, e é verdade que o caso sub judice nesse Acórdão é exclusivamente atinente à aplicação daquela norma a prédios habitacionais, ou seja, o Tribunal Constitucional não se debruçou sobre a questão relativa aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação. Porém, as razões que o Tribunal Constitucional invoca para o caso aí em apreço colhem, com as necessárias adaptações, ao caso que agora nos ocupa.
Não se acompanha o ponto de vista da Requerente quanto às alegadas violações da Constituição, no caso em apreço, apesar de todas as reservas que nos suscita esta nova face do Imposto de Selo, na perspetiva de tributo incidente sobre o património afeto a habitação. É verdade que o imposto resulta descaracterizado mas também essa é uma opção do legislador, que podendo não ser a melhor não significa, só por isso, que seja inconstitucional.
Assim, embora não seja esta a instância própria para aferir da inconstitucionalidade de normas, a verdade é que não se alcança que a verba 28.1 na versão atual viole o princípio da igualdade ou da capacidade contributiva. Mantém, desde logo, como princípio subjacente à incidência do imposto a distinção entre os prédios alvo em função do seu valor patrimonial. O princípio da igualdade impõe um tratamento igual para as situações que se afiguram iguais e diferente para as que se afiguram distintas. Como bem afirma o Tribunal Constitucional no Acórdão supra citado, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto a habitação, o que importa a conclusão de que o legislador não estabeleceu uma distinção arbitrária entre os contribuintes, introduzindo além do mais um critério substantivo relevante, traduzido na incidência do imposto apenas sobre os prédios cujo valor patrimonial tributário excede um determinado montante.
O mesmo sucede com os terrenos para construção, como o que está em causa nos presentes autos.
Não se vislumbra violação do princípio da igualdade nem da capacidade contributiva, a qual foi considerada pelo legislador ao estabelecer o critério quantitativo determinante para a incidência do imposto.
Ao supra exposto acresce ainda que, também os argumentos de inconstitucionalidade com fundamento na dupla tributação e até na violação do princípio da separação de poderes não se afiguram evidentes nem sustentados na realidade.
Num período de crise manifesta das finanças públicas e de aumento generalizado de todos os impostos, com destaque para os impostos sobre o rendimento, não se afigura desproporcional pedir um contributo maior aos titulares de bens imóveis com elevado valor ou de maior valor patrimonial tributário. Enquanto medida fiscal dirigida à tributação dos titulares de direitos reais de gozo sobre imóveis habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação autorizado ou prevista seja a habitação, de mais elevado valor, os quais apenas estão ao alcance dos contribuintes com um maior poder aquisitivo ou riqueza (logo maior capacidade contributiva) não se vê razão para concluir pela inconstitucionalidade da norma, a qual revela uma ponderação e proporcionalidade que não ofendo o princípio da igualdade, justiça e proporcionalidade.
No caso dos presentes autos é certo que no terreno em causa não existem construções mas apenas uma aptidão para tal, mas ainda assim, cumpre os pressupostos legais para a incidência do imposto, pois que se trata de um prédio de elevado valor com aptidão construtiva para habitação. Importará recordar que sendo a Requerente uma empresa com atividade de construção de prédios para habitação e outros fins, sempre poderá repercutir no preço final (seja no preço de venda dos imóveis a construir ou nas rendas a arrecadar) os custos com os valores de imposto agora suportados.
Outro entendimento levaria o tribunal a substituir o próprio legislador, conduzido por considerandos de ordem ideológica e económica que são tipicamente inspiradoras das opções políticas de quem governa e de quem legisla, que podem ser criticáveis, mas ainda assim, são a emanação do poder representativo do povo, devidamente salvaguardado na Constituição.
Quanto à hipotética violação do princípio da separação de poderes não se alcança, pois, qualquer violação deste princípio pela verba 28.1 da TGIS, na versão atualmente em vigor. Por tudo o que se deixa exposto é entendimento deste Tribunal que a verba 28.1, na redação introduzida pela Lei nº 83-C/2013 de 31 de dezembro se aplica aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação, e que essa aplicação não padece de qualquer inconstitucionalidade. Nestes termos, deve ser considerado improcedente o presente pedido arbitral mantendo-se os atos de liquidação de imposto de selo com referência ao ano de 2014 nos termos e pelas razões supra expostas.
IV. Decisão
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
b) Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais.
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 21.858,15
VI. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2016
A Juiz Árbitro,
(Prof. Dra. Maria do Rosário Anjos)