DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A…, contribuinte n.º…, B…, contribuinte n.º…, C…, contribuinte n.º … e D…, contribuinte n.º…, herdeiros sem determinação de parte ou direito da herança aberta por morte de E…, contribuinte n.º … (doravante designada por Requerente), apresentaram em 28/07/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicitam a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2014.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 05/10/2015 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 20/10/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 21/10/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5.Em 24/11/2015 a Requerida apresentou a sua resposta na qual sustenta queas liquidações em crise não violaram qualquer preceito legal ou constitucional.
1.6.A Requerente em 27/11/2015 apresentou requerimento a solicitar a junção dos comprovativos de pagamento da 3.ª prestação da colecta total.
1.7.Em 11/01/2016 o tribunal, por despacho, admitiu a junção de tais documentos e convidou as partes a dizer se pretendiam a realização da reunião a que alude o art. 18.º, n.º 1 do RJAT, uma vez que não foi solicitada a produção de prova testemunhal e inexistia qualquer excepção que obstasse ao conhecimento imediato do pedido.
1.8.As partes não responderam a tal convite.
1.9.O tribunal, no dia 29/01/2016, decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT e agendou para o dia 16/02/ 2016 a prolação da decisão final.
1.10. A Requerente apresentou as suas alegações finais escritas no dia 11/02/2016, pugnando pela anulação dos actos em crise.
2. SANEAMENTO
A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do Selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. OBJECTO DO LITÍGIO
A Requerente entende que as liquidações de Imposto do Selo – verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) e respeitantes ao ano de 2014 são ilegais.
Desde logo, refere que tais actos tributários omitem a necessária fundamentação, não só de facto, como também de direito. Em particular, não são explicitadas, nomeadamente, a natureza e a afectação dos imóveis identificados nas liquidações e a razão da sua subsunção à verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS). Assim, invoca, desde logo, um vício de forma, isto é, a falta de fundamentação. Afirma que a tal conclusão não se pode opor a fundamentação realizada por via de remissão, até porque não há referência explícita para qualquer documento.
Considera ainda a Requerente que os actos objecto destes autos são ilegais, referindo que o art. 4.º, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aplicável por força do art. 67.º, n.º 2 do CIS, só pode permitir uma interpretação extensiva do art. 2.º, n.º 1 do CIMI, de modo a incluir no conceito de prédio as unidades (fracções, andares ou divisões) de utilização independente. Até porque, tais unidades são consideradas separadamente na inscrição matricial, a qual também indica o respectivo valor patrimonial tributário – art. 12.º, n.º 3 do CIMI e as unidades de utilização de imóveis inscritos em propriedade vertical são objecto de avaliação independente com base nos critérios previstos no art. 38.º do CIMI.
Assim afirma se o juízo legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério para a regra de incidência deste imposto.
Termina dizendo que não é defensável tratamento diverso no que respeita à aplicação da verba 28.1 da TGIS, sob pena de violação do princípio constitucional da legalidade tributária. A dimanação de tipicidade de tal princípio da legalidade tributária impõe que as normas de incidência dos impostos se encontrem dotadas de uma delimitação fáctica clara quanto ao substracto empírico a tributar.
Por seu turno, a Requerida afirma que a fundamentação dos actos tributários não se pode afastar da natureza informatizada da liquidação de Imposto do Selo. Natureza essa que se reflecte na consagração de uma fundamentação padronizada, embora sem deixar de observar o disposto no art. 77.º da Lei Geral Tributária (LGT). Neste âmbito, acrescenta que não é possível à Requerente advogar que os actos não se encontram fundamentados, quando a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo.
Quanto à peticionada ilegalidade dos actos tributários sindicados, começa a Requerida por sustentar que, encontrando-se o prédio objecto destes autos à data do facto tributário em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio. Consequentemente, a Requerente não seria proprietária de 4 fracções autónomas, mas de um único prédio.
Acrescenta ainda na sua resposta que a Requerente pretende que exista analogia entre o regime da propriedade vertical e o da propriedade horizontal, quando não existe qualquer lacuna. Deste modo, pugna que o facto determinante para a aplicação da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial total do prédio e não o de cada uma das unidades (fracções, andares e divisões).
Conclui que interpretação diversa violaria a letra e o espírito da verba 28.1 da TGIS e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
4.1.1. A herança integrava em 31 de Dezembro de 2014 o imóvel a que corresponde a inscrição matricial n.º…, urbano, freguesia de …, Lisboa.
4.1.2. Tal imóvel compreende, nomeadamente, 4 andares ou divisões com utilização independente, inscritos do seguinte modo:
a) 1, com um VPT de € 254 751, 02, habitação;
b) 2, com um VPT de € 254 751, 02, habitação;
c) 3, com um VPT de € 254 751, 02, habitação;
d) 4, com um VPT de € 254 751, 02, habitação.
4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, em relação a cada um de tais andares ou divisões, com afectação habitacional, no montante global de € 10 190,04 e que se decompõem da seguinte forma:
a) 1, no montante de € 2547,51;
b) 2, no montante de € 2547,51;
c) 3, no montante de € 2547,51;
d) 4, no montante de € 2547,51.
4.1.4. A Requerente procedeu ao pagamento do valor total das liquidações objecto dos presentes autos no montante de € 10 190,04.
4.1.5. O imóvel identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2014.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. O DIREITO
Em primeiro lugar, são três as questões que o tribunal tem de decidir: i) verificar se as liquidações objecto destes autos padecem do vício de falta de fundamentação; ii) apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS deve ser concretizada pelo valor patrimonial tributário (VPT) correspondente a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente, ou se, pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais partes e iii) determinar se a interpretação que conclui que só há incidência de Imposto do Selo quando o VPT de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente é superior a € 1 000 000, viola o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no art. 103.º, n.º 2 da CRP.
Com efeito, a Requerente imputa às liquidações em crise o vício de falta de fundamentação, pois, no seu juízo, os actos não contêm qualquer motivação de facto e de direito.
O conhecimento da questão exige, desde logo, uma referência ao art. 77.º, n.º 1 da LGT que dispõe: «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária». O n.º 2 de tal normativo acrescenta que: «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Em anotação a tal artigo e a propósito dos actos de liquidação afirma a doutrina que estes: «… podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo»[1].
Por outro lado, sustenta a jurisprudência igualmente quanto à fundamentação dos actos de liquidação que: «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual»[2]. Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da Administração Tributária (AT).
Na hipótese sub judice, é possível vislumbrar nas liquidações/documentos de cobrança, a referência à identificação matricial do prédio inscrito, ao seu VPT, ao ano do imposto, à data de liquidação, à natureza do imposto, à verba da TGIS, à taxa utilizada para determinar o seu montante e, por último, ao valor da colecta. Razão pela qual, entende o tribunal que os actos se encontram suficientemente fundamentados, uma vez que contêm as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizadas pela Requerida para a sua prática. Até porque, a falta de fundamentação imputada aos mesmos, não constituiu qualquer obstáculo para a Requerente solicitar a sua anulação em articulado em que imputa às liquidações um rol de vícios. Em suma, os actos não padecem do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhe imputa.
Deste modo, há que avançar para a segunda questão, ou seja, verificar se a sujeição à verba 28.1 da TGIS deve ser determinada pelo VPT de cada uma das divisões ou andares susceptíveis de utilização independente ou pela soma de cada uma de tais partes.
Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.
Assim, o art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio habitacional (…) - 1 %...».
Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 de tal diploma necessário aplicar as normas do CIMI.
Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».
O conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no art. 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo, Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.
No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com divisões ou andares susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio habitacional».
Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[3].
Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT bem demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2, n.º 4, art. 7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3 todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada divisão ou andar objecto de utilização separada.
Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 4 andares do imóvel com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, isto é, 31 de Dezembro de 2014, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que os mesmos devem ser classificados como prédios habitacionais de natureza urbana.
Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, ou seja, o «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».
A este respeito, como já se descreveu, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado) …» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto da inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio habitacional» de andares ou divisões com utilização independente.
Ora, se nenhum dos andares da Requerente com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma, que as partes dissentem na sua interpretação: i) que o andar susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000 e ii) que tal andar tenha uma afectação habitacional.
É esta também a conclusão da jurisprudência relativamente à delimitação da incidência da verba 28. 1 da TGIS quando observa que: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação», conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9/9/2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15 e em que foi Relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.
Defende ainda a Requerida que seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, a interpretação da verba 28.1 da TGIS diversa daquela que conclui que o VPT relevante para tal norma de incidência tem de ser o valor patrimonial tributário global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes. Se assim fosse, não se compreenderia a referência expressa ao «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». E esse, dúvidas não existem, é objecto de autonomização em relação a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente. De igual modo, também não encontraríamos argumento para a emissão de notas de liquidação autónomas. Acresce ainda que, perante a remissão expressa do art. 67.º, n.º 2 do CIS para o CIMI, no que concerne às matérias não reguladas, as partes com autonomia são enquadráveis nos prédios classificados como urbanos e habitacionais, cfr. artigos 2.º, 3.º e 6.º, todos do CIMI. Deste modo, entende-se que a referida interpretação não padece de inconstitucionalidade.
Por último, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida em função de erro imputável aos seus serviços.
Na verdade, o art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Conhecendo a questão, a ilegalidade dos actos em crise é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos actos objecto de pronúncia, com todas as consequências legais, incluindo, nomeadamente, o reembolso das quantias indevidamente pagas.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 10 190,04 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia), nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido procedeu integralmente.
Notifique.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2016
O árbitro,
Francisco Nicolau Domingos
[1] DIOGO LEITE CAMPOS/BENJAMIMSILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita Editora, 2012, pág. 677.
[2]Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 01690/13, de 23/04/2014 e em que foi relator o Conselheiro ASCENSÃO LOPES.
[3] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013, na qual assumiu as funções de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.