Decisão Arbitral
1. Relatório
Em 28-07-2015, a sociedade anónima A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Avenida …, n.º…, …, …-… Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto de Selo no valor total de 26.136,60 €, referentes ao ano de 2014 e à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo. Ditas liquidações são relativas ao prédio urbano sito na Avenida …, n.º … a …, Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo …, constituído em propriedade vertical e com treze divisões suscetíveis de utilização independente.
A Requerente alega que a sujeição a imposto de selo é determinada não pelo valor patrimonial tributário (VPT) global do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões independentes. E uma vez que nenhum dos andares com utilização independente tem um valor patrimonial tributário (VPT) superior a um milhão de euros (1.000.000 €), não poderá ser liquidado nem cobrado Imposto de Selo.
A Requerente requer, por fim, a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Foi designada como árbitro único, em 13-10-2015, Suzana Fernandes da Costa.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28-10-2015.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 27-11-2015, defendendo a manutenção dos atos tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido, e alegando que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto seria o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada um dos andares ou divisões, ainda que fossem suscetíveis de utilização independente.
A A.T.A. apresenta, na sua resposta, defesa por exceção, referindo que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a legalidade de uma prestação de um ato de liquidação, que não seria em si um ato tributário, referindo que a Requerente impugna, exclusivamente, as notas de cobrança que constituem a primeira prestação do imposto do ano de 2014, relativas ao imóvel em questão.
Em 07-12-2015, veio a Requerente juntar aos autos um requerimento contendo a sua resposta à exceção, acompanhado de três documentos.
Em 10-12-2015 foi proferido despacho a agendar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, para o dia 05-01-2016 pelas 16:15 horas.
Na reunião compareceram o ilustre mandatário da Requerente e as ilustres juristas em representação do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por sua vez, o representante da Requerente pronunciou-se sobre a exceção invocada pela Requerida, no sentido da respetiva improcedência.
O representante da Requerida declarou manter o alegado em sede de resposta.
O tribunal arbitral decidiu conceder o prazo de 15 dias para a Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as suas alegações por escrito. O tribunal arbitral decidiu ainda designar o dia 11-03-2016 para a prolação da decisão arbitral. Por último foi advertida a Requerente para, até àquela data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar ao CAAD o referido pagamento.
A Requerente juntou as suas alegações assim como o comprovativo da taxa arbitral subsequente em 21-01-2016 e a Requerida apresentou as alegações em 04-02-2016.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, para além do pedido de cumulação de pedidos que em seguida se decidirá.
O Requerente pediu a cumulação de pedidos, alegando que “a procedência dos pedidos que são efetuados depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito”.
Neste caso a cumulação de pedidos é admissível, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT, pelo que se admite.
2. Da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral
A A.T.A. apresenta, na sua resposta, defesa por exceção, referindo que “o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, face ao disposto no art.º 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade de uma prestação de um ato de liquidação, que não é em si um ato tributário, não havendo qualquer dúvida, até por todos os documentos a ele juntos, que a Requerente impugna, exclusivamente, as notas de cobrança que constituem a 1.ª prestação do imposto do ano de 2014, relativo ao imóvel”. E transcreve partes da decisão do processo do CAAD n.º 726/2014-T.
De acordo com o artigo 608º do Código de Processo Civil, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica devendo o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Tendo a A.T.A. invocado a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente, impõe que o Tribunal se pronuncie desde já sobre a mesma.
De acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação de matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Vejamos o conceito de liquidação. De acordo com José Casalta Nabais, no livro Direito Fiscal, 3ª edição, Almedina 2015, página 318, “a liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende o lançamento subjetivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, o lançamento objetivo através do qual se determina a matéria coletável ou tributável do imposto (e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas)”, enquanto “a liquidação stricto sensu” se traduz “na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável e as (eventuais) deduções à coleta”.
O artigo 23º n.º 7 do Código do Imposto de Selo refere que tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, aplicando--se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI. E o artigo 113º n.º 2 do Código do IMI, a liquidação é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte àquele a que respeita.
Assim, ainda que possa ser pago em várias prestações, não decorre deste facto que tenham ocorrido várias liquidações.
No presente caso, a Requerente apresenta o pedido arbitral, requerendo a “submissão à apreciação pelo tribunal arbitral da legalidade das liquidações de Imposto de Selo (verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo), identificadas sob o n.º 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, relativas ao ano de 2014, no valor total de € 26.136,60”.
Assim, tendo em conta a petição da Requerente e as liquidações de Imposto de Selo por ela juntos, entendemos que a Requerente pretendeu, com o seu pedido arbitral, requerer a anulação das liquidações de Imposto de Selo do prédio em questão, do ano de 2014, no valor total de 26.136,60€, e não apenas da primeira das três prestações do referido Imposto de Selo.
Pelo que improcede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer o pedido, uma vez que não se trata da apreciação da legalidade de uma prestação de um ato de liquidação, mas sim da apreciação da legalidade de um ato de liquidação de Imposto de Selo.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
-
A Requerente era, em 2014, proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, n.º … a …, freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o n.º …, e está constituído em propriedade total com treze divisões suscetíveis de utilização independente, conforme caderneta predial junta com o pedido arbitral como documento 13.
-
A Requerente foi notificada das seguintes liquidações de Imposto de Selo do ano de 2014, juntas ao pedido arbitral como documentos 1 a 12:
- liquidação n.º 2015… no valor de 1.804,10 €, relativa ao 1º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 180.410,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 1.949,80 €, relativa ao 1º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 194.980,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 1.824,10 €, relativa ao 2º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 182.410,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 2.002,90 €, relativa ao 2º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 200.290,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 1.824,10 €, relativa ao 3º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 182.410,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 2.002,90 €, relativa ao 3º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 200.290,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 1.813,50 €, relativa ao 4º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 181.350,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 1.991,30 €, relativa ao 4º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 199.130,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 3.550,40 €, relativa ao 5º andar do imóvel acima referido, cujo VPT é de 355.040,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 2.710,80 €, relativa ao 6º andar do imóvel acima referido, cujo VPT é de 271.080,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 2.142,50 €, relativa ao 7º andar direito do imóvel acima referido, cujo VPT é de 214.250,00 €;
- liquidação n.º 2015… no valor de 2.520,20 €, relativa ao 7º andar esquerdo do imóvel acima referido, cujo VPT é de 252.020,00 €.
-
Nenhum dos andares ou divisões com utilização independente possui um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros.
-
A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação das liquidações de Imposto de Selo supra referidos, conforme comprovativo junto com o pedido arbitral como documento 14.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente, nomeadamente as liquidações e a caderneta predial.
4. Matéria de direito:
4.1. Objeto e âmbito do presente processo
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global), ou, antes, sobre o valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente.
Sobre esta questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 280/2013-T, 26/2014-T, 88/2014-T, 206/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 451/2014-T, 457/2014-T, 458/2014-T e 567/2014-T, 724/2014-T, 152/2015-T, 174/2015-T, 236/2015-T, 311/2015-T, 411/2015-T, 431/2015-T, 449/2015-T, 461/2015-T, 463/2015-T, 474/2015-T e o acórdão n.º 047/15 do Supremo Tribunal Administrativo (STA).
4.2. Questão do valor patrimonial tributário relevante para aplicação da verba 28.1 da TGIS
Segundo a A.T.A., num prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto de selo é o valor patrimonial tributário global dos andares e divisões destinadas à habitação.
Já para a Requerente a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS deve ser aferida não pelo valor total do prédio mas pelo valor atribuído a cada uma das partes com utilização independente, em função do VPT respetivo.
Vejamos:
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;”
A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.
Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”
A norma de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.
Por sua vez o art.º 6.º do CIMI indica as diferentes espécies de prédios urbanos, e determina que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” (vd. alínea a) do nº 1) do art.º 6.º CIMI).
Há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.
Uma vez que o Código do Imposto de Selo (CIS) remete para o Código do IMI, devemos considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.
Daí decorre que o respetivo IMI, bem como o Imposto de Selo, são liquidados individualmente em relação a cada uma das partes. Por esse facto, o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo.
Assim se conclui como no acórdão n.º 50/2013-T do CAAD e no acórdão n.º 047/15 do STA, segundo o qual “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1 da TGIS”.
Resulta assim da lei que só haveria lugar a incidência do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €), o que não ocorre nos presentes autos.
O critério defendido pela A.T.A., que tem em conta a soma das partes, com o argumento de que o prédio não se encontraria constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta do CIMI e que se aplica por remissão, em sede de Imposto de Selo.
Acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o Imposto de Selo a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €) –“sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI.”
Em conclusão o valor patrimonial relevante para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS é o VPT da parte, andar ou divisão com utilização independente com afetação habitacional, tal como conclui o acórdão n.º 047/15 do STA.
De acordo com a interpretação sufragada supra, a tributação de partes com utilização independente de valor inferior a um milhão de euros não se encontra abrangida pela norma de incidência; logo, a sua tributação viola o princípio da igualdade, mais concretamente nos seus corolários de capacidade contributiva e proporcionalidade fiscal.
Relativamente ao princípio da igualdade vejam-se os acórdãos CAAD n.º 50/2012-T e 218/2013-T, e os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 142/04 e 187/2013.
Concluímos, como no acórdão do CAAD n.º 218/2013-T, dizendo que “a liquidação de Imposto de Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13º da RCP, porque: i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontram em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional.”
No caso dos autos o prédio em questão encontra-se em propriedade vertical e contem vários andares e divisões com utilização independente destinados à habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados à habitação tem valor patrimonial igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €), como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na Verba 28 da TGIS.
Olhando agora à ratio legis do preceito em questão na verba 28.1 TGIS e citando o acórdão CAAD n.º 50/2013-T “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00€), sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de euros (1.000.000,00 €). Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.” Já quando aplicado a uma parte ou fração que não exceda o referido valor de um milhão de euros não se encontrará verificada a norma de incidência.
O princípio da igualdade fiscal determina que se deva tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Ora, não se justifica o tratamento diferenciado das frações ou partes de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, desde que as frações ou partes tenham utilização independente.
Como refere o acórdão CAAD do processo n.º 218/2013-T, “O princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13º da CRP, dele resultando o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação.”
Afirma o Professor Casalta Nabais que o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo “a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pág. 151 -152).
No acórdão CAAD do processo n.º 50/2013-T pode ler-se que “o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.”
Assim, e na linha da jurisprudência do TC e do CAAD, concluímos pela violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva e, como tal, pela procedência do pedido.
5. Dos juros indemnizatórios
A Requerente pediu a condenação da A.T.A. a devolver o tributo indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, o erro que afeta as liquidações de Imposto de Selo é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que praticou os atos de liquidação por sua iniciativa, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento de cada uma das quantias até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Como resulta do referido artigo 43.º n.º 1 da LGT, o direito a juros indemnizatórios depende do pagamento de dívida tributária em montante indevido.
Enfermando de ilegalidade as liquidações de Imposto de Selo, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao integral reembolso por parte da A.T.A., nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º n.º 2 do CPPT.
6. Decisão
Em face do exposto, determina-se:
a) julgar improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral;
b) julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente, no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2014, n.º 2015… no valor de 1.804,10 €, n.º 2015… no valor de 1.949,80 €, n.º 2015… no valor de 1.824,10 €, n.º 2015… no valor de 2.002,90 €, n.º 2015… no valor de 1.824,10 €, n.º 2015… no valor de 2.002,90 €, n.º 2015… no valor de 1.813,50 €, n.º 2015… no valor de 1.991,30 €, n.º 2015 … no valor de 3.550,40 €, n.º 2015… no valor de 2.710,80 €, n.º 2015… no valor de 2.142,50 €, n.º 2015… no valor de 2.520,20 €.
c) julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente, o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.
7. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 26.136,60 €.
8. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.530,00 €, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 11 de março de 2016.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.
O árbitro singular
Suzana Fernandes da Costa