Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 241/2016-T
Data da decisão: 2016-12-19  IMT Selo  
Valor do pedido: € 3.736,62
Tema: IMT e IS – FIAH; artigo 236º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12; retroatividade da norma fiscal
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Requerente: A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA, com sede na …, nº … …-… Lisboa, contribuinte fiscal nº …, doravante designado por “Requerente”, sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário “B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, registado junto da Comissão de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal …, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração de ilegalidade de duas liquidações de Imposto, respetivamente, de IMT e de IS, juntas aos autos.

 

2. Estão em causa os seguintes atos tributários, referentes ao prédio inscrito na matriz predial urbana com o nº…, correspondente à Fração B, do prédio em regime de propriedade horizontal sito à Avenida …, nº … e Rua …, nº…, R/C Esqº, da Freguesia de …, a saber:

 

- Liquidação de IMT, com o nº…, no valor de €2.570,72;

- Liquidação de IS, com o nº…, no valor de €1.165,90.

 

As liquidações, no valor total de €3.736,62, foram pagas em 27 de janeiro de 2016.

 

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado pela Requerente em 26-04-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 28-04-2016 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 29-06-2016, designou a ora signatária como árbitro. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 14-07-2016

Em 15-07-2016 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

Em 28-09-2016, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida. Não juntou o processo administrativo, uma vez o processo não foi procedido de qualquer procedimento, pelo que não existe qualquer processo administrativo. Simultaneamente, apresentou requerimento no qual solicita a dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, porquanto a matéria em causa nos autos é exclusivamente de direito, não havendo diligências de prova a produzir, podendo o processo prosseguir para alegações e decisão final.

Em 26-10-2016 foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, que também fixou prazo, igual e sucessivo, de 10 dias para alegações das partes. Foi fixada data para prolação da sentença arbitral, até 20-12-2016, devendo a requerente efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente até 10 dias antes da data fixada para a decisão.

As partes juntaram as suas alegações, respetivamente, em 08-11-2016 a Requerente e em 18-11-2016 a Requerida. A Requerente juntou em anexo às suas alegações um documento (Requerimento dirigido ao SF para liquidação de IMT e IS referente à permuta de um imóvel sito da Freguesia de …, Freguesia …), parecer elaborado pelos Exmºs Srs. Professores Doutores C… e D…, sobre a questão da retroatividade do disposto no art. 236º da Lei nº 83-C/2013 de 31 de dezembro e Decisão Arbitral, proferida no processo 683/2015, de 20/05/2016.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, para aferir se o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa.”

 

5. Do ponto de vista da Requerente as liquidações de imposto (IMT e IS) em causa são ilegais, por nulidade ou, caso assim não se entenda, por anulabilidade. O principal fundamento invocado, a partir do qual conclui pela nulidade das liquidações, assenta na inconstitucionalidade dos atos impugnados, uma vez que derivam da aplicação do disposto no artigo 236º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro (LOE para 2014). Na medida em que esta norma determina a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa. Entende a Requerente que a violação deste princípio constitucional consubstancia a violação de uma garantia fundamental dos contribuintes (direito fundamental), cuja violação é geradora de nulidade dos atos tributários praticados.

Entende, ainda, a Requerente que no momento em que o prédio em questão ingressou no património do Fundo, as isenções de IMT e de Imposto de Selo (IS), impostos de obrigação única, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídica, sendo que à data de ingresso dos imóveis no respetivo fundo imobiliário, as isenções não eram condicionadas à verificação de qualquer facto ou circunstância, nem estavam sujeitas a qualquer regime de caducidade. Sendo assim, a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na esfera jurídica do Requerente enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal. Alega, ainda, que se trata de retroatividade autêntica, na medida em que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. Mesmo que o Tribunal entenda não se tratar de nulidade nos termos alegados, sempre teria de anular as liquidações impugnadas, por vício de ilegalidade, gerador de anulabilidade, sendo que o pedido arbitral foi apresentado no prazo legalmente previsto no artigo 102º do CPPT, aplicável em sede arbitral.

Estes são, sumariamente, os argumentos que o Requerente invoca no seu pedido e que reforça nas alegações juntas aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

 

Em síntese, o Requerente peticiona a nulidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade, e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, a anulação das liquidações por ilegalidade. Requer ainda o reembolso da totalidade de imposto liquidado e pago e dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso.

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

6. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, por impugnação, alegou, em síntese, que os atos tributários em causa, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional e que as liquidações são uma consequência do destino dado ao imóvel ter sido outro que não o arrendamento. Esta consequência já resultava da versão da lei de 2008, que introduziu no sistema o regime jurídico aplicável a estes Fundos, prevendo os benefícios fiscais de isenção de IMT e de IS condicionados ao destino do imóvel ser o arrendamento e não outro. Caso o Fundo viesse a dar outro destino ao imóvel sempre estaria sujeito às liquidações de imposto, pelo que as liquidações aqui impugnadas são legais e devem ser mantidas. Não obstante, entende a AT que a norma transitória contida no supra referido artigo 236º da Lei 83 C/2013 de 31 de dezembro não padece de inconstitucionalidade. De todo o modo, salienta a AT que não pode desaplicar a norma legal em causa, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme resulta do disposto nos artigos 266º, nº2 da CRP, 3º nº1 do CPA e 55º da LGT. Esta questão está devidamente equacionada e tratada pela doutrina e pela Jurisprudência dos Tribunais superiores.

Segundo a AT, também não há violação do artigo 103º, nº3 da CRP, desde logo porque desde sempre, ou seja, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Sempre estiveram condicionadas a este pressuposto, pelo que a Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio apenas densificar o critério já exigido. Desenvolve abundante argumentação em torno do regime aplicável aos benefícios fiscais e à verificação ou fiscalização das condições que o determinaram. Pelo que, sempre poderá cessar, mediante fiscalização que conclua pela não verificação dos respetivos pressupostos.

Conclui pela legalidade das liquidações e pela improcedência do pedido de anulação e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Invoca, ainda, algumas decisões arbitrais recentes, proferidas em processos idênticos aos dos presentes autos, que juntou em anexo às suas alegações.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

7. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alínea a) do RJAT, como resulta dos exatos termos do pedido formulado.

 

8. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

9. Tendo em conta a prova documental junta aos autos, e o alegado pelas partes nos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

A)    Factos Provados

 

 

10. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

a) A sociedade Requerente, designada por A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, SA é a sociedade gestora do fundo imobiliário B…- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número fiscal …;

 

b) No âmbito da sua atividade, a Requerente adquiriu em 30-12-2013, para o Fundo B…, o imóvel urbano, sito ao prédio U-…-P, sito na Avenida …, nº … e Rua …, nº…, …, da Freguesia de …, …, beneficiando Cascais e Estoril, ao abrigo do regime especial instituído pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, com o benefício de isenção de IMT e de IS ao abrigo do n.º 7 alínea a) e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH;

 

c) Este imóvel foi alienado em 2016, conforme declaração da Requerente, de 26-01-2016, que solicitou à AT a emissão das respetivas liquidações de IMT e de IS, com a seguinte motivação:

 

d) Em consequência foram emitidas as seguintes liquidações:

- Liquidação de IMT nº…, no valor de €2.570,72;

- Liquidação de IS nº…, no valor de €1.165,90;

 

e) As liquidações foram pagas em 27 de janeiro de 2016;

 

f) Por consequência da alienação do imóvel, foi dado ao prédio destino diferente do arrendamento para habitação permanente, conforme estipulado no momento da sua aquisição pelo Fundo Imobiliário B… .

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

11. Com relevo para a decisão, não existem factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

12. Os factos supra descritos foram dados como provados com base na prova documental que a Requerente juntou aos autos, confirmada pela AT, que atesta desde logo como verdadeiros os factos supra enunciados. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito

 

 

13. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em determinar se as liquidações de IMT e de IS objeto do pedido de pronúncia arbitral enfermam das ilegalidades alegadas.

 

Cumpre decidir.

 

14. Como vimos supra, a Requerente fundamenta o seu pedido de anulação das liquidações na sua inconstitucionalidade / ilegalidade, decorrente da aplicação da norma do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013 de 31 de dezembro, que entende ser inconstitucional, razão pela qual a AT não deveria aplicar tal dispositivo legal.

Alega a Requerente que as liquidações de imposto impugnadas decorrem, exclusivamente, do disposto no artigo 236º da Lei 83-C/2013, e que a aplicação desta norma à situação de facto descrita nos autos é inconstitucional na medida em que traduz a aplicação retroativa desta norma (retroatividade autêntica), o que viola o disposto no nº 3 do artigo 103º da CRP.

O argumento subjacente ao pedido arbitral é, pois, o da inconstitucionalidade da aplicação da norma do artigo 236º, da Lei 83-C/2016. Neste ponto, é de salientar que independentemente de saber se a norma em causa é ou não inconstitucional nos termos alegados pela Requerente, entende este Tribunal arbitral que a liquidação de IMT e de IS impugnadas nos presentes autos não são consequência de aplicação desta norma. Pelo que, independentemente da questão da retroatividade autentica alegada pela Requerente, dada a factualidade provada e o regime ao abrigo do qual a Requerente beneficiou da isenção na aquisição, a alienação do imóvel nas condições descritas sempre implicaria a obrigação de liquidação dos impostos em causa. Não for força do disposto no artigo 236º da Lei 83-C/2013 (LOE para 2014) mas por força do regime especial aplicável aos FIIAH, introduzido pela Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro. Pelo que, não assiste razão à Requerente neste ponto, como se demonstrará.

Alega, porém, a Requerente alega que a AT não devia ter liquidado os impostos em causa, sob pena de violação do princípio da não retroatividade, o que consubstancia violação de um direito fundamental, geradora de nulidade do ato de liquidação.

 

15. A jurisprudência dos tribunais superiores tem sido bastante unânime em reconhecer que a administração está sujeita ao princípio da legalidade e, por isso, não pode desaplicar certa norma jurídica com fundamento em inconstitucionalidade. Em decisão recente o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se quanto a esta questão, nos seguintes termos:

 “(…) a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT. A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP. É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.). No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.

Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).

Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal…”, cfr. entre outros, os recentes acórdãos datados de 26/02/2014, recurso n.º 0481/13 e de 12/03/2014, recurso n.º 01916/13.” [1]

 

Procede, pois, a alegação da Requerida quando invoca a sua submissão à lei e, por força disso, a impossibilidade de desaplicar uma norma em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade. Porém, a questão que verdadeiramente importa é a de saber se o que está em causa nos presentes é ou não a liquidação de IMT e de IS por força de aplicação do disposto no artigo 236º da LOE para 2014, ou antes a aplicação de uma consequência jurídica já prevista no regime especial introduzido em 2008, que consagrou o benefício fiscal atribuído a estes Fundos.

 

 

16. Decorre da aplicação do regime jurídico fiscal aplicável aos FIAH, introduzido pela Lei 64-A/2008, que as isenções de IMT e de IS aí previstas e aplicáveis aos FIIAH, estavam sujeitas a uma única e exclusiva condição: a dos imóveis adquiridos pelos Fundos terem como destino o arrendamento para habitação permanente.

 Assim sendo, independentemente do regime introduzido pelo art. 236º da LOE para 2014, a Requerente ao alienar o imóvel em causa, sempre estaria obrigada ao pagamento dos impostos em causa, se e quando desse outro destino ao prédio que não fosse o previsto na lei. Foi isso mesmo que sucedeu no presente caso.

 O regime jurídico aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), define claramente os pressupostos ou condições para poder beneficiar das isenções aí previstas. Foi estabelecido pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), no nº 7 do seu artigo 8.º, o seguinte:

 

           Artigo 8º

(Regime tributário)

(…)

«7 — Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.» (sublinhados nossos)

 

            As condições para beneficiar da isenção eram claras desde 2008 e dependiam da utilização do prédio para os fins contemplados na lei: arrendamento para habitação própria permanente ou venda ao arrendatário que exerça a sua opção de compra. O não cumprimento destas condições sempre implicariam o pagamento dos impostos.

 

 

17. A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) aditou a este artigo 8.º os números 14 a 16, os quais dispõem o seguinte:

«14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de

contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes

ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior

 

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014) veio ainda a consagrar no seu artigo 236.º um regime transitório no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH o seguinte regime transitório:

«1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»

 

 

18. O regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, contido na Lei nº 64-A/2008 de 31 de dezembro (LOE para 2009) que aprovou o regime especial aplicável a estes fundos e sociedades de investimento imobiliário, dispunha que este o regime “é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período”, ou seja, entre 1 de Janeiro e 31 de dezembro de 2013. A constituição e o funcionamento dos FIIAH regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-lei nº 60/2002 de 20 de março.

Assim, resulta deste regime especial que os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objeto do contrato a um FIIAH, podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento, devendo previamente à celebração do contrato de transmissão do imóvel para o FIIAH ser facultada a informação sobre os elementos essenciais do negócio.

Resulta, ainda, deste regime jurídico que o arrendamento constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel, ao fundo, suscetível de ser exercido até 31- 12- 2020, o qual só é transmissível por morte do titular.

 

19. É, assim, percetível que o objetivo do legislador com este regime foi proporcionar soluções alternativas para os credores hipotecários, em tempos de crise económica acentuada, incentivando à alienação dos imóveis e celebração de contrato de arrendamento com opção de compra no final do contrato.

Mas, o legislador não concedeu esta isenção incondicionalmente. A isenção pressupunha, na versão originária da Lei (2008) um destino específico do prédio: o arrendamento para habitação, nas condições legalmente previstas. Logo, qualquer outro destino posterior, diferente do previsto na lei, havia de ter como consequência a produção das respetivas liquidações de imposto. Aliás, se assim não fosse, o legislador teria concedido um benefício fiscal incondicional, suscetível de utilização, quiçá, de forma abusiva e injusta pelas desigualdades que geraria comparativamente com todas as situações em que os mesmos atos negociais estavam e estão sujeitos a estes impostos.

 

20. Assim, o legislador concedeu algumas isenções fiscais a este tipo de fundos imobiliários, como medida de incentivar o arrendamento para habitação permanente, podendo o contrato de arrendamento ter uma cláusula de opção de compra a favor do arrendatário. As isenções concedidas são as seguintes:

a) isenção de IRC, quanto aos rendimentos dos FIIAH (de qualquer natureza) constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013;

b) isenção de IRS e IRC quanto aos rendimentos respeitantes a unidades de participação;

c) isenção de IRS sobre as mais-valias resultantes da transmissão dos imóveis destinados a habitação própria a favor dos fundos de investimento que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num contrato de arrendamento;

d) isenção de IMI sobre os imóveis destinados a arrendamento para habitação permanente, enquanto estes se mantiverem na titularidade do FIIAH;

e) isenção de IMT quanto as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelo fundo de investimento, bem como das aquisições por força do exercício da opção de compra pelos arrendatários de imóveis que integram o património dos fundos de investimento;

f) Isenção de Imposto de Selo quanto a todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade em direito de arrendamento sobre os mesmos imóveis, bem como o exercício da opção de compra previsto no contrato.

 

21. O regime supra descrito aplica-se, com as necessárias adaptações às sociedades de investimento imobiliário que venham a constituir-se ao abrigo da lei especial e que observem o disposto no regime especial aplicável aos FIIAH. As isenções supra mencionadas configuram e enquadram-se no conceito de benefícios fiscais, nos termos previstos no EBF, porquanto assumem a natureza de medidas de carácter excecional, instituídas para a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem. Os benefícios fiscais traduzem-se em factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária.

 

22. Posto isto, afigura-se claro que o regime especial supra descrito, criado em 2008 para vigorar a partir de 2009, teve um propósito claro de dar resposta a uma situação de crise, acautelar os interesses das famílias com dificuldades em pagar a prestação do crédito à habitação, incentivando o recurso ao arrendamento, com opção de compra por parte do arrendatário, libertando os negócios inerentes da carga fiscal a que estariam sujeitos em circunstâncias normais. Por isso, estes regimes especiais podem ser concedidos para um determinado período de tempo.

Fica igualmente claro que a operacionalidade dos benefícios fiscais previstos neste regime especial, ficam condicionados a um pressuposto, que é o de os imóveis serem objeto de um contrato de arrendamento para habitação própria permanente.

Caso se verifique que os prédios urbanos ou frações são ou venham a ser destinados a outro fim que não o arrendamento, então os benefícios fiscais supra mencionados não poderão manter-se.

 

23. De notar que esta conclusão se impõe sem necessidade de recorrer à norma transitória do artigo 236º da LOE para 2014. A única novidade que esta lei introduz quanto aos imóveis adquiridos anteriormente à sua entrada em vigor é a introdução de um prazo para além do qual, caso não seja dado ao imóvel o destino prescrito pela lei, então, independentemente de virem a ser alienados ou não, destinados a outro fim ou não, ficarão sujeitos à liquidação dos impostos de que tenham sido isentos no momento da sua aquisição.

A verdade é que, do regime jurídico em presença resulta (como já resultava à luz da versão introduzida em 2008), sempre que o prédio urbano venha a ter um destino diferente do arrendamento para habitação própria, então, falha um dos pressupostos para a aplicação do benefício fiscal. Dito de outro modo, o que era objeto de isenção poderá deixar de o ser e ficar sujeito a tributação, sempre que não se verifiquem o(s) pressuposto(s) da isenção legalmente previstos e a sua condição de futura. Assim, se um destes prédios urbanos vier a ser alienado ou alvo de um outro tipo de negócio jurídico diferente daquele que está previsto na lei como isento de tributação (arrendamento para habitação própria) é de concluir que cessa a isenção fiscal concedida. Nem podia ser de outro modo, sob pena de frustração total dos objetivos extrafiscais que o legislador pretendeu acautelar com o regime introduzido em 2008.

Quanto à natureza dos impostos em presença, os quais se caracterizam como impostos de obrigação única, isso em nada impede que a isenção concedida esteja sujeita a condições a manter no futuro, impostas pela lei que concede o benefício.[2] no caso, o destino do imóvel a arrendamento para habitação permanente ou a sua venda futura ao arrendatário que exerça o direito de opção previsto no contrato.

 

24. Atendendo às alterações introduzidas pela LOE para 2014, a qual adicionou os nºs 14, 15 e 16 ao artigo 8º, verifica-se que estes normativos legais dispõem o seguinte:

“ (…)

14 – Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15- Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos nºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no nº 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

 

Por último, o artigo 236º, estabelece o seguinte regime transitório:

 

“1 - O disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (…) é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014

2- Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8º do regime especial dos FIIAH e SIIAH (…) é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no nº 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

 

Com as normas supra referidas, o legislador veio clarificar alguns conceitos subjacentes ao regime especial, que a lei de 2008 não esclarecera de forma tão explícita, nomeadamente, o significado de “prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” (conceito que não era sequer inovador), bem assim como precisar as circunstâncias em que cessam os benefícios de isenção fiscal concedidas pelo regime especial. Mas, convém referir que, à luz do regime especial previsto no artigo 8º, na sua redação originária, já estava consagrada a condição essencial para que os prédios integrados nos FIIAH e nas SIIAH pudessem beneficiar das isenções, e que era exatamente a que atualmente se encontra prevista na versão introduzida pela LOE para 2014: terem como destino o arrendamento para habitação permanente.

Qualquer outro destino dado aos prédios em causa, nomeadamente a sua alienação, implicava à luz do regime estabelecido em 2008 a cessação dos benefícios fiscais resultantes deste regime especial.

 

25. Assim, a introdução dos normativos supra descritos apenas vieram esclarecer alguns conceitos, introduzir um prazo limite para os FIIAH e as SIIAH celebrarem os contratos de arrendamento para habitação própria permanente, o que já anteriormente era condição para fazer operar os benefícios fiscais legalmente previstos. Não se vislumbra que da introdução destes normativos resulte algo, verdadeiramente, inovador, que altere ou ponha em causa as legítimas expetativas destes fundos de investimento e sociedades de investimento, os quais foram criados especificamente para resolver um problema particular, relacionado com a crise económica que afetou muitas famílias em risco de perda da sua habitação sem qualquer solução alternativa. Por isso, o legislador criou este regime especial de tributação, em 2008 (LOE para 2009) para evitar prejuízos sociais e económicos que prejudicariam as famílias e as instituições de crédito, as primeiras pela perda dramática do seu direito à habitação e os segundos pela impossibilidade de recuperar os seus créditos.

Nos termos dos normativos introduzidos pela LOE para 2014 resulta também, que no caso dos prédios que integram os FIIAH e as SIIAH não serem objeto de contrato de arrendamento no prazo de 3 anos, a contar da data do seu ingresso no património do fundo, as isenções previstas, em sede de IMI, IMT e Imposto do Selo, caducam (ficam em efeito) e constituem o sujeito passivo na obrigação de solicitar à AT a liquidação do respetivo imposto, no prazo de 30 dias subsequentes ao termo daquele prazo. Donde resulta também que, se os prédios forem alienados antes dos três anos estão obrigatoriamente sujeitos aos impostos devidos. A única circunstância em que tal não sucederá é, precisamente, a que está e sempre esteve (desde 2008) prevista na lei como condição para as isenções: os prédios serem objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente, ou alienados como consequência do cumprimento deste contrato de arrendamento com opção de compra, exercida que seja esta opção pelo respetivo arrendatário.

 

26. Ora, no caso concreto dos presentes autos as circunstâncias que determinaram as liquidações impugnadas não são consequência da aplicação da lei nova, mas sim do incumprimento da condição subjacente ao benefício fiscal. Pelo que, não colhe o argumento da Requerente quanto à invocada inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade previsto no artigo 103º, nº3 da CRP. Não colhe, também, a alegação de que à data em que o imóvel integrou o património do fundo, as isenções de IMT e IS consagradas não dependiam da verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem estavam sujeitas a qualquer regime de caducidade.

Ora, sendo verdade que a LOE para 2014 veio introduzir os normativos supra enunciados, com as inovações referidas, não parece que a razão subjacente às liquidações impugnadas resulte da aplicação de algum dos normativos agora introduzidos, mas sim do facto de ter sido dado ao imóvel outro destino, diferente do previsto na lei desde a sua versão originária, a qual impunha aos sujeitos passivos que pretendessem beneficiar destas isenções, o dever de cumprir o pressuposto legal: que os prédios sejam destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

 Os benefícios fiscais que o legislador prevê quando entende que razões ponderosas o justificam, obstam à tributação, mas sempre condicionados à verificação dos requisitos legais. O facto de estarmos perante tributos de obrigação única não impede que assim seja. São por natureza excecionais e por obstarem à tributação, que em circunstâncias normais incidiria sobre os factos tributários em causa, devem ser bem ponderados e regulamentados com pormenor e equilíbrio, sob pena de permitirem um aproveitamento abusivo e contrário ao fim extrafiscal que visam alcançar. Por isso, o legislador nunca concede benefícios fiscais sem imposição de condições ou pressupostos aos quais o sujeito passivo está obrigado, sob pena de se sujeitar á tributação normal prevista.

Por consubstanciarem derrogações às regras gerais de tributação previstas na lei, os benefícios fiscais colocam, naturalmente, questões de cumprimento dos imperativos decorrentes dos princípios da capacidade de pagar e da igualdade. O seu suporte fundamentador é, em todo o caso, o fim social, económico ou de outra natureza que visa alcançar. Por isso mesmo nunca é incondicional ou concedido sem definição de pressupostos de facto e de direito bem definidos na lei, a partir dos quais possa ser reconhecido o benefício fiscal.

Como refere a este propósito Benjamim da Silva Rodrigues, não obstante se tratar de “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, os referidos benefícios fiscais paralisam, em alguma medida, a potencialidade jurígena do facto tributário. “ [3]

Neste sentido, segundo Alberto Xavier, “as isenções podem ainda distinguir-se em puras e condicionais, sendo estas últimas aquelas em que a eficácia do facto impeditivo se encontra subordinada à realização de um facto acessório que é uma «conditio iuris» (…) os benefícios condicionados traduzem-se em subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos beneficiários.” [4]

Por isso, o legislador não concede benefícios fiscais sem imposição de requisitos ou pressupostos e condições, aos quais o sujeito passivo está obrigado, sob pena de se sujeitar à tributação normal prevista.

No caso do regime jurídico em análise estamos perante um benefício fiscal condicionado, isto é, o benefício depende de se verificarem certos pressupostos previstos na lei. [5]

Ao consubstanciarem derrogações às regras gerais de tributação previstas na lei, os benefícios fiscais colocam, naturalmente, questões de cumprimento dos imperativos decorrentes dos princípios da capacidade de pagar e da igualdade, pelo que devem ser ponderados em função dos fins a salvaguardar. O seu suporte fundamentador é o fim social, económico ou de outra natureza que visa alcançar. Por isso mesmo nunca é incondicional ou concedido sem definição de pressupostos de facto e de direito bem definidos na lei.

Pelo que, caso esses pressupostos não se verifiquem o benefício fiscal não pode operar, quer se trate de benefícios automáticos quer dependentes de reconhecimento.

Como resulta do disposto nos artigos 12º do EBF “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento”. Daqui se depreende que a regra é que o direito aos benefícios fiscais se constitui com a verificação dos respetivos pressupostos previstos na lei.

Aliás, em reforço deste entendimento, o artigo 5º do EBF dispõe que os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo os primeiros resultantes direta e imediatamente da lei, enquanto os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.

 A tudo isto acresce que nos termos do artigo 65º do CPPT “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei”.

 

Para o caso em análise nos presentes autos releva, em particular, a última parte deste dispositivo legal, dado que o direito aos benefícios fiscais em causa depende exclusivamente da prova da verificação dos pressupostos previstos na lei.

Por último, nos termos do artigo 7º do EBF “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira.”

 

27. Posto isto, conclui-se que a LOE para 2014 veio, efetivamente, clarificar e estabelecer uma nova condição ao pressuposto legal já anteriormente previsto para o direito à isenção, a saber: caso a afetação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no prazo de 3 anos após a entrada do imóvel no fundo, o fundo tem que requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado ab initio.

Porém, não foi a aplicação deste prazo, introduzido na versão da LOE para 2014, que originou as liquidações impugnadas. Estas foram uma consequência derivada do facto de ter sido dado um destino ao prédio urbano em causa distinto daquele que, desde a introdução na ordem jurídica deste regime especial de tributação (2008), era exigido como pressuposto para o direito à isenção de IMT e de IS.

Como resulta provado pelo teor das liquidações impugnadas o imóvel foi alienado por permuta, e foi por isso que o benefício fiscal caducou, por incumprimento do pressuposto para o direito à isenção.

 

Nas alegações juntas aos autos, as partes, renovam o que já haviam alegado anteriormente. Contudo, a Requerente veio juntar em anexo às suas alegações um parecer jurídico, que, com a devida consideração pelas opiniões jurídicas nele expressas e desenvolvidas, se centra na análise da inconstitucionalidade da norma do artigo 236º, quando aplicada aos casos constituídos antes da sua entrava em vigor.[6] Todo o louvor que possa reconhecer-se ao parecer junto, não nos permite chegar a conclusão diferente da que vem exposta, já que, mesmo admitindo que a aplicação do normativo do artigo 236º da LOE para 2014, implique um grau de retroatividade na sua aplicação eventualmente incompatível com o disposto no artigo 103º da CRP, ainda assim, essa tese em nada modificaria a correta decisão do presente caso. É que as liquidações impugnadas não foram geradas por consequência da aplicação desse normativo, como sobejamente já se explicou.

Por tudo o que se deixa exposto supra, é nosso entendimento que a origem das liquidações em causa não decorre da aplicação retroativa daquele normativo, mas sim do diferente destino dado ao prédio, o que sempre teria como consequência a necessária liquidação dos impostos devidos por caducidade das isenções concedidas sob condição do imóvel se destinar a arrendamento para habitação permanente.

Resulta provado que o prédio urbano em causa não teve como destino o arrendamento para habitação permanente nem a alienação ocorrida (referenciada nas notas de liquidação como permuta) ocorre por exercício do direito de opção de compra por parte do arrendatário.

 

28. Não está em causa a retroatividade ou não dos normativos introduzidos pela LOE para 2014, nem se afigura existir qualquer lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, porquanto bem sabia que o pressuposto para operar as isenções de IMT e de IS, estabelecido desde a versão de 2008, era o de que as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos fossem destinados, exclusivamente, a arrendamento para habitação permanente. Por último, o novo regime estabelecido pela norma transitória contida no artigo 236º da LOE para 2014, não tem relação causal com a razão de ser das liquidações em causa, sendo que os normativos introduzidos não alteram os requisitos da isenção estabelecidos pelo regime especial de tributação aplicável aos SIIAH e FIIAH, em vigor desde 01-01- 2009.

 Nesta conformidade, entende este Tribunal que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo, impugnadas nos presentes autos, se afiguram legais, por serem conformes ao disposto no artigo 8º, nº7, alínea a) do regime jurídico dos FIIAH.

Sendo assim, considera-se improcedente o presente pedido arbitral.

 

- Quanto ao pedido de Juros indemnizatórios:

 

29. Face à improcedência do pedido arbitral improcedem também os restantes pedidos, nomeadamente o de reembolso dos valores pagos, bem assim como o pedido de juros indemnizatórios.

 

V - DECISÃO

Termos em que se decide:

 

a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter os atos tributários impugnados;

b) Absolver a Requerida de todos os pedidos formulados;

b) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €3.736,62 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.   

 

Notifique.

Lisboa, 19 de dezembro de 2016

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

 

     ___________________________________

     (Maria do Rosário Anjos)

 



[1] Cfr. Ac. STA de 21-01-2015, in proc. 0703/2014, disponível in www.dgsi.pt.

 

[2] Sobre esta questão, vd. Benjamim Silva Rodrigues (2013) “Retroactividade Fiscal na Constituição de 1997

e a Actual Jurisprudência Constitucional”, in Garantias dos Contribuintes no Sistema Tributário, Obra de Homenagem a Diogo Leite de Campos, Editora Saraiva, S. Paulo, Brasil, págs. 55 e segs.

[3] Cfr. Benjamim da Silva Rodrigues, in Garantias dos Contribuintes no Sistema Tributário, Homenagem a Diogo Leite de Campos, Editora Saraiva, 2013, S. Paulo, Brasil, págs. 55 e ss.

[4] Cfr: Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, Manuais da FDL, 1974, págs.290 e ss.

 

[6] Parecer Jurídico emitido pelos Srs. Professores C… e D…, junto pela Requerente aos autos, em anexo às suas Alegações.