Decisão Arbitral
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 25.11.2015, decide nos termos que se seguem:
I. RELATÓRIO
1. No dia 24.08.2015, a Cabeça de Casal de A…, NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas designada por “AT”).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14.09.2015.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram notificadas dessa designação em 10.11.2015, não se tendo oposto à mesma.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 25.11.2015, tendo-se seguido os pertinentes trâmites legais.
6. A pretensão da Requerente nos presentes autos é no sentido de ser declarada a invalidade da liquidação de imposto do selo emitida ao abrigo da verba 28.1 da TGIS e que incidiu sobre o prédio urbano em regime de propriedade total sito na Rua…, n.º…, … inscrito na matriz predial da respetiva freguesia sob o artigo…, no montante total de € 12.624,06 e referente ao ano de 2013.
III. SANEAMENTO
1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
IV. MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de se entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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A Requerente é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua …, n.º…, em…, inscrito na matriz da respetiva freguesia sob o artigo…, correspondente a um prédio em propriedade total com 22 divisões suscetíveis de utilização independente.
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Na sequência da avaliação a que foi sujeito em 2013, foi atribuído ao prédio acima identificado o valor patrimonial tributário (VPT) global de € 1.391.443,00, correspondente ao somatório dos VPTs atribuídos a cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente.
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Das 22 divisões suscetíveis de utilização independente que constituem o prédio, 20 têm, nos termos da caderneta predial, afetação habitacional.
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O valor patrimonial tributário global dessas 20 divisões ascende a € 1.262.406,00.
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No ano de 2014, relativamente ao ano de 2013, a AT emitiu a liquidação de imposto do selo impugnada, no valor de € 12.624,06.
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Em 14.05.2014, o prédio em questão foi constituído em propriedade horizontal.
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Em 25.08.2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação.
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A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 29.05.2015 da Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, notificado à Requerente através do ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º…, de 01.06.2015.
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No dia 24.08.2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral singular.
IV.2. Factos não provados
Não há factos com relevância para a causa que tenham sido considerados não provados.
V. THEMA DECIDENDUM
A questão essencial em causa no presente processo passa por determinar, com referência a um prédio urbano não constituído em regime de propriedade horizontal, integrado por diversas áreas com utilização independente, com afetação habitacional, se o VPT relevante para efeitos da tributação em sede de imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS deve ser o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares independentes ou se, pelo contrário, deve ser tido em conta, para efeitos de incidência do imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente.
VI. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A verba 28 da TGIS vigente em 2013 previa o seguinte:
28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
No presente processo há que decidir se o VPT relevante como critério de incidência do imposto do selo nos termos da verba 28.1 da TGIS é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às várias divisões suscetíveis de utilização independente (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma daquelas divisões.
Esta questão já foi apreciada em diversos processos de arbitragem tributária, não se vislumbrando motivos para adotar entendimento diferente daquele que foi adotado em decisões proferidas anteriormente. Assim:
Nos termos do n.º 2 do artigo 67.º do CIS, quanto “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.” Reportando-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédios urbanos, importa buscar o conceito de prédio urbano no CIMI.
O CIMI estabelece, no artigo 2.º, n.º 1, o conceito de prédio. Define-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
Já o artigo 4.º do CIMI estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.
Por sua vez, o artigo 6.º do mesmo Código procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”. Por sua vez, o n.º 2 positiva o critério utilizado para essa distinção, definindo que os “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
No que concerne à questão concreta objeto da presente decisão, importa atender ao artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, nos termos do qual “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.”.
Por fim, nos termos do artigo 119.º n.º 1 do CIMI, “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.”
Conforme reconhece a doutrina, o conceito fiscal de prédio afasta-se do conceito civilista de prédio, ao contrário do que sustenta a Requerida, sendo que, “Para efeitos fiscais, o n.º 1 deste artigo [2.º do CIMI] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico.”
(Cf. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, “Os Impostos sobre o Património Imobiliário, o Imposto do Selo, Anotados e Comentados”, Engifisco, 1.ª edição, 2005, pág. 101).
Assim, “o elemento físico vem definido pela referência a “toda a fração de território”, abrangendo águas, plantações e construções de qualquer natureza nela incorporadas ou assentes com carácter de permanência. No plano jurídico, é atribuída relevância à patrimonialidade. O bem, no sentido físico, deve ser passível de integração no património de uma pessoa singular ou coletiva. (…) O requisito do valor económico encontra-se, naturalmente, associado ao requisito da patrimonialidade, decorrendo daí a susceptibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.” (op.cit.).
No caso concreto, parece-nos que todos os três requisitos mencionados se verificam, na medida em que as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente objeto do ato de liquidação em causa têm correspondência física com a realidade, integram o património da Requerente e possuem um valor económico que, quanto mais não seja, decorre do VPT que lhes foi atribuído pela avaliação realizada pela AT.
Assim, parece-nos que as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, preenchendo todos os requisitos para que possam qualificar-se como um “prédio”, em termos económicos, físicos e de patrimonialidade, deverão ser consideradas autonomamente para efeitos da incidência da verba 28.1 da TGIS.
Acresce que, na regra de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, o legislador não entendeu relevante distinguir entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade vertical. E isto, em nosso entender, porque o que releva, em última análise, é o destino económico do imóvel, como decorre, também, do artigo 6.º do CIMI, em face dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP. Na verdade, em termos de substância económica, não existe qualquer diferença entre um edifício em propriedade horizontal e um edifício em propriedade vertical ou total constituído por partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, justificando-se, portanto, em termos de regras de incidência – e, em particular, da regra constante da verba 28.1 da TGIS – o tratamento igual destas duas situações. Aliás, também o legislador fiscal determina esse tratamento igualitário, no artigo 119.º do CIMI, quando estabelece que o imposto deverá ser liquidado individualmente sobre cada parte ou divisão suscetível de utilização independente, tendo em consideração o VPT de cada parte ou divisão suscetível de utilização independente, individualmente considerada.
Resulta do exposto que deverá aplicar-se indistintamente, quer aos prédios urbanos habitacionais constituídos em propriedade horizontal, quer os que se encontram em propriedade total ou vertical, a regra constante da verba 28.1 da TGIS, devendo o imposto incidir sobre o VPT atribuído pela Requerida, através de avaliação geral, a cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente.
Em face do que antecede, e atento o facto de que nenhuma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente objeto do ato de liquidação impugnado tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, como ficou demonstrado nos presentes autos, conclui-se pela procedência do pedido da Requerente, considerando-se ilegal o ato de liquidação impugnado, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e violação do artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da verba 28.1 da TGIS, devendo o referido ato ser anulado, com a consequente restituição do imposto pago.
Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º da LGT estipula que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, considera-se o mesmo verificado, segundo jurisprudência uniforme do STA (vejam-se, neste sentido, os Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167 e de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09).
Assim, não há dúvidas de que a Requerente tem direito a ser ressarcida através do recebimento de juros indemnizatórios, calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e do artigo 61.º, números 2, 3 e 5, sobre as quantias pagas referentes às liquidações anuladas.
VII. DECISÃO
Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se:
(i) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de imposto do selo impugnada, com a consequente anulação e restituição do imposto pago;
(ii) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;
(iii) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
Valor: em conformidade com o disposto nos artigos artigo 97.º - A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 12.624,06.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a pagar pela Requerida nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 10 de março de 2016
A Árbitro,
Raquel Franco