Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 520/2015-T
Data da decisão: 2016-02-21  Selo  
Valor do pedido: € 15.656,10
Tema: IS – Propriedade vertical; verba 28 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

 

Relatório

 

1. A…, S.A., contribuinte n.º …, com sede social na Rua …, n.º…, …, em Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo, no montante global de € 15 656,10, relativos ao prédio urbano, não constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de União das Freguesias de … e … sob o artigo… . A referida liquidação, efectuada com base na norma do art. 1.º do Código do Imposto do Selo, conjugada com a Verba 28 da respectiva Tabela Geral, reporta-se ao ano de 2014.

 

2. Como fundamento do pedido, alega a Requerente, em síntese, que a tributação prevista nas citadas normas tem como objecto os prédios urbanos, com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI seja igual ou superior a € 1 000 000. No caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal mas integrados por partes ou divisões susceptíveis de utilização independente o valor patrimonial utilizado para efeitos de IMI, e consequentemente, relevante para efeitos da incidência do imposto do selo, é, de acordo com a norma supra citada, o determinado relativamente a cada uma dessas partes ou divisões.

 

3. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) -, em resposta ao alegado pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos questionados actos de liquidação, com fundamento na circunstância de se estar perante um único prédio urbano, sendo relevante para efeitos de incidência do imposto do selo o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às diversas partes que o integram.

 

4. Porém, tal posição da Requerida, formulada por impugnação "e à cautela", não afasta a questão prévia por ela suscitada, relativa à incompetência material do Tribunal Arbitral. Tem esta como suporte a circunstância de, segundo entende, o pedido de pronúncia arbitral ter por objecto a "anulação das notas de cobrança da 1.ª prestação do imposto do selo, ano de 2014."

 

5. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 29 de julho de 2015, foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 31 de agosto seguinte.

 

6. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 19 de outubro de 2015.

 

7. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

8. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 3 de novembro de 2015.

 

9. Regularmente constituído, o tribunal arbitral, sem prejuízo do que decidir quanto à excepção invocada pela Requerida, é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

11. Não foram proferidas alegações orais por desnecessárias. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais:

 

12.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano situado na Rua …, n.º…, União das Freguesias de … e …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … .

 

12.2. O referido prédio, em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, é composto de cave, rés-do-chão, casa do porteiro, garagem e 5 andares, num total de 7 pisos.

 

12.3. De acordo com a respectiva inscrição matricial, o somatório dos valores patrimoniais tributários das diversas partes que integram o referido prédio é de € 1 565 610,00, conforme individualizados no seguinte quadro:

 

(Valores em euros)

Prédio/Andar

Valor patrimonial

Colecta

R/C

141 800,00

1 418,90

Port.

69 300,00

693,00

1.º Dt.º

178 050,00

1 780,50

1.º Esq.º

178 050,00

1 780,50

2.º Dt.º

178 050,00

1 780,50

3.º Dt.º

145 760,00

1 457,60

3.º Esq.º

145 760,00

1 457,60

4.º

293 930,00

2 939,30

5.º

56 700,00

567,70

Total

1 565 610,00

15 656,10

 

12.4. Para pagamento em abril de 2015 foram remetidas à Requerente as notas de cobrança relativas à primeira prestação das liquidações em causa (Docs. 2 a 11).

 

12.5. Na sequência da referida comunicação, a Requerente formulou o presente pedido de pronúncia arbitral, pugnando pela declaração de ilegalidade das questionadas liquidações de imposto do selo e consequente anulação.

 

Questão prévia

 

13. Sintetizados os elementos factuais relevantes, bem como as posições que, em matéria de interpretação do direito aplicável, vêm sustentadas pelas partes, importa, antes de mais, analisar e decidir a questão prévia suscitada pela Requerida que, como acima referido, se prende com a incompetência do tribunal arbitral para apreciar e decidir o objecto do pedido.

 

14. Considera a Requerida que o presente processo tem como objecto a anulação não de um acto tributário mas, antes, do pagamento de uma prestação - a primeira - de um acto tributário, constante de notas de cobrança que a Requerente junta ao seu pedido.

 

15. Segundo a Requerida, trata-se de matéria que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do artigo 2.º do RJAT.

 

16. De onde, ainda de acordo com o alegado pela Requerida, resulta que o objecto do pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do tribunal arbitral.

 

17. Em abono da sua tese, a Requerida cita diversas decisões arbitrais, no sentido da inimpugnabilidade autónoma de prestações de pagamento de imposto.

 

18. Todavia, da simples leitura do pedido de constituição do Tribunal Arbitral resulta com evidência que o seu objecto são as liquidações de imposto do selo relativas a um determinado prédio, nele identificado, e ao ano de 2014, no montante global de € 15  656,10, sendo este o valor atribuído ao processo.

 

19. Nestes termos, e sem necessidade de mais detalhada indagação, o Tribunal considera totalmente improcedente à excepção de incompetência material invocada pela Requerida.

 

Matéria de direito

 

20. Como já antes referido, no pedido de pronúncia arbitral sustenta a Requerente, no essencial, que a norma da Verba 28 da Tabela Geral dos Imposto do Selo não é aplicável a prédios em propriedade total integrados por partes ou divisões susceptíveis de utilização independente sempre que o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das que se destinem a habitação não exceda € 1 000 000.

 

21. Para além de questionar directamente a norma de incidência tributária na interpretação subjacente às questionadas liquidações a Requente invoca a violação do princípio constitucional da igualdade que decorre do artigo 13,.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

 

22. Ao alegado pela Requerente, respondeu a AT, em síntese, que a Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre os prédios urbanos com afetação habitacional e que o valor patrimonial tributário de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da lei, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente. Concluindo, assim, que o acto tributário em causa, não tendo violado qualquer norma legal, deve ser mantido.

 

23. Das posições expressas pela Requerente e Requerida, acima sintetizadas, decorre estar em causa a apreciação de matéria estritamente jurídica, sendo desnecessária a produção de prova, para além dos elementos documentais juntos ao processo.

 

24. Com efeito, a questão a decidir centra-se, tão-somente, em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da TGIS se contêm, ou não, os prédios urbanos habitacionais, que, embora não constituídos em propriedade horizontal, sejam integrados por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sempre que o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas partes distintas não excede o valor de € 1.000 000.

 

25. Por outras palavras, trata-se de saber se o elemento quantitativo relevante previsto na referida norma deve ser considerado em função do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das partes, como pretende a Requerente ou se esse elemento é o que resulta do somatório dos valores patrimoniais a elas atribuído, conforme defende a AT.

 

26. Importa, assim, antes de mais, uma análise, ainda que sucinta, dos pressupostos da incidência do imposto do selo sobre prédios urbanos com afetação habitacional, com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respectivos conceitos legais.

 

Da incidência tributária

 

27. Através da Lei n.º 55-A/2912, de 29/10, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a Verba 28, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000.

 

28. A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI, sendo aquele tributo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano (CIS, art.23.º, n.º 7), à taxa de:

- 1%, por prédio urbano com afectação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

29. São sujeitos passivos e devedores do imposto, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de dezembro do ano a que o tributo respeita, conforme decorre do artigo 8.º do CIMI, por remissão expressa dos artigos 3.º, n.º 3, alínea u), e 2.º, n.º4, do Código do Imposto do Selo.

 

30. No tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, determinação da base tributável, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos artigos 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Em geral, por remissão do artigo 67.º, n.º2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas as disposições do CIMI.

 

31. Não se questionando, no presente caso, a espécie do prédio em causa, classificado como de urbano e de afetação habitacional, de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 2.º, 4.º e 6.º do Código do IMI, está apenas em causa saber-se qual o exacto sentido de "valor patrimonial considerado para efeitos de IMI" constante da norma de incidência do imposto do selo.

 

32. Há, assim, que recorrer às regras do Código do IMI relativas ao tratamento que, em sede deste imposto, é conferido às partes de prédios urbanos susceptíveis de utilização independente, em especial no tocante à determinação do respectivo valor patrimonial tributário e regras aplicáveis à liquidação e pagamento do respectivo tributo.

 

33. De acordo com o n.º 3 do artigo 12.º do citado Código, que estabelece o conceito de matriz predial, "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário."

 

34. A autonomização na matriz das partes funcional e economicamente independentes de um prédio em propriedade total prende-se razões de índole fiscal e extrafiscal. No plano fiscal, essa autonomização tem a ver com a própria determinação do valor patrimonial tributário, que constitui a base tributável do IMI, dado que a fórmula de determinação desse valor, prevista no artigo 38.º do mesmo Código, comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessas partes; no plano extrafiscal, essa autonomização continua a encontrar justificação na relevância atribuída ao valor patrimonial tributário  de prédios e suas partes autónomas na legislação do arrendamento urbano.[1]

 

35. Porém, na economia do IMI, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente não se limita à sua separação na inscrição matricial e discriminação do respetivo valor patrimonial tributário. Essa autonomia estende-se à própria liquidação.

 

36. Com efeito, determina o artigo 119.º, n.º 1, do mencionado Código, que o documento de cobrança do imposto deverá conter a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização de independente e respectivo valor patrimonial tributário. Para cumprimento deste preceito, a liquidação do IMI, no estrito sentido de aplicação da taxa à base tributável, não toma como referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às partes autónomas de um mesmo prédio, mas o valor atribuído a cada uma delas individualmente considerado.

 

37. No mesmo sentido da individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas de prédios urbanos, releva, ainda, a norma do n.º 1 do artigo 15.º-O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro.

 

38. De acordo com o preceituado na referida norma, a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objecto da referida avaliação.

 

39. Resulta, assim, das normas relevantes do CIMI, por remissão aplicáveis ao imposto do selo, que as partes autónomas de prédios urbanos assumem plena autonomia, em termos de avaliação e descrição na matriz e liquidação do imposto.

 

40. Ao referir-se ao valor patrimonial considerado para efeitos do IMI, a norma de incidência e quantificação do imposto do selo a que se refere a Verba 28 da respectiva Tabela não pode senão apelar para a realidade acima descrita, ou seja, para o valor patrimonial tributário considerado em sede de IMI relativamente a cada parte de prédio urbano susceptível de utilização independente.

 

41. Como, de resto, se encontra espelhado nas liquidações que se questionam no presente pedido de pronúncia arbitral: a Administração Tributária depois de, sem apoio legal, operar o somatório dos valores patrimoniais tributários das diversas partes autónomas do prédio para daí extrair o pressuposto quantitativo da incidência do imposto do selo, opera a liquidação com referencia a cada uma dessas partes ainda que, individualmente, nenhuma delas atinja aquele valor.

 

 42. Salienta-se que a questão colocada neste processo é, em tudo, idêntica às que foram colocadas e decididas em numerosas decisões arbitrais [2] , a cuja conclusão, no sentido da ilegalidade da decisão da Administração Tributária de sujeitar a tributação as partes habitacionais de um prédio em propriedade total em função do VPT global do prédio e não do que é efectivamente atribuído a cada parte, se adere inteiramente.

 

Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida;

 

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações questionadas.

 

 

Valor do processo: € 15 656,10.

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918, 00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 21 de fevereiro de 2016.

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 



[1]  Vd. Silvério Mateus e Leonel Corvelo de Freitas, "Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto do Selo Comentados e Anotados", Engifisco, Lisboa 2005, pags.159 e 160.

[2]  Entre muitas outras e referindo-se apenas mais recentes: 207/2015-T, 236/2015-T, 237/2015-T, 238/2015-T, 250/2015-T, 253/2015-T, 263/2015-T, 273/2015-T, 280/2015-T, 302/2015-T, 305/2015-T, 306/2015-T, 311/2015-T, 323/2015-T, 329/2015-T, 340/2015-T, 399/2015-T, 411/2015-T, 449/2015-T, 461/2015-T, 463/2015-T